Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
486/21.0T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: EXAME MÉDICO-LEGAL
ASSISTÊNCIA DE ASSESSOR TÉCNICO INDICADO PELA PARTE
Data do Acordão: 11/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 6º, Nº 3 DA LEI Nº 45/2004, DE 19/08; 467º DO NCPC.
Sumário: A lei nº 45/2004, de 19 de agosto, não impede que uma parte, em processo civil, nomeie assessor técnico a fim de assistir a um exame médico legal.
Decisão Texto Integral:






Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

Na presente ação declarativa comum em que é autor N... e ré L..., Companhia de Seguros, S.A., foi determinada a realização de perícia médico-legal, a realizar pelo INMLCF.

Em 11-05-2021 a ré requereu a presença de assessor técnico nesse exame pericial, indicando um médico ortopédico.

Por requerimento de 20-05-2021 o autor pronunciou-se sobre o objeto da perícia.

Por despacho de 31-05-2021 foi ordenada a notificação do autor para se pronunciar sobre a admissão de assessor técnico requerida pela ré.

Não obstante, o autor nada disse.

Em 18-06-2021 foi proferido o seguinte despacho:

“L..., Companhia de Seguros, S.A., Ré nos presentes autos, veio requerer, na sequência da admissão da realização de prova pericial pelo INMLCF, a admissão, para acompanhar a realização do exame, de Assessor, com o intuito de observar e relatar aquilo que observou, sem interferir na perícia, dando conhecimento direto à R. da avaliação a que o A. for submetido, dos procedimentos adotados e dos exames objetivos que foram realizados.

Alega para tanto que as perícias médico-legais são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal, nos termos dos respetivos estatutos, e só excecionalmente, perante manifesta impossibilidade dos serviços, podem ser realizadas por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto (a Lei n.º 45/2004, de 19/08, art.º 2.º, n.ºs 1 e 2); que dispõe o n.º 3 do art.º 480.º do C.P.C. que “as partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50.º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção.” Estatui o artigo 50.º do C.P.C. sob a epígrafe Assistência técnica aos advogados, o seguinte: “1 - Quando no processo se suscitem questões de natureza técnica para as quais não tenha a necessária preparação, pode o advogado fazer-se assistir, durante a produção da prova e a discussão da causa, de pessoa dotada de competência especial para se ocupar das questões suscitadas. 2 - Até 10 dias antes da audiência final, o advogado indica no processo a pessoa que escolheu e as questões para que reputa conveniente a sua assistência, dando- se logo conhecimento do facto ao advogado da parte contrária, que pode usar de igual direito. 3 - A intervenção pode ser recusada quando se julgue desnecessária. 4 - Em relação às questões para que tenha sido designado, o técnico tem os mesmos direitos e deveres que o advogado, mas deve prestar o seu concurso sob a direção deste e não pode produzir alegações orais.”; que apenas com a presença de Assessor Técnico poderá a R. tomar conhecimento direto da avaliação a que o A. for submetido, dos procedimentos adotados, dos exames objetivos, entre outros e desta forma assegurar o seu direito de defesa, sobretudo para eventual pedido de Esclarecimentos/ Reclamação, já que o perito não é por si indicado (ao contrário de uma perícia colegial).

Ora, a prova pericial tem lugar quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.

Contudo, tratando-se, especificamente, de perícia médico-legal, o artigo 3º, nº 1, da Lei nº 45/2004, de 19 de Agosto, dispõe que tais perícias “solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais as disposições dos artigos 154º e 155º do Código de Processo Penal”. Entende-se que, no caso visando a perícia as mesmas finalidades que vida em sede de direito penal, tendo em conta o Princípio de Adesão, de acordo com o qual, os pedidos de indemnização civil ali são deduzidos, com as mesmas finalidades que em sede de ação de Processo Comum, designadamente quando se trata de indemnizações por dano corporal.

Sobre esta matéria pronunciou-se o Tribunal Constitucional, por Acórdão nº 133/2007, de 27.02.2007, de acordo com o qual: “Não pode inferir-se diretamente da Constituição a existência de um direito dos participantes processuais a acompanharem os exames médico-legais, realizados no âmbito do próprio Instituto Nacional de Medicina Legal, por si ou através dos consultores técnicos que os coadjuvem nas matérias técnico cientificas envolvidas na prova pericial.

Ocorre, porém, perguntar se a Constituição consente ao legislador liberdade para moldar um regime específico quanto àquelas perícias que devem ocorrer no Instituto Nacional de Medicinal Legal, regime que é mais restritivo quanto ao direito de acompanhar a diligência que é conferido aos intervenientes processuais e, portanto, também ao arguido.

Mas a análise da evolução legislativa que esta matéria sofreu revela que não tem verdadeiro fundamento a alegação do recorrente quanto à não existência de “justificação razoável – técnica, científica ou processual – para essa limitação”, omissão que, em seu entender, seria demonstrativa da natureza “desproporcionada e desnecessária” da solução legal. É, pelo contrário, manifesto que a norma impugnada, ao introduzir uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos, para além de abrangidos pelo segredo de justiça (como os demais), estão vinculados ao dever de sigilo profissional, e gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica (…) O Instituto Nacional de Medicina Legal é a Instituição de referência nacional na área científica da medicina legal, desenvolvendo a sua missão pericial em estreita articulação funcional com as autoridades judiciárias e e judiciais no âmbito da administração da justiça, na observância das normas e dos princípios legais e éticos que asseguram o devido respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Ao introduzir (o legislador) uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica - cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/2001 e 31/91.

A restrição à participação na realização da perícia de elementos estranhos ao INML e a inadmissibilidade de indicação de consultor técnico não ofende o princípio do contraditório.”- Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa de 22.09.2020.

Não se discute que a Avaliação do dano Corporal em Direito Civil suscita questões de natureza técnico/científicas para as quais o Tribunal e os Advogados não têm a necessária preparação, razão pela qual se trata de uma prova pericial. No entanto, a figura do assessor técnico, no caso em concreto, para além de se revelar desnecessária, por não poder intervir, não visa acompanhar o Ilustre Advogado sendo que, no caso concreto e em função dos quesitos formulados, tal acompanhamento seria suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de sigilo que o tribunal entende merecer proteção, pois que o perito médico apenas fará verter no relatório os elementos clínicos e informações relevantes para a finalidade da perícia, devendo ficara coberto do sigilo todas as declarações que venham a ser prestadas pelo autor durante o exame.

A finalidade pretendida pela Ré poderá ser assegurada em sede de audiência de julgamento, caso aí se pretenda fazer acompanhar por assessor técnico em sede de tomada de esclarecimentos ao perito, caso o requeira.

Termos em que, pelos fundamentos supra expostos, sem necessidade de mais considerações, por inadmissibilidade legal, indefere-se o requerido pela Ré.

Notifique”.

Inconformada com o decidido, a ré interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) “A prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes (art.º 341º do Código Civil).

b) Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objeto: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (art.º 388º do Código Civil)”, cf. douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no dia 24.04.2012 no âmbito do processo 4857/07.6TBVIS.C1 e disponível em http://www.dgsi.pt.

c) A lei processual civil prevê, explicitamente, a possibilidade de as partes poderem assistir à realização de perícias e fazer-se assistir por assessor técnico.

d) O diploma que regulamenta as perícias médico-legais, Lei n.º 45/2004, de 19/08, não dispõe de qualquer norma que afaste o regime geral das perícias previsto no C.P.C.

e) O diploma apenas afasta a aplicabilidade dos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal, mas quanto ao processo civil é totalmente omisso.

f) O que se compreende visto que a figura do consultor técnico prevista no artigo 155º do C.P.P. é distinta da figura do assessor técnico previsto no C.P.C., já que o primeiro tem um papel ativo e o segundo tem um papel passivo, limitando-se a acompanhar a sua realização, observar e relatar aquilo que observou.

g) Por se tratar de perícia/exame singular e não colegial, a figura do Assessor Técnico é fundamental, já que as partes não podem nomear os seus peritos.

h) O Assessor Técnico acompanha a realização do exame com o intuito de observar e relatar aquilo que observou, sem, contudo, interferir na perícia.

i) No caso concreto, a presença do Assessor Técnico permitirá à Recorrente tomar conhecimento “direto” da avaliação a que o A. for submetido, dos procedimentos adotados, dos exames objetivos, etc.

j) Desta forma estará melhor salvaguardado o seu direito de defesa, especialmente para eventual pedido de Esclarecimento, Reclamação ou Segunda Perícia.

k) O A. não se opôs ao Pedido de Assessoria Técnico submetidos pela Recorrente.

l) O Assessor Técnico é um médico(a) credenciado(a), pelo que não existe ofensa ao pudor nem quebra de sigilo.

m) Assim, existiu por parte do douto tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 480.º, nº 3 do CPC, devendo o despacho de 18 de junho de 2021, refª ..., ser revogado e substituído por outro que admita a assessoria à perícia de psiquiatria e ortopedia e ordene a repetição das perícias realizadas, desta feita com a presença do Assessor Técnico.

Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá:
a) o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que a admita a Assessoria Técnica à perícia de avaliação do dano e eventuais exames complementares se requeridos pelo perito do INML e por conseguinte,
b) seja(m) a(s) avaliação(ões) entretanto realizada(s) anulada(s) e c) seja ordenada a repetição das perícias, desta feita com a presença do(a) Assessor(a) Técnico(a).

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a única questão a decidir consiste em determinar se pode, ou não, a apelante nomear um assessor técnico aquando da realização do exame médico-legal ao autor.

FUNDAMENTAÇÃO

De facto: dão-se por reproduzidos os factos que constam do relatório que antecede.

De Direito:

Dispõe o artigo 467º do CPC:
1- A perícia, requerida por ambas as partes ou determinado oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2- As partes são ouvidas sobre a nomeação do perito, podendo sugerir quem deve realizar a diligência; havendo acordo das partes sobre a identidade do perito a designar deve o juiz nomeá-lo, salvo se fundadamente tiver razões para pôr em causa a sua idoneidade ou competência.
3- As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta.
4- As restantes perícias podem ser realizadas por entidade contratada pelo estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objeto da causa nem ligação com as partes.
No caso dos autos estamos perante uma perícia médico-legal.
O diploma que regulamentava as perícias médico-legais à data do despacho recorrido (de 18-06-2021) era a Lei nº 45/2004, de 19-08[1].
Segundo artigo 6º, nº 3, da Lei nº 45/2004 o “examinado pode, nos termos do disposto no artigo 155º do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações, fazer-se acompanhar por pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial”.
Prescreve o artigo 3º, nº 1, deste diploma, que “as perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas nas delegações do instituto ou nos gabinetes médico-legais as disposições contidas nos artigos 154º e 155º do Código de Processo Penal”.
Preceitua o referido artigo 155º do CPP sob a epígrafe “Consultores técnicos”: 1- Ordenada a perícia, o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis podem designar para assistir à realização da mesma, se isso ainda for possível, um consultor técnico da sua confiança. 2- O consultor técnico pode propor a efetivação de determinadas diligências e formular observações e objeções, que ficam a constar do auto. 3- Se o consultor técnico for designado após a realização da perícia, pode, salvo no caso previsto na alínea a) do n.º 5 do artigo anterior, tomar conhecimento do relatório. 4- A designação de consultor técnico e o desempenho da sua função não podem atrasar a realização da perícia e o andamento normal do processo.
Por sua vez, resulta do nº 3 do artigo 480º do CPC que “As partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de sigilo que o tribunal entenda merecer proteção”.
O artigo 50º, nº 1 para que o artigo 480º CPC remete, estipula que: “Quando no processo de suscitem questões de natureza técnica para as quais não tenha a necessária preparação, pode o advogado fazer-se assistir, durante a produção da prova e a discussão da causa, de pessoa dotada de competência especial para se ocupar das questões suscitadas; acrescentando o nº 4 que “em relação às questões para que tenha sido designado, o técnico tem os mesmos direitos e deveres que o advogado, mas deve prestar o seu concurso sob a direção deste e não pode produzir alegações orais”.
Refere o Ac. do TRC de 28-11-2018 (desta Secção)[2] que “Se a figura de consultor técnico e a de assessor se equivalessem a terminológa utilizada no CPP (art.º 155º) e no CPC (art.º 480º/3) seria, decerto, a mesma, e não ali a de “consultor técnico”, e aqui a de “assessor técnico”.
Escreveu-se ainda neste acórdão que “Uma e outra figura comungam apenas da circunstância de ambas deverem assistir ao acto inspectivo, mas enquanto o consultor tem poderes para intervir nesse acto, relacionando-se no mesmo com os peritos, os advogados e até com o juiz, podendo sugerir a realização de diligências e formular observações e objeções (que ficam a constar do auto), os assessores, presenciando o acto, não intervêm nele e relacionam-se apenas com a (parte e o seu) advogado. Por isso, a assistência de um e outro ao acto inspectivo é diferente: ali é ativa, aqui é passiva.
Assim, no contexto em que nos movemos, as funções do assessor técnico - que será, obviamente,  um médico da especialidade requerida pelo exame - implicam que o mesmo funcione junto da parte que o nomeou como se de um “intérprete” se tratasse relativamente ao conteúdo do mesmo com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para este, de modo que o mesmo possa mais eficazmente exercer o contraditório através das reclamações que futura e eventualmente venha a fazer ao relatório pericial.
(…)
Operada a distinção entre consultor técnico e assessor técnico nos termos que antecedem, dever-se-á concluir que sem razões substanciais que não estão aqui em causa, não poderá negar-se à parte – sequer - crê-se, em processo penal, e pese embora a norma do art.º 3º/1 da L 45/2004 - o direito a ser coadjuvada por assessor técnico em perícia médico-legal.
Esse direito constitui, afinal, uma aplicação do principio do contraditório na vertente a que se lhe refere o nº 3 do art.º 3º CPC - a da parte, devidamente esclarecida quanto aos aspetos técnicos do concreto exame médico-legal, poder influenciar o resultado do processo pela sindicância que venha a fazer ao relatório pericial”.
Sobre este temática transcreve-se ainda o Ac. do TRG de 13-3-14[3] “A obrigatoriedade da realização das perícias médico-legais no INML não constitui restrição dos direitos processuais das partes, porquanto esta instituição tem autonomia e independência técnico-científica, estando numa posição de equidistância perante as partes, sendo que os seus peritos garantem um padrão de elevada qualidade científica. Os direitos processuais das partes são assegurados na precisa medida em que os peritos estão obrigados a fundamentar as suas respostas e conclusões, podendo ser requerida a prestação de esclarecimentos pelas partes, sendo estes meios processuais idóneos a aquilatar o iter seguido pelo perito e a permitir o cabal exercício do contraditório, assistindo ainda à parte o direito de se fazer assistir de técnico nos termos do art.º 50º”.
No mesmo sentido encontramos o Ac. do TRP de 21-02-2019[4] - “embora o nº 3 deste art.º 6º da Lei nº 45/2004, de 19.08, refira apenas o direito de o examinado se poder fazer acompanhar por pessoa da sua confiança no exame pericial médico-legal, tal não obsta a que qualquer das partes se possa fazer assistir na perícia por assessor técnico -, e o Ac. do TRP de 25-02-2021[5] - “numa ação cível, na qual o examinado é, em regra, parte do processo, o mesmo poderia usar um assessor técnico e a parte contrária não. Ou seja, uma parte teria direito a ver e influenciar diretamente a prova pericial e a outra não”.
Admitir que a perícia de fixação do dano pudesse ser realizada sem a presença do assessor técnico da ré, mas apenas com a presença do assessor técnico do autor, seria incompatível com o principio da igualdade, pois colocaria uma parte numa posição processual mais desvantajosa do que a outra sem qualquer razão objetiva, justificável ou com algum tipo de “fundamentação razoável”.
Esta é também a interpretação compatível com o principio da igualdade das partes consagrada no art.º 4º do NCPC, nos termos do qual o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa, na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.[6]
Por fim importa referir que no despacho recorrido escreveu-se que “em função dos quesitos formulados, tal acompanhamento seria suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de sigilo que o tribunal entende merecer proteção, pois que o perito médico apenas fará verter no relatório os elementos clínicos e informações relevantes para a finalidade da perícia, devendo ficar coberto do sigilo todas as declarações que venham a ser prestadas pelo autor durante o exame”.
Não podemos concordar com esta fundamentação, desde logo porque o autor foi ouvido sobre o requerimento da ré e não deduziu oposição, sendo certo que o assessor técnico indicado pela ré para assistir à perícia médico-legal ordenada é também ele médico e sujeito ao respetivo código deontológico, nomeadamente o dever de sigilo profissional.
Conclui-se deste modo pela procedência da apelação, devendo ser revogado o despacho recorrido.

As custas do recurso ficam a cargo do recorrido, já que a parte vencida no recurso é responsável pelo pagamento das custas, ainda que em relação a ele não tenha exercido o direito de contraditório.[7]/[8]

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):

A lei nº 45/2004, de 19 de agosto, não impede que uma parte, em processo civil, nomeie assessor técnico a fim de assistir a um exame médico legal.

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido e determinando que seja deferido o requerido pela ré seguradora, permitindo-se a presença durante o exame médico-legal na pessoa do autor do assessor técnico por ela indicado.

Custas pelo apelado.

                                                                                                              Coimbra, 23 de novembro de 2021

                Mário Rodrigues da Silva- relator

                Cristina Neves- adjunta

                Jaime Ferreira- adjunto


               Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


[1] Em 17-07-2021 entrou em vigor o DL nº 53/2021, de 16-6 (art.º 34º).
[2] Proc. 1864/17.4T8LRA-A.C1, relatora MARIA TERESA ALBUQUERQUE, www.dgsi.pt.
[3] Proc. 203/12, citado por ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUIS FELIPE PIRES DE SOUSA, O Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, p. 534.
[4] Proc. 961/18.3T8VFR-A.P1, relator MADEIRA PINTO, www.dgsi.pt.
[5] Proc. 3232/19.4T8VFR-A.P1, relator PAULO DUARTE TEIXEIRA, www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Ac. do TRP, de 25-02-2021.
[7] SALVADOR DA COSTA, Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido, https://drive.google.com/file/d/1AUCq7fmuDEcJjTOH7adY2whdoybrxrEY/view.
[8] SALVADOR DA COSTA, Custas da apelação na proporção do decaimento a apurar a final,
https://drive.google.com/file/d/1oc0UvAL2z8mzLXR-Vv2EtMAR7H7CfCiM/view.