Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
595/06.5TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
PROCESSO LABORAL
– OPORTUNIDADE E MODO DA SUA ARGUIÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
CESSAÇÃO
DESPEDIMENTO ILICITO
INDEMNIZAÇÃO
TRABALHADOR
Data do Acordão: 01/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 437º, NºS 1, 2, 3 E 4, E 440º, NºS 1 E 2, AL. A), DO CÓDIGO DO TRABALHO; E 77º, Nº 1, DO CPT.
Sumário: I – Não tendo a parte observado o comando do artº 77º, nº 1, do C.P.Trabalho (onde se diz que a arguição de nulidades da sentença é feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso), não lugar ao conhecimento da arguição de pretensas nulidades da sentença, pelo Tribunal da Relação.

II – Esta norma do CPT tem a sua razão de ser no propósito, pretendido pelo legislador, de sujeitar a sua apreciação, em primeira linha, ao julgador da 1ª instância, para que possa suprir o invocado vício, se assim o entender.

III – Nos termos do artº 440º, nº 1, do C. do Trabalho, ao contrato de trabalho a termo aplicam-se as regras gerais de cessação do contrato, com as alterações constantes do número seguinte.

III – Nos termos do artº 440º, nº 2, al. a), do Código do Trabalho, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado no pagamento da indemnização pelos prejuízos causados, não devendo o trabalhador receber uma compensação inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo do contrato…ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, se aquele termo ocorrer posteriormente.

IV – Por força da regra antes referida, deve entender-se que a dedução prevista no artº 437º, nº 4, do Código do Trabalho (dedução da quantia respeitante ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção), está excluída da reparação a que o trabalhador contrato a prazo tem direito.

V – Assenta tal entendimento em razões que levam em consideração a evidente precariedade da contratação a termo, as quais justificam o direito a uma compensação pela caducidade do contrato que decorra de declaração do empregador (nº 2 do artº 388º do Código do Trabalho).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 - O autor A…., devidamente identificado, instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra a ré “B…”, alegando que, por contrato de trabalho a termo certo de 1 ano, desempenhou a actividade de vigilante por conta, sob a direcção, fiscalização e autoridade da ré, desde 17 de Novembro de 2005 até 3 de Janeiro de 2006, data em que foi despedido pela ré, invocando esta a denúncia do contrato no período experimental.
Afirmando que já se havia esgotado o período experimental do contrato quando este foi denunciado, invoca o autor a ilicitude do despedimento.
Assim, pretende a declaração da ilicitude do despedimento, com a condenação da ré a pagar-lhe as seguintes quantias:
- Todas as retribuições que deixou de auferir, referentes aos meses de Janeiro a Novembro de 2006, incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, no valor global de € 8.250;
- € 1.725, a título de indemnização em substituição da reintegração.
Peticiona ainda a condenação da ré no pagamento de juros, incidentes sobre as aludidas quantias, contados desde a citação.

2 - Citada a ré e realizada, sem êxito, a audiência de partes, apresentou aquela a sua contestação, na qual impugna a factualidade alegada na petição, sustentando que o autor não tem direito às quantias peticionadas, sendo que algumas delas já estão pagas.
Conclui a ré solicitando a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

3 - Respondeu o autor à contestação, impugnando o aí alegado, e concluindo como na petição inicial.

4 – Prosseguindo os Autos a sua normal tramitação, discutiu-se a causa e proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente e ilícito o despedimento promovido, com condenação da R. no pagamento ao A. da importância de € 4.313,53, com juros, bem como no pagamento à Segurança Social da quantia de € 3.558,23, do mais pedido a absolvendo.

5 – Inconformada, a R. veio apelar.
Alegando, concluiu:
· A apelante recorre da matéria de facto por ser incorrecta a decisão no que respeita à inclusão, no cálculo da indemnização respeitante ao art. 440.º/2, a), do Cód. do Trabalho, das quantias respeitantes a 22 dias úteis de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal;
· Esta decisão está em contradição flagrante com os documentos de fls. 140 a 146 – que mereceram o crédito do Tribunal 'a quo', designadamente no ponto 5. dos factos dados como provados – dos quais resulta o pagamento pela R. ao A. das seguintes quantias: € 71,05 (subsídio de férias), € 71,05 (férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho) e € 46,24 (subsidio de Natal);
· São termos em que se verificam cumulativamente as condições previstas nas alíneas a) e b) do n.º1 do art. 712.º do C.P.C., pelo que a decisão sobre a matéria de facto deverá ser modificada conforme o indicado nas alegações;
· A apelante entende ainda que a decisão recorrida está ferida de nulidade, nos termos da alínea d) do n.º1 do art. 668.º do C.P.C., uma vez que o Tribunal 'a quo' não se pronunciou sobre todas as questões que deveria ter apreciado;
· Não tendo conhecido das excepções invocadas pelo apelante, em clara violação do art. 660.º/2 do mesmo Código;
· À situação concreta em causa nos presentes Autos aplica-se o art. 437.º do Cód. do Trabalho, tendo o Tribunal 'a quo' aplicado especificamente o art. 437.º, n.º3 (dedução do subsídio de desemprego);
· Consequentemente, deveria de igual modo ter o Tribunal 'a quo' aplicado o art. 437.º/4 do Cód. do Trabalho, procedendo à dedução da quantia respeitante ao período decorrido desde a data do despedimento (3.1.2006) até 30 dias antes da data da propositura da acção (21.11.2006).
São termos em que, tendo sido violadas as disposições legais apontadas, se espera juízo de procedência, declarando a decisão nula.
Caso assim se não entenda, verificando-se cumulativamente as condições previstas nas alíneas a) e b) do n.º1 do art. 712.º do C.P.C., deverá a decisão de facto ser modificada nos termos propostos nas presentes alegações, com o que deverá ser revogada a sentença.

6 – O recorrido contra-alegou, concluindo no sentido da confirmação integral do julgado.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos, com intervenção do Exm.º P.G.A., a que não houve reacção, cumpre decidir.
____

II –

A – DOS FACTOS.
Vem assente a seguinte factualidade:
- O autor, A…., foi admitido ao serviço da ré, “B…”, em 17 de Novembro de 2005, mediante a celebração do acordo escrito, cuja cópia se encontra junta a fls. 14 a 17, denominado “contrato individual de trabalho a termo certo”, para exercer a actividade de vigilante, correspondente à sua categoria profissional, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré;
- Em contrapartida da prestação da actividade referida no ponto anterior, a ré obrigou-se a pagar ao autor o salário mensal ilíquido de € 575,00, acrescido da quantia de € 5,10 por cada dia útil de trabalho efectivamente prestado, a título de subsídio de refeição;
- A ré enviou ao autor a carta cuja cópia consta de fls. 18, datada de 3 de Janeiro de 2006, na qual declara “rescindir o (…) contrato, com efeitos desde 31 de Dezembro de 2005”;
- No período compreendido entre os meses de Fevereiro e Dezembro de 2006, o autor auferiu subsídio de desemprego, nos montantes constantes da informação de fls. 143.
___

B – CONHECENDO.
Conferido o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita o objecto e âmbito do recurso, por via de regra, como se sabe – analisemos as questões que integram o ‘thema decidendum’.
São as seguintes:
- Da arguição das pretensas nulidades da sentença.
Apenas nas alegações e conclusão d) do alinhamento final é que a apelante suscita a problemática em epígrafe.
‘Ex tempore’, por isso.
Não tendo observado o comando do art. 77.º/1 do C.P.T. (‘A arguição de nulidades da sentença é feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso’), dela se não conhece.
Esta norma do C.P.T. – como se tem repetidamente dito e visto escrever – tem a sua razão de ser no propósito, pretendido pelo legislador, de sujeitar a sua apreciação, em primeira linha, ao Julgador da primeira Instância para que supra o invocado vício, se assim o entender.
O Tribunal Constitucional ratifica ser este o escopo – cfr. Acórdão n.º 304/2005, in D.R., II Série, de 5.8.2005.
Este entendimento é pacífico e reiterado na Jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal.
____

- Impugnação da matéria de facto.
Invocando que se verificam cumulativamente as condições previstas nas alíneas a) e b) do n.º1 do art. 712.º do C.P.C., pretexta-se que a decisão sobre a matéria de facto seja modificada nos termos indicados, pois esses pontos mostram-se incorrectamente julgados.
É certo que a Relação pode intervir a este nível, modificando/alterando a decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto nas circunstâncias referidas, ou seja, sempre que do processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
Porém, com o devido respeito, não nos parece que seja propriamente essa a situação desenhada.
Com efeito, bastará conferir os quatro pontos estabelecidos em tal sede e considerar os termos da ‘impugnação’, para concluir que o problema equacionado não prefigura, em rigor, o cenário previsto naquelas normas.
A nosso ver, o que nos parece imediatamente ter acontecido foi uma deficiente definição do quadro de facto, que deveria ter sido mais alargado, nele se incluindo a factualidade a que se reportam os documentos de fls. 140-146, já que se lhes faz referência expressa na fundamentação da decisão, a fls. 151, sem que os factos a que tais elementos de prova se reportam constem do respectivo alinhamento!...).
O mais, (ou seja, o problema em si, tal como vem equacionado pela Recorrente), prende-se com o tratamento jurídico dos factos, (factos de que se retiram consequências, mas que não integram o elenco da respectiva fundamentação), a solução jurídica/o julgamento.
Ainda assim, só com alguma elasticidade e compreensão se pode ir tão longe quanto a impetrante pretende.
Vejamos.
O A. pedia, além do mais, férias não gozadas e subsídios de férias e de Natal não pagos.
Não consta dos factos elencados que os valores correspondentes tenham sido saldados.
A sentença considerou a pretensão do A. e incluiu no montante liquidado a seu favor as quantias de 22 dias de férias e de subsídios de férias e de Natal – fls. 155).
É aqui que surge a reacção da recorrente.
Acha a mesma que, tendo solicitado a informação prestada pelo Centro Distrital de Segurança Social da Guarda, (e que constitui os falados documentos de fls. 140-146, de que se serviu o Tribunal 'a quo', em parte), devem ser retiradas dessa informação/documento todas as consequências, pois se foram consideradas, na economia da sentença, as remunerações aí extractadas, pagas pela R. ao A., para um fim, (o da dedução relativa ao Subsídio de Desemprego), deve, por igualdade de razão, ter-se em atenção que aí constam como tendo sido pagos ao A. o subsídio de férias (€ 71, 05 – 2006/01), as férias pagas e não gozadas por cessação do contrato de trabalho (€ 77,05 – 2006/1) e o subsídio de Natal (€ 46,24 – 2005/12).
Ora bem.
Visando salvar, (…tanto quanto possível e dentro do tecnicamente sustentável), o que se mostra feito, não nos repugna aceitar, em tese, a razão aduzida.
Vejamos então.
A relação juslaboral a que respeitam os presentes Autos situa-se no período temporal que vai desde 17.11.2005 (contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de um ano, ‘ut’ documento de fls. 14-17), a 16.11.2006.
Os valores inscritos na dita informação/documento do Instituto da Segurança Social (fls. 142) – únicos em causa – referem-se ao tempo da constância do vínculo e a créditos peticionados, pelo que, sendo embora apenas parte do liquidado a título desses direitos conferidos ao A., se devem considerar como tendo sido pagos.

E como afinal a R. apenas pretende que a indemnização conferida seja alterada em conformidade, nisso será atendida.
Assim, o elenco da matéria de facto oportunamente estabelecido considera-se complementado pelo seguinte:
‘Relativamente às reclamadas férias e subsídios de férias e de Natal, a R. pagou ao A. as importâncias de € 75,05, € 75,05 e € 46,24, respectivamente’.
_____

- Do mérito.
Abordaremos aqui as questões que genericamente a recorrente sujeita à epigrafe IV da sua motivação, reflectidas, a final, nas conclusões e), f) e g).
E analisam-se, em suma, em saber se no tratamento jurídico subsuntivo, desenvolvido na sentença 'sub judicio', deveria ter sido considerado também o n.º4 do art. 437.º do Cód. do Trabalho, tal como foi – e bem – cumprido o teor do n.º 3 da mesma norma.

Na economia da decisão – e seguindo o comando do n.º1 do art. 440.º do Cód. do Trabalho, em cujos termos ao contrato de trabalho a termo aplicam-se as regras gerais de cessação do contrato, com as alterações constantes do número seguinte – atendeu-se às disposições constantes, nomeadamente, do art. 437.º, n.ºs 1 a/e 3.
E se, no que tange às deduções a equacionar no cômputo da compensação, se entendeu que são subtraíveis ‘as importâncias que o trabalhador tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento’ –nomeadamente as relativas ao ‘subsídio de desemprego’, que foram efectivamente abatidas e mandadas entregar pela R. à Segurança Social – não se vê (nem foi invocado…) qualquer fundamento válido para que se não tenha atendido, por igualdade de razão, ao prescrito no n.º 4 da norma, (Da importância calculada nos termos da segunda parte do n.º1 é deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento’), que se insere aliás perfeitamente no mesmo escopo/’ratio legis’ que explica teleologicamente as demais deduções.

Por isso – e acolhendo as bem fundadas razões da apelante, neste ponto, também acompanhadas pelo Exm.º P.G.A. no seu douto Parecer – há que atender, nas deduções a fazer ao montante da compensação, ao preceituado no citado n.º4 do art. 437.º do Cód. do Trabalho.
Tendo o despedimento ocorrido a 3 de Janeiro de 2006 e a acção sido instaurada a 21 de Dezembro de 2006, impõe-se abater ao montante da encontrada compensação/indemnização a quantia correspondente à retribuição computável até 21 de Novembro de 2006.
E, feita a correspondente operação aritmética, constata-se que a dedução a fazer seria de um valor substancialmente superior ao crédito conferido ao A., a título da dita indemnização/compensação, pelo que o A. nada tem a receber e a R. terá necessariamente de ser absolvida dessa parte do pedido.
(Assim:
Do montante liquidado de € 7.781,66, abatido da importância de € 3.558,23 de subsídio de desemprego, sobrariam € 4.313,53.
Deduzidos dos acima referidos valores de €71,05x2+€46,24, a quantia devida cifrava-se em € 4.125,19.
Todavia, as retribuições a deduzir nos termos do n.º4 do art. 437.º, conforme sobredito, ascenderiam a € 6.057,00…).
____

III –
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente a Apelação e, revogando a sentença, na parte impugnada, absolve-se a R. do pagamento ao A. da quantia inscrita no ponto II. do dispositivo, a fls. 156v.º.
Custas pelo apelado.
Honorários tabelares à Exm.ª patrona nomeada ao A. – fls. 10.
***

Coimbra,