Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3685/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CRÉDITO LABORAL
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PATROCÍNIO OFICIOSO
Data do Acordão: 02/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 38º DA LCT E 34º DA LEI Nº 30-E/2000, DE 20/12 .
Sumário: I – O apoio judiciário consente as modalidades expressamente previstas no artº 15º da Lei nº 30-E/2000, dentre as quais a dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo e a nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, apenas o pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente .
II – A circunstância de poder ser atendível a indicação de advogado feita pelo requerente do apoio não significa que seja por isso dispensada a nomeação, sendo a declaração do indigitado de que aceita a prestação dos serviços um mero pressuposto da validade da indicação .
III – A acção deve considerar-se como proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono .
Decisão Texto Integral: 7
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I -

1 – A..., viúva, com s demais sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho de Viseu, os RR B... e mulher C..., residentes em Barraca da Gestosa, St.ª Comba Dão, pedindo, a final, a sua condenação no pagamento da quantia global de 3.675,00 Euros que lhe devem e respeita a férias e subsídios de férias e de Natal, feriados não gozados nem pagos.
Pretextou para o efeito, em síntese útil, que trabalhou para os RR. desde 1991 até Novembro de 2002, com um contrato de serviço doméstico, desempenhando as correspondentes funções entre as 8:15 horas e as 13:30 horas, em casa daqueles, nunca tendo gozado férias durante toda a vigência do contrato, nem lhe foram pagas quaisquer importâncias a tal título.
Também não lhe pagaram os RR. os subsídios de férias e de Natal, nem os feriados.

2 – Frustrada a tentativa de conciliação a que se procedeu na Audiência de Partes, os RR. contestaram, por excepção e impugnação.

3 – Com resposta da A. – e uma vez diferido para final o conhecimento da excepção peremptória da prescrição – procedeu-se a julgamento.
Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente e a condenar os RR. a pagarem à A. a quantia de 2.790,00 Euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, conforme dispositivo, a fls. 93.

4 – Inconformados, os RR. vieram interpor recurso, oportunamente admitido como apelação, cujas conclusões fecharam com este quadro conclusivo:
· - À data da entrada da acção em Juízo, bem como à data da notificação dos RR. para a Audiência de Partes, já tinha decorrido o prazo prescricional previsto no art. 38º da LCT;
· - No caso do pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido é automaticamente atendível a indicação do patrono escolhido pelo requerente do apoio judiciário;
· - O art. 34º/3 da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, deve interpretar-se no sentido de que a acção se considera proposta na data da formulação do pedido de apoio judiciário, só quando o requerente não escolhe o patrono e este não assina declaração a aceitar a prestação de serviços;
· - Ocorreu o decurso do prazo prescricional por a A. ter requerido o benefício de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido e este declarou aceitar a prestação de serviços;
· - Tendo transcorrido o prazo previsto no art. 38º da LCT verificou-se a prescrição dos créditos reclamados pela A.;
· - Subsidiariamente, por cautela de mandato, assiste aos apelantes o direito de reterem a percentagem de 9,3% sobre as quantias parcelares em dívida relativa às contribuições para a Segurança Social, na parte a suportar pela apelada;
· - O Tribunal 'a quo', ao não verificar a invocada excepção, violou o disposto no art. 38º da LCT, o art. 323º do Cód. Civil e o art. 34º/3 da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, e subsidiariamente o art. 47º da Lei 32/2002, de 20/12.

5 – Respondeu a recorrida, concluindo, em resumo, que o mandato, seja por designação de patrono ou por nomeação, é o único mecanismo ao alcance daqueles que, por via da sua insuficiência económica, não têm como aceder ao direito, pelo que os prazos em curso se hão-de haver por interrompidos até que seja proferida decisão administrativa que defira o apoio judiciário e a intervenção da Ordem dos Advogados, o que tanto valerá por via de escolha como de nomeação.
Bem julgou, por isso, o Tribunal 'a quo'.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais – com o Exm.º Proc.-Geral Adjunto a pronunciar-se doutamente no sentido do seu improvimento – vamos conhecer.

II -

1 – Da matéria de facto provada – que, por não ser alvo de controvérsia, se dá aqui por inteiramente reproduzida, nos termos consentidos pelo n.º6 do art. 713º do C.P.C, não obstante só em pequena parte relevar para a questão a dirimir – importa reter concretamente o seguinte:
- A relação juslaboral a que se reportam os Autos cessou por acto unilateral da A. em 21 de Novembro de 2002;
- A A. requereu, em 3 de Outubro de 2003, apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários a patrono e dispensa do pagamento de taxa de justiça e custas;
- O pedido de apoio judiciário foi deferido por decisão do CRSS de Viseu, de 14.11.2003, tendo sido nomeada, pela Delegação da Ordem dos Advogados de Viseu, como patrona da A., a Exmª Mandatária que a patrocina, conforme termos dos documentos 1 e 2, juntos por cópia a fls. 5-6;
- A presente acção deu entrada em Juízo em 25 de Novembro de 2003;

2 – Como se constata pelo teor das conclusões da impugnação – que delimitam o seu objecto e âmbito – é questão posta fundamental a de saber se a modalidade de apoio judiciário peticionada (pagamento de honorários a patrono escolhido) tem ou não a virtualidade de fazer interromper o decurso do prazo prescricional a que alude o art. 38º da LCT, ante o expressamente disposto no n.º3 do art. 34º do Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, diploma que contém as alterações ao regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais.

Contrariamente ao ajuizado, sob censura, pretextam os impetrantes que tal prazo já tinha decorrido aquando da propositura da acção, uma vez que, nesse caso, a indicação do patrono escolhido é automaticamente atendível, só se considerando a acção proposta na data da formulação do pedido de apoio judiciário – em conformidade com o falado n.º3 do art. 34º da LADT – quando o requerente não escolhe o patrono e este não assina declaração a aceitar a prestação de serviços.

Será esta realmente a solução que emerge da normatividade interpretanda, tendo em vista a filosofia e teleologia do diploma em que se integra?
Salvo sempre o devido respeito por opinião contrária – e consignando que a redacção menos feliz de alguns passos do diploma possa dar azo a interpretações desencontradas, que se conhecessem, excepcionais embora – não é esse o nosso entendimento, podemos adiantá-lo desde já.
Vejamos porquê, sucintamente.
É certo que todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à Entidade Patronal quer ou Trabalhador, se extinguem, por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato.
Este terminou, por acto unilateral da A., em 21.11.2002.
O termo de tal prazo ocorreria assim em 22.11.2003.
A acção deu entrada na secretaria do Tribunal em 25.11.2003.
Acontece porém que a A. requereu de facto o apoio judiciário, junto do serviço competente, em 3.10.2003.
É certo também que a modalidade de apoio concedida foi a de pagamento de honorários a patrono escolhido e dispensa de pagamento da taxa de justiça e dos demais encargos do processo.
O apoio judiciário consente as modalidades expressamente previstas no art. 15º do Diploma, dentre elas concretamente a dispensa total ou parcial de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo requerente.

A dificuldade maior surge ante a redacção que foi dada ao referido n.º3 do art. 34º, em cujos termos a acção se considera proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono.
Ora, se conjugarmos o teor desta disposição com o referido art. 15º (modalidades) e com as normas que integram ainda os arts. 32º, 50º e 51º (todos naturalmente da LADT) – não olvidando a economia e escopo que lhe são subjacentes nem as regras a observar na hermenêutica jurídica, constantes do art. 9º do Cód. Civil – não podemos deixar de concluir que a ‘mens legis’ pressupõe que na modalidade de apoio pedida está necessariamente implícito o pedido de nomeação de patrono.
Na realidade, a circunstância de poder ser atendível ( e pode não sê-lo, como se vê do art. 51º...), a indicação de advogado feita pelo requerente do apoio não significa que seja por isso dispensada a nomeação, sendo a declaração do indigitado de que aceita a prestação dos serviços um mero pressuposto da validade da indicação, como cremos.
E é disso prova acabada o facto de a Delegação da O. A., depois de ter recebido a notificação do CRSS de Viseu, a que se aludiu, ter nomeado a patrona indicada/escolhida pela requerente – ver o referido doc. de fls. 6.

(Neste preciso sentido confira-se, v.g., o Acórdão da Relação do Porto, de 21.2.2003, publicado na C.J., Ano XVII, Tomo I, pg.193).

Em resumo, para concluir:
- O pedido de apoio judiciário formulado corresponde a um pedido de nomeação de patrono, indicado embora pelo requerente, enquadrável na modalidade prevista na alínea c) do art. 15º da LADT.
- A acção em causa considera-se assim proposta na data em que foi apresentado o pedido de nomeação de patrono, nos termos previstos no n.º3 do art. 34º.
- Não estava, por isso, transcorrido ao tempo o prazo prescricional a que alude o art. 38º da LCT.
Bem se ajuizou, pois, não merecendo censura a solução em causa.
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Pretendem os apelantes, subsidiariamente, que lhes assiste o direito de reterem a percentagem de 9,3% sobre as quantias parcelares em dívida, relativa às contribuições para a Segurança Social, na parte a suportar pela apelada.
Como é evidente, trata-se de uma questão nova, que não foi colocada no Tribunal 'a quo', estando fora portanto do objecto da decisão impugnada.
Não pode, pois, ser agora considerada por esta Instância.
Sempre se dirá, não obstante, que os RR. pagavam à A. quantias líquidas semanais, 'ut' items 4 e 5 da factualidade assente, tendo sido nessa base calculados os montantes da condenação.
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III –
Nos termos expostos, delibera-se negar provimento à apelação, confirmando inteiramente a decisão impugnada.
Custas pelos apelantes.
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São devidos honorários de tabela à Exmª patrona nomeada.
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(Nota em ‘Post Scriptum’: Numa compulsação final, constatámos, já com a deliberação tomada, que – por lapso, que assumimos com indulgência ...porque o sabemos ainda reparável – o presente recurso, em bom rigor, não deveria ter sido admitido.
Isto porque o valor da acção (3.675,00 Euros) cabe na alçada da 1ª Instância (3.740,98 Euros) e o que nela se discutia não se enquadra em nenhuma das situações excepcionadas na alínea a) do art. 79º do C.P.T.).
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Coimbra,