Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
743/18.2T8CNT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS FUTUROS
ARRESTO
Data do Acordão: 10/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J.C. CÍVEL DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 189º, Nº 2, AL. D) DO CIRE; 619º DO C. CIVIL.
Sumário: I - Os créditos a que alude a al e) do nº 2 do art 189º do CIRE são créditos futuros e como tal não admitem arresto para a respectiva garantia.

II – O princípio par conditio creditorum obriga a que o valor correspondente ao das indemnizações por tais créditos seja integrado na massa insolvente ficando o respetivo pagamento subordinado ao critério da proporcionalidade.

III – Admite-se que o administrador da insolvência possa interpor arresto para garantia do pagamento desses créditos, mas, necessariamente, quando o estado da liquidação da massa possa fazer entrever, com relativa segurança, a existência e relativa consistência dos mesmos.

Decisão Texto Integral:








I – V..., Lda,  em 13/12/2017, e  ao abrigo do disposto no art 391º do CPC, instaurou procedimento cautelar de arresto contra J..., pedindo que, sem audiência do requerido, seja decretado  o arresto dos seguintes bens:

Contas da C... – Agência de ...:

1) Conta n.º ... – Conta de Activos Financeiros;

2) Conta n.º ... – Conta à ordem;

3) Conta n.º ... – Conta Caixa Poupança;

4) Conta n.º ... – Conta .... Aforro Poupe Mais;

5) Conta n.º ... – Conta de Depósito a Prazo e

6) Conta n.º ... – Conta de Produtos Estruturados.

            Alegou que o Requerido é sócio único da sociedade E..., Unipessoal, L.da, foi seu sócio gerente, sendo que tal sociedade se apresentou à insolvência em 13/12/2014, tendo a mesma sido decretada a 16/12/2014. Tal sociedade é sua devedora relativamente a serviços que lhe prestou nos exercícios de 2008, 2009, 2010 e 2011.

Refere que tendo-se apercebido que a E... - que tinha património para pagar essas faturas - o andava a dissipar, instaurou contra a mesma  providência cautelar de arresto reclamando o montante de €404.146,71. Tal procedimento foi deferido, tendo sido determinado o arresto de créditos, bens móveis, suprimentos, créditos ao Estado e depósito bancário e instrumentos financeiros na conta da sociedade na agência da C... No entanto, tendo o  Requerido tomado conhecimento da pendência do arresto, desencadeou procedimentos vários com o intuito de não pagar à Requerente, tendo, entre o mais, cedido  para si os créditos da sociedade, querendo dar a entender que essa cessão de créditos tinha sido feita antes da providência cautelar. Na oposição a esse arresto a E... invocou um crédito seu sobre a Requerente no montante de 646.714,30€ acrescido de IVA e juros moratórios, concluindo que, compensando os créditos, ainda seria credora da Requerente pelo valor de 331.780,05€. Tendo sido mantido o arresto, na ação principal a E... contestou e reconveio, alegando aquele crédito e invocando a compensação nos termos já referidos. Na pendência dessa ação e antes de se apresentar à insolvência, “preparando-a”, o seu gerente, aqui Requerido, pediu reembolso de impostos, procedeu à anulação das cessões de créditos que havia feito da E... para ele, procedeu à cessão de créditos (que estavam arrestados) a outros fornecedores, a alterações na composição da sociedade da esposa, hipoteca dos pais sobre a habitação própria e permanente, e, finalmente, apresentou-se à insolvência em 13/12/2014, o que determinou que viesse a ser julgada extinta a referida ação principal por inutilidade superveniente da lide, assim logrando  frustrar o pagamento do credito à aqui Requerente.

 No processo de insolvência foram reconhecidos e graduados os seguintes créditos através de sentença proferida a 15/06/2015: .., num total de 600.108,15€. Nesse processo  a credora  L..., SA, informou o valor que já tinha recebido em execução que tinha pendente contra a E..., e informou também ter penhorados parte dos instrumentos financeiros do Requerido (39.888,26€ dos 100.000,00€ aplicados) "obrigações subordinadas C...2008/2018 – 1ª emissão”, informando ainda que tais instrumentos financeiros seriam disponibilizados a 5/11/2018.

Refere ainda a Requerente que a insolvência da E... foi qualificada como culposa tendo, entre o mais, sido determinada a perda de quaisquer direitos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo requerido J..., e condená-lo na restituição de quaisquer bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos, tendo-o ainda condenado a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, correspondente ao valor dos créditos reconhecidos deduzido do montante que vier a ser pago no âmbito do processo da insolvência, até às forças do respectivo património. O Administrador informou nos autos de insolvência que a conta bancária da massa insolvente apresentava à data de 29/01/2018 o saldo no montante de 119.278,92€, sendo esses os únicos bens da massa insolvente. Sustenta a Requerente que havendo créditos reconhecidos no montante de 600.108,15€, e representando o da Requerente cerca de 74%, existirá sempre um montante que não será satisfeito, apontando, a mesma, ainda que sem rigor, para o valor de € 311.288,42 €. Faz notar que, sendo que só com a liquidação se determinará o montante não recebido por cada credor, afectando o património pessoal do gerente, aqui Requerido, no valor que não for satisfeito na insolvência, nessa data,  nada haverá no património do Requerido, como resulta do referido seu comportamento anterior à apresentação à insolvência, excepto, precisamente a aplicação de que o Requerido é titular no montante de 100.000€, na medida em que não lhe é possível resgatá-la ou  reembolsá-la antecipadamente, nem alterar sequer a sua titularidade, caso contrário, no seguimento de toda a sua atuação, esta mesma aplicação já não existiria. A C... confirmou a existência dessa conta de instrumentos financeiros,, bem como a existência de mais duas aplicações, ainda que de valor reduzido -  a conta de maior valor, 100.000€, é uma conta de instrumentos financeiros, composta por 2.000 obrigações, ao portador, da C..., "obrigações subordinadas C... 2008/2018 – 1ª emissão", sendo que este tipo de conta, tem sempre associada uma conta de depósitos à ordem, onde vão sendo creditados os juros das aplicações financeiras até que estas se vençam. O que vai tudo acontecer no próximo dia 05/11/201, motivo pelo qual se torna urgente que esta aplicação de instrumentos financeiros e a respectiva conta à ordem associada sejam já arrestados a favor da Requerente.

Sem audição do requerido e mesmo sem a inquirição de testemunhas foi decretado o arresto.

Notificado do mesmo, veio a Requerido deduzir oposição.

Tendo aceite toda a matéria comprovada por sentenças judiciais e certidões comerciais, impugnou a restante. Alegou, no essencial, que a a E... foi obrigada a apresentar-se à insolvência por culpa da Requerente, que não respeitou o que estava acordado (verbalmente) e que era que os serviços que a mesma lhe prestara só lhe seriam pagos após o recebimento por parte da “E...” das verbas que o Estado lhe pagaria pelos mesmos. Mais alega que a Requerente continua a deter máquinas propriedade dela, assim uma escavadora Bobcat, uma alfaia Osmaq e um tractor Deutz, com um valor total aproximado de €95.000,00, além de que a E... é ainda sua credora de serviços de acompanhamento no valor de mais de €600.000,00. Sucede que nunca facturou tais trabalhos à aqui Requerente porque não tinha capacidade financeira para pagar, nesse momento, IVA no montante de €120.000,00, sem receber as respectivas quantias. Alegou ainda que com o decretamento do arresto ficou completamente bloqueada, não podendo realizar quaisquer pagamentos, o que determinou que aplicasse o seu património e dinheiro pessoais para pagar a fornecedores, bancos, e tivesse revogado a cessão de créditos por parte da “E...” ao Requerido, sendo que destinava esses créditos para pagar à Requerente. Refere que a Requerente retém as acima referidas máquinas, prejudicando não só o Requerido, bem como os demais credores, desde 2009, sem pagar qualquer quantia e realizando dinheiro em proveito próprio. E faz notar que a aplicação de € 100.000,00 referida no requerimento inicial, já se venceu, tendo com ela sido pagas dívidas da massa aos credores ..., tendo restado €21.000,00 que reverteram a favor da massa insolvente, fazendo igualmente notar que  todos os créditos existentes são para pagar as dívidas da insolvente e não mais que isso, e que o que a Requerente pretende é ser paga em primeiro lugar perante os restantes credores, concluindo que  o pretendido arresto se mostra prematuro e sem fundamento, tanto mais que  não estando a liquidação ainda terminada não existe periculum in mora nem fumus boni iuris. Refere ainda que nesta fase a dívida que existe na massa é quase e só à Requerente e a massa falida tem cerca de €130.000,00 em dinheiro e créditos que ultrapassam os €310.000,00 acrescendo que o património do Requerido é igual há mais de cinco anos, pelo que não há nenhum periculum in mora, sendo que só após a conclusão da liquidação é que se poderá aferir se, na verdade, todos os créditos foram pagos, e aí perceber se o Requerido pode ou não ter responsabilidades pessoais efectivas e objectivas, «parecendo a Requerente querer avançar com um benefício de excussão prévia quando o mesmo não existe».

            Foi proferido despacho de indeferimento liminar da oposição e, em consequência, foi mantido o arresto.

            II –É dessa decisão que o Requerido apela, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:

...

Não foram apresentadas contra alegações.

            III – O tribunal da 1ª instância julgou perfunctoriamente provados os seguintes factos:

...

IV – Constitui objecto do presente recurso, confrontadas as conclusões das respectivas alegações com a decisão recorrida, saber, em suma, se o decretado arresto «é prematuro, desnecessário e infundado» – cfr conclusão n) – e se, por isso, deverá ser   «pelo menos», admitida a oposição ao mesmo apresentada pelo apelante.

Cabe desde já adiantar a nossa concordância como a apelante, entendendo-se que a apelação deverá proceder, resultando indeferido o arresto, como se passa a explicar.

 O arresto, que é um tipificado meio de conservação da garantia patrimonial, como resulta do disposto no art 619º CC (inserido como está na Secção II com essa epígrafe), constitui como que o paradigma das providências cautelares de carácter conservatório: aquelas que visam acautelar o efeito útil da acção, «assegurar a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio ou aquando da verificação da situação de periculum in mora», «estando em causa manter inalterado, do ponto de vista de facto ou de direito, a situação que preexiste à acção, conservando, assegurando, ou mantendo, o statu quo» [1], dentro da lógica que preside ao princípio do processo civil de que a «inevitável demora  do processo, ou ainda a necessidade de se recorrer a ele, não deve ocasionar dano à parte que tem razão» [2]

No que se refere especificamente ao arresto, o resultado prático que se pretende assegurar é o «da apreensão de bens suficientes para garantia do cumprimento de obrigação pecuniária e a sua entrega a um depositário» [3], e  é evidente que destinando-se o arresto, em última análise, a ser convertido em penhora  - art 762º CPC- com o mesmo consegue o credor, não apenas  a ineficácia dos actos de disposição do devedor sobre tais bens – art 622º/ 1 e 2 do CC – mas a prioridade de pagamento que lhe advém do registo do arresto.   

           A procedência do arresto reclama a prova pelo respectivo requerente da aparência do direito que a providência em causa se destina a proteger e a prova do perigo iminente da lesão desse direito, iminência essa que se deverá aferir em função da demora na afirmação jurídica desse mesmo direito.

          Por outras palavras, que resultam do disposto no art. 391º CPC, são requisitos do arresto, a existência de um crédito do requerente sobre o requerido e que haja receio por parte do assim credor de perda da garantia patrimonial desse crédito.

         Por sua vez advém do art. 392º CPC que o legislador se satisfaz com a mera probabilidade da existência desse crédito, exigindo, no entanto, ao requerente do arresto que alegue factos de que decorra essa probabilidade, bem como factos que justifiquem o receio invocado de perda de garantia patrimonial.

         Revertendo ao caso concreto, se se atentar na situação em função da qual a sociedade Requerente pretende configurar a existência do seu crédito, haver-se-á de concluir que o direito de crédito que pretende desde já garantir é manifestamente um direito que não se mostra actual, mas futuro, quer na sua existência, quer, resultando aquela assegurada, na sua consistência.

Não há naturalmente que confundir o direito de crédito da Requerente  - V..., L.da – sobre a insolvente E.., Unipessoal, L.da -   cuja existência  está declarada no processo da respectiva insolvência e se mostra graduado no confronto dos demais créditos da insolvente, com o direito de crédito que a Requerente pretende aqui acautelar, cujo sujeito passivo não é já a sociedade insolvente, mas (será) o único gerente desta, o aqui Requerido, e que advirá para a mesma, se, finda a liquidação da insolvente, se vier a verificar o não pagamento integral daquele  outro crédito. 

Está em causa o crédito a que se refere a al a) do art 189º CIRE, resultante da responsabilização pessoal e solidária das pessoas afectadas pela qualificação da insolvência como culposa - «nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas», pelo «montante dos créditos não satisfeitos», a que se reporta a al e) desse mesmo preceito.

E de facto, e indiscutivelmente, como advém da matéria de facto acima referida,  a insolvência da empresa E..., Unipessoal, L.da foi qualificada como culposa, tendo sido decidido, na respectiva sentença,  julgar afectado por essa qualificação o gerente ... e, em consequência, declará-lo inibido para o exercício do comércio pelo período de 5 anos, e inibido, por igual período, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; determinar a perda de quaisquer direitos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo requerido J..., e condená-lo na restituição de quaisquer bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; e ainda condená-lo a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, correspondente ao valor dos créditos reconhecidos deduzido do montante que vier a ser pago no âmbito do processo da insolvência, até às forças do respectivo património.

Referindo-se precedentemente nessa sentença: «Em conclusão, não apenas os factos provados integram as presunções (inilídiveis) de insolvência culposa constantes das alíneas a), b), d), f) e h) do n.º 2 do art. 186.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, como permitem sustentar que a situação de insolvência foi intencionalmente criada pela devedora. Deverá, assim, a insolvência ser qualificada como culposa, sendo afectado pela qualificação da insolvência o único sócio e gerente da sociedade, J...» (…) «Atendendo a que a situação de insolvência da devedora foi criada, e não apenas agravada, pela conduta do gerente da insolvente, e que tal conduta reveste carácter doloso, o montante dos prejuízos sofridos pelos credores corresponderá ao valor global dos créditos que com a insolvência deixaram de ter possibilidade de vir a ser satisfeitos. Como tal, condenar-se-á o gerente a pagar aos credores o valor dos créditos reconhecidos deduzido do montante que vier a ser pago no âmbito do processo da insolvência».

Referindo-se ainda: «Julga-se ainda poder concluir, da conjugação dos factos provados, que esta manipulação da estrutura patrimonial e financeira da sociedade visou precisamente colocar a devedora numa posição que permitisse a sua apresentação à insolvência, tendo nomeadamente em vista dificultar o pagamento dos créditos da fornecedora V..., Lda. Apontam nesse sentido o prolongado litígio que a insolvente vem mantendo com esta credora e o facto de a devedora ter declarado, ao apresentar-se à insolvência, deter um activo presumivelmente insuficiente para o pagamento das custas do processo quando, na realidade, era titular de quantias monetárias e créditos de valor não inferior a € 85.501,17, meios que lhe permitiriam satisfazer praticamente a totalidade do seu passivo, com exclusão da mencionada credora».

A respeito da condenação a que se reporta a referida al e) do nº 2 do art 189º referem Carvalho Fernandes/JoãoLabareda  que, constituindo a mesma «um imperativo para o tribunal», pois «se for declarada a culpa, o juiz não tem a faculdade de excluir  a responsabilidade do culpado», poderá suceder «e sucederá muitas vezes, porventura nas mais delas» – que «ao tempo da decisão do incidente da qualificação, o estado de liquidação da massa não permitirá fixar de imediato o valor a indemnizar, por não estar definitivamente apurado o diferencial entre o activo e o passivo (…) Quando, realmente, o processo permite saber, com grau suficiente de segurança, quanto é que os credores não conseguirão receber à custa da massa, então, o tribunal, de imediato, deve fixar nesse valor o montante indemnizatório pelo qual respondem os culpados. Se assim não for, então esse valor só poderá ser apurado em liquidação de sentença, tendo em conta os critérios que o juiz estabelecer», como se refere no nº 4 do art 189º, que dispõe que «ao aplicar o disposto na al e) do nº 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante do prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efectuar em liquidação de sentença» [4]. Chamam aqueles autores a atenção para o facto de – porque se deva duvidar «segundo os melhores princípios da hermenêutica que a parte final do nº 4  se reconduza simplesmente a uma repetição do que literalmente emerge do nº 2 al e)», «o significado relevante do nº 4 será o de permitir ao juiz referenciar factores que, designadamente em razão de circunstâncias do processo, devam mitigar o recurso, puro e simples, a meras operações aritméticas de passivo menos resultado do activo».

O que significa, como referem mais adiante, que «haverá espaço para uma reflexão atinente ao grau de culpa atribuído aos atingidos pela qualificação da insolvência», valendo para «os factores qualificantes da culpa» a disposição geral do art 186º.

Na mesma linha de entendimento diz-se no sumário do Ac. R. P. 29/6/2017 [5]: «A al e) do nº 2 do art 189º do CIRE deve ser interpretada em termos hábeis quando conjugada com o subsequente nº 4: a indemnização não pode ultrapassar a diferença entre o valor dos créditos reconhecidos e o que é pago aos credores pelas forças da massa insolvente, e também não pode ser desproporcional relativamente à gravidade da situação prejudicial criada pelo afectado na insolvência, aproximando-se do valor dos danos efectivamente causados, sem esquecer que tem também natureza sancionatória».

E no respectivo texto evidencia-se – na esteira de Ac. R. P. 23/2/2017 e do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 280-2015, que menciona – que «a pessoa afectada pela qualificação deve ser condenada a indemnizar os credores da insolvente pela diferença que existe entre o que cada um deles recebe em pagamento pelas forças da massa insolvente, após liquidação, e o valor do seu crédito, não podendo a indemnização ser superior ao valor do prejuízo causado à massa com a prática dos factos fundamentadores da qualificação», acrescentando que «a referência às forças do seu património é excessiva e desnecessária porque jamais os obrigados podem responder para além dos limites do seu património». 

Tudo isto foi referido para evidenciar que não estando a liquidação da massa insolvente completada, como sucede consensualmente na situação dos autos, o valor da condenação do(s) afectado(s) pela qualificação da insolvência como culposa (aqui o respectivo gerente, agora Requerido) só pode ser fixado em liquidação da sentença, e sê-lo-á em função dos critérios fixados na qualificação da insolvência, na decorrência das circunstâncias a que se reporta o disposto no art 186º nas suas diversas alíneas, sendo certo que é sempre pressuposto dessa fixação um facto que é desconhecido antes do términus da liquidação – o de saber qual o montante dos créditos não satisfeitos.

A previsibilidade desses montantes apenas é configurável em termos muito genéricos e imprecisos antes da liquidação final, pois que na liquidação «o pagamento não pode ser feito pela totalidade do produto obtido na liquidação. Haverá, por um lado, que abater, pela totalidade, as despesas próprias a que a liquidação deu lugar e, por outro, proceder à dedução das reservas necessárias à satisfação geral das dívidas da massa, observando-se, a propósito, o que determinam os nº 1 e 2 do art 172º»[6]. Por outro lado, se se deve dar pagamento imediato aos credores que beneficiem de garantia real sobre os bens da massa, logo que liquidados, deve, nos termos do art 174º, ser incluído como crédito comum o saldo remanescente que não tenha sido satisfeito à custa do produto dos bens onerados, valor este que é uma incógnita, por ser desconhecido o valor daquela liquidação. Sucedendo, como o evidenciam ainda Carvalho Fernandes/João Labareda[7] que «a estimativa do valor a incluir nos rateios não pode deixar de constituir uma atribuição do administrador da insolvência, a quem, por um lado, está cometida a competência geral para a liquidação e, por outro, a de propor, sendo caso disso,  os planos e mapas dos rateios que entenda que devem ser efectuados, embora tenha de obter o parecer da comissão de credores, se existir  ex vi do art 178º/1», sendo certo que o pagamento  aos credores comuns, como decorre do art 176º,  se faz na insuficiência da massa patrimonial responsável em rateio, segundo o critério da proporcionalidade, «único capaz de assegurar uma posição equivalente a quem se encontra em posição idêntica» [8].

Em resumo – o crédito que resulta da condenação genérica a que se reporta a al e) do nº 2 do art 189º conjugado com o seu nº 4 - quando nos termos desta última norma o tribunal não disponha dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos - configura-se como um crédito futuro hipotético, eventual e, por isso, seguramente não atual.

Nada tem a ver esse crédito, quer na sua existência, quer na sua consistência,  com as simples operações aritméticas a que a Requerente procede no requerimento inicial.

Ora, embora baste no arresto que se conclua  pela séria probabilidade do crédito, tema jurisprudência exigido que esteja em causa nele a garantia de  um crédito atual, já constituído, vigente e não um crédito futuro, hipotético, eventual (ainda que provável).[9]

A este propósito refere Abrantes Geraldes ao diferenciar crédito ilíquido do futuro: «O primeiro integra-se já na esfera jurídica do interessado; por seu lado, o correspectiva obrigação já onera o património do devedor. Já no que concerne aos créditos futuros, a sua constituição ainda está dependente de eventos vindouros, podendo existir, porventura, uma expectativa quanto à sua concretização, mas que não encontra nas regras do arresto qualquer espécie de tutela», acrescentando que «a probabilidade de existência do direito exigida como condição necessária ao decretamento do arresto reporta-se ao momento da instauração do procedimento, não bastando a formulação de um juízo de probabilidade quanto à sua constituição dependente de eventos futuros e incertos»[10].

Haver-se-á de concluir do que se expôs que se entende que o crédito de que a Requerente se arroga, enquanto crédito futuro que é, não legitima o arresto.

Mas ainda que assim não fosse, e se se admitisse o arresto relativamente ao referido crédito, então ter-se-ia de concluir não ter a Requerente legitimidade para interpor o presente arresto, sob pena, como o refere o apelante, de «querer avançar com um benefício de excussão prévia quando o mesmo não existe».

A verdade é que qualquer um dos créditos que poderão resultar das indemnizações a serem devidas aos credores da insolvente que não venham no final da liquidação a ser integralmente pagos, nos termos da referida al. e) do nº 2 do art  189º do CIRE, não pode ser pago independentemente dos outros. O pagamento de um tem que ter em consideração o dos outros. Como se evidencia no Ac. R. C. de 16/12/2015 [11]  o princípio par conditio creditorum implica que «os valores indemnizatórios fixados deverão ser integrados na massa e distribuídos pelos credores cujos créditos, reconhecidos, não hajam obtido satisfação», sendo pagos, «no silêncio da lei e recorrendo  ao elemento sistemático em função do critério da proporcionalidade».

 O que sempre implicaria que a Requerente não tivesse legitimidade para requerer o presente arresto, cabendo, por certo, ao administrador da insolvência fazê-lo,   necessariamente que em estado mais avançado da liquidação que lhe pudesse levar a  entrever a existência e relativa consistência dos créditos a que se reporta a referida al e) do nº 1 do art 189º do CIRE, agindo em benefício de todos esses credores, enquanto medida de conservação da garantia patrimonial que o, ou um, (dos) património(s) da(s) pessoa(s) (solidariamente) afectada(s) pela qualificação da insolvência culposa oferecesse.   

Não se compreende também a decisão recorrida ao ter tido por irrelevante – na ausência da comunicação pela Requerente de desinteresse na providência - a circunstância de aquando da sua prolação há muito estarem vencidos os produtos financeiros que estavam em causa (2.000 obrigações, ao portador, da C..., "obrigações subordinadas C... 2008/2018 – 1ª emissão)" cujo vencimento, tal como a Requerente logo na petição alertara, ocorreu em 5/11/2018, com a inevitável consequência de o valor dessas obrigações – a serem efectivamente as mesmas da titularidade do Requerido e não da sociedade insolvente, questão que não parece muito clara em função  do que vem alegado por uma e outra das partes no processo - ter integrado o património daquele.

Se se atentar que a Requerente construiu o «justo receio da perda da garantia patrimonial» - requisito também ele necessário ao decretamento do arresto e com exigências de prova superiores à da probabilidade do crédito, que se basta, como é sabido, com um juízo de mera verosimilhança - em função do descaminho que o Requerido logo daria à quantia económica decorrente daqueles produtos financeiros -  por ser seriamente de supor que o mesmo viesse a ter condutas semelhantes às que teve antes da declaração de insolvência e que vieram a justificar a qualificação da insolvência como culposa -  tendo ocorrido aquele vencimento, já o preenchimento do periculum in mora teria de advir, salvo melhor opinião, não dessas supostas e expectáveis condutas que fariam antever o perigo de se tornar difícil ou  impossível a cobrança do acima referido crédito, mas de reais condutas que, com seriedade e actualidade, constituíssem, ao menos, ameaça desse resultado, isto é, nas palavras de Abrantes Geraldes, factos que «permitissem razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões»[12]

Ora, a petição de arresto não foi estruturada em função da alegação de condutas actuais, mas de previsíveis condutas, desconhecendo-se se o Requerido teve atitudes depois que se venceram as referidas aplicações financeiras, do género das que a Requerente postulara, e se, em consequência delas, era aconselhável uma decisão cautelar imediata.

A verdade é que o Requerido na sua oposição – que, lembre-se, a 1ª instância teve como liminarmente improcedente -  alegou que com a  aplicação de €100.000,00 referida no requerimento inicial foram pagas dívidas da massa aos credores A..., S.A., L..., S.A. e C..., tendo restado €21.000,00 que reverteram a favor da massa insolvente.

Asserções estas que – caso não se entendesse, como se entende, que o arresto deveria ter sido logo indeferido liminarmente, na medida em que o crédito a garantir se configura como um crédito futuro, além de que não assistia legitimidade à Requerente para o propor – deveriam, só por si, ter justificado a realização de prova, para se apurar se aquelas aplicações eram efectivamente da titularidade do Requerido ou da Insolvente, e se, em todo o caso, subsistia periculum in mora.

 Mas, desde o momento que se entende que a Requerente configurou erradamente o crédito a que alude sobre a Requerida como actual, quando o não é, e que daí advém a manifesta improcedência da petição de arresto - cfr al b) do nº 4 do art 234º e nº 1 do art 590º CPC -  tornando o  arresto infundado, há que julgar procedente a a apelação.

 V - Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, ordenando-se, em consequência, o levantamento do arresto.

Custas na 1ª instância e nesta pela Requerente.

                                                                    Coimbra, 22/10/2019

(Maria Teresa Albuquerque)

(Manuel Capelo)

(Falcão de Magalhães)


***



[1]- Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma de Processo Civil”, II, 3ª ed, 106
[2]- Manuel de Andrade “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, 390
[3]- De novo, Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma de Processo Civil”, II, 3ª ed, 108

4- «Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, ed  2013, p 736
[5] - Relator, Filipe Caroço 
[6]- Autores e obra referida, p 685
[7] - Obra referida, p 687
[8]- Obra referida, p 687 e 691

[9] - Neste sentido, entre outros, AC R E 20/8/2010 (IsoletaCosta); Ac R C 27/5/2008 (Artur Dias); Ac R L 8/1/2019 (José Capacete);  Ac R G 27/10/2014 (Manuela Fialho); Ac R L 20/5/2010  (Ondina Alves)
[10] - «Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol, 174
[11]- Relatora, Maria Domingas Simões
[12] - «Temas da Reforma de Processo Civil - Procedimento Cautelar Comum», 3ª ed , p 103