Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
126/07.0TBPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
VALIDADE
EMPREITADA
PREÇO
MORA
DONO DA OBRA
Data do Acordão: 11/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº563º Nº1 DO CPC E ARTºS 358º Nº4 E 361º DO CC; ARTº 883º APLICÁVEL EX VI DO ARTº 1211 Nº1 DO CC, ARTº 1211º Nº2 DO CC E ARTº 805º Nº1 DO CPC
Sumário: I –É criticável, porque complexizante e retardatária, a exigência legal – artº563º nº1 do CPC – da redução a escrito (assentada) do depoimento de parte na sua vertente confessória, já que este é gravado o que é suficiente para os fitos essenciais da assentada: impor a vinculação do confessante e sindicar o seu teor pelo tribunal ad quem.

II- Não obstante, mesmo que tal assentada não se verifique, não queda nulo ou ineficaz o depoimento, sempre ele podendo ser livremente apreciado - artºs 358º nº4 e 361º do CC.

III - Num contrato de empreitada, tendo-se dado como provado que: «…a execução da obra…importou em quantia que, em concreto, não foi possível apurar, mas não inferior a 15.000 euros», nesta quantia deve condenar-se sem necessidade de se opinar sobre a sua adequação por recurso ao artº 883º aplicável ex vi do artº 1211 nº1 do CC, pois que inexiste qualquer indeterminação do preço.

IV- Porque a conclusão da obra não implica necessariamente a sua aceitação, não tendo o empreiteiro provado a data desta, a partir da qual o dono se constitui em mora – artº 1211º nº2 do CC – bem como a interpelação extrajudicial, o dies a quo da obrigação de juros é, não a dada da conclusão, mas a data da citação judicial para a acção – artº 805º nº1 do CPC.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

A...., intentou contra B..., ambos com os sinais dos autos, acção declarativa de condenação com processo especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, a qual, por despacho transitado, foi alterada para a forma de acção ordinária.

 Pediu:

 A condenação do réu no pagamento de 18.353,00€ e juros, à taxa de 10,58%, dos quais logo liquidou 547,94€.

Invocou:

Obra e serviços de carpintaria que só em parte foram pagos pelo réu.

 Contestou o réu.

 Reconhecendo que não pagou integralmente ao autor, mas declarando ser dele credor em montante superior a 9.000,00€, advinda esta quantia de defeitos numa outra prestação que o mesmo autor lhe havia executado, e por virtude dos quais o aqui réu não recebeu o montante devido pelos donos da obra. Quantitativo este – de nove mil euros – que pediu a título de compensação e em reconvenção, sendo que, em despacho saneador, foi o pedido reconvencional indeferido, por inadmissível.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:

Julgou a acção parcialmente provada e procedente, e condenou o réu, no pagamento ao autor da quantia de dez mil e duzentos euros, acrescida de juros, à taxa legal para operações comerciais, desde 1 de Setembro de 2006 e até integral pagamento.

3.

Inconformado apelou o réu.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

6.1)- o recorrente considera incorrectamente julgados os pontos da matéria de facto que se plasmaram nas respostas dadas aos quesitos 2º, 5º e 6º da Base Instrutória;

6.2)- na verdade, e tal como resulta da resposta à base instrutória constante de fls. dos autos (após a referência 250281), a resposta aqueles quesitos “corresponde ao que o próprio réu aceitou como inicialmente orçamentado pelo autor (…)”; ou seja, de acordo com a justificação dada pelo Julgador, a resposta a tais quesitos resultou do depoimento de parte prestado pelo réu na audiência de julgamento;

6.3)- no caso dos autos não houve lugar a “assentada”, ou seja, não houve lugar a redução a escrito do depoimento de parte prestado pelo réu, o que significa (pelo menos assim foi entendido pelo mandatário do réu) que não ocorreu confissão por banda do réu;

6.4)- daí que, salvo o devido respeito e melhor opinião, não podia o Julgador dar a resposta (que deu) aos mencionados quesitos, devendo, em consequência, a mesma considerar-se como não escrita;

6.5)- quando é alegado (como aconteceu no caso vertente) que o preço da obra que foi executada foi acordado (estipulado pelas partes), e não é alegado esse mesmo preço (não se provando o mesmo, em consequência), fica indemonstrada a causa de pedir invocada, o que conduz à improcedência da acção -o que ora se anota para todos os devidos e legais efeitos;

6.6)- apercebendo-se (??) de tal circunstância procurou o Mº Juiz “a quo” ultrapassá-la lançando mão do disposto nos arts. 1211º, nº 1 e 883º, ambos do Cód. Civil;

6.7)- acontece, todavia, que o Tribunal apenas poderia lançar mão de tais normativos legais se as partes não tivessem acordado o preço -o que não aconteceu no caso em análise, conforme resulta inequivocamente da matéria alegada e dada como provada;

6.8)- e, ainda que lançasse mão de tal disposição legal, o Tribunal deveria ter cumprido o disposto no art. 1429º, CPC –o que também não fez, e, também daí, a falta de razão da sentença revidenda;

6.9)- provado que o valor em dívida era de valor inferior ao pedido, verifica-se a iliquidez da obrigação, não ficando o réu constituído em mora;

6.10)- ou seja, ainda que se aceitasse a correcção da sentença revidenda, o Autor só teria direito a juros de mora a partir do momento em que a obrigação se tornar líquida, ou seja, a partir do trânsito em julgado da decisão que definitivamente a fixar;

6.11)- a sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos arts. 264º, nº 1 e 2; 467º, nº 1, alínea d); 563º; e 1429º, CPC; arts. 804º; 805º, nº 3; 883º; 1207ª; e 1211º, nº 1, CCivil.

Contra-alegou o autor pugnando pela manutenção do decidido, nos seguintes termos.

1- A Sentença recorrida é absolutamente intocável.

2- Não foram violados quaisquer preceitos legais, nomeadamente os invocados pelo Autor no Seu recurso, bem tendo estado o “Tribunal a quo “ decidindo como decidiu, e assim dando como provado os quesitos 2º, 5ºe 6º da B.I.

3- A razão do Julgador ter dado como provado o quesito relativo ao valor foi a prova documental junta aos autos, o depoimento das testemunhas, tendo o depoimento prestado pelo Réu apenas corroborado toda a restante prova produzida.

4-Nenhuma razão assiste ao recorrente quando alega que por não ter havido lugar a redução a escrito do depoimento de parte prestado pelo Réu não ocorreu confissão por parte do réu, bastando ler com atenção devida o Douto Acordão para se concluir que as respostas aos quesitos em causa assentaram não na confissão mas antes na globalidade do depoimento prestado pelo réu que pode ser valorado pelo julgador de acordo com o princípio da livre apreciação da prova , tal resulta claro das disposições do nº 1 do art. 655º do C.P.C. e nº4 do art. 358º do C.Civil.

5- As figuras jurídicas do depoimento de parte e da confissão são distintas, sendo o depoimento de parte mais abrangente que a confissão, até porque o depoimento de parte enquanto meio de prova deve ser admitido mesmo em relação a factos que não sejam desfavoráveis ao depoente- o artigo 361º do C.Civil.

6- Ainda que não se entendesse, e que se considerasse ter havido confissão sem assentada, e acompanhando o douto Acordão do supremo Tribunal de Justiça de 02-10- 2003 em www.dgsi.pt , “A não redução a escrito, imposta no nº1 do artigo 563º do C.P.C. , da confissão obtida em depoimento de parte constitui nulidade, que tem de considerar-se sanada, caso não seja arguida nos termos e prazos gerais( artigo 205º nº1 do CPC).

7-Estando a parte presente, pessoalmente e representada pelo seu ilustre mandatário, deveria esta ser arguida, no momento em que foi cometidas arguida, não o tendo sido, deverá ser tida como sanada.

8- Ao contrário do que alega o recorrente, o Autor alegou ( artigo 3º da P.I.), o Meritíssimo Juiz quesitou ( quesito 2º da B.I.) e o Julgador deu como parcialmente provado o preço devido.

9- O Julgador não fez uso das disposições legais invocadas até porque não se aplicam.

10-Nenhuma razão assiste ao recorrente na questão dos juros não devidos até trânsito da sentença uma vez que e conforme consta e bem da fundamentação da douta decisão, em obediência aos artigos 804º nº1 e art. 806º nºs 1 e 2 do C.Civil a mora ocorre desde a data da conclusão da obra - Agosto de 2006, facto que se não provou tenha sido contestada ou recusada o que implica a procedência do pedido referente a juros desde essa data, mantendo-se também aqui a douta decisão recorrida.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Inadmissibilidade de recurso ao disposto no artº 883º aplicável ex vi do artº 1211º ambos do CC.

Dies a quo da obrigação de juros.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC.

Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração.

Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito.

 Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa  ou irracional.

Mas quer dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

5.1.2.

Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.

 Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Efectivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjectiva, do facto. – cfr. Acórdão desta Relação de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela.

Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.- Cfr. Figueiredo Dias, in Dto. Processual Penal I Pág. 205.

Nesta conformidade  - e como em qualquer actividade humana - existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto.

Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano.

O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objectiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

É que a verdade que se procura, não é, nem pode ser, uma verdade absoluta -porque assente em premissas de cariz matemático-, mas antes uma verdade político-jurídica, a qual é consecutida se a sentença  convencer os interessados directos: as partes – e, principalmente, a sociedade em geral, do seu bem fundado: isto é, a sentença valerá acima de tudo se for validada e aceite socialmente.

5.1.3.

Nesta perspectiva constitui jurisprudência uniforme que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal da Relação.

 É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo.

Assim, a função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos - Ac. do Trib. Constitucional de  3.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51º, pág. 206 e sgs e Ac. da Rel. de Lisboa de 16.02.05,  dgsi.pt. com realce e sublinhados nossos tal como nas citações infra

«Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» -Ac. da Relação de Coimbra de  18.08.04, dgsi.pt.

Neste contexto, em recurso compete apenas sindicar a decisão naquilo em que de modo mais flagrante se opuser à realidade, pois há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que se presume já que por virtude delas na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade -, mais importante do que a validade científica dos mesmos,  pois que o julgador pode não estar habilitado a avaliá-los nesta vertente –Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Na verdade: «considerando que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador de primeira instância, se encontra muito melhor habilitado a apreciar a prova produzida – maxime a testemunhal – só em situações extremas de ilogicidade, irrazoabilidade e meridiana desconformidade, perante as regras da experiência comum, dos factos dados como provados em face dos elementos probatórios que o recorrente apresente ao tribunal ad quem, pode este alterar, censurando, a decisão sobre a matéria de facto»cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 16.01.2007, dgsi.pt, p.5673/2007-1.

5.1.4.

In casu.

5.1.4.1.

O recorrente coloca em crise a decisão do Sr. Juiz no que tange ao valor dados como provados para a empreitada, a saber, 15.000 euros para os trabalhos inicialmente anuídos e 200 euros para trabalhos adicionais.

Para tanto expende que tal prova foi conseguida com recurso ao depoimento de parte do réu e que este não foi sujeito a assentada.

Efectivamente o Sr. Juiz deu como provada a factualidade ora sub sursis  unicamente com a explanação de que a mesma “corresponde ao que o próprio réu aceitou como inicialmente orçamentado pelo autor (…)”.

E é certo que nos termos do artº 563º nº1 do CPC, «O depoimento é sempre reduzido a escrito, mesmo que tenha sido gravado, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstancias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória».

Vejamos.

5.1.4.2.

Em primeiro lugar há que dizer que esta exigência legal merece crítica, pelo menos de jure constituendo.

Pois que não se alcança a sua necessidade e utilidade.

Parece que a assentada e a sua posterior leitura pelo depoente - nº3 – são uma salvaguarda para conferir maior solenidade à confissão e implicar uma maior vinculação  à mesma do confitente no futuro, o qual, assim, não pode negar aquilo que foi gravado, escrito e por ele lido e confirmado.

Mas, bem vistas as coisas, a simples gravação basta para se atingirem estes desideratos. Tanto mais que é suposto que a confissão seja produzida por pessoa no pleno gozo das suas capacidades, livre e voluntariamente e com responsabilidade. Aliás diz-nos a experiencia que a confissão de facto desfavorável apenas acontece quando a realidade desse facto é inquestionável.

Não se alcança, assim, que emirja qualquer menor segurança e eficácia duma declaração confessória não sujeita a assentada, por contraponto àquela que o seja.

Consequentemente, a assentada vislumbra-se como actuação quasi inútil, ou, no mínimo, prolixa e redundante que apenas serve para complexizar e atrasar a tramitação processual

Na verdade, sendo o depoimento gravado nos modernos meios técnicos para o efeito, tanto basta para que toda a (i)relevância e alcance probatório do depoimento  sejam – salvo nos casos em que a gravação é deficiente –perfeita e cabalmente verificados e sindicados, quer pelo julgador da 1ª instancia, quer pelo tribunal da Relação, tanto na parte não confessória, como na parte confessória.

É o que, aliás, se verifica no caso concreto.

Pois que ouvido por este tribunal ad quem o depoimento do réu, verifica-se que, efectivamente, dele emerge que o mesmo, confessa, adrede e inequivocamente, que os serviços da empreitada foram ajustados entre ele e o autor pela quantia de 15.000 euros; e, quanto ás prateleiras, que apesar de não se lembrar se combinaram a sua colocação  ou se elas foram pedidas pela dona da obra, admitiu tal serviço perante o autor após a sua colocação, bem como o seu custo – 200 euros – que aceitou como razoável.

Assim sendo não se alcança como e em que medida este claro e inequívoco depoimento pode ser desvalorizado pelo simples facto de não ter sido objecto de assentada.

Se assim fosse entendido, seria este um caso em que a justiça material sairia ferida de morte perante um exacerbado formalismo processual. Não pode ser.

5.1.4.3.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda e se considerasse que a omissão da assentada constituiria nulidade ou irregularidade com influência  no exame e na decisão da causa, sempre ela se consubstanciaria como uma nulidade sujeita às regras gerais do artº 201 e sgs. do CPC.

Ora  como bem expendeu o recorrido a presente arguição é extemporânea.

Na verdade tal nulidade  ou irregularidade – na versão do recorrente – foi praticada na leitura da decisão sobre a matéria de facto.

Ora constata-se que no final da audiência de discussão e julgamento os ilustres mandatários das partes declararam expressamente que não desejavam estar presentes na leitura das respostas à matéria de facto.

Logo, conformaram-se com tudo o que ali foi decidido, ou, no mínimo, tudo se passando como se em tal decisão estivessem presentes, vg. para o inicio da contagem do prazo de arguição da nulidade  e/ou para reclamarem contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua fundamentação – artº 654º nº4 do CPC.

5.1.4.4.

Finalmente e como, outrossim, curialmente, invoca o recorrido, sempre haveria, quer se considerasse, ou não, o depoimento do réu como confessório, que atentar:

- no disposto no artº 358º  nº4 do CC: «A confissão judicial que não seja escrita e a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em testamento são apreciadas livremente pelo tribunal».

- E no estatuído no artº 361º: «O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente».

Ora, repete-se, perante a clareza e a convicção do réu na admissão que o valor inicial da empreitada foi de 15.000 euros, e que posteriormente aceitou  pagar o valor de 200 euros para as prateleiras, obviamente que esta posição só poderia, lógica e consequentemente, ser  valorada – e à míngua de outros elementos probatórios que a contradizessem ou infirmassem – no âmbito do magno princípio da livre apreciação,  no sentido da prova de tais factos, até porque aquele valor se apresenta como um minus relativamente às alegações do autor que invocou ascenderem os serviços iniciais a 17.600 euros mais IVA.

5.1.4.5.

Perante este quadro probatório e atentos os ensinamentos e orientações doutrinais e jurisprudenciais supra expostos conclui-se que inexistem elementos que permitam a censurar a decisão sobre a matéria de facto.

Havendo que conceder que relativamente aos factos dados como provados e não provados, mesmo que exista alguma dúvida por parte do julgador de 1ª instância, ela se situa em grau razoável, ainda admissível perante alguma margem de aleatoriedade que inelutável e inexoravelmente sempre existirá no âmbito e no âmago das relações humanas ao que a função jurisdicional, na aplicação do direito, não está imune.

Não se podendo concluir, no tocante a tais factos que, perante a prova produzida e em face dos elementos probatórios invocados pela recorrente, que a decisão sobre a matéria de facto, se mostre irrazoável, porque meridianamente desconforme a tal prova e às regras da lógica e da experiência comum.

5.1.5.

Decorrentemente os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

O autor exerce a função de carpinteiro, executando trabalhos em madeiras nacionais e estrangeiras, portas prensadas, móveis por medida e outros.

No exercício da sua actividade, autor e réu acordaram, com base em orçamento apresentado pelo autor e aceite pelo réu, na execução de trabalhos de carpintaria. Os quais seriam efectuados em obra sita em Malta, Pinhel, propriedade de C...., a qual o réu, na sua actividade profissional de empreiteiro, se encontrava a construir.

Aquando do início da obra, e como princípio de pagamento, o réu entregou a autor a quantia de 5.000,00€.

A conclusão da referida obra ocorreu em Agosto de 2006.

O réu não procedeu ao pagamento integral da quantia acordada com o autor.

Em data anterior ao acordo celebrado pelas partes em relação a esta obra, o autor prestou ao réu outros trabalhos de carpintaria, numa obra sita em Pinhel, propriedade de D.....

Tais trabalhos respeitavam à execução de uma escadaria em madeira, aplicação de guarnições e rodapés, execução e montagem de roupeiros nos quartos, com materiais fornecidos pelo autor.

 Algumas das tábuas utilizadas nestes trabalhos tinham bicho, o que levou ao surgimento dos correspondentes buracos e serradura, tendo o dono da obra reclamado junto do réu, e este do autor, na sequência do que este se deslocou à obra.

 A reparação da escadaria, das guarnições, rodapés e roupeiros – caso não seja solicitada ao aqui autor, que se mostra disposto a fazê-lo – orçará em quantia que, em concreto, não foi possível apurar.

 A efectivação da pintura orçará em quantia que, em concreto, não foi possível apurar.

Para execução da obra em Malta, o autor adquiriu e aí fez chegar material diverso, procedendo de seguida aos serviços de carpintaria correspondentes.

A execução desta obra importou em quantia que, em concreto, não foi possível apurar, mas não inferior a 15.000,00€.

No decurso da execução da mesma obra, e na sequência de reivindicação, a esse respeito, pelo beneficiário dos trabalhos, o autor igualmente executou um móvel de cozinha, em valor que, em concreto, não foi possível apurar.

No decurso da execução da obra, e a pedido do beneficiário dos trabalhos, o autor executou e colocou três prateleiras em roupeiros, serviço ao qual, posteriormente, o réu deu a sua concordância, bem como ao preço correspondente, de 200,00€.

5.2.

Segunda questão.

Esta questão recursiva apenas emerge por força de dois equívocos, um do recorrente e outro do tribunal.

Aquele em sede de fundamentação factual, este em sede de subsunção dos factos ao direito.

Analisemos.

5.2.1.

Quanto ao recorrente.

Clama  ele que o autor alegou que o preço da obra foi acordado entre eles mas que o não invocou concretamente e que, assim, não se provou, ficando pois indemonstrada a causa de pedir invocada, o que conduz à improcedência da acção.

Nada mais errático e até incompreensível.

Como meridianamente se alcança do teor da petição, o autor invocou um concreto, preciso e conciso valor relativo aos serviços da empreitada,  a saber: 17.600 euros mais IVA.

Tal factualismo foi levado ao artº 2º da BI.

Sobre o mesmo foi emitida resposta em sede de decisão sobre a matéria de facto, tendo-se apurado que o preço da obra não foi inferior a 15.000 euros.

Resposta esta que, inclusive, foi contestada pelo réu e objecto de recurso, como se viu.

E após tudo isto vem agora o mesmo, outrossim em sede recursiva,  alegar que o autor não invocou o preço dos serviços? Francamente!

5.2.2.

No concernente ao tribunal.

Como se viu apurou-se que o custo da obra atingiu, mo mínimo, 15.000 euros.

Apurou-se, pois, um valor certo.

Inexistia, consequentemente, necessidade de recurso ao disposto no artº 883º, ex vi do artº 1211 do CC, pois que se provou que o preço foi determinado pelas partes e, como se referiu, apurou-se um valor certo, ainda que corresponda a um minus relativamente ao pretendido pelo autor.

A subsunção jurídica do Sr. Juiz a quo terá derivado do teor da resposta dada ao mencionado artº 2º da BI, da seguinte jaez:

 «provado apenas que a execução da obra…importou em quantia que, em concreto, não foi possível apurar, mas não inferior a 15.000 euros».

Temos, pois, uma resposta positiva muito concreta, posto que apenas parcial, porque o valor apurado é inferior ao pretendido pelo autor.

Mas quanto a esta matéria e em sede de fundamentação jurídica expendeu o julgador: «…na medida em que igualmente se provou que a execução da obra de Malta importou em quantia não inferior a 15.000,00€, e que, também com a concordância do réu, o autor igualmente executou e colocou três prateleiras, no valor aceite de 200,00€, deverá colher-se a consequência jurídica desse facto. De acordo com o disposto no artº 1211º nº 1 do código civil, e em conformidade com o estatuído pelo artº 883º, ambos do mesmo código, deverá ter-se como adequado e correcto o preço global de 15.200,00€, já que outro superior se não provou, e que esse valor foi aceite pelo réu.» (sublinhados nossos)

 Mas menos curial se apresenta este discurso argumentativo, vislumbrando-se ele, e salvo o devido respeito, algo contraditório ou inconsequente com os factos provados.

Na verdade se se provaram  determinados valores é aos mesmos, tout court e sem mais, que se deve atender. Tais valores, porque provados, valem por si, não sendo necessário formular ainda sobre os mesmos um juízo de adequabilidade.

Inexiste, pois, repete-se, necessidade e até está vedado, o recurso a normativos que apenas estatuem para situações em que os valores quedam indeterminados.

Destarte, a causa tem apenas de ser decidia em função dos normativos pertinentes relativos ao cumprimento dos contratos, quer os que estatuem em termos gerais – vg. artºs 406º, 762º e 763º  - quer os que dispõem para o contrato de empreitada  em particular – 1207º e sgs.

Mas sendo-o, é obvio que o resultado é necessariamente o mesmo do atingido pela 1ª instância: a condenação do réu pela diferença entre os valores apurados e o pagamento parcial de 5.000 euros já por ele efectivado.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

O devedor considera-se constituído em mora quando a prestação, por causa que lhe seja imputável, ainda possível, não foi efectuada no tempo devidoartº 804º nº2 do CC.

Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – artº 806º nº1.

No âmbito do contrato de empreitada «o tempo devido» para o pagamento do preço é, por via de regra, o acto de aceitação da obraartº 1211º nº2.

5.3.2.

In casu.

Liminarmente há que dizer que não tem qualquer fundamento e suporte legal a tese peregrina do recorrente quando defende que, pelo facto de o valor provado da dívida ser inferior ao pedido, se verificar iliquidez da obrigação.

Nem tal é defensável em tese geral, nem tal tem cabimento no caso vertente.

É que, naturalmente, a mora apenas incide sobre as quantias provadas, obviamente e por natureza, liquidas e definidas. Pois que apenas nestas existiu condenação.

Não obstante…

Apurou-se que a obra foi concluída em Agosto de 2006.

Mas não se apurou que o réu a tenha aceite naquela data.

Ora para o presente efeito de constituição em mora, a lei, como se viu, exige a aceitação, não bastando a conclusão.

Como facto constitutivo do seu direito a juros de mora, impendia sobre o autor provar a data da aceitação – artº 342º nº1.

Incumprindo tal ónus é aplicável a regra geral do artº 805º nº 1 da qual dimana que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

Não se tendo apurado interpelação extrajudicial, emerge a interpelação, rectius citação, judicial.

É pois a partir da data da citação do réu neste processo que assiste jus ao demandante aos juros de mora  legais à taxa definida na sentença.

6.

Sumariando:

I –É criticável, porque complexizante e retardatária, a exigência legal – artº563º nº1 do CPC – da redução a escrito (assentada) do depoimento de parte na sua vertente confessória, já que este é gravado o que é suficiente para os fitos essenciais da assentada: impor a vinculação do confessante e sindicar o seu teor pelo tribunal ad quem.

II- Não obstante, mesmo que tal assentada não se verifique, não queda nulo ou ineficaz o depoimento, sempre ele podendo ser livremente apreciado - artºs 358º nº4 e 361º do CC.

III - Num contrato de empreitada, tendo-se dado como provado que: «…a execução da obra…importou em quantia que, em concreto, não foi possível apurar, mas não inferior a 15.000 euros», nesta quantia deve condenar-se sem necessidade de se opinar sobre a sua adequação por recurso ao artº 883º aplicável ex vi do artº 1211 nº1 do CC, pois que inexiste qualquer indeterminação do preço.

IV- Porque a conclusão da obra não implica necessariamente a sua aceitação, não tendo o empreiteiro provado a data desta, a partir da qual o dono se constitui em mora – artº 1211º  nº2 do CC –  bem como a interpelação extrajudicial, o dies a quo da obrigação de juros é, não a dada da conclusão, mas  a data da citação  judicial para a acção – artº 805º nº1 do CPC.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso condenando agora o réu nos juros de mora legais a partir da data da citação.

No mais - e no essencial -  se confirmando a sentença.

Custas na proporção da presente sucumbência.