Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1914/07.2PCCBR.C1.
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: CONHECIMENTO SUPERVENIENTE DE INFRACÇÕES
PENA UNITÁRIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 02/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – 4.º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTIGO 71.º; 72.º; 77.º E 78.º DO C.P.; 374º, Nº2 E 379º, Nº1, AL. A) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. - Na medida da pena unitária são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Como ensina Figueiredo Dias, nesse esforço de determinação «Tudo deve passar-se... como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária – do agente relevará, entretanto, a questão se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)»
II. - A decisão cumulatória constitui não só um novo julgamento, como corresponde ao momento em que o legislador pretende ver reunido o conjunto de elementos caracterizadores mais completo possível do arguido e dos «pedaços de vida» que integram as condenações sofridas pelo mesmo.
III. – Não fornecendo a decisão a decisão recorrida outros elementos, para além das condenações e situação prisional do arguido, omitindo todo o acervo de circunstâncias capaz de determinar as condições pessoais do agente (artº 71º, nº2 al. d) do CP), bem como os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes (artº 72º, nº1, al. c) do CP), permitindo entre eles estabelecer conexões, desconhecimento que assume ainda maior intensidade na perspectiva da aplicação de pena privativa da liberdade, deverá ser declarada a sua nulidade por decorrência lógica desse espaço vazio e por as considerações formuladas sobre a «personalidade» se reduzirem à indicação de reiteração criminosa, num jogo circular que não permite retratar minimamente o arguido.
Decisão Texto Integral: Relatório

Por sentença cumulatória proferida em 31/10/2008 nos presentes autos com o NUIPC 1914/07.2PCCBR do 4º Juízo Criminal de Coimbra, foi o arguido … condenado na pena unitária de 35 (trinta e cinco) meses de prisão.
Inconformado com essa condenação, veio o arguido interpor recurso, extraindo das motivações a seguinte síntese conclusiva:

1ª- Em 15/11/2007, o arguido foi condenado numa pena de 9 meses de prisão, substituída por 270h de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

2ª- Em 18/01/2008, o arguido foi condenado por sentença transitada em julgado, em 9 meses de prisão, substituída por 270h de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

3ª- Em 06/03/2008, o arguido foi condenado numa pena de 13 meses de prisão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal.

4ª- O arguido foi, ainda, condenado por sentença datada de 16/05/2008, proferida nos presentes autos, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 19 meses de prisão, suspensa na sua execução, com a condição de o arguido se sujeitar a regime de prova.

5ª- Os referidos crimes foram praticados sem que houvesse trânsito em julgado da decisão de qualquer um deles, assim, foi o arguido condenado em sentença de cúmulo jurídico, na pena única de trinta e cinco meses (35) meses de prisão efectiva.

6ª- Os factos ocorridos por conta das referidas condenações, revestem uma natureza excepcional, pois o arguido encontrava-se numa situação de dependência toxicológica, não tendo consciência dos actos que praticava.

7ª- O arguido submeteu-se voluntariamente a internamento no Hospital Sobral Cid para desintoxicação.

8ª- No caso em apreço, o recorrente é um jovem, que aquando a sua detenção para cumprimento de pena, em Agosto de 2008, se encontrava a trabalhar, por conta de outrem, numa empresa de construção civil, denominada X…, Lda.

9ª- Desde a prática dos factos em causa nos presentes autos, há cerca de um ano, o arguido não praticou qualquer outro crime, de modo que se pode concluir que as anteriores sanções que lhe foram aplicadas mostraram-se adequadas e suficientes às finalidades pretendidas de prevenção.

10ª- Dado que ao ser condenado em pena de prisão, tal traduz-se num estigma demasiado "pesado" para um jovem com a idade do arguido, que ao pretender obter uma saída profissional certamente verá as suas expectativas goradas, atento constar no seu registo criminal a condenação em pena de prisão.

11ª- A moldura penal do cúmulo jurídico mediava entre 19 e 50 meses de prisão.

12ª- A Meritíssima Juiz "a quo" optou por condenar o arguido numa pena pesadíssima de 35 meses de prisão.

13ª- Fundamentou a sua decisão no facto das elevadas exigências de prevenção geral. Ora, parece-nos que neste caso em concreto será mais relevante a prevenção especial. Ora, o facto de o arguido ficar privado da sua liberdade durante 35 meses não é benéfico para a sua vida pessoal e social.

14ª- Ficou provado na audiência de julgamento que o arguido, antes de ser detido, se encontrava a trabalhar, pretendendo assim, reabilitar a sua vida e a dos seus familiares.

15ª- O arguido tem 3 menores a seu cargo, sendo que o facto de ser detido por um longo período de tempo será prejudicial para a vida dos menores.

16ª- Este tipo de crime encontra-se inserido nos chamados delitos de pequena gravidade, pelo que uma pena de prisão excessiva não terá um efeito ressocializador, pelo contrário, terá um efeito prejudicial para a vida pessoal e social do arguido.

17ª- Pelo exposto entendemos que a pena aplicada ao arguido ultrapassou a medida da culpa, violando, assim, o n° 2 do artigo 40° do C. Penal.

Termos em que o presente recurso deve ser considerado procedente, revogando-se a douta sentença do Tribunal "a quo" e substituída por outra que condene o arguido numa pena próxima do mínimo da moldura do cúmulo no caso concreto, traduzida numa pena de prisão de 19 meses suspensa na sua execução...
Respondeu o Ministério Público junto da 1ª instância, dizendo, em conclusão:

A douta sentença recorrida fez uma correcta apreciação da matéria de facto, sua subsunção jurídica e aplicação do direito.

A medida da pena aplicada foi justa e equilibrada, tanto no que concerne ao número de meses de prisão, como à não suspensão da execução da pena;

Termos em que deverá, por conseguinte, negar-se provimento ao recurso.
Neste Tribunal, a Srª Procuradora-Geral Ajunta emitiu douto parecer, considerando acertada a pena fixada e o afastamento da suspensão de execução da pena.
Notificado o arguido nos termos e para os efeitos do artº 417º, nº2, do CPP, nada disse.
Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.
Fundamentação
Âmbito do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência[i] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii].
As questões colocadas pelo recorrente, com expressão nas conclusões, prendem-se com o acerto da medida da pena e do afastamento da suspensão de execução da pena. Como veremos, coloca-se previamente a verificação de nulidade da sentença, nos termos dos artsº 379º, nº1, al. a) e 374º, nº2, do do CPP.
Apreciação
Da decisão recorrida (quanto aos factos)
A primeira aproximação às questões elencadas passa pela verificação dos termos da decisão recorrida, mormente dos seus fundamentos de facto. Os factos dados como provados na decisão recorrida foram os seguintes:
 Por sentença proferida nos presentes autos, datada de 16 de Maio de 2008, transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, pp. no artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98, de 03.01, na pena de 19 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo prazo de 19 meses, com a condição de o arguido se sujeitar a regime de prova, por factos ocorridos em 28.02.2007.
Por sentença datada de 18.01.2008, transitada em julgado em 19.02.2008, proferida no processo comum singular n.º 67/07.0GTCBR, do 3º juízo criminal de Coimbra, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão, substituída por 270 horas de trabalho a favor da comunidade, por factos ocorridos em 12 de Janeiro de 2007.
Foi condenado no processo comum singular n.º 3061/06.5PCCBR, do 1º juízo criminal de Coimbra, por sentença datada de 06.03.2008, transitada em julgado em 04.04.2008, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 13 meses de prisão, por factos ocorridos em 04 de Outubro de 2006.
Foi condenado no processo comum singular n.º 141/07.3PTCBR, do 2º juízo criminal de Coimbra, por sentença datada de 15.11.2007, transitada em julgado em 26.12.2007, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão, substituída por 270 horas de trabalho a favor da comunidade, por factos ocorridos em 07.11.2007.
Além das condenações acima referidas, o arguido tinha sido condenado:

- Em 06.11.2000, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 15 meses de prisão, suspensa pelo período de 3 anos, com acompanhamento do I.R.S., por factos ocorridos em 16.12.1999;

- Em 23.01.2003, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de condução sem habilitação legal, na pena de sete meses de prisão substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade, por factos ocorridos em 22.01.2003;

- Em 13.03.2003, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de desobediência, na pena de 230 dias de multa, à taxa diária de €4, por factos ocorridos em 05.03.2003;

- Em 02.02.2006, pela prática de novo crime de condução sem habilitação legal, na pena de 80 dias de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de € 3,50, por factos ocorridos em 02.02.2006;

- Em 02.03.2006, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 4 anos.
O arguido encontra-se preso em cumprimento de pena.
Da decisão recorrida (quanto à fundamentação da medida da pena)
A partir desse acervo de factos, a sentença justificou assim a fixação da pena unitária:
III. Verificando que o arguido praticou os crimes referidos em 1 a 4 antes de transitar em julgado a decisão por qualquer deles, há que proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares apontadas, nos termos do artigo 77º, n.º 1 do Código Penal, de forma a aplicar uma pena única.
A pena aplicável tem como limite máximo a pena das somas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.º 2 do artigo 77º do Código Penal).
A moldura penal no que se refere às penas de prisão oscila, então, entre 19 meses a 50 meses.
Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do mesmo artigo).
Quanto à personalidade do arguido haverá de se considerar, que, conforme ressalta dos seus antecedentes criminais, adopta comportamentos ilícitos sucessivos, demonstrando um afastamento e conduta não compatível com o direito. As penas de prisão aplicadas não o impediram de voltar a praticar os mesmos crimes, o que revela uma personalidade desviante.
Os factos praticados nestes processos são de média gravidade, impondo, no entanto, repor a confiança nas normas violadas.
Tudo ponderado, o tribunal decide em fixar ao arguido a pena única de 35 meses de prisão.
Face às elevadas exigências de prevenção geral e especial, só a pena de prisão efectiva realiza de forma adequada as finalidade da punição. Com efeito, temos de atender ao elevado número de crimes de condução sem habilitação legal praticados um pouco por todo país, importando, consequentemente, e como já se disse, repor a confiança na norma violada. Por outro lado, as condenações já sofridas pelo arguido demonstram que nenhuma outra pena aplicada foi eficaz, pois o arguido voltou a praticar crimes.
Da nulidade da sentença, por falta de fundamentação
Entremos agora no conhecimento do objecto do presente recurso, incidente sobre decisão cumulatória que impôs ao arguido a pena unitária de 2 anos e 11 meses de prisão[iii], conhecendo do concurso dos seguintes crimes e penas, ordenados por ordem cronológica da prática dos factos:
Por factos de 04/10/2006, condenação[iv] pelo crime de condução sem habilitação legal na pena de 1 ano e 1 mês de prisão, imposta no processo nº 3061/06.5PCCBR do 1º Juízo Criminal de Coimbra, pena que actualmente cumpre[v];
Por factos de 07/11/2007, condenação[vi] pelo crime de condução sem habilitação legal na pena de 9 meses de prisão, imposta no processo nº 141/07.3PTCBR do 2º Juízo Criminal de Coimbra;
Por factos de 12/01/2007, condenação[vii] pelo crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão, imposta no processo nº 67/07.0GTCBR do 3º Juízo Criminal de Coimbra;
Por factos de 28/02/2007, condenação[viii] pelo crime de condenação sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão, imposta nos presentes autos.
Assim, de acordo com o disposto no artº 77º, nº2, do CP, a moldura do concurso conhecido na decisão recorrida encontra-se entre o mínimo de 1 ano e 7 meses – a pena parcelar mais elevada [[ix]] - e a soma das penas impostas, o que perfaz 4 anos e 2 meses de prisão.
Na medida da pena unitária são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Como ensina Figueiredo Dias, nesse esforço de determinação «Tudo deve passar-se ... como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária – do agente relevará, entretanto, a questão se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» [[x]].
O arguido insurge-se contra a pena fixada, que considera «pesadíssima» e salienta a sua idade, a circunstância de trabalhar antes de preso, tendo três menores a seu cargo, bem como a prática das condutas numa situação de consumo aditivo de estupefacientes, dependência que procurou ultrapassar com a voluntária submissão a internamento no Hospital Sobral Cid e aí desenvolver processo de desintoxicação.
A esta argumentação contrapõe a Srª Procuradora-Geral Adjunta que tais factos não constam da sentença recorrida e, de facto, assim acontece.
Percorrendo a decisão não se encontram tais factos, nem quaisquer outros relativos às condições em que o arguido cometeu os crimes, permitindo interligá-los ao ponto de afirmar tendência criminal ou, ao invés, estabelecer simples pluriocasionalidade, sem reflexos na sua personalidade.
Mais, não se encontra qualquer facto relativo às suas condições de vida, seja no plano familiar, seja no plano profissional, seja relativamente a comportamentos aditivos contemporâneos dos factos e posterior evolução.
Também não se cuidou de indicar quais os efeitos da reclusão na sua postura perante a censura criminal, ficando sem se saber se suporta a privação da liberdade com indiferença ou logrou interiorizou o desvalor da conduta e adquirir novas valências. Para tanto, o relatório social configura-se como instrumento de análise particularmente relevante, especialmente quando se perspectiva a imposição de pena privativa da liberdade[xi].
A circunstância da estamos perante sentença circunscrita ao concurso de penas em nada altera a necessidade de apuramento e ponderação de tais elementos.
Como referimos noutros autos: «a decisão cumulatória constitui não só um novo julgamento, como corresponde ao momento em que o legislador pretende ver reunido o conjunto de elementos caracterizadores mais completo possível do arguido e dos «pedaços de vida» que integram as condenações sofridas pelo mesmo. Afinal, será essa a pena final, o «fim da linha» e, na maior parte das vezes, a decisão aguardada com maior ansiedade pelo arguido. Por isso mesmo escolheu o legislador conferir competência territorial ao tribunal da última condenação (artº 471º, nº2, do CPP), na medida em que constitui o último elo na cadeia das condenações e aquele que dispõe dos elementos mais completos e actualizados, seja quanto aos factos, seja quanto ao percurso de vida do arguido» [[xii]].
É que, como se refere em acórdão do STJ de 04-06-2008: «No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente. A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (cf. Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, ed. da FDUC, 2005, pág. 1324); o cúmulo retrata, pois, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido e a atitude do próprio agente em termos de condenação pela prática do crime, tendo em vista não prejudicar o arguido por esse desconhecimento ao estabelecer limites à duração das penas a fixar» [[xiii]].
Perante isto, a decisão recorrida nada mais dá como provado para além das condenações e situação prisional do arguido, omitindo todo o acervo de circunstâncias capaz de determinar as condições pessoais do agente (artº 71º, nº2 al. d) do CP), bem como os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes (artº 72º, nº1, al. c) do CP), permitindo entre eles estabelecer conexões, desconhecimento que assume ainda maior intensidade na perspectiva da aplicação de pena privativa da liberdade. E, por decorrência lógica desse espaço vazio, as considerações formuladas sobre a «personalidade» reduzem-se à indicação de reiteração criminosa, num jogo circular que não permite retratar minimamente o arguido.
Em síntese, sendo, por imperativo do artº 77º, nº1, do CP, a ponderação da personalidade projectada nos factos ou revelada pelos factos elemento central da avaliação da pena unitária, a decisão que não procede a fundamentação específica sobre esse referente normativo, limitando-se a enunciar a letra do preceito e as condenações sofridas, como aqui acontece, não obedece ao comando do artº 374º, nº2, do Código de Processo Penal [[xiv]], e padece da nulidade consignada no artº 379º, nº1, al. a) do Código de Processo Penal [[xv]].
Esta tem sido a orientação uniforme do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão [[xvi]].
Afirmada a nulidade da decisão recorrida, fica prejudicado o conhecimento das questões colocadas pelo recorrente (artº 660º, nº2 do C.P.C).
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Nos termos dos artºs 379º, nº1, al. a) e 374º, nº2, do CPP, declarar nula a sentença recorrida e determinar a sua substituição por outra que proceda a fundamentação específica sobre a ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, solicitando previamente para o efeito relatório social, sem prejuízo de outra prova que se entenda dever ter lugar, e não conhecer do demais objecto do recurso;


[i] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., entre outros, os artºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] Observa-se que, sendo as penas de prisão contadas de acordo com o disposto no artº 479º do CPP, ou seja, em anos, meses e dias, cumpre proceder da mesma forma no que concerne à fixação da pena na decisão condenatória, sendo essa igualmente a técnica legislativa seguida na fixação da moldura penal.
[iv] Transitada em 04/04/2008 (fls. 158).
[v] Cfr. fls. 157 e liquidação de fls. 165, em que se consigna que iniciou a reclusão em 19/08/2008.
[vi] Transitada em julgado em 26/12/2007 (fls. 172).
[vii] Transitada em julgado em 19/02/2008 (fls. 120).
[viii] Transitada em julgado em 16/06/2008.
[ix] Sem esquecer, como se aponta no Ac. do STJ de 14/01/2009, Pº 08P3856, relatado pelo Cons. Simas Santos, www.dgsi.pt que «numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes».
[x] In Direito Penal Português – As consequências do Crime, Aequitas, 1993, págs. 291 e 292.
[xi] Têm aqui aplicação as mesmas razões ponderadas no ac. do STJ de 18/12/2008, Pº 08P2816, relator Cons. Simas Santos, www.dgsi.pt.
[xii] Ac. de 22-10-2008, proferido no Pº 1047/02.8GBAGD-A.C1, www.dgsi.pt.
[xiii] Ac. do STJ de 04/06/2008, Pº 08P1315, rel Santos Monteiro
[xiv] Artº 374º - Requisitos da sentença
1. (...)
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
(...)
[xv] Artº 379º - Nulidades da sentença
1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº2 e na al. b) do nº3 do artº 374º;
(...)
[xvi] De que são exemplo, tomando apenas a jurisprudência mais recente, os Acs. do STJ de 10/12/2008, Pº 08P3851, rel. Cons. Pires da Graça; de 12/11/2008, Pº 08P3059, rel Cons. Pires da Graça; de 22710/2008, Pº 08P2815, rel. Cons. Oliveira Mendes; de 22/10/2008, Pº08P2842, rel Cons. Henriques Gaspar; e de 04/06/2008, Pº05P2247, rel. Cons. Soreto de Barros, bem como aquele referido na nota precedente, todos em www.dgsi.pt.