Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
76/03.9GBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HEITOR VASQUES OSÓRIO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CRIME DE PERIGO ABSTRACTO
CRIME EXAURIDO
TRÁFICO DE MENOR QUANTIDADE
Data do Acordão: 01/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 25.º, ALÍNEA A) DO DECRETO-LEI N.º 15/93, DE 22.01
Sumário: I. - O crime de tráfico de estupefacientes – cujo tipo fundamental se encontra previsto no art. 21º – é um crime de perigo abstracto ou presumido, que tutela a saúde e a integridade física dos cidadãos, isto é, a saúde pública.
II. - Enquanto crime de perigo, consuma-se com a mera criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido. Trata-se, por isso, de um crime exaurido ou de empreendimento, um crime de tutela antecipada em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa (cfr. Acs. do STJ de 04/07/2007, CJ, S, XV, II, 234, de 19/04/2007, de 19/10/2006, ambos em http://www.dgsi.pt, e de 13/04/2005, CJ, S, XIII, II, 174).
III. - O tipo legal privilegiado do art. 25º fica preenchido quando, preenchido o tipo do art. 21º ou do art. 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto. Esta considerável diminuição da ilicitude do facto será então o resultado de uma avaliação global da situação de facto, tendo em conta, entre outros factores, os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados, reveladores de uma menor perigosidade da acção.
IV. - Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo pois ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os arts. 21º e 22º.
Decisão Texto Integral: 10

I. RELATÓRIO.
Pelo 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Figueira da Foz, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos, …, …, … e, …, todos com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática dos seguintes crimes e contra-ordenação:
- Ao primeiro arguido, um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nºs 1, a) e 2, e), do C. Penal;
- Aos segundo e terceiro arguidos, em co-autoria, um crime de detenção de munições de arma de fogo, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 05/2006, de 23 de Fevereiro;
- Ao quarto arguido, uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 2º, nºs 1 e 2 e 16º, nº 2, da Lei nº 30/00, de 29 de Novembro, e um crime de tráfico de canabis, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao referido diploma.
Realizado o julgamento foi proferido em 29 de Maio de 2008 acórdão que:
- Absolveu os arguidos … e … da prática dos crimes que lhes eram imputados;
- Condenou o arguido …, pela prática de um crime de detenção ilegal de munições de armas de fogo, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, d), da Lei nº 05/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;
- Condenou o arguido …, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, a), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro – resultante da convolação do acusado crime de tráfico de estupefacientes – na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, condicionada à frequência pelo arguido do Instituto da Droga e da Toxicodependência, e consequente acatamento das orientações que ali lhe sejam dadas com vista à superação da sua dependência do consumo de estupefacientes.
Inconformado com a decisão, dela recorreu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“ (…).
1.ª O Tribunal a quo condenou o arguido … pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
2.ª Porém, de acordo com os factos provados, a ilicitude da conduta do arguido não se mostra consideravelmente diminuída, pelo contrário é bastante acentuada, pelo que não se subsume ao artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas antes ao tipo simples, previsto no artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
3.ª Fez, então, o Tribunal a quo uma errada subsunção jurídica dos factos praticados por BC..., pelo que há uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (artigo 410.º, n.º 2, al. b), in fine, do Código de Processo Penal).
4.ª O arguido … deverá ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
No entanto, Vossas Excelências, como sempre, farão a tão costumada JUSTIÇA!
(…)”.
O arguido … não respondeu ao recurso.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a factualidade apurada permitir concluir por uma ilicitude consideravelmente atenuada, concluindo pela confirmação do acórdão recorrido.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo Digno Magistrado do Ministério Público recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A existência do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
- A errada qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido BC....
Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:
A) No acórdão foram considerados provados os seguintes factos, com numeração por nós aposta (transcrição):
“ (…).
Em Junho de 2003, alguém se dirigiu ao Centro Paroquial de Ferreira-a-Nova Figueira da Foz, onde, abrindo à força a janela da sala, logrou por aí entrar no interior das referidas instalações. (1)
Já aí dentro, abriu à força duas portas, por onde acedeu a uma sala onde se encontrava o material descrito a fls. 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que retirou para o exterior e levou depois consigo, designadamente:
- dois televisores Samsung W532 V64N, no valor de 1.458 €;
- um videogravador Samsung no valor de 130 €; e
- nove computadores Logic Super 2400 P4-2 40HZ, no valor de 9.201,78 €, objectos esses com um valor global de 10.789,78 € (dez mil setecentos e oitenta e nove euros e setenta e oito cêntimos). (2)
No dia 23.10.2006, pelas 7h00, foi realizada busca domiciliária à residência dos arguidos … e …, sita na rua da Ribeira, nº 19, em Porto Lamas – Ferreira-a-Nova – Figueira da Foz, tendo sido apreendido o seguinte no quarto dos arguidos:
- uma munição cal. 6,35; e
- uma munição cal. 7,65. (3)
Nesse mesmo dia foi realizada busca domiciliária à residência dos arguidos … e …, sita em Pisão – Liceia – Montemor-o- Velho, tendo sido apreendidos no quarto dos mesmos:
- um saco de plástico com dois invólucros, cal. 6,35;
- seis cartuchos de cal. 12, chumbo de 5 mm;
- um cartucho de cal. 12, zagalotes;
- um cartucho de cal. 12, chumbo de 4 mm;
- dois cartuchos de cal. 12, chumbo de 6 mm; e
- dois cartuchos de cal. 12, chumbo de 1 mm. (4)
Tais munições e invólucros pertenciam ao arguido …, que não é detentor de autorização de detenção de armas ou de licença de uso e de porte de qualquer arma. (5)
Agiu o arguido … de forma livre, deliberada e consciente ao deter tais munições de armas de fogo. (6)
No dia 23 de Outubro de 2006, na sequência de uma busca domiciliária, judicialmente autorizada, foram encontrados e apreendidos, entre outros objectos, na residência da avó do arguido …, mais concretamente no quarto deste último e na sala, sita na Rua da Fonte, n.º 19, Ferreira-a-Nova, Figueira da Foz, duas placas de um produto acastanhado, com o peso líquido de 198,457 gramas, uma pequena parte de uma placa de um produto acastanhado, com o peso líquido de 12,461 gramas, um plástico com partículas, as quais tinham o peso líquido de 1,829 gramas, produtos esses com um peso líquido global de 212,747 gramas. (7)
Sujeito tal produto a exame no Laboratório de Polícia Científica, revelou o mesmo tratar-se de canabis (resina). (8)
Tal produto estupefaciente foi adquirido pelo arguido numa festa denominada "Incognitus Party", no dia 14 de Outubro de 2006, tendo pago pelo mesmo €120 (cento e vinte euros) e dado ainda em troca um telemóvel, sendo que aquando da referida busca e apreensão, o arguido já teria consumido uma parte de tal produto. (9)
O arguido … é consumidor de canabis há cerca de 4 (quatro) anos, sendo que ocasionalmente vende ou cede a consumidores este produto estupefaciente. (10)
Em data não apurada de 2006, na Lagoa da Ferreira, em Ferreira-a-Nova, o arguido … forneceu canabis a …., pela quantia de € 20 (vinte euros), em quantidade não concretamente apurada e cedeu canabis a …, por diversas vezes, em quantidades, locais e datas não concretamente apuradas. (11)
O arguido … agiu de forma livre, bem sabendo da natureza estupefaciente da substância que lhe foi apreendida, que lhe pertencia, destinando parcialmente a mesma à venda ou cedência a consumidores que o procurassem para o efeito. (12)
Sabiam ainda os arguidos … e … que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. (13)
O arguido … celebrou, na pendência deste processo, um contrato a termo certo com a empresa Isolmondego – Instalação de Fomos Industriais, Ldª., com sede em Falagueira, Amadora.
É montador de fomos industriais, auferindo a retribuição mensal de €650.
Completou o 2° ano de escolaridade.
Vive com a companheira, doméstica e uma filha de cinco anos, em casa da mãe dele. (14)
O arguido … sofreu condenações por crimes de condução sem habilitação legal, falsidade de depoimento ou declaração, ofensa à integridade física e receptação, nenhuma delas o tendo conduzido a prisão efectiva. (15)
Os arguidos … e … cresceram num contexto rural, integrados numa família de baixo nível socio-económico e cultural, sendo o … o irmão do meio e o … o irmão mais novo de três. (16)
Os pais revelaram fracas capacidades em definir limites e regras educativas facilitadoras do processo de socialização dos filhos, sendo que o arguido … evidenciou problemas de aprendizagem e apesar de ter chegado a frequentar o 5.º ano de escolaridade, manteve o nível de insucesso, pelo que veio a abandoná-la, passando a privilegiar os tempos de ociosidade com o grupo de amigos, na frequência de cafés. O seu percurso laboral é pautado com períodos frequentes de inactividade, ou fazendo curtas experiências profissionais, não lhe sendo reconhecidos hábitos de trabalho. (17)
O irmão …, pouco motivado relativamente às aprendizagens, revelou dificuldades de adaptação ao iniciar a escolaridade e registou retenção no 1º ano, passando a frequentar no 2º ciclo o Colégio de Quiaios, beneficiando ali de currículo alternativo com objectivos individualizados, que veio a facilitar a progressão escolar e a conclusão do 9º ano de escolaridade. Em contexto escolar, revelava alguns problemas comportamentais, destabilizando por vezes o funcionamento das aulas, tendo sido alvo de procedimentos disciplinares.
Aos 16 anos de idade, abandonou a frequência da escola e começou a trabalhar como aprendiz de electricista para uma empresa especializada em trabalhos de electricidade, onde se mantém no presente, vindo a procurar uma orientação social mais positiva. (18)
No meio social, os arguidos são representados de forma negativa, pelos seus comportamentos desviantes e falta de projectos de futuro. O irmão mais velho tem 24 anos de idade e já é autónomo do agregado, vivendo com uma companheira em Coimbra. (19)
O arguido … teve uma fase em que aparecia na companhia de elementos tido como problemáticos na comunidade, dos quais parece que veio a distanciar-se, privilegiando as questões profissionais. Trabalha como ajudante de electricista, há cerca de um ano meio, para a empresa "…." com sede em Ferreira-a-Nova, empresa que presta trabalho para a EDP. Por conta dessa empresa, arguido trabalha, há cerca de 3 meses, no Fundão, em obras a decorrer nessa cidade, sendo-lhe reconhecidas capacidades de trabalho pela entidade patronal. No horário pós-laboral, está a tirar a carta de condução numa escola do Fundão. Também frequenta, aos sábados, o curso de "electricista de redes" promovido pela própria entidade patronal e com a duração de 3 meses, procurando obter qualificação para o exercício da sua profissão. Quando tem disponibilidade, efectua ainda alguns trabalhos em oficina-auto local.
Permanecendo durante a semana afastado do agregado por questões profissionais, o arguido integra o agregado aos fins-de-semana, residindo com pais e irmão, …, de 23 anos de idade. (20)
A família reside na actual habitação há 2 anos, herança da mãe do arguido por morte de um irmão, sendo que a casa face ao contexto rural em que se encontra inserida, reúne suficientes condições de habitabilidade.
A mãe do arguido é doméstica, recaindo sobre a mesma uma imagem menos positiva, e o pai é tractorista na Cooperativa Agrícola de Ferreira-a-Nova, sendo referenciado como trabalhador. (21)
Nada consta do certificado de registo criminal do arguido …. (22)
O irmão … iniciou recentemente actividades no corte de madeiras, mas com carácter pontual, já que a ausência de qualificações e de hábitos de trabalho não o favorecem no sentido de o vincular a uma actividade laboral mais estável. Aufere €100 por cada semana de trabalho.
Pela banalização por ele feita dos diversos processos em que tem estado envolvido, demonstrando falta de raciocínio crítico, o arguido … apenas está preocupado com a eventualidade de uma pena de prisão. (23)
O arguido … foi condenado pela prática de crimes de burla simples, falsificação de documento, furto simples e condução sem habilitação legal, sem que nenhuma das penas o obrigasse inicialmente a cumprir prisão efectiva, tendo em 2004 cumprido 8 horas de trabalho a favor da comunidade pelo crime de condução ilegal, mas em Outubro de 2007 acabou por cumprir 200 dias de prisão subsidiária pelos primeiros dois crimes citados.
À ordem de um outro processo é referida a obrigação de comparecer na Comissão para a Dissuasão da Droga e Toxicodependência e nos Serviços de Reinserção Social, encontra-se em acompanhamento à ordem do Proc. 31/04.1GBFIG, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, onde foi condenado a 1 ano de prisão pelo crime de furto qualificado, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, sujeito a regime de prova.
Depois de resolvidos os processos judiciais, projecta encontrar um rumo profissional fora do país. (24)
O arguido … foi abandonado pelo pai aos seis meses de idade, tendo sido educado pela mãe e pelos avós matemos. A mãe surge caracterizada como uma figura ausente, pouca protectora, incapaz de estabelecer regras educativas, pelo que é a avó o elemento afectivo de referência. Durante a frequência do 1º ciclo residiu na Figueira da Foz, na sequência de uma relação marital que a mãe estabeleceu. Veio o padrasto a tomar a iniciativa de colocar BC… na Casa do Gaiato em Miranda do Corvo, onde após uma visita efectuada por vizinhos da Ferreira-a-Nova o retiram ao fim de dois meses, por alegado mau aspecto geral e de saúde apresentado, situação que causou mágoa e revolta ao ora arguido, censurando a passividade da mãe relativamente ao padrasto.
Entre os 9 e 11 anos veio a manifestar comportamentos de revolta e hostilidade que terão suscitado o descomprometimento familiar do padrasto de quem a família estava dependente e obrigado a que o sistema familiar regressasse à Ferreira-a-Nova.
O Bruno veio a sentir a culpa a si dirigida pela mãe e pelo irmão desse regresso à aldeia. Sempre conheceu a mãe como uma pessoa designadamente doente, mas é por si caracterizada mais pela indolência e incapacidade volitiva.
O irmão Luís saiu de casa aos catorze anos para trabalhar numa padaria, atitude que se veio a repetir com o Bruno. Frequentava o 7º ano de escolaridade quando já trabalhava numa padaria da Quinta dos V… (tinha 13 anos) onde também dormia e saía directamente para a escola. Com 14 anos e a frequentar o 8º ano foi trabalhar para a cozinha do restaurante Adega da Q…. Posteriormente ainda fez uma experiência profissional por quatro meses numa empresa de semi-reboques na zona industrial da Gala, cuja continuidade foi afectada por não ter sido possível fazer-lhe o contrato de trabalho, já que não estavam reunidas as condições legais – tinha 16 anos e não possuía o 9º ano. Nesse trabalho estava a viver com os padrinhos em Buarcos e deslocava-se para a Gala de bicicleta.
Não conseguiu completar o 9° ano.
Está desde os 18 anos a trabalhar por contrato e a fazer descontos para a Segurança Social.
Regressou ao trabalho como padeiro na padaria D… em Quiaios, no horário compreendido entre as 21 horas e as 4 da manhã e auferindo o ordenado de € 540 mensais. Gosta do trabalho, tem boas relações com a entidade patronal e o grupo de trabalho, tendo desempenho positivo ao nível da assiduidade e atitude, sendo representado como educado e respeitador.
Vive em casa dos avós, no número … da rua da Fonte em Ferreira-a-Nova e a mãe em casa dos bisavôs no número 13 da mesma rua. É contudo a avó o elemento de referência em termos de estabilidade e segurança, dos interesses e necessidades. Os avós são reformados com a pensão individual de 200 €, cultivando ainda a avó alguns produtos agrícolas para consumo. Contrariamente, a mãe do arguido não consegue ter uma actividade profissional pelo que tem estado dependente dos avós e do próprio arguido, situação que veio a ser minimizada desde há cerca de três meses, já que passou a receber a prestação de € 200 atribuída pelos Serviços de Segurança Social e relativa ao Rendimento Social de Inserção. Arguido contribui para a casa com o pagamento das despesas fixas, num montante aproximado de € 50. (25)
O arguido Bruno é «rasta» – cultiva o movimento "rastafári", alegadamente orientado para uma vida justa e natural. É vegetariano, pelo que confecciona as próprias refeições, faz meditação e yoga e convive com a comunidade referenciada. É também com base nos princípios desse movimento que racionaliza a desvalorização da canabis que consome e de que é dependente. Verbaliza ainda os efeitos pessoais positivos da canabis para a contenção da ansiedade e aos 9 anos já consumia tabaco.
Arguido aprendeu, entre os 9 e os 11 anos a tocar trompete numa filarmónica da Figueira da Foz e apesar de ter deixado de o fazer continua a gostar de música, criando no computador música electrónica e reggae. Tendo tempo disponível face ao horário de trabalho nocturno ocupa-se com facilidade e tem um largo leque de amigos. Praticou já Motocross, mas desligou-se porque não tinha capacidade económica para o fazer. Com uma imagem social menos favorável e associado a drogas, arguido sofre o efeito da sua aparência física e seu estilo de vida numa comunidade de características rurais. Está consciente dessa representação, bem como ser da sua responsabilidade a necessária adequação. (26)
O arguido é inteligente, tem capacidade de comunicação e é loquaz relativamente aos princípios éticos que o norteiam. Apesar de ser crítico relativamente à mãe e eventualmente reagir com hostilidade, preserva o sentido familiar. Também pela sua juventude, não tem projectos para o futuro apesar de desejar constituir família e está mais preocupado com o presente, que gere na sua opinião sem infligir a lei. (27)
No entanto, o arguido … já foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em pena não detentiva, mas daquele resultaram danos materiais na viatura que teve que pagar. (28).
(…)”.
B) E foram considerados não provados os seguintes factos (transcrição):
“ (…).
No período compreendido entre as 20h00 de 09.06.2003 e as 10h00 de 11.06.2006, o arguido … se dirigiu ao Centro Paroquial de Ferreira-a-Nova, Figueira da Foz, onde, abrindo à força a janela da sala, logrou por aí entrar no interior das referidas instalações.
Já aí dentro, abriu à força duas portas, por onde acedeu a uma sala onde se encontrava o material descrito a fls. 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que retirou para o exterior e levou depois consigo, designadamente:
- dois televisores Samsung W532 V64N,
- um videogravador Samsung e
- nove computadores Logic Super 2400 P4-2 40HZ.
Agiu o arguido de forma livre e com o propósito concretizado de fazer seus tais objectos, contra a vontade e em prejuízo do referido Centro Paroquial, o que representou.
Que o arguido … detivesse as munições de armas de fogo acima referidas, agindo de forma livre, deliberada e consciente.
Que o arguido … se dedica frequentemente à venda directa de canabis a diversos consumidores, pelo menos desde o Verão de 2005 até à data em que foram efectuadas as referidas buscas, 23 de Outubro de 2006 e que o local da transacção era, habitualmente, na Lagoa da Ferreira, em Ferreira-a-Nova, num local junto à Igreja de Ferreira-a-Nova, nas Alhadas e na própria casa da avó do arguido, locais para onde se dirige em motociclos com destino a essa venda.
Que o arguido … forneceu a … (id. a fls 85 do anexo), por diversas vezes, idêntica droga, em quantidades não concretamente apuradas; que forneceu ao arguido …, por diversas vezes, canabis em doses de € 5 (cinco euros) e € 10 (dez euros); que fizesse «fornecimentos» ao … (entendendo-se provado quanto a este ter havido apenas cedência de haxixe).
Que o arguido … destinava a totalidade da droga que lhe foi apreendida à venda a consumidores que o procurassem para o efeito.
(…)”.
Da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão
1. Diz o Digno Magistrado recorrente que o tribunal a quo efectuou uma errada subsunção jurídica dos factos praticados pelo arguido … pois qualificou-os como crime de tráfico de menor gravidade, do art. 25º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, quando aos mesmos corresponde a qualificação de crime de tráfico, do art. 21º, do mesmo diploma, havendo por isso, uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
Vejamos se assim é.
Os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, e do erro notório na apreciação da prova, previstos nas diversas alíneas do nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal, têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, designadamente, a quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, para os fundamentar (cfr. Cons. Maia Gonçalves, C. Processo Penal Anotado, 10 ª Ed., 729, Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 339 e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 77 e ss.). Trata-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença.
Verifica-se o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão, previsto na alínea b) do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 340 e ss.).
Assim, existe contradição insanável da fundamentação, quando após a realização de um raciocínio lógico, se conclui que a fundamentação conduz a uma decisão oposta à que foi tomada, ou se conclui que a decisão, face à incompatibilidade dos fundamentos invocados, não é esclarecedora (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 71 e ss.).
O tribunal colectivo, na fundamentação do acórdão, qualificou os factos provados praticados pelo arguido … como crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, a), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro por entender que tais factos, ao invés de demonstrarem uma situação de grande tráfico – a punir nos termos do art. 21º, do mesmo diploma – revelam uma ilicitude consideravelmente diminuída, atenta a natureza e quantidade da droga em questão, e a circunstância de parte dessa droga ser destinada ao seu consumo e a parte restante à venda ou cedência a terceiros mas como pequeno traficante ocasional.
E perante tal qualificação jurídica dos factos, veio o dito arguido, na decisão do acórdão a ser condenado como autor de um crime de tráfico de menor gravidade, em pena concreta retirada da respectiva moldura penal abstracta.
Não existe pois qualquer contradição, e muito menos insanável, entre a fundamentação e a decisão.
Com efeito, a questão suscitada pelo Digno Magistrado recorrente não releva ao nível dos vícios do nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal, mas ao nível do erro de direito isto é, de uma eventual errada qualificação jurídica dos factos práticos pelo arguido em questão, pelo tribunal colectivo, questão da qual se tratará no ponto subsequente.
Em conclusão, não enferma o acórdão recorrido do invocado vício, nem se evidencia qualquer um dos outros vícios previstos no nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal.
Da qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido …
2. Pretende o Digno Magistrado recorrente, como já se referiu atrás, que os factos praticados pelo arguido BC..., tal como foram dados como assentes no acórdão recorrido, preenchem o tipo do crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro – pelo qual vinha acusado – e não o tipo do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, a), do mesmo diploma – pelo qual foi condenado.
Vejamos se assim é.
Dispõe o art. 21º, nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro, – Tráfico e outras actividades ilícitas:
Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”.
Por sua vez dispõe o art. 25º do mesmo diploma – Tráfico de menor gravidade:
Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou as quantidades das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”.
O haxixe/canabis (em folhas e sumidades, em resina ou em óleo) integra a Tabela I-C, anexas ao Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
2.1. O crime de tráfico de estupefacientes – cujo tipo fundamental se encontra previsto no art. 21º – é um crime de perigo abstracto ou presumido, que tutela a saúde e a integridade física dos cidadãos isto é, a saúde pública.
Enquanto crime de perigo, consuma-se com a mera criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido. Por isso que se trata também de um crime exaurido ou de empreendimento, um crime de tutela antecipada em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa (cfr. Acs. do STJ de 04/07/2007, CJ, S, XV, II, 234, de 19/04/2007, de 19/10/2006, ambos em http://www.dgsi.pt, e de 13/04/2005, CJ, S, XIII, II, 174).
É grande desvalor social da actividade de tráfico de estupefacientes. Mas tal não obsta ao reconhecimento de que esta actividade apresenta graduações diversas exigindo respostas diferenciadas da lei.
Assim, distingue o Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a gravidade relativa de cada conduta, criando três tipos de tráfico, em função do grau de ilicitude e não da factualidade típica que, basicamente, se mantém.
Desta forma, temos que distinguir o grande tráfico previsto nos arts. 21º e 22º, o médio e pequeno tráfico previsto no art. 25º, e finalmente o tráfico-consumo, previsto no art. art. 26º (cfr. Ac. do STJ de 24/05/2007, CJ, S, XV, II, 200 e de 22/03/2006, CJ, S, XIV, I, 216).
É por isso que, na nota justificativa enviada à Assembleia da República, e relativamente ao art. 25º referido, foi realçado o propósito de, com ele, permitir “ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo do tráfico menor, que apesar de tudo não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os dealers de rua representam na cadeia do tráfico. Haverá, assim, que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.”.
O tipo legal privilegiado do art. 25º fica preenchido quando, preenchido o tipo do art. 21º ou do art. 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto. Esta considerável diminuição da ilicitude do facto será então o resultado de uma avaliação global da situação de facto, tendo em conta, entre outros factores, os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados, reveladores de uma menor perigosidade da acção.
O advérbio “consideravelmente” que consta da previsão legal, não foi usado por mero acaso e, no seu significado etimológico, prevalece a ideia de notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado.
Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo pois ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os arts. 21º e 22º.
Como escreveu Maria João Antunes (Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296), o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos arts. 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada. Ou seja, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (cfr. Ac. do STJ de 14/04/2005, CJ, XIII, II, 174)
Em qualquer caso, as concretas circunstâncias relevantes em sede de ilicitude, terão, como se referiu já, que ser avaliadas globalmente e numa perspectiva substancial, e não isoladamente e de um ponto de vista formal (cfr. Ac. do STJ de 19/04/2007, citado).
Retomando a previsão legal e, concretamente, as circunstâncias tipificadas no art. 25º, começaremos por dizer que, relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação. Mas aqui relevará também a posição relativa do agente na rede de distribuição da droga.
Na que à modalidade ou circunstâncias da acção respeita, releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos.
Quanto à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a respectiva perigosidade, ela pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao Dec. Lei nº 15/93, e pelos resultados da investigação científica.
A quantidade das plantas, substâncias ou preparações reporta-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice, o disposto no art. 26º, nº 3, do diploma que vimos referindo (cfr. Cons. Lourenço Martins. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, 51).
Para além destes elementos, porque a enunciação legal é, como dissemos, meramente exemplificativa, podem ainda se considerados, entre outros, a intenção lucrativa – que não sendo elemento do tipo, é inerente ao conceito de tráfico – e a sua maior ou menor intensidade e desenvolvimento, o facto de o agente ser ou não consumidor e, em caso afirmativo, se ocasional ou habitual – o que está directamente relacionado com a actividade exercida ou não como modo de vida – e ainda o tempo da actividade.
2.2. Aqui chegados, sintetizemos a factualidade provada relativamente ao arguido, a fim de depois se proceder à qualificação da mesma em ordem ao tipo de crime de tráfico praticado.
Assim, provou-se que o arguido …:
- No dia 23 de Outubro de 2006 o arguido tinha, na residência onde habita, 212,747 gramas de canabis (resina), que havia comprado nove dias antes, numa festa, por € 120 e um telemóvel;
- O arguido é consumidor de canabis há cerca de quatro anos;
- O arguido, ocasionalmente, vende ou cede canabis a consumidores deste produto;
- Em 2006, em Ferreira-a-Nova, o arguido forneceu uma quantidade não concretamente apurada de canabis a …, pela quantia de € 20 (vinte euros), e cedeu quantidades não concretamente apuradas da mesma substância, por diversas vezes, a …;
- O arguido agiu de forma livre, conhecendo a natureza estupefaciente da canabis que lhe foi apreendida e que lhe pertencia, destinando parcialmente a mesma à venda ou cedência a consumidores que o procurassem para o efeito, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Perante este quadro, cremos que, e ressalvado sempre o devido respeito por opinião contrária, não assiste razão ao Digno Magistrado recorrente.
Na verdade, o que se nos depara é um jovem consumidor de canabis, que ocasionalmente isto é, acidentalmente, por acaso, vende e cede esta substância estupefaciente a consumidores da mesma. E tão ocasional é a actividade de venda e cedência que apenas temos provado, e relativamente ao ano de 2006, um acto de venda, de quantidade não apurada, pelo preço de € 20, e dois actos de cedência – as diversas vezes provadas, apenas, em rigor, nos indicam que foi mais do que uma – de quantidades não apuradas da mesma substância, a um mesmo consumidor.
Não se vislumbra pois, um mínimo de organização nesta actividade, antes se revelando uma matriz de simplicidade.
Temos a canabis disseminada apenas por dois consumidores, em quantidades que se desconhecem, e apenas no período de um ano.
Por outro lado, a canabis é vulgarmente qualificada como droga leve. Naturalmente que, ainda assim, não deixa de ser um estupefaciente e, mais do que isso, uma droga de iniciação ou seja, não raras vezes, a porta de entrada para o consumo de drogas com maior poder de viciação, de criação de dependência física e psicológica, como o são a heroína e a cocaína, estas, por tal razão, chamadas de drogas duras.
E se a quantidade de canabis detida pelo arguido – 212,747 gramas – não deixa de ter já alguma expressão, certo é que a detenção de 200 gramas desta substância não é idêntica à detenção de igual quantidade de heroína ou de cocaína. Por outro lado, apenas parte do estupefaciente detido pelo arguido era destinado à venda ou à cedência a terceiros.
Por tudo isto se entende que a apurada factualidade revela uma actividade de tráfico desgarrada e esporádica o que inevitavelmente nos leva a qualificar o arguido BC... como um pequeno dealer, um pequeno traficante de rua.
Bem andou pois o tribunal colectivo em qualificá-la como crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, a), do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, e em consequência, confirmam integralmente o acórdão recorrido.