Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
433/06.9TTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO DE TRABALHO
TRABALHADOR
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 308º, Nº 3, AL. A), DA LEI Nº 35/2004, DE 29/07, E 443º, NºS 1 E 2, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Dispõe o artº 443º, nºs 1 e 2, do Código do Trabalho, que a resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no nº 2 do artº 441º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, não podendo a indemnização ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

II – Tal preceito terá visado estabelecer, não tanto uma regra de indemnização para específico ressarcimento dos danos, mas antes uma sanção contratual “ope legis”, semelhante à cláusula penal convencional a que alude o artº 810º, nº 1, do C. Civ..

III – Isto porque impõe um mínimo sancionatório ao empregador, independentemente da existência e/ou comprovação do dano e sua dimensão, o que exclui necessariamente que o critério deva ser o geral, o da medida dos danos patrimoniais ou não patrimoniais realmente sofridos.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

1 – A... , devidamente identificado, demandou no Tribunal do Trabalho de Viseu a R. «B... », com sede em Tondela, pedindo, a final a sua condenação no pagamento da quantia de € 12.635,17, com juros de mora à taxa legal, que lhe deve e respeita a retribuições em atraso e direitos inerentes à cessação do contrato de trabalho.
Alegou, em síntese útil que celebrou com a R. um contrato de trabalho com início em 1 de Fevereiro de 1996, que perdurou até 3 de Abril de 2006, data esta em que, com base no art. 308.º da Lei 35/2004, comunicou à R. a resolução do mesmo, invocando falta de pagamento pontual da retribuição devida, por um período de 90 dias.

2 – Tentada, sem êxito, a conciliação das partes, a R. veio contestar, alegando em resumo que apresentou ao A. uma proposta de pagamento dos respectivos créditos salariais, que o mesmo declinou, sendo não obstante verdade que o A. ainda não recebeu as retribuições salariais relativas aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2006.
A acção deve ser julgada apenas parcialmente procedente, porque o A., apesar de ter direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, não invocou que existência de quaisquer danos.

3 – Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção totalmente procedente, por provada, condenando-se a R. no pagamento ao A. da importância de € 12.635,17, acrescida de juros moratórios a taxa de 4% sobre o montante líquido devido, computados a partir das datas de vencimento no que concerne as retribuições e aos subsídios de alimentação de Janeiro a Março de 2006, e da citação quanto aos restantes valores, até efectivo pagamento.

4 – Inconformada, a R. veio apelar.
Alegando, concluiu assim:
· Nos presentes Autos está em causa a resolução do contrato com fundamento em salários em atraso;
· O A. pede a condenação da R. no pagamento de diversos créditos laborais e ainda numa indemnização pela resolução do contrato com justa causa;
· Todavia, não alega nem consta da factualidade provada a existência de quaisquer danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais;
· Não obstante, o Mm.º Juiz do Tribunal 'a quo' condenou a R. no pagamento de uma indemnização pela resolução do contrato, correspondente a 30 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade;
· A decisão recorrida, na parte em que condena a R. no pagamento da indemnização pela resolução, é nula na medida em que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – alínea b) do n.º1 do art. 668.º do C.P.C.
· Sem prescindir: não estando provados quaisquer danos, não se verificam os pressupostos que o legislador estabelece para que exista a obrigação de indemnizar;
· Por outro lado, da decisão recorrida também não consta se a indemnização fixada se reporta a danos patrimoniais ou a danos não patrimoniais, ou no caso de se reportar a ambos, qual o ‘quantum’ indemnizatório relativamente a cada um;
· Assim sendo, a decisão recorrida, ao condenar a R. na obrigação de indemnizar, sem que esteja provada a existência de qualquer dano, viola o disposto no n.º1 do art. 443.º do Código do Trabalho e ainda o disposto nos arts. 483.º e 496.º do Cód. Civil;
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso declarando-se a sentença nula na parte em que condena a R. no pagamento da indemnização pela resolução do contrato com justa causa, ou, caso assim se não entenda, deve a decisão recorrida ser revogada nessa parte, absolvendo-se a R. do pagamento da indemnização pela resolução do contrato com justa causa.

5 – Contra-alegando, o A. concluiu que estão reunidos os requisitos que lhe conferem o direito à indemnização reclamada, pelo que deve manter-se a decisão impugnada.

O Exm.º Juiz 'a quo', não obstante, conheceu da suscitada nulidade da sentença. Concluindo pela sua inverificação.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos, cumpre decidir.
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II –

1 - DOS FACTOS.
Vem assente a seguinte factualidade:
. Em 1.02.1996 o A. celebrou com a R. um contrato de trabalho, tendo sido admitido a prestar a actividade de desenhador, por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização da R.
Auferia, por último, a retribuição mensal ilíquida de € 773,14;
. O A. prestou a referida actividade, ininterrupta e regularmente, com um período normal de trabalho de oito horas diárias, desde aquela data e até 3.4.2006;
. No dia 3.4.2006 o A., através de carta registada, com A/R, comunicou à R. que, nos termos do n.º1 do art. 308.º da Lei n.º 35/2004, de 29/7, resolvia o contrato de trabalho a partir da data de recepção dessa missiva (ocorrida em 4.4.2006), por falta do pagamento das retribuições dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2006 (cfr. docs. de fls. 7-9, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido);
. A R. não pagou ao A. as retribuições aludidas atrás, em c), o respectivo subsídio de alimentação, no montante mensal de € 109,78, as férias e o subsidio de férias vencidos em 1.1.2006 e as quantias decorrentes da cessação do contrato de trabalho;
. Em virtude do não pagamento pontual das retribuições e do atraso verificado no ano de 2006, o A. teve acrescidas dificuldades para suportar os gastos correntes do seu agregado familiar e recorreu à ajuda de familiares;
. O A. tem duas filhas menores e a esposa também passou por um período de atrasos no recebimento dos respectivos salários, nomeadamente durante os primeiros meses do ano de 2006, ficando na situação de desemprego a partir de Abril/Maio até Agosto de 2006;
. Em finais do ano de 2005 e no início de 2006, o A., perante os seus colegas, chegou a manifestar desagrado e preocupação em razão dos atrasos no pagamento dos salários;
. Desde o ano de 2005 a R. passou a pagar os salários dos seus trabalhadores com atraso;
. Alguns dos trabalhadores da R. resolveram os respectivos contratos de trabalho invocando atraso no pagamento das retribuições.

Não se provaram outros factos com interesse para a decisão do caso em apreço, nomeadamente a matéria do item 3.º da contestação.
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2 – O DIREITO.
Conferido o acervo conclusivo com que se rematou a motivação – por onde se afere e delimita, como se sabe, o objecto e âmbito do recurso – a única questão que nos vem proposta analisa-se em saber se a R. poderia ter sido condenada, como foi, no pagamento de uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade, não obstante como se pretexta, o A. não ter alegado e/ou provado a existência de quaisquer danos…
…Sendo nula a decisão, na parte identificada, por falta de fundamento de facto e de direito, seja quanto à obrigação de indemnização, seja no que toca ao ‘quantum’ fixado.

Antes de prosseguir, porém, a seguinte nota:
Os recursos interpõem-se – como prescreve o art. 687.º/1 do C.P.C. – por meio de requerimento dirigido ao Tribunal que proferiu a decisão recorrida e no qual se indique a espécie de recurso interposto’…
Observando embora o disposto no art. 81.º/1 do C.P.T. relativamente ao dever de conter a alegação do recorrente, o expediente de fls. 152 e seguintes omite a exigência do sobredito requerimento, não respeitando de todo a disciplina da Lei adjectiva.
E, arguindo a nulidade da sentença, com fundamento no art. 668.º do C.P.C., deveria ter-se também observado o que manda o art. 77.º/1 do C.P.T.
O desrespeito desta exigência torna a arguição extemporânea – como é Jurisprudencialmente firmado – induzindo ao seu não conhecimento.


Isto posto:
Sendo pacificamente aceite, pois, a qualificada ‘causa objectiva’ invocada para a resolução do contrato por banda do trabalhador/A., com o descrito enquadramento normativo, detenhamo-nos então na previsão legal que, ‘ex vi’ do n.º3, a), do art. 308.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, confere ao trabalhador, em tais circunstâncias, o direito à questionada indemnização.
Dispõe-se no art. 443.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho:
‘A resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no n.º2 do art. 441.º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
…Independentemente da antiguidade do trabalhador, a indemnização nunca pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades’.
Como se intuiu – e se vai vendo denunciado na Doutrina e já em alguns Arestos que de algum modo enfrentaram o problema – a nova solução do Código do Trabalho está longe de ser inequívoca, rigorosa e, por isso, de saudar sem reservas, nos termos em que se mostra formulada.
(Lembramos, a reforçar a asserção antecedente, v.g., a anotação a essa norma, da autoria de Joana Vasconcelos, na obra conjunta ‘Código do Trabalho Anotado’, Pedro Romano Martinez e Outros, 5.ª Edição, 2007, pg. 766-768, e, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 4 de Outubro de 2006, in C.J., Ano XXXI, Tomo IV, pg. 145, que qualifica a redacção da norma em causa como sendo ‘das mais infelizes’, pelas razões que aí se adiantam).

Esta norma – como refere Pedro Romano Martinez, ‘Direito do Trabalho’, 2.ª Edição, Almedina, pg. 989 – contém, logo a seguir ao enunciado/princípio geral, uma limitação dificilmente enquadrável nos parâmetros gerais, e, sendo embora paralela com o disposto no n.º1 do art. 439.º do Código do Trabalho para a indemnização em substituição da reintegração, perde sentido neste âmbito e contraria a primeira parte do preceito.

Cientes destas dificuldades operatórias, que a norma interpretanda suscita, teremos presente a sensibilidade desta Secção, já aflorada, de algum modo, como pode conferir-se nos Acórdãos tirados nos Recursos com os n.ºs 593/05.6 TTAVR e 851/04.7TTCBR, das Sessões de 22.3.2007 e de 10.5.2007, respectivamente, que cremos ainda inéditos.
E, assim, tudo visto e ponderado, importa considerar que a Lei – a nosso ver, e sempre com ressalva do devido respeito por diverso e quiçá mais lúcido entendimento – terá visado, nestas circunstâncias, estabelecer, não tanto uma regra de indemnização para específico ressarcimento dos danos, (cujo critério geral civilista se tem por adquirido e que naturalmente não poderia ignorar-se, se não fosse outro o desiderato…), mas antes uma sanção contratual ‘ope legis’, semelhante à cláusula penal convencional, a que alude o art. 810.º/1 do Cód. Civil.
E isto porque – além de não cuidar de indicar ou estabelecer um qualquer critério para a fixação do ‘quantum’ indemnizatório, em si variável entre um mínimo e um máximo – impõe um mínimo sancionatório ao empregador, independentemente da existência e/ou comprovação do dano e sua dimensão: 15 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo de antiguidade, nunca podendo a indemnização, independentemente da antiguidade, ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades…
…E estabelece, por outro lado, ao trabalhador um ‘plafond’ máximo à ressarcibilidade dos danos eventualmente sofridos, para além do qual não pode exigir indemnização!
…O que exclui necessariamente que o critério deva ser o geral, o da medida dos danos patrimoniais ou não patrimoniais realmente sofridos (arts. 496.º, 1 e 3, 562.º e 566.º/3, todos do Cód. Civil).

Para a dúvida de saber se a indemnização a arbitrar, neste âmbito, consente o desdobramento, a autonomização dos valores relativos à indemnização pelos danos não patrimoniais e à dita ‘indemnização por antiguidade’ temos presente que já se preconizou que do art. 443.º/1 do Código do Trabalho se faça um interpretação restritiva, viabilizando assim solução no sentido afirmativo.
(Cfr. A. Mendes Baptista, in ‘A Reforma do Código do Trabalho’, Coimbra Editora, pg. 540 e ‘Estudos Sobre o Código do Trabalho’, 2.ª Edição, citados em recensão crítica no Aresto desta Secção, identificado acima, o tirado no Rec. n.º 593/05).
Todavia – e pese embora a compreensão das razões invocadas por quem assim clama – não cremos que tal propugnada interpretação colha o sufrágio da Lei, concretamente à luz do critério hermenêutico constante do art. 9.º/2 do Cód. Civil, que impede que seja considerado pelo intérprete o (suposto) pensamento legislativo que não tenha na letra da Lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Sendo a interpretação para pesquisa do conteúdo, sentido e alcance da Lei tarefa de elevado melindre, dúvidas e por vezes tormentosas incertezas, é nossa convicção que a tese de que falamos – e com todo o respeito o dizemos – não só não encontra qualquer correspondência no texto da norma, como até afronta a sua literalidade.

E para além da menos feliz formulação da norma, cuidamos descortinar na diferença estabelecida para uma e outra das indemnizações (a prevista no art. 439.º/1, como efeito da ilicitude do despedimento, e a prevista no art. 443.º/1, para o caso de cessação do contrato por iniciativa do trabalhador) uma razão de ser (a ‘ratio legis’ ou elemento teleológico) que ajuda a descobrir o sentido decisivo de uma e outra previsão:
O legislador, como cremos, visou distinguir as duas situações, agravando/tornando mais onerosa a posição do empregador que, sem o devido fundamento, afronta os princípios da constância e estabilidade do emprego – e daí a maior latitude conferida ao Tribunal na fixação do montante da indemnização substitutiva da reintegração, aferível por um critério tangível, o do valor da retribuição conjugado com o do grau da ilicitude, sem prejuízo da eventual ressarcibilidade dos danos não patrimoniais causados, 'ut' arts. 436.º, n.º1, a).
Já não assim no segundo caso, pretendendo certamente desencorajar a ligeireza ou facilidade na desvinculação por banda do trabalhador, dentro de um critério de razoável elasticidade e sem prejuízo, naturalmente, de ruptura nos casos de séria insustentabilidade – e daí a ‘espartilhada’ dimensão da indemnização, nela necessariamente se contendo a ressarcibilidade dos danos de uma e outra natureza.

Assim:
Não padece, pois, a decisão sujeita de falta de fundamento, como se pretextou, sabido que o A., por via do não pagamento pontual e do atraso das identificadas retribuições, sempre teve acrescidas dificuldades para suportar os gastos correntes do seu agregado familiar, (com duas filhas menores e esposa também com atrasos no percebimento de salários e posteriormente desempregada), recorrendo por causa disso à ajuda de familiares.
Cremos que bem se ajuizou, ao arbitrar ao A. uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, globalmente ponderados na escolha do factor de cálculo de 30 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.

Cremos também ter deixado suficientemente dilucidada a questão proposta, no vigente quadro normativo de significação, com as limitações e com os contornos específicos de que falámos, não inteiramente coincidentes com as regras civilistas da responsabilidade civil, por óbvias razões.
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III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar provimento à Apelação, confirmando inteiramente a sentença, na parte impugnada.
Custas pela recorrente.