Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | CONTRATO PROMESSA TRADIÇÃO INSOLVÊNCIA RECURSO ÓNUS ESPECIFICAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 10/18/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | NELAS | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.442, 755 Nº1 F) CC, 102, 104, 106 CIRE, 685-A CPC | ||
Sumário: | 1. No regime do Código Civil, o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e a sanção do mecanismo do sinal – art. 442º, nº2, do CC – estão ligados à imputabilidade do incumprimento. Se tal imputabilidade for do promitente-vendedor este deve restituir o sinal recebido em dobro; 2. A recusa do administrador de insolvência em executar o contrato não exprime incumprimento mas “reconfiguração da relação”, tendo em vista a especificidade do processo de insolvência, não sendo aplicável a norma do art. 442º, nº2, do CC, pelo que não tem o promitente-comprador direito ao dobro do sinal, até por força do regime imperativo do art. 119º do CIRE. 3. O promitente-comprador de coisa imóvel que obteve a traditio, não goza, no actual direito da insolvência, dos direitos reconhecidos pelo CC, no caso de ser imputável ao promitente-vendedor o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não sendo aplicável na insolvência o art. 442º, nº2, do Código Civil, e por isso, também não dispõe o promitente-comprador do direito de retenção, nos termos do art. 755º, nº 1, f), do Código Civil. 4. No caso de omissão total no corpo das alegações dos fundamentos ou razões de discordância com o decidido sobre determinada questão, questão que, todavia, vem a constar nas conclusões do recurso, é de entender que o art. 685º-A, nº 1, do CPC, se mostra violado, e consequentemente a mesma não tem de ser conhecida pelo tribunal de recurso. | ||
Decisão Texto Integral: | I – Relatório
1. I (…) S.A., com sede em Viseu, intentou a presente acção de verificação ulterior de créditos, por apenso aos autos de insolvência de M (…), pedindo a condenação da massa insolvente na realização da escritura de compra e venda relativa a fracção que identifica, em prazo que indica, nos termos do contrato-promessa celebrado, como promitente-compradora, com a insolvente M (…), como promitente-vendedora, ou, caso a massa e a Administradora não pretendam cumprir o contrato, a verificação e graduação do crédito da reclamante no valor de 60.000 €, acrescido do valor de 1.5000 €, relativo a benfeitorias realizadas no imóvel prometido vender, como crédito garantido, com base em direito legal de retenção, atento o incumprimento do contrato promessa. Citada a massa insolvente, os credores e a insolvente não foi apresentada contestação, pelo que foi proferido despacho a considerar confessados os factos articulados pela A. * Após foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e consequentemente decidiu assim: I – Absolve-se a massa insolvente do pedido de realização coactiva da escritura de compra e venda do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sita na Rua (…), freguesia de Canas de Senhorim, concelho de Nelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob o número ..., e inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo .... II – Não se reconhece o crédito correspondente à devolução do sinal em dobro. III – Absolve-se os RR do pedido de reconhecimento da existência de direito de retenção sobre o prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sita na (…) freguesia de Canas de Senhorim, concelho de Nelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob o número ..., e inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo .... IV – Julgo reconhecido o crédito reclamado por I (…) S.A. sobre a massa insolvente da requerida M (…), no valor de € 31.500, correspondente ao valor do sinal prestado acrescido do valor das benfeitorias realizadas, a ser graduado como crédito comum. * 2. A A. interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões: A) Apesar do contrato de promessa de compra e venda, relativo á fracção autónoma celebrado entre a insolvente e a A. ter apenas natureza obrigacional, ainda assim, tal contrato, e uma vez que se verificam todos requisitos constantes do art.º755 nº 1 al f) do CC e o seu incumprimento imputável à Ré / massa insolvente nos termos do art 442º do C.C., confere á A. o direito de retenção sobre a fracção o objecto de contrato. B) Verificando-se, tal como se verificam in casu, os pressupostos do direito de retenção, tais como: -Existência de promessa de transmissão ou constituição de direito real. -A entrega da coisa objecto do contrato de promessa . -A titularidade por parte do beneficiário de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento. C) 0s contratos de promessa com tradição da coisa e meramente obrigacionais, gozam do direito de retenção, apesar de terem eficácia meramente obrigacionais, se verificarem os requisitos do artº 755 e 442 do CC e referidos na conclusão anterior. D) Face aos factos dados como provados na douta sentença e todos os demais constantes da p.i –apesar da Mº Juíz não os dar como assentes na douta sentença sempre o devem ser, atenta a falta de contestação, verificam-se assentes todos os factos conducentes ao direito de retenção que goza o crédito da Autora. E) Verificando-se o incumprimento definitivo do contrato de promessa de compra e venda dos autos, por culpa da insolvente e agora da ré, massa insolvente representada pela Sr: Administradora), deve a ré ser condenada a pagar à autora o dobro do aquela lhe prestou a titulo de sinal e antecipação de pagamento (30.000x2, seja 60,000,00). F) Devendo assim ser reconhecido o credito da A. (no montante de 60.000€) pelo incumprimento do contrato promessa de compra e venda, crédito esse garantido pelo direito de retenção, sobre a coisa. G) O crédito de benfeitorias realizadas na coisa objecto de contrato promessa de compra e venda com indicação gozo também do direito de retenção. Lei violada: artigos 46 nº1 e 47 nº4 al a), 102, 104, 106, 149, 150, 164 nº 2 3 3. 174 nº do CIRE e artigos 754, 755 nº1 al f) e 759 do CC. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se douta sentença proferida, por outra que considere o crédito da autora no montante de 61 500, € garantido pelo direito de retenção, com o que se fará justiça. 3. A credora C (…)o, SA, contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1) A Autor não tem o direito ao recebimento do sinal em dobro previsto do art. 442º nº 2 do CC por estarmos no domínio dos negócios em curso á data da declaração de insolvência e como tal regerem as disposições especiais do CIRE, nomeadamente os arts. 106º, nº 2, 104º, nº 5 e al c) do nº 3 do art. 102º todos do CIRE. 2) A recusa da administradora de insolvência em cumprir o contrato é legítima, face à não atribuição de eficácia real aos contratos promessa e ao disposto no artigo 106.º do CIRE. 3) A devolução do sinal em dobro (indemnização peticionada pelo Autor) prevista nos arts 801º e 442º do CC., pressupõe o incumprimento culposo. 4) Na situação a que se reportam os autos, não restam dúvidas de que, ao recusar o cumprimento do contrato promessa, a Exmª Administradora agiu no âmbito das suas atribuições e competências legais, de forma lícita, face ao citado artigo 106.º do CIRE, na medida em que se verificavam os pressupostos de facto que permitiam a recusa. 5) Não ocorreu assim incumprimento culposo, mas antes uma forma especial de extinção do contrato, prevista na lei e cujos efeitos vem regulados no nº 2 do art. 106º do CIRE que manda seguir, com as necessárias adaptações, o regime do º 5 do art. 104º do mesmo diploma. (neste sentido vide AC Relação de Coimbra de 30.11.2010,no processo 273/05.2TBGVA.C1 e o AC da Relação de Guimarães de 14.12.2010, citado pelo Tribunal a quo). 6) Do mesmo modo não tem direito de retenção a que se refere o art. 755º, nº 1 al f) do CC, sobre a fracção prometida vender uma vez que o incumprimento não poder ser considerado culposo. 7) Se o art. 755º, nº 1 al. f) do CC fosse aplicável também nos casos de recusa de cumprimento pelo administrador a insolvência tal representaria a possibilidade de constituição de créditos garantidos no curso do processo de insolvência, o que não é compatível com um dos seus objectivos instrumentais mais importantes: a estabilização do passivo. 8) É certo que o promitente comprador de direitos reais sobre edifício ou fracções autónomas, já constituídas ou a constituir beneficiam de uma protecção especial da lei portuguesa, por via, entre outras coisas, da concessão de um generoso e problemático direito de retenção nas promessas que envolvem a tradição do bem objecto do contrato prometido. 9) Todavia, aquilo que é valido no geral não vale necessariamente em todas as situações. 10) Ora a insolvência obriga á ponderação e, frequentemente, á modificação das soluções comuns (pensadas para os casos em que não existe insolvência), de forma a garantir que o sacrifício vem a ser efectivamente suportado por todos os credores - que nenhum credor é (injustificadamente) poupado em detrimentos dos outros. 11) O direito de crédito do A deverá ser classificado como crédito sobre a insolvência e dentro desta categoria como crédito comum, não prevalecendo sobre os créditos garantidos ou mesmo privilegiados. 12) A sentença recorrida não merece qualquer censura, fazendo uma correcta aplicação do direito ao caso sub iuris.
II – Factos Provados
A. Por contrato promessa de compra e venda, outorgado em 20 de Setembro de 2008, a ora insolvente, M (…), prometeu vender livre de quaisquer ónus ou encargos à ora reclamante, que por sua vez prometeu comprar, o prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sita na Rua (…) freguesia de Canas de Senhorim, concelho de Nelas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Nelas sob o número ..., e inscrito na matriz urbana daquela freguesia sob o artigo .... B. O preço global estipulado foi de 70.000 € (setenta mil euros). C. De tal contrato constam, para além do mais, as seguintes cláusulas: a. “Cláusula Terceira: i. O preço acordado para a realização do negócio definitivo é de €70,000, tendo, nesta data, a segunda outorgante entregue à primeira outorgante a quantia de €10.000 dos quais se dá já a devida quitação a título de sinal, e princípio de pagamento. ii. Uma segunda prestação no valor de €10.000 até 1 de Fevereiro de 2009. iii. Uma terceira prestação de igual valor, €10.000, até 30 de Outubro de 2009. iv. O remanescente do preço no valor de €40.000 será pago no acto da escritura, que será feita impreterivelmente até ao dia 31 de Julho de 2010. b. Cláusula Quinta: i. Com a celebração do presente contrato a segunda contraente – ou quem ela indicar – entra de imediato na posse do imóvel prometido comprar, podendo nele exercer qualquer actividade, utilizá-lo para o fim a que se destina, aceder livremente ao mesmo, a fim de ali proceder a trabalhos e obras que faltar realizar ou que repute necessárias, e dá-lo de arrendamento.” D. A autora por diversas vezes e por diversas formas tentou contactar a insolvente para a realização da escritura, sem que nunca a insolvente tenha dado qualquer resposta. E. Em 2 de Março de 2009, a autora deu de arrendamento a (…) e esta tomou a aludida fracção autónoma. F. O contrato de arrendamento foi feito pelo prazo de 5 anos. G. Foi acordada a renda de 325,00 euros mensais. H. Para este fim (arrendamento), a autora logo que tomou posse do referido prédio, teve que proceder ao seu arranjo e pintura, o que importou na quantia de 1.500,00 euros. I. E a autora a partir dessa data, passou a receber a renda da inquilina através de depósito bancário na conta da autora no Banif. J. Desde então tem emitido o correspondente recibo. K. Também é a autora quem tem pago os condomínios, e demais despesas inerentes ao mesmo imóvel. L. É aquela inquilina quem, desde a data da outorga do contrato de promessa, ali tem residido, e quem celebrou com as diversas entidades fornecedoras os respectivos contratos de fornecimento de energia eléctrica, água e gás. M. A autora depois de ter outorgado o contrato e pago 1º prestação a título de sinal, do preço convencionado, tomou posse da respectiva fracção, tendo-lhe, na altura, a insolvente entregue as respectivas chaves, assim como as da garagem. N. A administradora de Insolvência recusou o cumprimento do contrato promessa referido em A.
III - Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC). Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Sinal em dobro a favor da recorrente. - Direito de retenção sobre o crédito do incumprimento do contrato. - Direito de retenção sobre o valor das benfeitorias.
2. Na sentença recorrida escreveu-se que: «…importa atentar no disposto nas seguintes disposições do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - DL 53/2004 de 18 de Março: Artigo 106º “1. No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador. 2. À recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 104.º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor.” Artigo 104º, nº5 “5. Os efeitos da recusa de cumprimento pelo administrador, quando admissível, são os previstos no n.º 3 do artigo 102.º, entendendo-se que o direito consignado na respectiva alínea c) tem por objecto o pagamento, como crédito sobre a insolvência, da diferença, se positiva, entre o montante das prestações ou rendas previstas até final do contrato, actualizadas para a data da declaração de insolvência por aplicação do estabelecido no n.º 2 do artigo 91.º, e o valor da coisa na data da recusa, se a outra parte for o vendedor ou locador, ou da diferença, se positiva, entre este último valor e aquele montante, caso ela seja o comprador ou o locatário.” Artigo 102º, nº3 “3. Recusado o cumprimento pelo administrador da insolvência, e sem prejuízo do direito à separação da coisa, se for o caso: a) Nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou; b) A massa insolvente tem o direito de exigir o valor da contraprestação correspondente à prestação já efectuada pelo devedor, na medida em que não tenha sido ainda realizada pela outra parte; c) A outra parte tem direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada; d) O direito à indemnização dos prejuízos causados à outra parte pelo incumprimento: (i) Apenas existe até ao valor da obrigação eventualmente imposta nos termos da alínea b); (ii) É abatido do quantitativo a que a outra parte tenha direito, por aplicação da alínea c); (iii) Constitui crédito sobre a insolvência. e) Qualquer das partes pode declarar a compensação das obrigações referidas nas alíneas c) e d) com a aludida na alínea b), até à concorrência dos respectivos montantes.” Portanto, estando em causa contrato promessa celebrado com vendedor que venha a ser declarado insolvente antes de cumprido o contrato definitivo, importa, em primeira linha, atender às disposições específicas que no CIRE regulam tal matéria. (…) tem de concluir-se que estamos perante contrato promessa de eficácia meramente relativa ou obrigacional. Assim sendo, estava a Sr.ª Administradora livre para decidir recusar ou cumprir o contrato (…) A este propósito resulta dos factos provados que, com efeito, a Sr.ª Administradora recusou o cumprimento do contrato promessa. Assim, importa que se passe à questão de saber se deve ser reconhecido e graduado o crédito correspondente ao valor do dobro do sinal prestado, valor equivalente a €60.000,00, bem como se deve ser reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel prometido vender como garantia de tal crédito e por fim saber se deve ser reconhecido o crédito referente a benfeitorias realizadas no imóvel. A este propósito pela similitude das situações, por se concordar na íntegra com a escorreita fundamentação aduzida e atenta a sua clareza, veja-se o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.12.2010, no qual se escreveu que: “desde logo há a ter em conta que no contexto especial da insolvência a lei, tratando-se de promessa não dotada de eficácia real, como que transmuda os deveres que normalmente (isto é, não fora a declaração de insolvência) decorreriam para o promitente devedor, sem que o administrador possa ser visto como estando vinculado, como se fora um estrito sucessor do devedor (pelo contrário, o administrador funciona como um representante da massa insolvente e, como tal, defensor dos interesses desta), ao cumprimento da promessa. Isto traz consigo imediata e apodicticamente uma conclusão, qual seja, que a opção do administrador pelo não cumprimento não se traduz num facto ilícito gerador da obrigação de indemnização que normalmente sobreviria em caso de não cumprimento da promessa pelo devedor, antes produz apenas as consequências previstas no nº 5 do art. 104º (ex vi do nº 2 do art. 106º) e no nº 3 alínea c) do art. 102º (asserção esta que, aliás, deve ser vista como reforçada pelo teor do art. 119º, que estabelece a imperatividade das normas em causa). Isto significa que está afastada a actuação do regime do sinal conforme vem disciplinado no art. 442º do CCivil, justamente porque não é compatível com o regime específico fixado em tais normas. E também significa que não se pode ter como configurada a existência de um direito de retenção a favor do promitente-comprador, tanto porque esse efeito não está consignado no citado art. 102º para a recusa do cumprimento por parte do administrador, como porque, contrariamente ao que se exige na al. f) do art. 755º do CCivil, não estamos perante um crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte contratante. E tudo isto tem toda a lógica, se se atentar no princípio par conditio creditorum que enforma o regime legal da insolvência. Ora, aplicando estas regras ao caso vertente, não temos senão de concluir que a Autora, beneficiária de uma promessa de venda com natureza meramente obrigacional, não goza nem do direito à indemnização fixada no art. 442º do CCivil (recebimento de outro tanto do que prestou como sinal), nem do direito de retenção sobre a coisa traditada. Na realidade, face aos normativos citados, tem apenas direito a ser reintegrada no valor do sinal prestado, na certeza de que nada foi alegado adicionalmente ou está provado que mostre que há uma diferença positiva entre o preço convencionado e o valor da coisa à data da recusa do cumprimento do contrato (cfr. o nº 5 do art. 104º, ex vi do nº 2 do art. 106º).” Ora, conforme ali bem se explica, a opção pelo não cumprimento por parte do Administrador não pode ser considerada como incumprimento culposo e portanto gerador da obrigação de indemnização. As consequências decorrentes da opção pelo não cumprimento apenas serão aquelas previstas no nº 5 do artigo 104º, por força da remissão do artigo 106º, nº2 e do nº 3 do artigo 102º, todos do CIRE. Assim, estando, quer a devolução do sinal em dobro (cfr. artigo 442º do CC), quer o direito de retenção sobre a coisa prometida vender (cfr. artigo 755º, nº 1, al f) do CC) dependentes da existência de não cumprimento imputável à outra parte não poderá reconhecer-se a existência de qualquer desses direitos, precisamente por o incumprimento não poder ser considerado culposo. Em face do exposto, tem de concluir-se que a autora terá sobre a massa insolvente um crédito tão só referente ao valor do sinal prestado pois que se não alegou qualquer diferença positiva entre o preço convencionado e o valor da coisa à data da recusa de cumprimento do contrato, acrescido do valor das benfeitorias efectuadas ao imóvel …» - fim de transcrição. Na mesma linha argumentativa pode ver-se, também, o Ac. desta Relação, referido pela recorrida nas suas contra-alegações, onde se deixou dito que: “Como já se referiu, por declaração inequívoca junta aos autos a fls. 525, o administrador da insolvência recusou o cumprimento do contrato-promessa. Como também se concluiu, tal recusa é legítima, face à factualidade provada (não atribuição de eficácia real ao contrato) e ao disposto no artigo 106.º do CIRE. 4. Na conclusão G. das suas alegações a recorrente afirma que o crédito de benfeitorias realizadas na coisa objecto do contrato promessa de compra e venda goza também do direito de retenção. Não obstante, como assinala a recorrida, no corpo das alegações nem uma só linha é dedicada a este assunto, por parte da recorrente (aliás o mesmo já tinha acontecido na petição inicial). Ora, como é jurisprudência pacífica e contínua, nestes casos de omissão total no corpo das alegações dos fundamentos ou razões de discordância com o decidido sobre determinada questão, ou seja, quando se omite qualquer menção a essa questão que, todavia, vem a constar nas conclusões do recurso, é de entender que o art. 685º-A, nº 1, do CPC, se mostra violado, e consequentemente tal questão simplesmente mencionada nas conclusões não tem de ser conhecida pelo tribunal de recurso (vide Acds. do STJ, de 13.1.2005, Proc.04B4132, de 25.3.2004, Proc.02B4702, de 2.2.2000, AD, 468, pág. 1657, de 28.5.1997, BMJ 467, pág. 412, de 12.1.1995, BMJ, 443, pág. 342, de 21.10.1993, CJ, T. 3, pág. 81). 5. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC): i) No regime do Código Civil, o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e a sanção do mecanismo do sinal – art. 442º, nº2, do CC – estão ligados à imputabilidade do incumprimento. Se tal imputabilidade for do promitente-vendedor este deve restituir o sinal recebido em dobro; ii) A recusa do administrador em executar o contrato não exprime incumprimento mas “reconfiguração da relação”, tendo em vista a especificidade do processo de insolvência, não sendo aplicável o conceito do art. 442º, nº2, do CC – “incumprimento imputável a uma das partes” – que pressupõe um juízo de ilicitude, e de censura em que se traduz o conceito de culpa – (neste caso ficcionando que a parte que incumpre seria o administrador da insolvência na veste do promitente ou em representação dele), pelo que não se aplica o regime daquele normativo e, como tal, não tem o promitente-comprador direito ao dobro do sinal, até por força do regime imperativo do art. 119º do CIRE; iii) O promitente-comprador de coisa imóvel que obteve a traditio, não goza, no actual direito da insolvência, dos direitos reconhecidos pelo CC, no caso de ser imputável ao promitente-vendedor o incumprimento definitivo do contrato-promessa, não sendo aplicável na insolvência o art. 442º, nº2, do Código Civil, e por isso, também não dispõe o promitente-comprador do direito de retenção, nos termos do art. 755º, nº 1, f), do Código Civil; iv) No caso de omissão total no corpo das alegações dos fundamentos ou razões de discordância com o decidido sobre determinada questão, questão que, todavia, vem a constar nas conclusões do recurso, é de entender que o art. 685º-A, nº 1, do CPC, se mostra violado, e consequentemente a mesma não tem de ser conhecida pelo tribunal de recurso.
III – Decisão
Em face do exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida. * Custas pela recorrente. *
Moreira do Carmo ( Relator ) Carlos Marinho Alberto Ruço |