Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
443/07.9 TBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: MÁQUINA DE JOGO
REGISTO
LICENÇA
Data do Acordão: 04/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FUNDÃO – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 20.º, N.º 1, 43.º, N.ºS 1 E 2 E 48.º, N.º 1, ALÍNEA A), 82.º, N.º 3, ALÍNEA A) AMBOS DO DL N.º 310/2002, DE 18 DE DEZEMBRO
Sumário: 1. A atribuição de licença visa acautelar que, discricionariamente, a entidade respectiva assegure a tutela do que genericamente se pode apelidar de ordem pública. Donde que a necessidade de uma consideração casuística, por cada uma das câmaras em que venha a encontrar-se a máquina em exploração.

2. Outro tanto não ocorre relativamente ao registo que, perfeito uma vez pela apresentação dos documentos mencionados, sem qualquer prazo de caducidade que o condicione temporalmente (ao invés das licenças de exploração com duração semestral ou anual), não carece de sucessivas e idênticas ponderações.

Decisão Texto Integral: Recurso n.º 443/07.9 TBFND.C1 (280).

Recurso de Contra Ordenação n.º 443/07.9 TBFND, do Tribunal Judicial do Fundão (1.º Juízo).


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Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

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I – Relatório.

1.1. D…, com sede na Rua das Alminhas, n.º ??, freguesia de São Pedro da Cova, Gondomar, foi administrativamente sancionada pela Câmara Municipal do F... no pagamento de uma coima no valor arbitrado de € 1.680,00, pois que incursa na violação ao disposto, conjugadamente, nos artigos 20.º, n.º 1 e 48.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei [DL] n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, e 43.º, n.ºs 1 e 2 e 82.º, n.º 3, alínea a), estes do Regulamento do Exercício das Actividades Diversas Sujeitas a Licenciamento Municipal.

Não se revendo no sancionamento aplicado, a arguida impugnou judicialmente a decisão em causa, embora sem ganho de causa, pois que, por meio de despacho, se considerou improcedente a oposição deduzida.

1.2. Persistindo ainda na irresignação com a manutenção do decidido, recorre agora para este Tribunal, extraindo da pertinente motivação a formulação das conclusões seguintes:

1.2.1. A máquina de diversão em causa nos presentes encontrava-se registada na Câmara Municipal de Pombal sob o n.º PBL258/05 desde, pelo menos, 28/06/2005.

1.2.2. Para prova da existência e validade de tal título de registo, juntou a recorrente, com o seu recurso de impugnação, cópia simples do titulo de registo em causa, bem como, requereu que fosse oficiada à referida Câmara Municipal “para vir aos autos juntar toda e qualquer documentação relativa ao pedido de registo de máquina de diversão que veio a ser deferido por tal entidade sob o n. ° PBL 258/05, em 28/06/2005.”

1.2.3. No seu arbítrio, decidiu, no entanto, o M.mo Juiz a quo não realizar a referida diligência de prova, tendo por existente o aludido titulo de registo, com base na cópia simples que foi junta pela recorrente com o seu recurso de impugnação, pelo que, deu por assente, conforme resulta do despacho ora recorrido, nos factos considerados provados, que “a máquina dos autos encontra-se registada.”

1.2.4. Não obstante, e apesar de haver dado como provada a existência de um título de registo para a máquina dos autos, o que sempre impediria a condenação da recorrente por uma qualquer falta/inexistência do mesmo, entendeu o mencionado M.mo Juiz ser de julgar improcedente o recurso de impugnação apresentado, por não haver sido, esse mesmo registo, emitido pela Câmara Municipal do F..., pois que, no seu entendimento, estando a máquina dos autos colocada à exploração no concelho do F..., sempre se exigia à proprietária da mesma que tivesse requerido o respectivo registo junto do Presidente da Câmara Municipal desse concelho.

1.2.5. Ora, de modo algum se pode concordar com tal conclusão, uma vez que, a mesma, parece resultar, de uma errada aplicação do direito, no que ao licenciamento do exercício da actividade de exploração de máquinas de diversão diz respeito, até porque, ainda que efectivamente a lei, através do D.L. n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, exija, no seu artigo 20.º, que o registo de uma qualquer máquina, submetida ao regime do capítulo onde se insere aquele artigo (como seja, a máquina dos autos), seja requerido ao presidente da Câmara Municipal onde a mesma se encontra ou onde se presume irá ser colocada em exploração, de forma alguma, a mesma lei determina a obtenção de um qualquer novo título de registo aquando da mudança de local de exploração das referidas máquinas, de um para outro concelho do nosso País,

1.2.6. Mais que, e conforme até bem refere o Tribunal recorrido, no despacho sob censura, o n.º 2 do referido artigo 20.º, preceitua que “o registo é requerido pelo proprietário da máquina ao presidente da câmara onde se encontra ou em que se presume irá ser colocada em exploração”, donde resulta que, o referido dispositivo legal, no qual o Tribunal a quo se baseia para sustentar a condenação da ora recorrente pela alegada falta de título de registo, “oferece” a possibilidade de um qualquer proprietário de uma qualquer máquina de diversão, sujeita àquele regime, requerer o registo da mesma junto do presidente da câmara municipal onde se presume que tal máquina venha a ser colocada em exploração.

1.2.7. Donde, sempre será de concluir que, ao contrário do que entende o Tribunal sindicado, uma qualquer máquina de diversão não tem que, obrigatoriamente, estar registada na Câmara Municipal onde se encontra, em cada momento, efectivamente colocada em exploração, mas sim, o seu registo tem que haver sido requerido junto do presidente da Câmara onde a mesma começou por ser colocada à exploração, ou, até mesmo, junto do presidente da Câmara onde se presumiu iniciar-se tal exploração, o que, aliás, resulta dos preceitos legais referidos.

1.2.8. No caso concreto, a recorrente diligenciou pela emissão do respectivo título de registo, para a máquina de diversão dos autos, em momento anterior à sua colocação em exploração no concelho de Pombal, pelo que, naturalmente, e em observância aos dispositivos legais reguladores de tal matéria, requereu a emissão de tal registo ao Presidente da Câmara Municipal em causa, vindo, então, a ser emitido o mesmo, sob o n.º PBL 258/05, e válido a partir de 28/06/2005, sendo que, posteriormente à emissão desse mesmo título de registo, e até conforme bem resulta das regras da experiência comum, no que a este tipo de actividades comerciais diz respeito, foi, então, decidida a colocação da máquina dos autos no concelho do F....

1.2.9. Sendo que, nada em termos legais impediria a ora recorrente de agir conforme o fez, uma vez que, em momento algum é feita uma qualquer referência (seja no DL n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, seja no supra citado Regulamento do Exercício das Actividades Diversas Sujeitas a Licenciamento Municipal) a um qualquer impedimento da colocação em exploração de uma máquina de diversão em concelho diferente daquele que emitiu o respectivo título de registo, até porque, uma vez emitido esse mesmo título de registo, apenas uma eventual alteração de propriedade da máquina de diversão em causa poderia dar origem a uma alteração nesse título de registo, através de averbamento no mesmo.

1.2.10. Os preceitos legais reguladores da presente matéria não exigem, por qualquer forma, aos proprietários de máquinas de diversão, o efectuar de um novo registo de cada vez que a exploração de certa e determinada máquina se passe a efectuar num concelho diferente do qual onde a mesma se encontra registada e em exploração, ou, até mesmo, onde se presumiria que viesse a ser efectuada a sua exploração, pelo que, é forçoso concluir-se que o título de registo existente para a máquina dos autos – emitido pela Câmara Municipal de Pombal, em momento anterior à acção de fiscalização que deu origem aos presentes autos – continuava plenamente válido e eficaz, em virtude de haver sido emitido pela entidade/câmara municipal territorialmente competente aquando da sua solicitação/emissão.

1.2.11. Ao contrário do que sucede com uma qualquer licença de exploração de máquinas de diversão, os títulos de registo emitidos para essas máquinas não possuem um qualquer prazo limite de validade, não caducando por qualquer forma, não sendo, por isso, necessária uma qualquer sua substituição, sendo certo que, até mesmo em caso de mudança de titularidade de uma qualquer máquina de diversão, o supra citado artigo 20.º do DL n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, no seu n.º 5, apenas exige o averbamento respectivo, de tal mudança, e nunca a obtenção de um qualquer novo título de registo.

1.2.12. Ainda que assista razão ao Tribunal a quo quando refere no despacho recorrido a ratio do diploma legal em apreço (DL n.º 310/2002, de 18 de Dezembro), parece fazer o mesmo alguma confusão relativamente aquilo que será de entender por “controlar-se legalmente” o exercício da exploração de máquinas de diversão como a dos autos, uma vez que, esse referido controle será efectuado, não no momento do registo de uma qualquer máquina, mas sim, no momento da emissão, ou não, da respectiva licença de exploração para tal máquina.

1.2.13. Isto porque, ao contrário do que sucede com um qualquer pedido de licenciamento de máquina de diversão, cuja emissão é legalmente condicionada a toda uma série de pressupostos legais, como sejam, entre outros, a zona circundante à localização do estabelecimento onde a mesma irá ser colocada e as condições específicas do estabelecimento em causa, em virtude da sua emissão ser destinada a um local específico, o da exploração, e ser temporalmente limitada, necessitando de renovação, nenhuma Câmara Municipal poderá recusar a emissão de um título de registo para uma qualquer máquina de diversão, se o pedido em causa observar todos os pressupostos legalmente estabelecidos no aludido DL n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, designadamente os previstos nos artigos 20.º e 21.º.

1.2.14. A emissão de um qualquer título de registo depende, apenas e só, da máquina objecto de tal registo, não sendo condicionada a quaisquer outros factores, enquanto que, a emissão da respectiva licença de exploração, depende de factores alheios e exteriores à dita máquina, pelo que, só relativamente à emissão de tal licença é que será válido o argumento do controle legal, pela respectiva câmara municipal, utilizado por esse Tribunal.

1.2.15. Decidindo em contrário do expendido e como o fez, violou, consequentemente, o disposto nos artigos 20.º; 21.º; 22.º; 23.º; 24.º; 25.º; 26.º e 48.º, n.º 1, alínea a), todos do mencionado DL n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, bem como ainda nos artigos 43.º, n.ºs 1 e 2 e 82.º, n.º 3, alínea a), ambos do Regulamento do Exercício das Actividades Diversas Sujeitas a Licenciamento Municipal.

Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e a inerente absolvição.

1.3. Admitido o recurso e notificado para tanto, respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, sufragando o acerto e manutenção do decidido, logo, o seu improvimento.

1.4. Cumpridas as formalidades legais, e remetidos os autos a este Tribunal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntica insubsistência da oposição apresentada.

Dado acatamento ao estatuído no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal [CPP], replicou a arguida alegando na senda do que já vinha fazendo nos autos.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do último normativo indicado, consignou-se não estarmos perante hipótese de ser proferida decisão sumária, devendo então prosseguir os mesmos para submissão a conferência, colhidos que fossem os vistos dos M.mos Juiz Presidente e Juiz Adjunto.

Perfeitas tais diligências, cabe agora apreciar e depois decidir.


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II – Fundamentação de facto.

Na decisão recorrida foi ponderada a seguinte factualidade:

1. A arguida tinha em exploração, no dia 23 de Novembro de 2005, no estabelecimento comercial denominado “Café KKK”, sito na Rua Relva de Baixo, n.º !!!, freguesia de Capinha, área da comarca do F..., uma máquina de diversão, com o n.º 01P00093.

2. A qual se encontra registada, ainda que não na Câmara Municipal do F....

3. A arguida actuou com negligência, sendo sua obrigação conhecer e respeitar a legislação em vigor nesta matéria e ter o cuidado necessário ao seu cumprimento.


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III – Fundamentação de Direito.

3.1. Como é consabido, o âmbito do recurso processual penal é definido através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (artigo 412.º, n.º 1, do CPP).

Tal não preclude, no entanto, o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas diversas alíneas do artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mas tão-só quando resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência (Ac. n.º 7/95, do STJ, publicado no Diário da República, I.ª Série-A, de 28 de Dezembro de 1995, em interpretação obrigatória).

No caso vertente, não subsistindo nenhum destes vícios ou qualquer nulidade de que caiba também conhecer ex officio, decorre das conclusões da recorrente que a única questão a dirimir se traduz em verificarmos se sobre a recorrente não incumbia o ónus de promover um novo registo da máquina em causa junto da Câmara Municipal do F....

3.2. Um breve e prévio percurso sobre os diversos regimes que condicionaram este tipo de máquinas, bem como uma menção singela aos critérios de interpretação da lei contra ordenacional, permitirão dilucidar a questão colocada.

É fora de dúvida que a máquina dos autos é uma máquina eléctrica de diversão.

O Decreto-Lei [DL] n.º 21/85, de 17 de Janeiro, que fixou novo regime para licenciamento de exploração e registo dessas máquinas, impunha no seu artigo 3.º:

“1. Nenhuma máquina submetida ao regime deste diploma pode ser posta em exploração sem que se encontre registada no governo civil respectivo.

2. O registo é requerido pelo proprietário da máquina ao governador civil do distrito onde se encontra ou em que se presume irá ser colocada em exploração.

(…).”

O subsequente artigo 5.º mencionava os documentos indispensáveis á instrução dos requerimentos para tais registos, sendo que da sua análise decorre estarmos perante elementos estritamente conexionados ou com a determinação sobre o tipo de máquina em causa [daí os documentos advindos da Inspecção Geral de Jogos (alínea d) e do fabricante (alínea g)], ou com a observância de meras prescrições fiscais pelo proprietário respectivo e seu transmitente [alíneas a), b), e) e f)].

O registo conseguido era titulado por documento próprio, assinado e autenticado, que devia acompanhar a máquina a que respeitasse, sendo, ademais que, caso ocorresse mudança de proprietário, devia o facto ser nele averbado (artigos 6.º e 7.º do citado diploma).

Prevenindo hipótese similar á presente, ou seja, em que efectivado um registo numa determinada Câmara o seu proprietário a transfere para outra a fim de aqui continuar a respectiva exploração, consignava ainda expressamente o seguinte artigo 8.º, n.º 1 que “As máquinas registadas que sejam transferidas para outro distrito diferente ficam sujeitas ao novo registo no distrito para que são deslocadas.”

A exploração de um tal tipo de máquina impunha também que o seu proprietário obtivesse junto do governo civil onde se encontrasse registada uma licença com validade anual ou semestral. Simples razões de polícia podiam conduzir ao denegar dessa exploração, pois que o governador civil competente, em despacho fundamentado, tinha a faculdade de recusar a concessão ou renovação dessa licença sempre que tal medida se justificasse para protecção à infância e juventude, prevenção da criminalidade e da ordem e tranquilidade públicas (artigo 10.º, n.º 3).

A exploração sem registo no governo civil; com a falsificação do título de registo; com a falta deste título ou em desconformidade com os elementos constantes do título de registo por falta de averbamento de novo proprietário constituíam contra-ordenações conforme decorria, respectivamente, das alíneas a); c); d) e), do artigo 15.º, n.º 1 do encimado diploma.

O DL n.º 316/95, de 28 de Novembro, procedeu á revogação daquele DL n.º 21/85, e instituiu, nomeadamente, um novo regime de exploração de máquinas eléctricas de diversão.

A propósito do seu registo disciplinava no artigo 17.º:

«1. Nenhuma máquina submetida ao regime desta secção pode ser posta em exploração sem que se encontre registada e licenciada nos termos do artigo 20.º.

2. O registo é requerido pelo proprietário da máquina ao governador civil do distrito onde se encontra ou em que se presume irá ser colocada em exploração.

(…)

4. O registo é titulado por documento próprio (…) que acompanhará obrigatoriamente a máquina a que respeitar.

5. As alterações de propriedade da máquina obrigam o adquirente a efectuar o averbamento respectivo, (…).”

Tal como o regime antecedente, a instrução deste pedido de registo fundava-se na apresentação de documentos tendentes a comprovar a natureza da máquina e o acatamento de imposições fiscais pelo seu proprietário e transmitente (artigo 18.º).

No novel regime subtraiu-se a imposição idêntica á que antes constava do artigo 8.º, n.º 1 (relembra-se: “As máquinas registadas que sejam transferidas para outro distrito diferente ficam sujeitas ao novo registo no distrito para que são deslocadas.”),

A obtenção prévia de licença de exploração era também condição indispensável á entrada em funcionamento de uma máquina, sendo que o governador civil podia recusar, em despacho fundamentado, a sua concessão ou a renovação, sempre que tal medida de polícia se justificasse para a protecção à infância e juventude, prevenção da criminalidade e manutenção ou reposição da segurança, da ordem ou da tranquilidade públicas (artigo 20.º, n.º 3).

Igualmente aqui a exploração de máquinas sem registo; com falsificação do mesmo; sem acompanhamento do original ou fotocópia autenticada do título de registo ou em desconformidade com os elementos constantes do título de registo por falta de averbamento de novo proprietário integravam a prática de contra-ordenações, como resultava do respectivo artigo 46.º, n.º 1, alíneas a); b); c) e d).

Mais recentemente, a exploração destas máquinas passou a enquadrar-se através do DL n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que revogou as normas do DL n.º 316/95.

Os artigos 20.º; 21.º; 23.º e 48.º, n.º 1, alíneas a); b); c) e d) disciplinam em termos idênticos e ressalvada a entidade ora competente – as câmaras municipais em substituição dos governos civis –, o regime impositivo do registo, licenciamento (recusa da sua concessão ou da sua renovação); elementos exigíveis á instrução de tais factos e sancionamento em moldes em tudo semelhantes ao que o antecedeu.

Preceitua o artigo 1.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, vulgo RGCO, que instituiu o ilícito de mera ordenação social e o respectivo processo: «Constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima.»

Por tal forma, este artigo consagra uma primeira vertente do princípio da legalidade, dele decorrendo que para a conduta humana assumir a dignidade de uma infracção se torna indispensável que coincida formalmente com a descrição feita numa norma legal que preveja, directa ou indirectamente, a aplicação de uma coima. Seu corolário é o princípio da tipicidade, segundo o qual cabe á lei e só a esta especificar quais os factos ou condutas que constituem crime e quais os pressupostos que justificam a aplicação de uma medida de segurança. Por isso, importa que tal definição se faça de maneira tanto quanto possível precisa.

Artigo que porém assume a enunciação dessa legalidade e tipicidade é o 2.º do mencionado diploma: «Só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.»

Com função primacialmente garantística, impõe que apenas a lei possa fixar os limites que destacam a actividade delituosa da actividade legítima. Donde que a sua consagração constitucional no artigo 29.º e a apresentação da lei penal como um sistema fechado, sem possibilidade de aplicação analógica ou extensiva (embora na última com indefinição sobre o que ela realmente constitui).

Nesta perspectiva, e tendendo á rigorosa manutenção desses normativos, que deva então a interpretação da lei contra ordenacional fazer-se com recurso ao elemento gramatical (averiguação do sentido da lei no seu significado linguístico); ao elemento sistemático (dedução do mesmo sentido a partir da situação que o preceito a interpretar ocupa no contexto sistemático); ao elemento histórico (determinação por recurso ao contexto histórico geral em que a lei surgiu, sendo de afastar a interpretação actualista) e ao elemento teleológico (o que põe em relevo não só os bens jurídicos que o legislador pretende proteger, mas também os valores ético-sociais que foram decisivos na criação do preceito legal).

Na posse destes considerandos, vejamos então do caso sub judice.

Nenhuma máquina como a em causa pode ser posta em exploração sem que se mostre feito o seu registo e licenciamento.

O primeiro, atentos os elementos exigidos á sua obtenção, tende a ser o seu BI, o seu livrete. Isto no sentido em que eles se limitam a apurar da idoneidade da máquina para a prática de actos de diversão não concebidos como de fortuna e azar e ao acatamento pelo proprietário e transmitente de simples injunções fiscais.

O segundo, por seu turno, assume já uma distinta função, qual seja a de acautelar que, discricionariamente, a entidade local respectiva assegure a tutela do que genericamente se pode apelidar de ordem pública.

Sendo inequívoca a exigência de formulação de um pedido de atribuição de licença sempre que a máquina mude de local de exploração, algo justifica igual regime para o seu registo?

A resposta mostra-se negativa.

Na verdade:

O artigo 8.º, n.º 1 do DL n.º 21/85 foi revogado e não foi transposto por qualquer forma para um dos regimes legais subsequentes. Ora, na interpretação restritiva que se impõe como dito, este é elemento que não deve olvidar-se e comporta um sentido inequívoco.

Por outro lado, se é certo que os artigos 17.º, n.º 2 do DL n.º 316/95 e 20.º, n.º 2 do DL n.º 310/2002, determinam que o registo é requerido pelo proprietário da máquina ao governador civil (ora ao presidente da câmara) onde se encontra ou em que se presume irá ser colocada em exploração, não menos verdade é que este era já o estatuído no diploma de 85, e, como assim, não seja a redacção destes normativos critério susceptível de estabelecer a solução reclamada.

Isto é, os elementos literais dos normativos considerados apontam no sentido em que se basta a lei com um simples e inicial registo que depois “acompanha” a máquina como agora emerge do artigo 20.º, n.º 4 do DL 310/2002.

Mas, punctum saliens, é a distinta função que é atribuída a cada um desses actos que determina a necessidade das sucessivas licenças e o bastar-se a lei com um único registo (depois, quiçá, sucessivamente averbado com eventuais mudanças de proprietário da máquina).

Com efeito, repete-se, a atribuição de licença visa acautelar que, discricionariamente, a entidade respectiva assegure a tutela do que genericamente se pode apelidar de ordem pública. Donde que a necessidade de uma consideração casuística, por cada uma das câmaras em que venha a encontrar-se a máquina em exploração.

Outro tanto não ocorre relativamente ao registo que, perfeito uma vez pela apresentação dos documentos mencionados, sem qualquer prazo de caducidade que o condicione temporalmente (ao invés das licenças de exploração com duração semestral ou anual), não carece de sucessivas e idênticas ponderações.

A única concebível, de âmbito fiscal relativamente ao seu proprietário, incumbe a outras entidades.

Tempo então de concluirmos.


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IV – Decisão.

São termos em que perante todo o exposto, se concede provimento ao recurso, e, consequentemente, se revoga a decisão recorrida e condenação da recorrente.

Sem custas.

Notifique.


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Coimbra, 16 de Abril de 2008