Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2893/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE ARCANJO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
RENDA CONDICIONADA
Data do Acordão: 01/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART.S 36º, 64º, 79º, 83º, 85º, 87º E 89º DO RAU E ARTº 342 DO C.C.
Sumário:
I - Transmitida a posição jurídica de arrendatário, por força do n.º 1 al. b) , parte final do art.º 85 do RAU, para descendentes, nas condições previstas no n.º 1 do art.º 87, a passagem ao regime de renda condicionada não é automática, isto é, não constitui mero efeito da morte do anterior titular.
Com efeito a aplicação do novo regime de renda desencadeia-se com a comunicação, nesse sentido, feita pelo senhorio ao novo arrendatário, seja na sequência de opção inicial por aquele regime, seja por efeito do não exercício da opção concedida pelo n.º 2 do art.º 89 B, do R.A.U.
É que antes de ocorrerem os prazos para a renúncia do transmissário (art.º 88) e para o exercício do direito de denúncia, por parte do senhorio (art.º 89 – A), que são substancialmente inconciliáveis com a simultânea aplicação do novo regime de renda.

II – O condicionalismo etário das pessoas referidas no art.º 87º n.º 1 do RAU é um facto constitutivo do direito dos autores, a quem compete a respectiva prova, sendo facto extintivo as situações previstas nas alíneas do n.º 4 do art.º 87 do RAU, cujo ónus da prova incide sobre o Réu.

III – Não estabelecendo o art.º 87º do RAU procedimento para a fixação do limite máximo legalmente permitido para renda condicionada, deve recorrer-se directamente ao regime geral da renda condicionada, estatuído nos Art.º 79 e 80º do RAU não sendo de aplicar as normas dos art.º 31 e segs. do mesmo diploma.

IV – A residência permanente para efeitos da causa de resolução do art.º 64 n.º 1 al. i) do RAU, deve ser entendida como o local habitual, estável e duradoura da pessoa onde está instalada e organizada a sua economia doméstica, de forma a traduzir uma exigência de permanência no locado, por parte do inquilino, mas em grau adequado aos seus hábitos de vida, no contexto das peculiares circunstâncias concretas, designadamente, no que concerne às exigências da sua vida profissional.


V – O arrendatário não deixa, contudo, de beneficiar da legislação proteccionista da habitação, no caso de ter duas residências permanentes alternadas, em diferentes localidades, em contraposição a residências hierarquizadas, desde que, em função do caso concreto, se revele que ambas servem paritariamente para a instalação da vida doméstica, com carácter habitual e duradouro.

VI – a circunstância do réu, emigrante no Luxemburgo, ter deixado no local arrendado a mobília e outros objectos e de ter encarregue familiares para limparem e arranjarem a casa durante a sua ausência, e de nela receber a correspondência, não significa que o prédio tenha sido habitado com carácter de permanência, ainda que relativa, mas apenas que pretende manter o locado de molde a nele residir quando regressar, visto que tem a intenção de o fazer, bem como nas férias.

VII – Comprovando-se que em data não concretamente apurada de 2000, o Réu foi contratado para ir trabalhar para o Luxemburgo, por conta de outrem, não tencionando aí fixar-se definitivamente, como a ausência, por motivos laborais, não excedera os dois anos, à data da instauração da acção (29/03/2001) verifica-se a causa de exclusão contida na norma do art.º 64 n.º 2 al. b) do RAU, através da qual o legislador pretendeu tutelar, por um lado a situação laboral do arrendatário e o seu direito ao trabalho, bem como a livre opção por determinada actividade (art.º 47 n.º 1 e 58.º n.º 1 da CRP), e, por outro lado, o direito de propriedade do senhorio (art.º 62º n.º 1 da CRP), e daí a imposição do limite temporário.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de COIMBRA


I - RELATÓRIO

1.1. - Os Autores – A e mulher B – instauraram, no Tribunal da Comarca de Coimbra, a presente acção declarativa, com forma de processo sumário, contra o Réu – C.

Alegaram, em resumo:

Os Autores são proprietários de um prédio urbano, sito em Eiras, Coimbra, e o anterior proprietário, D, avó do Autor marido, deu de arrendamento para habitação a C de Oliveira Papízio, transmitindo-se o contrato, por sua morte, para o cônjuge sobrevivo, Estrela Fachada.

Como esta faleceu em 1/1/1998, o contrato transmitiu-se, por sua vez, para o Réu, seu filho, que a ele não renunciou, sem que houvesse comunicado aos Autores tal facto, com os respectivos documentos ( art.89 do RAU ), sendo então a renda de 1.278$00 por mês.

O Autor enviou ao Réu uma carta, solicitando-lhe o pagamento da quantia de 30.000$00, calculada nos termos da renda condicionada, mas o Réu não ligou e por isso o Autor requereu a competente avaliação fiscal, sendo contudo que o Réu não mais pagou a renda devida.

O Réu há mais de um ano deixou de comer e dormir no arrendado, mantendo-se este completamente fechado, ou seja, deixou de ter aí a sua residência permanente.

Com fundamento nos arts. 85, 87 e 64 do RAU, pediram que se declare a resolução do contrato de arrendamento, e a condenação do Réu:

a) - A despejá-lo imediatamente, entregando-o aos Autores livre e devoluto, nos termos do art.64 nº1 alíneas a) e b) do RAU;

b) - A pagar aos Autores as rendas em dívida desde 1 de Janeiro de 1998 ( regime de renda condicionada ), inclusivamente até esta data, à razão de, pelo menos 30.000$00 mensais, no valor global de 1.200.000$00, e ainda as rendas vincendas determinadas nos predictos termos até à entrega do locado, livre e devoluto;

c) - A pagar aos Autores os juros à taxa legal sobre os montantes não pagos até ao momento, que se elevam, nesta data, pelo menos, 118.500$00, e nos juros vincendos, à mesma taxa sobre tais montantes e ainda nos juros vincendos sobre os montantes das rendas a vencimento até à entrega do locado, livre e devoluto;

d) - Subsidiariamente, a pagar aos Autores as rendas em dívida desde Janeiro de 1998 no montante da renda condicionada, a definir pela Comissão de Avaliação, já requerida, e as vincendas determinadas nos mesmos termos até à entrega do locado livre e devoluto.

e) - Os juros de mora sobre os montantes de tal renda, que deviam ter sido pagos desde 1 de Janeiro de 1998, à taxa legal, até à presente data, e nos vincendos até à entrega do locado, livre e devoluto.

1.2. - Contestou o Réu, defendendo-se, em síntese:

Muito embora os Autores lhe comunicassem que a renda passava ser de 30.000$00, o certo é que desde logo manifestou a sua discordância, pelo que passou-a a depositar na CGD.

Impugnou a falta de residência permanente, e, por excepção, alegou ter-se ausentado do locado, em finais de Abril de 2000, em virtude se ter sido contratado para trabalhar no Luxemburgo, sendo no entanto um trabalho meramente temporário, após o qual regressará ao arrendado, onde aliás mantém os móveis e todos os seus pertences, pelo que não é aplicável o nº 1 alínea i), por força do nº2 alínea b) do art.64 do RAU, visto que não decorrem ainda dois anos.

Concluiu pela improcedência da acção, requerendo a condenação dos Autores como litigantes de má fé.

Responderam os Autores, mantendo a versão apresentada na petição inicial

No saneador afirmou-se a validade e regularidade da instância.

1.2. - Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que, na parcial procedência da acção, decidiu:

1º) - Declarar resolvido o contrato de arrendamento identificado nos autos, referente ao rés-do-chão e primeiro andar do prédio urbano, sito em Eiras, da mesmas freguesia, inscrito na matriz cadastral urbana da referida freguesia sob o n.° 143 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.° 12.269, condenando-se o Réu a entregá-lo de imediato aos Autores, livre e devoluto de pessoas e bens.

2º) - No mais, absolver o Réu do pedido (pagamento de rendas e juros de mora).

3º) – Condenar Autores e Réu nas custas, na proporção do decaimento.

1.3. - Inconformados com a sentença, Autores e Réu interpuseram recurso de apelação.

1.3.1. - Apelação do AUTORconclusões:

1º) - Os autores são donos do prédio urbano sito em Eiras, da mesma freguesia, inscrito na matriz cadastral urbana da referida freguesia sob o art° 143 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n° 12.269, por o marido autor o haver herdado de seus avós e pais, respectivamente D e ... que também usavam o nome de ... e ... e ... e ...

2º) - Tal prédio é constituído por casa de habitação, três andares, quintal, telheiro, duas portas, 6 janelas, 2 divisões no primeiro andar, 3 divisões no 2° andar e 4 divisões no 3° andar, confrontando do norte com estrada, do sul com rio e serventia de inquilinos, do nascente com ... e do poente com ....

3º) - Por contrato verbal, o então proprietário do prédio, D, deu de arrendamento a C de Oliveira Papízio o rés- do- chão e primeiro andar do mesmo.

4º) - A partir de 1 de Janeiro de 1998, foi o réu quem ficou a ocupar o arrendado.

5º) - O Réu não comunicou ao senhorio o falecimento do primitivo arrendatário e a sua intenção de continuar no prédio, nem renunciou à transmissão do arrendamento.

6º) - Não está provado nos autos — por documento legal bastante - única prova admitida em direito - que o R., seja, descendente do primitivo arrendatário ou daquele que lhe sucedeu no arrendamento - nem que vivia, há mais de um ano à data da morte do(s) mesmos(s), em comunhão de mesa e habitação.

7º) - Donde não está provado nos autos que o Réu haja legitimado a transferência (legal) do arrendamento para a sua pessoa, destinado à habitação.

8º) - O Autor enviou ao Réu a carta cujo texto é o da cópia que se encontra a fls. 30, datada de 4 de Novembro de 1998, nos termos da qual e em síntese, lhe comunicava “de acordo com a área ocupada, estado de conservação e outros requisitos da casa que ocupa, a renda pela qual passará para seu nome o contrato de arrendamento, será no valor de 30.000$00. Agradeço me comunique o mais rapidamente possível qual a sua posição relativamente à minha proposta”.

9º) - O Autor pediu a avaliação fiscal do prédio, nos termos constantes do requerimento junto a fls. 31 a 34 e deixou, na casa do réu, a carta que se encontra na fls. 46, datada de 23 de Novembro de 1998 e na qual, em síntese, comunicava que “de acordo com a fórmula para o caso do presente contrato de arrendamento, para passar para o teu nome, como tem que ser, por lei, é passado pela renda mensal de 30.000$00”.

10º) - Em 1 de Janeiro de 1998, a renda era de 1.278$00 mensais.

11º) - Há mais de um ano que o réu deixou de tomar as suas refeições, dormir e receber amigos no arrendado, apenas o tendo feito, durante este tempo, em dois curtos períodos de férias que passou em Portugal.

12º) - Há mais de um ano, à data da propositura da presente acção, que o Réu se encontra a trabalhar no Luxemburgo e dorme e come em casa de uma irmã, que ali tem casa.

13º) - O Réu não comunicou por escrito aos autores, a morte do arrendatário do prédio, sendo certo que, a prova de que o arrendatário, que ocupava o lacado antes de 1 de Dezembro de 1998, era ascendente do R, só a ele lhe competia e tinha de ser feita, obrigatoriamente, por documento autêntico ou autenticado, bastante.

14º) - O Réu ofereceu aos Autores a renda de 1.278$00 que era paga pelo arrendatário que ocupava o locado antes de 1 de Janeiro de 1998.

15º) - O Réu não alegou, nem provou estar abrangido, aquando da morte do arrendatário do locado, pelos art.85 do RAU, não provando a relação que tinha com o mesmo, nem que com ele convivia há mais de um ano, em comunhão de mesa e habitação, à data da sua morte.

16º) - E se alegasse e provasse tal, então o Réu ficava obrigado a pagar renda no regime da renda condicionada.

17º) - E era ao Réu que competia alegar e provar que não estava abrangido pelo art.87 do RAU, porquanto ao valer-se da transmissão do arrendamento, não podia opor a aplicação do regime da renda condicionada.

18º) - Em todo o caso, o Réu deixou de ocupar o arrendado, há mais de um ano, à data da propositura da presente acção, devendo o contrato de arrendamento, em apreço, considerar-se caducado ope legis, com todas as suas legais consequências, ou quando assim se não entenda, deve concluir-se como na petição inicial.

19º) – O locado deve ser entregue aos Autores, livre e devoluto de pessoas e bens e o Réu condenado a pagar aos Autores a renda, equivalente, ao valor locativo do arrendado desde 1 de Janeiro de 1998, nunca inferior a 30.000$00 mensais, ou a que vier a ser fixada pela Comissão de Avaliação, acrescida dos respectivos juros legais até à entrega do arrendado aos Autores, livre e devoluto.

21º) – A sentença recorrida violou os artigos 1051 al. d) do Código Civil, ex vi dos arts. 83, 85 e 89 nº3 do RAU, 342 e 344 do Código Civil, e arts. 1 e 4 do Código do Registo Civil.

1.3.2. - Apelação do Réuconclusões:

1º) - Da conjugação da matéria de facto dada como assente resulta, para além do mais, que é no arrendado que o recorrente dorme, come, recebe visitas, quando se desloca a Portugal, continuando aí a receber toda a sua correspondência, para além de aí manter todos os seus móveis e demais pertences.

2º) - Ou seja, é no locado que o recorrente tem o centro da sua vida familiar e privada, isto é, a sua casa de morada de família, nunca tendo manifestado o propósito de aí deixar de residir.

3º) - Não é aplicável, ao caso concreto, o disposto na alínea i) do n.° 1 do art 64 do RAU.

4º) - Mas mesmo que assim se não entenda — o que não se aceita e só por necessidade de raciocínio se refere -, sempre se dirá, como resulta da matéria de facto dada como provada, que o ora recorrente se encontra, desde data não concretamente apurada de 2000, a trabalhar, temporariamente, por conta de outrem, no Luxemburgo.

5º) - Não ficou demonstrado que, à data da instauração da acção (29.03.2001) — que é a data relevante para o efeito —, o ora recorrente já se tivesse ausentado do arrendado para prestar serviço por conta de outrem há mais de dois anos.

6º) - A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 64 nº1 alínea i) e nº 2 do RAU, 659 nº3 do C.P.C., devendo ser revogada e julgar-se a acção totalmente improcedente.


II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ).

Por seu turno, no nosso sistema processual civil, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

Considerando as conclusões que os apelantes extraíram das respectivas motivações, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:

a) - A caducidade do contrato de arrendamento;

b) - A aplicação da renda condicionada;

c) - A resolução do contrato, com fundamento na falta de residência permanente

Na resposta ao quesito 14º da base instrutória, tribunal a quo considerou provado que “ Em data não concretamente apurada de 2000, o Réu foi contratado para ir trabalhar para o Luxemburgo, por conta de outrem “.

Constata-se que no elenco dos factos provados descritos na sentença ( nº 21 ) omitiu-se, por lapso de escrita, “ por conta de outrem “.

Impõe-se proceder a sua rectificação, nos termos do art.667 do CPC.

Passa-se a enumerar os factos provados, por ordem lógica e cronológica, com a rectificação operada.

2.2. - OS FACTOS PROVADOS:

1) - Os Autores são donos do prédio urbano sito em Eiras, da mesma freguesia, inscrito na matriz cadastral urbana da referida freguesia sob o n° 143 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra , sob o 12.269, por o marido Autor o haver herdando de seus avós e pais, respectivamente, D e ..., que também usavam o nome de ... e ... e ... e ....

2) - Tal prédio é constituído por casa de habitação, três andares, quintal, telheiro, duas portas, 6 janelas, 2, divisões no primeiro andar, 3 divisões no 2° andar e 4 divisões no 3° andar, confrontando do norte com estrada, do sul com rio e serventia de inquilinos, do nascente com ... e do poente com ....

3) - Por contrato verbal, o então proprietário do prédio, D, deu de arrendamento a C de Oliveira Papízio o rés-do-chão e primeiro andar do mesmo.

4) - O contrato teve início em princípios dos anos 40.

5) - No início do arrendamento, foi acordada a prestação de 200$00.

6) - Por qualquer razão de natureza fiscal a que o Réu contestante e também, com toda a certeza, seus pais foram alheios, o anterior senhorio veio fazer a participação que constitui o documento n° 6, da petição inicial.

7) - Há mais de dez anos, a mãe do Réu entregou aos Autores uma parte do rés-do-chão.

8) - A partir de 1 de Janeiro de 1998, foi o Réu quem ficou a ocupar o arrendado.

9) - O arrendado destina-se a habitação do Réu.

10) - A 1 de Janeiro de 1998, a renda era de 1.278$00 mensais.

11) - O Réu não comunicou ao senhorio o falecimento do primitivo arrendatário e a sua intenção de continuar no prédio, nem renunciou à transmissão do arrendamento.

12) - O Réu não comunicou por escrito, aos Autores, a morte da sua mãe.

13) - Os Autores continuaram a receber a renda e a emitir recibo até Novembro de 1998.

14) - O Autor enviou ao Réu a carta cujo texto é o da cópia que se encontra a fls. 30, datada de 4 de Novembro de 1998, nos termos da qual e em síntese, lhe comunicava “de acordo com a área ocupada, estado de conservação e outros requisitos da casa que ocupa, a renda pela qual passará para seu nome o contrato de arrendamento, será no valor de 30.000$00. Agradeço me comunique o mais rapidamente possível qual a sua posição relativamente à minha proposta”.

15) - O Autor pediu a avaliação fiscal do prédio, nos termos constantes do requerimento que se encontra nas folhas 31 a 34.

16) - O Autor deixou, na casa do Réu, a carta que se encontra na folha 46, datada de 23 de Novembro de 1998 e na qual, em síntese, comunicava que “ de acordo com a fórmula para o caso do presente contrato de arrendamento, para passar para teu nome, como tem que ser, por lei, é passado pela renda mensal de 30.000$00”.

17) - O Réu contestante ofereceu aos Autores a renda que vigorava até aí e que era a devida, apesar do montante diminuto, ou seja, 1278$00, o que estes se recusaram a receber.

18) - O Réu procedeu ao depósito das rendas, a partir de Dezembro de 1998, nos termos referidos no art° 30, da contestação e constantes dos documentos que se encontram nas folhas 47 48.

19) - Em data não concretamente apurada de 2000, o Réu foi contratado para ir trabalhar para o Luxemburgo, por conta de outrem.

20) - Há mais de um ano que o Réu deixou de tomar as suas refeições, dormir e receber os amigos no arrendado, apenas o tendo feito, durante este tempo, em dois curtos períodos de férias que passou em Portugal.

21) - Há mais de um ano que o Réu se encontra trabalhar no Luxemburgo e dorme e come em casa de uma irmã, que ali tem casa.

22) - Quando vem a Portugal é no arrendado que dorme, come, recebe visitas de familiares e amigos e é no arrendado que continua a receber a correspondência.

23) - No arrendado mantêm-se os seus móveis e demais pertences, já que só levou para o Luxemburgo roupas e objectos de uso pessoal.

24) - A casa é limpa e arejada por familiares que o Réu encarregou de tal tarefa durante a sua ausência.

25) - O Réu não tenciona fixar-se definitivamente no Luxemburgo.

2.3. – 1ª QUESTÃO / A caducidade do arrendamento:

A transmissão do arrendamento por morte do arrendatário encontra-se regulada nos arts. 85 a 89 do Regime do Arrendamento Urbano ( RAU ), aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10, e constitui uma excepção à regra geral de que a locação, como contrato intuito personae, caduca por morte do locatário, salvo convenção escrita em contrário ( art.1051 nº1 alínea d) do Código Civil ), deferindo-se a transmissão às pessoas mencionadas nas alíneas a) a e) do nº1 do art.85 do RAU e pela ordem nelas estabelecidas.

Porém, o art.85 nº3 do RAU admite a uma transmissão em dois graus, em que o direito ao arrendamento, que por morte do primitivo arrendamento já se transmitira ao respectivo cônjuge, pode transmitir-se ainda, por morte deste, aos parentes ou afins em linha recta do primitivo arrendatário com menos de um ano ou que vivessem pelo menos há um ano com o cônjuge falecido.

Os “ parentes ou afins “ a que se reporta o nº3 do art.85 são os parentes e afins em linha recta do primitivo arrendatário, mencionados nas alíneas b), c) e d) do nº1 do mesmo artigo, e o período de convivência por mais de um ano há-de naturalmente entender-se com o cônjuge do primitivo arrendatário a quem o arrendamento se transmitiu ( cf. PEREIRA COELHO, Breves Notas ao Regime do Arrendamento Urbano, RLJ ano 131, pág.258 ).

Sendo os Autores actuais donos do prédio arrendado, o anterior proprietário, por contrato verbal, deu de arrendamento para habitação, o referido prédio, a C de ..., transmitindo-se, por sua morte, para o cônjuge sobrevivo, ..., falecida em 1/1/98. ( doc. de fls.98 ).

Sustentam os Autores/apelantes que o contrato caducou nessa data, porquanto, pese embora o Réu se encontre a habitar o locado, não lhes comunicou por escrito a morte da mãe ( art.89 nº1 e 2 do RAU ), nem demonstrou, nos termos do art.4º do CRC, que seja descendente do primitivo arrendatário e do que lhe sucedeu, ou que vivia há mais de um ano em comunhão de mesa e habitação.

A pretensão dos Autores não pode proceder, desde logo, por se configurar uma questão nova, visto que não peticionaram a extinção do contrato de arrendamento com base na caducidade, admitindo até expressamente a legalidade da transmissão para o Réu e a não renúncia ao arrendamento ( arts 13 e 20 da petição inicial ).

Ora, tal como já se anotou, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para criar decisões sobre nova matéria, alegada na petição recursal ( cf., por todos, AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em processo Civil, 4ª ed., pág.138 ).

De resto, o incumprimento do dever de comunicação ao senhorio da morte do arrendatário, acompanhada dos documentos autênticos ou autenticados que comprovem os direitos do transmissário ( nº1 e 2 do art.89 do RAU ) não tem como sanção a caducidade do arrendamento ( “ não prejudica a transmissão do contrato “ ), mas apenas o dever de indemnizar os danos derivados da omissão, como resulta expressamente do nº3 do mesmo artigo, tendo subjacente a protecção dos interesses dos familiares do arrendatário, pelo que a sanção da caducidade seria manifestamente desproporcionada ( PEREIRA COELHO, loc.cit., pág.359 ).

Refira-se que o nº3 do art.89 havia sido revogado pelo DL 278/93 de 10/8, mas o Tribunal Constitucional, em acórdão de 23/5/97 ( DR I-A de 8/7/97 ) declarou inconstitucional orgânica, com força obrigatória geral, por violação do disposto na alínea h) do nº1 do art.168 da Constituição, o nº1 daquele diploma em que eliminou a norma do nº3 do art.89 do RAU e introduziu o art.89-D, a qual deve, por conseguinte, considerar-se repristinada.

Por outro lado, sobre a prova da descendência, não obstante o disposto no art.4º do CRC, a verdade é que os Autores não problematizaram a transmissão do arrendamento, dado-a como adquirida, e tanto assim que pediram a resolução do contrato e o pagamento das rendas.

Acresce que continuando os Autores a receber a renda do Réu e a emitir recibos até Novembro de 1998, o que conjugado com a carta de fls.30, onde reclamam o valor da renda condicionada, é indicador do reconhecimento da transmissão do arrendamento.

2.4. - 2ª QUESTÃO / A renda condicionada:

Reclamando os Autores, nos termos do art.87 nº1 do RAU, a aplicação do regime de renda condicionada, no valor de 30.000$00 por mês, a sentença recorrida desatendeu a preconizada pretensão, com fundamento em dois tópicos argumentativos:

a) - Competia aos Autores, como facto constitutivo ( art.342 nº1 do CC ), o ónus das prova quanto à previsão do nº1 do art.87, ou seja, do condicionalismo etário do Réu ( ter mais de 26 anos de idade e menos de 65 );

b) – A renda condicionada pressupõe o acordo entre as partes, o que não existiu, não lhe assistindo o direito ao recebimento da renda referida na comunicação.

Consideram os Autores/apelantes que tendo comunicado a exigência da renda de 30.000$00 mensais, incumbia ao Réu provar que não preenchia os requisitos da idade, previstos no art.87 nº1 do RAU, como facto extintivo ( art.342 nº2 CC ).

O problema suscitado pelos Autores contende com os princípios gerais do ónus da prova.
Na sua proficiente anotação ao Assento do STJ na RLJ ano 116, pág.333 e segs. e 117, pág.26 e segs., ANTUNES VARELA ao discorrer sobre a evolução das regras do ónus da prova, ensina que a distinção entre factos constitutivos e os factos impeditivos, modificativos ou extintivos deve partir-se, não no “critério da normalidade”, mas antes na “ teoria da norma “, segundo a qual “ a repartição do ónus da prova entre as partes tem de processar-se de harmonia com a previsão ( geral e abstracta ) traçada na norma jurídica que serve de fundamento à pretensão de cada uma delas ( teoria da norma )“.
Nesta medida, ao autor compete provar os factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido, ou seja, terá o ónus de provar os factos constitutivos correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão ( art.342 nº1 do CC ).
Ao réu incumbirá a prova dos factos correspondentes à previsão ( abstracta ) da norma substantiva em que baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva do efeito jurídico pretendido pelo autor ( art.342 nº2 do CC ).
Por seu turno, em caso de dúvida, os factos devem ser considerados constitutivos do direito ( art.342 nº3 do CC ).
Transmitida a posição jurídica de arrendatário, por força do nº1 alínea b), parte final, do art.85 do RAU, para descendente, nas condições previstas no n.º 1 do art. 87, a passagem ao regime de renda condicionada não é automática, isto é, não constitui mero efeito da morte do anterior titular.
Com efeito, a aplicação do novo regime de renda desencadeia-se com a comunicação, nesse sentido, feita pelo senhorio ao novo arrendatário, seja na sequência de opção inicial por aquele regime, seja por efeito do não exercício da opção concedida pelo n.º 2, do art. 89 B, do RAU.
É que, antes, ocorrem os prazos para a renúncia do transmissário (art. 88 ) e para o exercício do direito de denúncia, por parte do senhorio (art.89-A), que são substancialmente inconciliáveis com a simultânea aplicação do novo regime de renda.
Transmitido o arrendamento a descendente com mais de 26 anos de idade e menos de 65, pode o senhorio exigir ao transmissário o montante da renda condicionada, logo que o arrendamento se transmita por morte do arrendatário ou do seu cônjuge ao descendente.

Neste contexto, a prova do condicionalismo etário, é um facto constitutivo do direito dos Autores, ou seja, o direito ao aumento da renda, sendo facto extintivo as situações previstas nas alíneas do nº4 do art.87 do RAU, cujo ónus da prova incide dobre o Réu.

Porém, o argumento decisivo encontra-se no segundo tópico, amplamente justificado na sentença recorrida, socorrendo-se de contributos jurisprudenciais sobre a temática.

O contrato de arrendamento transmitido para o Réu ficou imperativamente sujeito ao regime de renda condicionada ( art.87 nº1 do RAU ), pois, se por um lado o legislador ao instituir o sistema de aquisição ipso iure do direito de arrendamento, embora com a possibilidade de renúncia ( art.88 do RAU ), procurou tutelar os interesses dos familiares do arrendatário, através da estabilidade da habitação, por outro, visou também acautelar os interesses do senhorio com a subida da renda, umas vezes imediata outra diferida para momento posterior, repondo, assim, um novo equilíbrio das prestações.

Contudo, o art.87 do RAU não estabelece o procedimento para a fixação da renda condicionada, determinando apenas o nº5 da citada norma um montante mínimo, correspondente ao montante da renda anteriormente praticada, mas já não o limite máximo legalmente permitido.

Sobre o critério de determinação da renda condicionada, nestes casos, há duas teses:

a) - A primeira, sustenta que, face à omissão do art.87 do RAU, devem ser aplicáveis, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts.31 e segs. do RAU ( cf. PEREIRA COLELHO, loc. cit., pág.364, nota 161, Ac RP de3/4/2001, in www dgsi.pt ).

b) – A segunda, recorre directamente ao regime geral da renda condicionada, estatuído nos arts.79 e 80 do RAU, posição preferencialmente adoptada na jurisprudência.

Crê-se ser mais adequada, em termos de hermenêutica jurídica, a segunda tese, também acolhida na sentença recorrida ( cf., neste sentido, Ac do STJ de 21/10/97, C.J. ano V, tomo III, pág.84, Ac RP de 24/5/2001, C.J. ano XXVI, tomo III, pág.197 ).

Desde logo, prevendo a lei um regime geral para a fixação da renda condicionada, não parece que se deva chamar à colação as regras dos arts.31 e segs. do RAU, ainda que com as necessárias adaptações, dirigidas à actualização da renda, pois só depois de fixadas é que poderão ser actualizadas.

Por outro lado, em caso de divergência das partes, não pode intervir a Comissão Especial, já que o art.36 nº1 do RAU foi julgado organicamente inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, em acórdão de 17/1/96 ( BMJ 453, pág.972), a cuja fundamentação se adere.

Sendo assim, nos termos do art.79 nº1 do RAU, no regime de renda condicionada, a renda inicial resulta de negociação entre as partes, com as limitações aí previstas, ou seja, não pode exceder por mês o duodécimo do produto resultante da aplicação da taxa das rendas condicionadas ao valor actualizado do fogo, no ano da celebração do contrato, mas tratando-se de transmissão da relação locatícia, ao momento desta, no caso concreto a 1 de Janeiro de 1998.

O montante da renda depende, por isso, de dois factores, a taxa das rendas condicionadas, a fixar por Portaria, e o valor actualizado do fogo, que é o seu valor real, fixado nos termos do Código das Avaliações ( art.80 do RAU ).

Enquanto este não entrar em vigor, o valor real é calculado nos termos dos arts.4º a 13º e 20 do DL 13/86 de 23/1, onde se estabelecem diversos factores, coeficientes e áreas, para o efeito, vigentes na data da transmissão do arrendamento, entretanto substituídos pelo DL 329-A/2000, de 22/12.

Não havendo acordo, tanto o arrendatário, como o senhorio, podem requerer a intervenção de uma Comissão de Avaliação, para a sua correcção ( art.9 nº1 do DL 13/86 ).

Revertendo ao caso sub judice, comprovou-se que:

Por carta de 4/11/98 ( fls.30 ), o Autor propôs ao Réu a renda de 30.000$00 por mês, de acordo com a área ocupada e o estado de conservação da casa.

Depois de ter pedido uma avaliação fiscal do prédio, o Autor deixou na residência do Réu uma carta de 23/11/98 ( fls.46 ), comunicando-lhe, em síntese, que “de acordo com a fórmula para o caso do presente contrato de arrendamento, para passar para o teu nome, como tem que ser, por lei, é passado pela renda mensal de 30.000$00”.

Em contrapartida, o Réu ofereceu os Autores a renda que até aí vigorava ( 1.278$00 ), ou seja, o limite mínimo da renda condicionada ( art.87 nº5 do RAU ) e, face à recusa destes em recebê-la, procedeu ao respectivo depósito.

Por conseguinte, não houve acordo ( expresso ou tácito ) sobre o montante da renda condicionada, e tanto os Autores como o Réu teriam que requerer, para o efeito, a intervenção da Comissão de Avaliação, não podendo aqueles fixá-la unilateralmente.

Muito embora os Autores já requeressem tal intervenção, o certo é que a renda convencionada não foi ainda determinada pela respectiva Comissão, pelo que o Réu não estava obrigado a pagar o montante da renda peticionada, vigorando a existente à dada do falecimento da mãe do Réu, e como vem sendo depositada, por recusa do recebimento, os depósitos consideram-se liberatórios.

2.5. – 3ª QUESTÃO / A resolução do contrato:

A sentença recorrida, julgando procedente a pretensão do Autor, decretou a resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de residência permanente por parte do Réu ( art.64 nº1 alínea i) do RAU ).

Na apelação, o Réu impugnou, nesta parte, a sentença, alegando não estar factualmente demonstrada, por um lado, a falta de residência permanente, apesar de se encontrar a trabalhar no Luxemburgo, e, por outro, ocorre a causa de exclusão, porquanto ausentou-se para prestar serviços por conta de outrem, sem que tivesse decorrido ainda dois anos, à data da instauração da acção ( 29.03.2001 ).

O art.64 nº1 alínea i) do RAU - à semelhança do art.1093 nº1 i) do CC - estabelece duas causas de resolução do contrato:

a) - Se o arrendatário conservar o prédio desabitado por mais de um ano;

b) - Destinando-se o prédio à habitação, não tiver nele residência permanente, habite ou não outra casa, própria ou alheia.

Sobre a razão de ser e distinção dos dois fundamentos autónomos de resolução, veja-se PINTO FURTADO ( Manual do Arrendamento Urbano, pág.686 e segs.), para quem na primeira, estão compreendidas as hipóteses em que o arrendatário não tem qualquer espécie de residência na casa, não lhe dá a menor utilização, trazendo-a completamente desocupada, numa situação homóloga à do encerramento do prédio, referido na alínea h) do nº1 do art.64.

Porém, o que está aqui em causa é a questão de saber se os factos provados consubstanciam a falta de residência permanente do Réu, que legitime a resolução do contrato.

O conceito de “ residência permanente “ tem sido objecto de larga elaboração jurisprudencial e doutrinária, sendo entendido como o local da residência habitual, estável e duradoura da pessoa, onde está instalada e organizada a sua economia doméstica, de forma a traduzir uma exigência de permanência no locado, por parte do inquilino, mas em grau adequado aos seus hábitos de vida, no contexto das peculiares circunstâncias concretas, designadamente, no que concerne às exigências da sua vida profissional.

O arrendatário não deixa, contudo, de beneficiar da legislação proteccionista da habitação, no caso de ter duas residências permanentes alternadas, em diferentes localidades, em contraposição a residências hierarquizadas, desde que, em função do caso concreto, se revele que ambas servem paritariamente para a instalação da vida doméstica, com carácter estável, habitual e duradouro ( cf., por ex., ARAGÃO SEIA, Arrendamento Urbano, 4ª ed., pág.360, PEREIRA COELHO, Direito Civil, 1980, pág.228, ALMEIDA COSTA e HENRIQUE MESQUITA, Parecer de 1982, CJ. Ano IX, tomo I, pág.17 e segs., Ac STJ de 5/3/85, BMJ 345, pág.372, e de 11/10/2001, C.J. ano IX, tomo III, pág.69 ).

Ao aprofundar esta temática, ANTUNES VARELA, em anotação ao Ac do STJ de 5/3/85 na RLJ ano 123, pág.160 e segs., ainda no âmbito do art.1093 do CC, refere que, apesar de não existir uma linha uniforme de orientação na definição do pensamento legislativo sobre a matéria, ressaltam as seguintes ideias básicas:

1ª) – “ A residência permanente, como residência efectiva que é, não se compadece com a residência conjectural, com a simples expectativa de retorno à antiga residência (…)”.

2ª) – “ Não deve confundir-se a residência permanente, de que fala o artigo 1093 do Código Civil, com a pura residência ocasional, esporádica, acidental, ou com a residência para fins manifestamente secundários ou acessórios, que, apesar da relativa estabilidade ou regularidade, não afectem a continuação da residência permanente noutro local (…)”.

3ª) – Há que ter em conta os aspectos pessoais, individuais, da situação do arrendatário, com relevância para a situação das residências alternadas e das residências para fins secundários, ao lado da residência permanente, admitindo, assim, a possibilidade de duas residências permanentes, em locais distintos.

Assim, as residências alternadas pressupõem que em relação a cada uma delas se verifique o condicionalismo previsto para o conceito de residência permanente: estabilidade, habitualidade, continuidade e efectividade de estabelecimento em determinados locais do centro da vida familiar.

Ou seja, as residências alternadas requerem " habitualidade ou relativa permanência ", pois como escreve ANTUNES VARELA, a dado passo:

“ Essencial para que possa falar-se em residências alternadas, de acordo com o espírito da lei, é que a pessoa tenha nos vários lugares verdadeira habitação, casa montada ou instalada (e não simples quarto de pernoita ou gabinete de trabalho) e que a situação seja estável, goze de relativa permanência, e não haja simples morada ocasional, variável de ano para ano, ou de mês para mês “ ( loc.cit., pág.159 ).

No mesmo sentido defende GALVÃO TELLES ( parecer na CJ XIV, tomo II, pág. 33 ) que as residências alternadas supõem “ que cada uma delas permanece ou habitual - centro doméstico, onde habita estavelmente, embora não exclusivamente. O indivíduo possui mais de uma morada duradoura, por exemplo uma em certa cidade do norte e outra em certa cidade do sul, porque reparte por essas cidades a sua actividade (…), meras utilizações esporádicas de um local arrendado para habitação permanente não obstam ao despejo (…). As ocupações ocasionais ou transitórias fogem ao esquema fortemente proteccionista do arrendamento urbano.".

Considerando os princípios expostos e os elementos de facto disponíveis, não se verifica a relação de habitualidade e de relativa permanência com o local arrendado, porquanto, há mais de um ano que o Réu deixou de tomar as suas refeições, dormir e receber amigos no arrendado, que serve apenas de morada ocasional para quando vem de férias.

A circunstância de ter deixado no local a mobília e outros objectos, e de ter encarregue familiares para limparem e arejarem a casa durante a sua ausência, e de nela receber a correspondência, não significa que o prédio tenha sido habitado com carácter de permanência, ainda que relativa, mas apenas que pretende manter o locado de molde a nele residir quando regressar, visto que tem a intenção de o fazer, bem como nas férias ( cf., em situação similar, o Ac RP de 7/2/2002, in www dgsi.pt/jtrl ).

Note-se que neste aresto se rejeitou a requerida inconstitucionalidade do art.64 nº1 alínea i), no sentido da sua inaplicabilidade ao emigrante, por violação dos arts.44 nº2 e 65 da CRP, o que veio a ser confirmado pelo acórdão do TC nº212/2003, de 28/4/2003 (in www dgsi ), na esteira da jurisprudência do mesmo Tribunal ( acórdãos nº86/99, DR II de 1/7/1999, e nº570/2001, DR II, de 4/2/2002 ).

Neste contexto, e tal como se concluiu na sentença recorrida, com consistente retórica argumentativa, o Réu não tem no arrendado a sua residência permanente.

No entanto, daqui não segue que assista, desde logo, aos Autores o direito de resolução do contrato, face à causa de exclusão contida no art.64 nº2 alínea b) do RAU, sobre a qual a sentença recorrida se não pronunciou, apesar de expressamente excepcionada na contestação ( arts.47 a 52 ).

Nos termos do art.64 nº2 alínea b) do RAU, se o arrendatário se ausentar por tempo não superior a dois anos, em cumprimento de serviço particular por conta de outrem, não se aplica o disposto na alínea i) do número anterior.

O legislador pretendeu, desta forma, tutelar a situação laboral do arrendatário e o seu direito ao trabalho, bem como a livre opção por determinada actividade ( arts.47 nº1 e 58 nº1 da CRP ), mas também o direito de propriedade do senhorio ( art.62 nº1 da CRP ), e daí a imposição do limite temporário.

Comprovando-se que em data não concretamente apurada de 2000, o Réu foi contratado para ir trabalhar para o Luxemburgo, por conta de outrem, não tencionando aí fixar-se definitivamente, é manifesto que a ausência, por motivos laborais, não excedera os dois anos, à data da instauração da acção ( 29/3/2001 ).

Em resumo, improcede a apelação dos Autores, procedendo a do Réu, o que implica a revogação da sentença, na parte em que declarou resolvido o contrato de arrendamento.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decidem:


1)

Rectificar, nos termos do disposto no art.667 do CPC, o nº 21º) do elenco dos factos provados descritos na sentença recorrida, ficando a constar - “ Em data não concretamente apurada de 2000, o Réu foi contratado para ir trabalhar para o Luxemburgo, por conta de outrem “.


2)

Julgar improcedente a apelação dos Autores e procedente a apelação dos Réus, e consequentemente:

2.1.) – Revogar a sentença recorrida, na parte em que declarou resolvido o contrato de arrendamento identificado nos autos, referente ao rés-do-chão e primeiro andar do prédio urbano, sito em Eiras, da mesmas freguesia, inscrito na matriz cadastral urbana da referida freguesia sob o nº 143 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o nº 12.269, condenando-se o Réu a entregá-lo de imediato aos Autores, livre e devoluto de pessoas e bens.

2.2.) – Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.


3)

Condenar os Autores nas custas, em ambas as instâncias.


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COIMBRA, 27 de Janeiro de 2004 ( processado por computador e revisto ).