Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2866/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: SUSPEIÇÃO
Data do Acordão: 11/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÍLHAVO
Texto Integral: S
Meio Processual: PEDIDO DE ESCUSA
Decisão: INDEFERIDO
Legislação Nacional: ART.º 43º DO C. P. PENAL
Sumário: I- Entre o “motivo” e a “desconfiança” terá de existir uma situação relacional lógica que justifique o juízo de suspeição, de forma clara e nítida, baseado na seriedade e gravidade do motivo subjacente.
II- O facto do Juiz ter emitido a sua opinião sobre a situação não significa que esteja vinculado à mesma já que foi emitida apenas e tão só com base numa versão parcial do acontecido, numa “conversa informal” com uma outra magistrada judicial, sua estagiária e testemunha, sendo certo, por outro lado, que tal não constitui, obviamente, razão ou motivo para que se duvide da imparcialidade do juiz.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal desta Relação:

A Exmª Juiz do 2º Juízo da Comarca de Ílhavo formulou, nos termos do artº 45º do CPP, pedido de escusa de intervenção como Juiz no Processo Comum Singular nº 570/00, a correr termos naquele tribunal, em que é arguido A... acusado da prática de um crime de desobediência p. e p. no artº 348º, nº 1 al. a) do CP “ex vi” 158º, nº 3 do D.L. 114/94 3/5.

Estriba a Mª Juiz a sua pretensão no facto de, no processo em causa, ter sido arrolada como testemunha uma outra magistrada judicial, sua estagiária, com a qual haverá conversado sobre os factos objecto de julgamento no processo e em relação os quais terá ,até, emitido a sua opinião pessoal em termos jurídicos. Circunstancialismo que, no seu entender, poderia ser susceptível de gerar na comunidade a convicção de eventual parcialidade da julgadora na condução e decisão do processo.


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Nesta Relação o Exmo. Procurador –Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do indeferimento da pretensão de escusa.


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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir :

O Código de Processo Penal (CPP) regula( artºs 39º a 47º) a problemática atinente à capacidade subjectiva do juiz, tendo em vista, por um lado, a obtenção das máximas garantias de objectiva imparcialidade da jurisdição e, por outro lado, assegurar a confiança da comunidade relativamente à administração da justiça.

Trata-se, pois, de questão que tem a ver com a composição concreta do tribunal e não com a sua competência tout court.

Em todo o caso , convirá sublinhar que o que está em questão não é a capacidade genérica do julgador, mas a capacidade específica, consubstanciada na inexistência do motivo particular e especial que iniba o juiz de exercer a respectiva função num determinado caso. Visam-se circunstâncias específicas que poderão colidir com o comportamento isento e independente do julgador, ameaçando a sua imparcialidade e a confiança das partes ou do público em geral que aconselhem o afastamento e substituição do julgador naquele caso específico.

Tais circunstâncias tanto podem dar origem ao impedimento como á suspeição.

Enquanto aquela afecta sempre a imparcialidade ou independência do juiz, esta pode ou não afectar essa imparcialidade ou independência

Como corolário de tal diversidade decorre que no caso de impedimento ao julgador está sempre vedada a sua intervenção no processo (artºs 39º e 40º do CPP),enquanto no caso de suspeição ,tudo dependerá das razões e fundamentos que lhe subjazem(artº 43º, nº 1). Por isso ,no caso de impedimento deve o juiz declará-lo imediatamente no processo, sendo irrecorrível o respectivo despacho, sendo que no caso de suspeição poderá e deverá aquele requerer ao tribunal competente que o escuse de intervir no processo(arts 41º, nº 1 e 43º, nº 4).

Tal diversidade conduziu a que o legislador optasse ,também, por técnicas diferentes no que concerne à previsão dos impedimentos e das suspeições.

A lei optou, assim, por no primeiro caso enumerar taxativamente os casos de impedimento e no segundo por consagrar uma fórmula genérica, abrangente de todos os motivos que sejam adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz a intervenção do juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade (artº 43º , nº 1 do CPP)

A razão invocada só pode e deve , assim, ser fundamento do deferimento se se puder objectivamente ter-se como séria e grave. Não basta um puro convencimento subjectivo. E é necessário que exista uma relação lógica que justifique, clara e nitidamente, um juízo de parcialidade.

No caso vertente a questão que nos é colocada é de suspeição.

Como já ficou dito, a Mª Juiz fundamenta o seu pedido de escusa no facto de ter tido uma conversa informal sobre a situação em julgamento com a então sua estagiária que foi arrolada como testemunha de defesa.

De exposição feita a propósito do regime jurídico dos impedimentos, recusas e escusas decorre que o princípio norteador do instituto da suspeição é o de que a intervenção do juiz só corre o risco de ser considerada suspeita, caso ocorra motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

É notório que a seriedade e gravidade do motivo ou motivos causadores do sentimento sobre a imparcialidade do juiz, só são susceptíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objectivamente consideradas. Com efeito, não basta o mero convencimento subjectivo por parte do Ministério Público, arguido, assistente ou parte civil ou do próprio juiz, para que tenhamos por verificada a ocorrência de suspeição.

Por outro lado, como a própria lei impõe, não basta a constatação de qualquer motivo gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, sendo certo ser necessário que o motivo ou motivos ocorrentes sejam graves e sérios.

A lei não define nem caracteriza a gravidade e a seriedade dos motivos, pelo que será a partir do senso e da experiência comuns que tais circunstâncias deverão ser ajuizadas. Em todo o caso, certo é que o preceito do artº 43º, nº 1, não se contenta com um “qualquer motivo”, ao invés exige que o motivo seja duplamente qualificado ( - Cf. José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal, 201.).

Assim, entre o “motivo” e a “desconfiança” , terá de existir uma situação relacional lógica que justifique o juízo de suspeição, de forma clara e nítida, baseado na seriedade e gravidade do motivo subjacente.

Ora o facto da Mª Juiz ter emitido a sua opinião sobre a situação não significa que esteja vinculada à mesma já que foi emitida apenas e tão só com base numa versão parcial do acontecido, na tal “conversa informal” , sendo certo, por outro lado que tal não constitui, obviamente , razão ou motivo para que se duvida da imparcialidade do juiz.

Deste modo, não se vê ocorrer razão ou motivo para que se duvide da imparcialidade da Mª Juiz requerente, pelo que não existe qualquer risco de a sua intervenção ser considerada suspeita.

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Nestes termos se decide:
- Não conceder a requerida recusa.

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Sem tributação.

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Coimbra, 2005- 11 - 16