Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
39/14.9T8LMG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
REQUISITOS
AVARIA
COMPUTADOR
MANDATÁRIO
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – LAMEGO – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 139º, NºS 4 E 5, 144º, Nº 1, 144º, NºS 7 E 8, DO NCPC, E 13º, A) DA PORTARIA Nº 280/2013, DE 26 DE AGOSTO; ARTºS 13 DA PORTARIA Nº 280/2013, DE 26 DE AGOSTO; 364º, NºS 1 E 2, E 393º, Nº 1 DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I – São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto.

II - No julgamento do justo impedimento o juiz só deve deferir se verificar que a parte se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou.

III - Não é admitida a prova testemunhal para demonstração da prática de acto processual por transmissão electrónica de dados, prova que só é admissível por documento electrónico - ou através da representação escrita de que é susceptível – i.e., através de uma declaração de validação cronológica, que ateste a data da expedição ou recepção do documento electrónico correspondente.

IV - Não integra justo impedimento a avaria do computador do Sr. Advogado subscritor da peça processual, impeditiva da expedição ou remessa da peça processual por transmissão electrónica de dados.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


1. Relatório.

C... propôs – através de petição inicial apresentada por via electrónica no dia 18 de Setembro de 2014 - na secção de competência genérica, da Instância Local de Lamego, da Comarca de Viseu, contra E... e outros, acção declarativa, com processo comum, pedindo a declaração de que é proprietária de um prédio urbano e a inexistência de qualquer direito de acesso, servidão, uso ou utilização, a favor dos últimos, através do logradouro, e a condenação, solidária, dos demandados na reconstrução, no prazo de 30 dias, do muro em blocos de cimento, ou alternativa, no pagamento da quantia de € 750,00, a título de indemnização, e no pagamento da quantia de € 400,00 a título de indemnização dos prejuízos sofridos com a destruição de 20 videiras, do marmeleiro e das plantas ornamentais.

Os réus, E... e outros ofereceram, por via electrónica, o articulado de contestação, subscrito pelo seu Exmo. Advogado constituído, Dr. ..., no dia 6 de Novembro de 2014, às 18:52 GMT.

Aqueles réus requereram, no articulado de contestação, que fosse aceite a entrada da contestação no dia 2º útil posterior ao prazo, juntando para tanto o respectivo comprovativo do pagamento da DUC/multa correspondente – documento de autoliquidação da multa que ostenta como data do pagamento 06-11-2014.

Por requerimento apresentado, por via electrónica, no dia 12 de Novembro de 2014, os mesmos réus requereram que se relevasse o lapso e se aceitasse a entrada da contestação no 2º dia útil fora do prazo.

Alegaram, para fundamentar esta pretensão, que naquele dia o seu Mandatário foi consultar o processo via Citius e verificou que a sua contestação entrou no dia 6 de Novembro de 2014, o que só pode ter ocorrido por lapso, na medida em que o envio foi feito no dia 4, com multa do 2º dia útil posterior ao prazo, pelo que vem então alegar justo impedimento para a entrada da contestação nesse dia já que o prazo terminava, com multa de 3º dia útil, no dia 5 de Novembro, só que no dia 4 de Novembro o computador do seu Mandatário sofreu uma avaria (vírus) que o deixou lento no processamento, tendo de ser reiniciado várias vezes aquando do envio da peça processual, não tenho conseguido imprimir o comprovativo de entrada por o computador ter avariado de vez, ficando totalmente ciente de que a peça tinha dado entrada nos autos no dia 4 de Novembro, dia a partir do qual foi chamado um técnico que levou o computador, tendo sido necessário proceder a uma reconfiguração do disco rígido tendo, por essa razão, o documento sido enviado, novamente, no dia 6 de Novembro, agora pelo computador da colaboradora forense, pela tarde, que só por lapso involuntário – na medida em que estava ciente de que a contestação tinha sido enviada no dia 4 de Novembro - é que o requerimento não entrou o que se deve a tal avaria que impediu a entrada, que só no dia 12 de Novembro verificou que a entrada se processou no dia 6 e que não fora esse erro informático, que creem, ocorreu por falência do computador do escritório do mandatário, só agora verificado, o envio teria sido processado no dia 4.

Os demandados ofereceram, com o requerimento, uma declaração de um técnico informático – no qual se assevera que esteve, no dia 4, no escritório do Dr. ... a dar assistência na resolução de um problema do seu computador, tendo necessidade de fazer um restauro total do sistema, onde verificou que tudo o que foi feito, se encontra perdido, num primeiro momento devido a um vírus que danificou o disco rígido e estava também queimada a UPS, tendo necessidade de ser substituída, e a perda de dados entre o dia da reparação e o dia da entrega do computador (6 de Novembro) dado que a reconfiguração não restaurou todos os dados – e duas testemunhas – ...

A autora – observando, entre outras coisas, que o DUC para pagamento da multa apenas foi emitido e aquela multa só foi paga em 6 de Novembro de 2014 - pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerimento.

Produzida a prova testemunhal proposta pelos demandados, a Sra. Juíza de Direito, por decisão 29 de Janeiro de 2015 – depois de observar que de todo o modo tratando-se de um problema de entrada de peças processuais através do sistema informático citius sempre seria de ter em atenção o disposto no artigo 3.°, n° 1, do Decreto-Lei n.º 150/2014 de 13 de Outubro: Os constrangimentos ao acesso e utilização do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais (CITIUS) consideram -se, para todos os efeitos e independentemente de requerimento, alegação ou prova, justo impedimento à prática de actos processuais que devam ser praticados por via electrónica neste sistema, pelos sujeitos e intervenientes processuais, magistrados e secretarias judiciais ou do Ministério Público e que a declaração de cessação dos constrangimentos no acesso à plataforma citius produziu efeitos apenas a partir de 31 de Dezembro de 2014 - julgou verificado o justo impedimento e admitiu os Réus a praticar o acto – apresentação da contestação.

É esta decisão que a autora impugna no recurso ordinário de apelação – no qual pede se julgue não verificado o alegado justo impedimento e se decida não admitir a contestação dos réus apresentada no dia 6 de Novembro de 2014 – tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:

...

Na resposta, os apelados concluíram, naturalmente, pela improcedência do recurso.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

1. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes:

1. A contestação deu entrada no presente processo em 6 de Novembro de 2014.

2. A contestação foi enviada em 04.11.2014.

3. Ficou o mandatário totalmente convencido de que a peça tinha dado entrada nos autos a 4 de Novembro e daí desviou as atenções.

4. No dia 4 de Novembro, o computador do mandatário signatário sofreu uma avaria.

5. Foi chamado um técnico informático que levou o computador para reparação o qual ficou reparado em 06.11.2014 e que prestou a informação constante de fls. 140: houve necessidade de lhe fazer um restauro total do sistema onde verifiquei que tudo o que foi feito, mesmo a nível de envio de peças processuais se encontra perdido.

2. A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 1., esta motivação:

Para fundamentar esta convicção, atendeu o Tribunal ao documento junto a fls. 140, às declarações prestadas de forma isenta e credível pelas duas testemunhas inquiridas (as quais revelaram conhecimento directo dos factos e os relataram conforme se deram como provados) e ainda ao facto conhecido por todos e plasmado no Decreto-Lei nº 150/2014 de 13 de Outubro de que não obstante avaria do computador do Ilustre Mandatário, a verdade é que o sistema informático está a funcionar com inúmeros constrangimentos. Assim, a prova quanto ao facto n° 1 resulta do documento junto aos autos a fls. 134.

A prova quanto aos factos n° 2, 3, 4, e 5 resulta das declarações prestadas pela Dr.ª ..., corroboradas pelas declarações de... que de forma calma e assertiva explicaram que a mando do Dr.... que no dia 04 de Novembro estiveram a proceder ao envio da peça processual contestação para o processo durante mais de uma hora, uma vez que o sistema estava muito lento. Quando conseguiram finalmente proceder ao envio surgiu a mensagem de envio com sucesso (o que é idóneo a convencer o remetente do efectivo envio da peça processual correspondente - motivo pelo qual resultou o provado o facto n° 3) e o computador bloqueou e não voltou a funcionar, pelo que, nesse mesmo dia o técnico de informática foi buscar o computador que apenas voltou a ficar operacional no dia 06.11.2014 (declarações conformada pela declaração de fls. 140 subscrita pelo técnico de informática).

E, da declaração de fls. 140 subscrita pelo técnico de informática ..., consta o seguinte: Eu ... atesto o seguinte:

No dia 04 de Novembro estive no escritório do Dr. ..., a dar assistência na solução de um problema do seu computador, tendo necessidade de lhe fazer um restauro total do sistema onde verifiquei que tudo o que foi feito, mesmo a nível de envio de peças processuais se encontra perdido [note-se que o conhecimento desta informação apenas existe após a verificação do computador pelo técnico em 06.11.2014), creio, num primeiro momento, devido a um vírus que danificou o disco rígido.

Restava também danificada e queimada a UPS, tendo necessidade de ser substituída.

Que me foi pedida a presente declaração também no sentido de atestar a perda de dados no computador, entre o dia da reparação e o dia da entrega do computador (6 de Novembro (dado que reconfiguração feita, não restaurou todos os dados). Atesto a veracidade do que fica dito por minha honra.

Ou seja, da conjugação do documento de fls. 140 com a prova testemunhal ouvida (a qual se revelou assertiva) decorre que a peça processual foi enviada no dia 04.11.2014 (apareceu a mensagem de envio com sucesso), mas por causa de um erro informático (vírus no computador ou outro erro no sistema informático – note-se que nessa data o sistema citius também ainda funcionava de forma ineficaz, tal como decorre do Decreto-Lei n.º 150/2014 de 13 de Outubro) não imputável ao Ilustre Mandatário dos Réus.

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

O âmbito do recurso é, antes de mais, delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e, dentro do objecto do processo, com observância dos casos julgados formados na acção, pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (artº 635 nº 3 do nCPC). Finalmente, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente (artº 635 nº 2 do nCPC). Esta restrição pode ser realizada no requerimento de interposição do recurso ou nas conclusões e, neste último caso, tanto pode ser expressa como meramente tácita (artº 635 nº 4 do nCPC).

O objecto da controvérsia gravita, no caso, em torno do justo impedimento no oferecimento, fora do prazo peremptório marcado na lei - mais exactamente no segundo dia útil do prazo de tolerância ou de complacência subsequente ao terminus ad quem daquele prazo – do articulado de contestação, justo impedimento que, segundo os contestantes, consistiu na avaria do computador do Exmo. Advogado que subscreveu aquele articulado. De harmonia com a sua alegação, no dia 4 de Novembro, o computador daquele Sr. Advogado sofreu, justamente no momento do envio daquele articulado, uma avaria provocada por um vírus, não tendo conseguido imprimir o comprovativo dessa remessa, e – dizem - foi só devido a tal avaria é que o requerimento não entrou.

E a decisão impugnada concluiu pela verificação do justo impedimento alegado, designadamente por força dos constrangimentos de acesso ao sistema informático de suporte à actividade dos tribunais – Citius. Quanto a este ponto é clara a incorreção da decisão recorrida.

Por duas razões, de resto. A primeira consiste na circunstância de o facto alegado como fundamento do justo impedimento radicar na avaria do computador do Exmo. Advogado dos contestantes - e não nos constrangimentos técnicos de acesso e de utilização do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais – Citius – a que o legislador procurou acudir e minimizar através do Decreto-Lei nº 150/2014, de 13 de Outubro. A segunda reside no facto de este último diploma legal excluir, por disposição expressa, do seu âmbito de aplicação, os processos cuja distribuição tenha sido publicada no endereço electrónico http.//www.citius.mj.pt, posteriormente a 15 de Setembro de 2014 – como é comprovadamente o caso da acção na qual foi praticado o acto cuja tempestividade se discute (artº 6 nº 3 do Decreto-Lei nº 150/2014, de 13 de Outubro).

A lei de processo estabelece a obrigação de prática dos actos processuais escritos por transmissão electrónica de dados, valendo como data do acto a da respectiva expedição, data da expedição que é certificada pelo sistema informático de apoio à actividade dos tribunais – o Portal Citius (artº 144 nº 1 do nCPC e 13 a) da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto). Verificando-se um justo impedimento na prática de actos processuais por transmissão electrónica de dados, permite-se a prática, pelo mandatário judicial, desses actos, através dos meios alternativos clássicos: entrega em suporte de papel e remessa pelo correio ou através de telecópia (artº 144 nºs 7 e 8 do nCPC). Mas esta previsão da lei adjectiva também não é aplicável ao caso do recurso, dado que o facto que se alega como justo impedimento não é um qualquer constrangimento relacionado com o funcionamento do sistema informático de apoio aos tribunais – mas a avaria do computador do expedidor da transmissão electrónica de dados. Mas ainda que o fosse, o justo impedimento apenas autorizaria a prática do acto pelos apontados meios alternativos e não a admissão da parte a praticá-lo fora do prazo peremptório fixado na lei.

 A impugnação deduzida pela apelante contra a decisão recorrida tem como primeiro fundamento o error in iudicando da matéria de facto relevante. Erro que, no ver da impugnante, radica desde logo, na violação do meio de prova legalmente exigido para a demonstração do facto do envio da peça processual, dado que o tribunal recorrido julgou provado esse facto com base num meio de prova – a prova testemunhal – diferente daquele que a lei impõe – a prova por documento electrónico: segundo a apelante, a prova da expedição do articulado de contestação – ou da impossibilidade da sua recepção - apenas é admissível por documento eletrónico criado pelo sistema informático. Essa ofensa do meio de prova exigível é ainda um erro na apreciação da prova. Depois, ainda segundo a apelante, a decisão da matéria de facto seria deficiente, deficiência que decorreria da omissão de pronúncia quanto a um facto que alegou: a data do pagamento, pelos demandados, da multa processual.

A resolução da questão concreta controversa reclama, pois, o exame, ainda que leve, dos pressupostos do justo impedimento e dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto.

3.2. Pressupostos do justo impedimento.

Os prazos são uma fatalidade em Direito. Eles traduzem fortes limitações substantivas aos direitos subjectivos das pessoas com a agravante de, muitas vezes, não estarem patentes. Não obstante, eles são necessários: na sua falta toda a administração da justiça se tornaria impossível. Trata-se de um curioso efeito de retorno: os próprios direitos das pessoas ficariam, afinal, imersos em incerteza. Há, pois, que respeitar os prazos sob diversas cominações.

A prática dos actos processuais está, normalmente, sujeita a determinados prazos, i.e., restringida a um período de tempo delimitado entre um termo inicial – dies a quo – e um termo final – dies ad quem. Esses prazos podem ser dilatórios ou peremptórios ou preclusivos. Pelos últimos entendem-se aqueles que fixam o momento até ao qual o acto pode ser praticado – é o caso, por exemplo, do prazo de oferecimento do articulado de contestação: o seu decurso importa a caducidade do direito à prática do acto, i.e., perime ou extingue o direito processual correspondente, efeito que se produz automaticamente, pela circunstância de ter terminado o prazo; não é necessário que o juiz o declare (artºs 139 nºs 1 e 3 e 569 nº 1 do nCPC).

Para quebrar a rigidez dos prazos e o efeito peremptório e preclusivo inevitavelmente associado ao seu esgotamento, a lei admite a tolerância de prazo e, portanto, a prática de actos sujeitos a um prazo dessa natureza depois do seu terminus ad quem, em duas situações: em caso de justo impedimento; em qualquer hipótese, dentro dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, embora a validade do acto fique dependente do pagamento de uma multa processual (artº 139 nºs 4 e 5 do nCPC).

Como se sabe, a possibilidade de o acto processual sujeito a um prazo peremptório ser realizado mediante o pagamento de uma multa, independentemente da existência – e, logo, da alegação – do justo impedimento, não constava dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1961, este último na sua primitiva redacção.

A inovação resultou do Decreto-Lei nº 323/70, de 11 de Julho, que, além de ter alterado a estrutura e a localização dos diversos números do artº 146 do Código de Processo Civil de 1961, introduziu a doutrina – permissiva – do novo nº 5 do artº 145.

Como a doutrina salienta, na base da nova solução encontra-se, do mesmo passo, o propósito louvável e o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir – a que não são imunes os mandatários judiciais. O propósito, decerto louvável, é o de evitar que a omissão de uma simples formalidade possa acarretar a perda definitiva de um direito material. O inveterado defeito em que a permissão directamente se funda é o hábito condenável de guardar para a última hora todo o acto que tem um prazo para ser validamente praticado: só a generalização desse hábito ou dessa cultura explica, com efeito, que a lei admita a transferência para dias posteriores ao termo do prazo a possibilidade de parte realizar qualquer acto processual, embora sob cominação do pagamento de uma multa[1].

A regra de que o decurso do prazo peremptório opera a extinção do direito de praticar o acto admite, depois, uma outra excepção: o justo impedimento (artºs 139 nº 5, proémio, e 140 do nCPC).

O conceito de justo impedimento desdobra-se, actualmente, em dois requisitos: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto (artº 140 nº 1 do nCPC).

Verifica-se um tal impedimento quando a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto que lhe não é imputável.

Se o evento é imputável a culpa, imprevidência ou negligência da parte ou do mandatário, se a parte ou o mandatário contribuiu, por qualquer modo para que aquele se produzisse, aquele evento é-lhe imputável e, por isso, está-lhe vedado o recurso ao justo impedimento. Se, não obstante o facto, a parte e o seu representante ou mandatário, poderiam, dentro do prazo legal, ter praticado o acto, incorreram em negligência e não podem, por isso, invocar o justo impedimento.

Cabe à parte que não praticou o acto em tempo alegar e provar a sua falta de culpa, i.e., a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (artº 799 nº 1 do Código Civil). Embora não esteja em causa o cumprimento de deveres mas a observância de ónus processuais, a que a lei associa efeitos preclusivos, a distribuição do encargo da prova coloca-se nos mesmos termos.

A esse ónus, acresce um outro: o de requerer a prática extemporânea do acto mediante a alegação e prova do justo impedimento, mas logo que cesse a causa impeditiva (artº 140 nº 2 do nCPC). No julgamento do justo impedimento, o juiz só deve deferir se verificar que a parte se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou[2].

É controversa a questão da admissibilidade da invocação do justo impedimento no prazo de complacência, i.e., num dos três dias úteis subsequentes ao terminus ad quem do prazo peremptório assinado na lei para a prática do acto processual[3]. Mas tem-se por certa e indiscutível, mesmo nesse caso, esta proposição terminante: que o justo impedimento deve ser alegado e a prova do facto correspondente produzida ou proposta, logo que o impedimento tenha cessado.

O preenchimento do conceito de justo impedimento demanda tacto e circunspecção. Há que manter o justo equilíbrio entre duas tendências opostas: abrir-se o caminho a todas as incúrias e imprevidências; fechar-se a porta a todos ou a quase todos os obstáculos e impedimentos. Todas as contas feitas, o que deve exigir-se às partes e seus mandatários é que procedam com a diligência normal; não é razoável exigir-se às partes ou aos seus mandatários que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais.

Todavia, com excepção do impedimento que resulte de facto notório, que é de conhecimento oficioso, o justo impedimento deve ser alegado – e provado - pela parte a quem aproveita (artºs 140 nºs 1 e 3 do nCPC e 342 nº 1 do Código Civil).

3.3. Poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância.

A Relação deve, mesmo oficiosamente, no uso de poderes de rescisão ou cassatórios, anular a decisão da matéria de facto da 1ª instância, sempre que essa decisão seja deficiente (artº 662 nº 2, c), 1ª parte, do nCPC).

A deficiência daquela decisão decorre da omissão de pronúncia quanto a algum facto alegado, devendo notar-se que todos os factos alegados devem ser apreciados pelo tribunal, sem que entre eles possa ser estabelecida qualquer relação de prejudicialidade que dispense a pronúncia sobre outros (artº 607 nº 4 do nCPC).

A actuação dos poderes cassatórios ou rescisórios, nos casos apontados, é nitidamente construída como subsidiária, relativamente aos poderes de reponderação do julgamento dos pontos de facto, objecto da impugnação. Por isso que o exercício daqueles poderes só é admissível se a supressão do vício indicado não for possível através da actuação dos poderes de reponderação ou de reexame.

Ora, no caso, a decisão impugnada não se pronunciou sobre o facto alegado pela apelante relativo à data do pagamento, pelos apelados, da multa processual. Como, porém, está adquirido para o processo o documento comprovativo da data desse pagamento- o documento único de cobrança (DUC) - importa suprir a deficiência daquela decisão, declarando provado que aquela multa foi paga no dia 6 de Novembro (artºs 18 e 19 da Portaria nº419-A/2009, de 17 de Abril, com as alterações decorrentes da Portaria nº 82/2012, de 29 de Março).

Independentemente do registo da prova, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (artº 662 nº 1 do nCPC).

Estará nessas condições, a violação de uma proibição de utilização e de valoração de prova, i.e., de utilização de uma prova que embora materialmente lícita é processualmente inadmissível, como sucede, com a utilização da prova testemunhal para demonstração de um facto para cuja demonstração, segundo o direito probatório material, não é admissível essa espécie de prova pessoal. A violação de uma proibição de prova é ainda – ou também – um erro na apreciação da prova.

A prova da expedição e da recepção – e da impossibilidade dessa recepção – de peças processuais apresentadas por transmissão electrónica de dados, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais é feita através de um documento electrónico gerado pelo próprio sistema (artºs 144 nº 1 do nCPC e 13, a) a c), da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto). A expedição e a recepção de um documento electrónico é objecto de validação cronológica, pelo próprio sistema, que atesta a data e a hora da expedição e da recepção do documento electrónico. Quer dizer: a prova da expedição da peça processual através de transmissão electrónica de dados é feita também através de um documento electrónico, i.e., de um documento elaborado mediante processamento electrónico de dados, ainda que o seu conteúdo seja susceptível de representação como declaração escrita (artº 2 a), do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto). Como o meio de telecomunicações – o portal Citius – assegura a efectiva recepção – a remessa da peça processual por documento electrónico, equivale à remessa por via postal registada; e como aquele sistema comprova a recepção, através de mensagem de confirmação dirigida ao remetente, se este a receber, o envio da peça processual equivale à remessa por via postal registada com aviso de recepção (artº 6 nº 3 do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto). Se a recepção não for possível, o sistema gera uma mensagem informando o expedidor dessa impossibilidade (artº 13 c) da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).

Decorre deste regime que a lei equipara o documento electrónico a documento escrito, quando contenha uma declaração escrita (artº 3 nº 1 do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto).

 E – sob pena de inutilização prática, em última extremidade, de todo aquele sistema de prática de actos processuais por via electrónica, pelo factor de incerteza que necessariamente lhe introduziria – deve entender-se que a prova do facto do facto e da data da expedição da peça processual – ou da impossibilidade da sua recepção – apenas pode ser demonstrada através daquele documento – ou da representação escrita de que é susceptível – não sendo admissível, para a sua demonstração a prova testemunhal (artºs 13 da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto, 364 nºs 1 e 2 e 393 nº 1 do Código Civil).E a conclusão da inadmissibilidade da prova testemunhal permanece exacta, mesmo que se deva entender que aquele documento é exigido apenas para prova do facto do expedição e/ou da recepção da peça processual – i.e., que se trata de um documento puramente ad probationem (artº 364 nº 2 do Código Civil).

A esta luz, à decisão impugnada não era lícita a utilização, para o seu convencimento sobre a veracidade do facto do envio, por transmissão electrónica de dados, pelos demandados, do articulado de contestação, da prova de que, comprovadamente se socorreu para estabelecer a realidade dele: a prova testemunhal.

Nestas condições, a conclusão a tirar é a de que ao julgar provado o envio do articulado de contestação no dia 4 de Novembro, o tribunal a quo incorreu, realmente, no error in iudicando que a apelante lhe aponta e, portanto, que a decisão correcta daquele enunciado só pode ser uma: a de não provado.

Em qualquer caso, deve notar-se que os factos alegados não preencheriam em caso algum os pressupostos exigidos pela lei para que o impedimento invocado se tivesse por justo.

3.4. Concretização.

O facto que, no caso, se alegou como justo impedimento, consiste na avaria do computador do Exmo. Mandatário dos contestantes, avaria quer de software, provocada por vírus, quer de hardware – queima de uma peça física daquele dispositivo tecnológico.

Ora não pode, em boa verdade, dizer-se que esse facto não seja imputável ao Sr. Advogado ou que o tenha, em absoluto, privado da possibilidade de praticar o acto dentro do prazo assinado na lei.

De um aspecto, as avarias de computar – tanto do hardware como de software – são, apesar de todos os progressos técnicos, ocorrências relativamente comuns e mesmo vulgares, pelo que um operador prudente dessas tecnologias deve adoptar todas as cautelas – que a evolução tecnológica disponibiliza a esse mesmo utilizador, como por exemplo, os sistemas de protecção antivírus, de análise e diagnóstico dos sistemas operativos, de backup e de cloud computing – de modo a preservar a integridade do computador e a recuperar o seu conteúdo em caso de avaria, seja ela física ou de software.

De outro aspecto, em face da avaria do computador, a atitude mais avisada não é, decerto, tornar indisponível esse mesmo computador tendo em vista uma sempre incerta ou duvidosa possibilidade de o reparar e de recuperar ou restaurar um qualquer ficheiro contido na unidade de processamento. Nesta hipótese – tendo em conta a iminência do completamento, mesmo do alongamento do prazo marcado na lei para a apresentação do articulado - mandava a prudência que se enviasse a peça processual através de outro computador. Sublinha-se justamente esse ponto, dado que – segundo a alegação mesma dos apelantes - foi isso que acabou por suceder: de harmonia com aquela alegação, o articulado de contestação terminou por ser expedido através do computador da colaboradora forense do Sr. Advogado – mas só no dia 6 de Novembro. Neste contexto, é pertinente perguntar por que razão é que a peça não foi expedida, utilizando aquele computador, logo no dia 4 do mesmo mês e por que motivo, havendo o pleno convencimento de que a peça tinha sido expedida no dia 4 se repetiu a expedição, no dia 6, data em que aliás foi paga a multa reclamada pela lei como condição de validade da prática do acto fora do prazo peremptório assinado nela assinado.

Portanto, de um aspecto, o facto da avaria do computador não pode considerar-se de todo estranho ou inimputável ao utilizador e, de outro – o que é mais - nem a avaria desse dispositivo constituiu facto absolutamente impeditivo de praticar o acto em tempo. Conclusão que é conforme com a orientação jurisprudencial de que a avaria de dispositivos informáticos não é susceptível de se subsumir ao conceito de justo impedimento[4].

Depois, é de todo patente que os demandados não se apresentaram a requerer logo que o impedimento alegado cessou. Convém recordar que o computador avariou no dia 4, foi reparado no dia 6 e o articulado de contestação foi expedido também no dia 6 – dia em que foi paga a multa processual – e que os apelados só no dia 12 se apresentaram a alegar o justo impedimento e oferecer a respectiva prova. Esta razão seria suficiente, se acaso outras não existissem, para lhes recusar a procedência da alegação. De resto, a alegação de que só no dia 12 de Novembro se adquiriu a percepção de que a contestação havia sido dado entrada no dia 6 mal se conjuga com esta outra – que o documento foi enviado novamente no dia 6 de Novembro.

A recorrente tem, pois, razão e há, portanto, que dar-lhe a satisfação a que tem direito.

Importa, assim, revogar a decisão impugnada e logo a substituir por outra que – por força da irremissível extinção, por caducidade, do direito de praticar o acto processual – julgue inadmissível a apresentação do articulado de contestação.

Síntese recapitulativa:

a) São requisitos cumulativos do justo impedimento: que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários; que determine a impossibilidade de praticar em tempo o acto;

b) No julgamento do justo impedimento, o juiz só deve deferir se verificar que a parte se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou;

c) Não é admitida a prova testemunhal para demonstração da prática de acto processual por transmissão electrónica de dados, prova que só é admissível por documento electrónico - ou através da representação escrita de que é susceptível – i.e., através de uma declaração de validação cronológica, que ateste a data da expedição ou recepção do documento electrónico correspondente.

d) Não integra justo impedimento a avaria do computador do Sr. Advogado subscritor da peça processual, impeditiva da expedição ou remessa da peça processual por transmissão electrónica de dados.

Os apelados que alegaram o justo impedimento sucumbem no recurso. Deverão, por isso, suportar as respectivas custas (artº 527 nºs 1 e 2 do nCPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão impugnada e, consequentemente:

a) Declara-se não verificado o justo impedimento alegado pelos apelados A... e cônjuge, B..., C..., e cônjuge, D..., E..., F..., G..., H..., I..., J..., L..., M...e N..., no oferecimento do articulado de contestação;

b) Não se admite o articulado referido em a).

Custas do recurso pelos apelados referidos em a).

                                                   15.06.30

                                           Henrique Antunes

                                                Isabel Silva

                                             Alexandre Reis

                                                                                             

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[1] Antunes Varela, RLJ, Ano 116, págs. 31 e 32.
[2] Acs. do STJ de 04.05.05 e da RE de 02.12.09, www.dgsi.pt.
[3] Contra, Acs. do STJ de 04.05.06, www.dgsi.pt, da RC de 10.07.95, CJ, XX, IV, pág. 18, da RP de 19.05.97, BMJ nº 467, pág. 632, do STJ de 27.11.08, www.dgsi.pt; em sentido afirmativo, Ac. do STJ de 25.10.12, www.dgsi.pt.
[4] Acs. da RL de 02.05.96 e de 25.10.10, www.dgsi.pt. O mesmo sucede com a imperícia para operar a tecnologia correspondente: Ac. da RE de 30.04.15, www.dgsi.pt.