Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5141/18.5T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL
IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE
PERFILHAÇÃO
JUIZOS DE FAMÍLIA E MENORES
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. ART.123 Nº1 L) LEI 62/2013 DE 26/8 (LOSJ)
Sumário: A preparação e o julgamento das ações de impugnação de paternidade compete aos juízos de família e menores independentemente da via pela qual se encontra estabelecida a paternidade.
Decisão Texto Integral:    






                                                                                            

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

B (…) intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra A (…) e F (…),

pugnando pela revogação, cancelamento, anulação ineficácia da perfilhação efetuada por F (…) em relação à sua filha A (…), filha de D (…).

Após audição das partes relativamente a tal questão, foi proferida decisão a declarar o tribunal – instância local de Coimbra – incompetente em razão da matéria, absolvendo os Réus da instância.


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Inconformada com tal decisão, vem a autora dela interpor recurso de apelação, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

1ª. A recorrente é mãe da Ré indevidamente perfilhada, e cujo pai biológico é o cidadão francês D (…), com quem,

2ª. A Autora foi casada, e que pelo casamento legitimou a Ré como filha biológica de ambos em 1988 (16.04.1988).

3ª. Tal filha foi indevidamente aperfilhada em (...) em 2005 (29.12.2005).

4ª. A Autora deu entrada no Tribunal Cível de Coimbra da competente ação para impugnar esta perfilhação.

5ª. O Tribunal a quo Juízo Local Cível de Coimbra – Juiz 1 decidiu por sentença de 29.03.2019 declarar-se incompetente, competente o Tribunal de Família e Menores de Coimbra e assim absolver os Réus da Instância.

6ª. Ora, a Autora entende pelas razões alegadas nestes alegações, que o Tribunal Cível a quo é o legalmente competente para a decisão desta ação e pedido, pois

7ª. Não se trata de nenhuma impugnação ou averiguação de paternidade, mas tão só de impugnar uma perfilhação que não corresponde à verdade,

8ª. Tanto que a paternidade biológica já estava assegurada e a sua validade estabelecida, muito antes da dita e falsa perfilhação.

9.ª A decisão em contrário violou entre outras as regras da competência dos tribunais cíveis nomeadamente a Lei 62/2013, artºs 37, 40, 80 entre outros, Lei 40/2016, artº 96 do CPC, e contrario à norma do artº 123 da Lei 62/2013, e

10ª. O sentido com que as normas referidas que constituem o fundamento jurídico deviam ser interpretadas era considerar que o Tribunal Cível “a quo” seria o competente para dirimir esta ação de impugnação de perfilhação pois a paternidade biológica do verdadeiro pai já estava assegurada e legitimada, ou seja, válida e eficaz em França, e por isso, também o deverá ser em Portugal.

11ª. Ora, o facto de se encontrar registada em Portugal aquela inverídica perfilhação, não pode fazer-se aqui o registo daquela paternidade biológica e real que assim inviabiliza, repete-se, o averbamento daquela filiação biológica e real dos verdadeiros pais. Daí a necessidade e indispensabilidade da presente ação.

12ª. Ela já tem pai – o Senhor D (…) – e só tem um pai.

13.ª Assim, as normas jurídicas que, no entendimento da recorrente, devem ser aplicadas são as normas previstas no artº 9 destas alegações e deste recurso.

14ª. A decisão recorrida violou pois e nomeadamente essas já referidas e citadas normas, e

15ª. A decisão de que se recorre não teve em conta que a paternidade biológica já estava determinada e não se trata, no caso, de saber quem é ou não o pai biológico – esse já se sabe quem é – mas tão só

16ª. O de saber se aquela perfilhação corresponde ou não à verdade, e

17ª. Para tal é competente o Tribunal comum.

Assim, devem VV. Exas. julgarem provado e procedente o presente recurso e, em consequência, revogarem a decisão recorrida do Tribunal a quo e ordenar-lhe que se julgue competente para a causa de modo a proferir sentença, como se pediu na ação.


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Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. (In)competência da instância local para julgar a presente ação.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Dispondo a al. j) do artigo 82º da LOFTJ, aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de janeiro, que competia aos tribunais de família proceder à averiguação oficiosa de maternidade, de paternidade ou para impugnação da paternidade “presumida”, levantava-se então a questão de saber se, nos restantes casos de impugnação da paternidade, estabelecida por diferentes vias que não a presunção de paternidade, a competência competiria aos tribunais de comarca de competência genérica[1].

Contudo, na Nova LOFTJ, aprovada pela Lei nº 52/2008, de 28 de agosto, ao alterar a redação de tal alínea, passando a atribuir competência aos juízos de família e menores para “preparar e julgar as ações de investigação e impugnação de maternidade e paternidade”, o legislador acolheu claramente a solução de abranger todos os casos de impugnação de paternidade (assim como de maternidade) – estendendo-a às ações de impugnação da paternidade não baseada em presunção, ou seja, às ações de paternidade estabelecida mediante perfilhação[2].

Revogado tal diploma pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário, a al. l) do nº1 do art. 123º continua a atribuir competência aos juízos de família e menores (instância central) para “preparar e julgar as ações de impugnação e de investigação da maternidade e paternidade”.

Não há como não confirmar a decisão recorrida, sendo que quanto aos dois acórdãos citados pela Apelante nas suas alegações de recurso[3], o primeiro não se pronuncia sobre a questão da competência material do tribunal, e o outro decide precisamente o contrário do sustentado pela apelante, aí se afirmando que “compete aos tribunais de família preparar e julgar as ações de investigação e impugnação de maternidade e paternidade”.

A Apelação é de improceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelo Apelante.      

                                                                Coimbra, 25 de junho de 2019


V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.
A preparação e o julgamento das ações de impugnação de paternidade compete aos juízos de família e menores independentemente da via pela qual se encontra estabelecida a paternidade.

Maria João Areias ( Relatora )
Alberto Ruço
Vítor Amaral


[1] Cfr., entre outros, o Acórdão do TRE de 06-12-2012, disponível in www.dgsi.pt.
[2] António Alberto Vieira Cura, “Curso de Organização Judiciária”, 1ª ed., p. 166, nota 557.
[3] O primeiro proferido pelo TRC a 18-02-2014, relatado por Luís Cravo e o segundo proferido a 19-02-2015, relatado por Catarina Arêlo Manso, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.