Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
136/20.1YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: DIVÓRCIO CONSENSUAL POR ESCRITURA PÚBLICA NO BRASIL
NECESSIDADE DE REVISÃO EM PORTUGAL
Data do Acordão: 10/06/2020
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: REVISTA
Legislação Nacional: ARTºS 978º E 980º DO NCPC.
Sumário: A circunstância de o divórcio consensual ter sido obtido, no Brasil, não por sentença judicial, mas antes mediante escritura pública, tal como o possibilita a lei processual vigente nesse País, não obsta, ou dispensa, a que se aplique o procedimento previsto nos artigos 978.º e seguintes do nosso Código de Processo Civil.”.
Decisão Texto Integral:






Decisão sumária (Art.º 656º, 652º, n.º 1, al c), ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06)1
1 - a) – T... e P..., intentaram a presente acção especial de revisão de sentença estrangeira, para revisão e confirmação da escritura pública de divórcio consensual, de 28 de Abril de 2020 (28/4/2020), celebrada no Tabelionato M... , 2.º ofício de notas de Porto Alegre, Brasil, escritura essa mediante a qual  ambos acordaram  em se divorciaram um do outro, ficando dissolvido o  casamento entre eles existente desde quatro de Julho de dois mil e três (4/7/2003).
b) - Facultado o processo para exame (982º, n.º 2 do NCPC), alegou o Ministério Público, concluindo que se devem conceder a revisão e a confirmação peticionadas.
2 - O Tribunal é o competente, inexistindo nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da pretensão dos Requerentes.
3- Mostram-se documentalmente provados os seguintes factos:
a)- Os ora Requerentes, T... e P..., em 4/7/2003 contraíram entre eles, no Brasil, casamento civil que veio a ser transcrito para Portugal (docs. nºs 1  e 2);
b)- Por escritura pública de divórcio, de 28 de Abril de 2020 (28/4/2020), celebrada no Tabelionato M... , 2.º ofício de notas  de Porto Alegre, Brasil, os Requerentes declararam, entre o mais, ter resolvido realizar por essa forma o seu divórcio, ficando dissolvido o seu casamento (Doc. nº 3)
4 - Sem prejuízo das excepções que aí estão previstas, de acordo com o disposto no art.º 978º, n.º 1, do NCPC, uma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, seja qual for a nacionalidade das partes, para ser eficaz em Portugal carece de ser revista e confirmada.
Os requisitos necessários à confirmação de sentença estrangeira são os consagrados nas alíneas do art.º 980º do NCPC, sendo que, no que concerne aos previstos nas alíneas b) a e), a prova de que os mesmos não se verificam compete ao requerido, devendo, em caso de dúvida, considerarem-se preenchidos.2
Na República Federativa do Brasil o divórcio consensual pode realizar-se mediante escritura pública.
Efectivamente, entre o mais que dispõe, preceitua o art. 733 do  Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015): O divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições de que trata o art. 731.(…)”.
E prescreve o § 1º desse artº 733: A escritura não depende de homologação  judicial  e  constitui  título  hábil  para  qualquer  ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.”.
Sendo certo que o divórcio (consensual) em causa não foi decretado  por sentença, nem foi objecto de homologação expressa por entidade administrativa, importa considerar, no entanto, que, no nosso entender e como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de  21/11/2019 (Proc. nº 1429/19.6YRLSB-2)3, “…o conteúdo do art. 978/1 do CPC tem amplitude suficiente para abranger resultados de procedimentos legais previstos no estrangeiro, dirigidos por entidades administrativas, não judiciais, mesmo que esse procedimento se  limite a lavrar/registar ou exarar escrituras públicas, declarações dos próprios particulares.” - (cfr. tb. Acórdão da Relação de Évora de 26/11/2018, Proc nº 149/18.8YREVR4). (o sublinhado é nosso).
No presente caso não se suscitam dúvidas de autenticidade relativamente ao documento escritura pública - do qual consta a decisão dos ora Requerentes em se divorciarem consensualmente, sendo tal decisão perfeitamente inteligível no respectivo conteúdo e alcance.
Nada se detecta que obste a darem-se por preenchidos os requisitos exigidos nas diversas alíneas do citado artigo 980º, não se vislumbrando, no acto a rever, decisão incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
Mostram-se preenchidos, pois, a nosso ver, os requisitos necessários para a requerida confirmação, elencados no referido artigo 980º.
5 - Em face de tudo o exposto, decido conceder a revisão pedida, confirmando, nos seus exactos termos, a escritura pública de divórcio, de 28 de Abril de 2020 (28/4/2020), celebrada no Tabelionato M... , 2.º ofício de notas de Porto Alegre, Brasil, na qual os Requerentes declararam, entre o mais, realizar por essa forma o seu divórcio, ficando dissolvido o seu casamento.
Custas pelos Requerentes (art.º 535º, n.º 1, e n.º 2, al. a), do NCPC). Valor: o indicado (€ 30.000,01).
Notifique-se e, após trânsito, enviando a pertinente certidão, comunique-se à Conservatória.
6/10/20205
O Relator,
Luiz José Falcão de Magalhães

Sumário: “A circunstância de o divórcio consensual ter sido obtido, no Brasil, não por sentença judicial, mas antes mediante escritura pública, tal como o possibilita a lei processual vigente nesse País, não obsta, ou dispensa, a que se aplique o procedimento previsto nos artigos 978.º e seguintes do nosso Código de Processo Civil.”.

1 Doravante, NCPC, para o distinguir daquele que o antecedeu e que se designará como CPC.

2 Cfr. art.º 984º do NCPC e, no âmbito da norma correspondente do anterior CPC (artº 1096º), o Acórdão do STJ de 12/07/2005, Revista n.º 05B1880, Acórdão este a que se pode aceder na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase.
3 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase. 4 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase. 5 Processado e revisto pelo Relator.