Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3038/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALEXANDRINA FERREIRA
Descritores: EMBARGO DE OBRA NOVA
AUTARQUIA
Data do Acordão: 11/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 412.º E 414.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário: O afastamento da aplicação dos artigos 412.º, 413.º, 418.º, 419.º e 420.º do Código de Processo Civil só se verifica nas situações em que o conflito que o tribunal é chamado a derimir decorre de uma relação jurídico-administrativa.
Decisão Texto Integral: A... veio interpor recurso da decisão que indeferiu o pedido de ratificação de embargo de obra nova, deduzido contra B....
Na decisão agravada, considerou-se a seguinte matéria de facto:
1. O pedido de ratificação de embargo incide obras que estavam ou estão a ser feitas por conta, no interesse e segundo ordens da autarquia.
2. Com a ratificação do embargo, o requerente propõe-se obter a suspensão da referida obra.
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Apoiando-se naqueles dados de facto e considerando o disposto no art.º 414º do CPC, a decisão recorrida entendeu que «estavam em causa obras realizadas pela autarquia, a mando dos respectivos órgãos» o procedimento requerido «não reúne condições de procedibilidade, porquanto a tutela jurisdicional conferida pelos artigos 412º e ss. do CPC não é própria para embargar obras públicas, sejam do Estado, sejam das demais pessoas de direito público.
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A agravante apresentou as seguintes conclusões de recurso:
1. O procedimento cautelar requerido pela agravante está previsto no art.º 412º do CPC.
2. A excepção a que se refere o art.º 414º do CPC refere-se exclusivamente a situações em que se discutem questões jurídico administrativas reguladas pelo processo administrativo contencioso, como resulta da redacção da própria disposição legal.
3. O que não sucede claramente no caso em apreço em que se discutem questões de direito privado.
4. Pois que a recorrente não pretende pôr em causa a legalidade de qualquer acto ou decisão da Câmara, como acto definitivo e executório.
5. Mas tão simplesmente a actuação da Câmara como acto de direito privado: a invasão e edificação em prédio alheio.
6. A decisão sob recurso, violou pela sua errada aplicação, o disposto nos artigos 412º e 414º do CPC.
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Prescreve o art.º 414º do CPC que não podem ser embargadas nos termos da subsecção que trata do embargo de obra nova «as obras do Estado, das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos quando, por o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos direitos ou interesses lesados se deva efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso».
Como decorre do preceito, o afastamento da aplicação dos artigos 412º, 413º, 418º, 419º e 420º, integrantes da subsecção a que o próprio preceito faz referência, só se verifica nas situações em que o conflito que o tribunal é chamado a dirimir, decorre de uma relação jurídico-administrativa.
Ora, da circunstância de as obras estarem a ser feitas por conta, no interesse e segundo ordens da autarquia, não se retira, desde logo, que exista uma relação jurídico-administrativa.
O critério de exclusão perfilhado pelo legislador no art.º 414º do CPC, assenta na existência de um litígio reportado a relações jurídicas de natureza administrativa, isto é, a vínculos que intercedem entre a administração e os particulares, emergentes do exercício da função administrativa, e não a toda a relação jurídica derivada da actuação autoritária de qualquer órgão do Estado ou demais pessoas de direito público.
Assiste, pois, razão à recorrente quando pugna pela revogação da decisão recorrida.
Assim, acordam os juizes da secção cível em conceder provimento ao agravo e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida.
Custas pela agravada.