Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
173/11.7TAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL (INÍCIO DE CONTAGEM DO PRAZO)
Data do Acordão: 12/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 107º, N.º 2 E 105º, N.º 4, AL. A), DO R.G.I.T. (REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS)
Sumário: A circunstância de o crime - abuso de confiança contra a segurança social - ficar consumado no momento em que o agente devia proceder à entrega da prestação (último dia do prazo), mas não ser punível salvo depois de correrem 90 dias sobre o termo do prazo para a entrega, a natureza de condição objectiva de punibilidade de que se reveste este prazo (cfr. al. a), do n.º 4, do artigo 105º e n.º 2, do art.º 107º, do R.G.I.T.), aliado ao facto de estar por demonstrar que enquanto o mesmo não decorrer se encontra vedado o exercício da acção penal, a isto acrescendo que o contrário seria converter, à margem da lei, tal prazo numa causa de suspensão da prescrição, leva a que se perfilhe o entendimento de que tal prazo é irrelevante para o efeito de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, cujo início se verifica na data em que o crime se consumou.
Decisão Texto Integral: I. Relatório


1. No âmbito do processo comum colectivo nº 173/11.7TAMGR [ao qual, verificada a conexão, foi apenso o processo comum nº 164/06.0TAMGR] do 2º Juízo do Tribunal Judicial de ..., mediante acusação pública, foram submetidos a julgamento os arguidos AA... – ., Lda, BB..., CC..., DD... – ., Lda e EE....

2. Realizado o julgamento, por acórdão de 25.05.2012, do Tribunal do Circulo Judicial de Leiria, foi decidido:
A) Condenar a arguida AA... –Lda pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada p. e p. pelo artº 107º nºs 1 e 2 com referência ao artº 105º nºs 1 e 4 do RGIT na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de 5€ (cinco) euros.
B) Condenar a arguida DD... – . Lda pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada p. e p. pelo artº 107º nº 1 e 2 com referência ao artº 105º nº 1 e 4 do RGIT na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco) euros.
C) Condenar o arguido BB... pela prática em co-autoria de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada p. e p. pelo artº 107º nº 1 e 2 com referência ao artº 105º nºs 1 e 4 do RGIT e 30º nº 2 do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sob condição de pagamento, nesse prazo ao Estado da quantia de € 12.276,25 (doze mil duzentos e setenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos) e acréscimos legais.
D) Condenar o arguido CC... pela prática em co-autoria de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada p. e p. pelo artº 107º nº 1 e 2 com referência ao artº 105º nº 1 e 4 do RGIT e 30º nº 2 do Cód. Penal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (proc. 173/11.7TAMGR).
E) Condenar o arguido CC... pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada p. e p. pelo artº 107º nº 1 e 2 com referência ao artº 105º nºs 1 e 4 do RGIT e 30º nº 2 do Cód. Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão (proc. 164/06.0TAMGR).
F) Operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido CC... e condenar o arguido na pena única de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos sob a condição de pagamento, nesse prazo ao Estado da quantia de € 46.046,98 (quarenta e seis mil e quarenta e seis euros e noventa e oito cêntimos) e acréscimos legais.
G) Condenar a arguida EE... pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social na forma continuada p. e p. pelo artº 107º nºs 1 e 2 com referência ao artº 105º nº 1 e 4 do RGIT e 30º nº 2 do Cód. Penal na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de 5 (cinco) euros.

3. Inconformados com o assim decidido recorreram os arguidos CC... e EE..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

O recorrente CC...:

A) O arguido CC... foi apenas trabalhador da sociedade “AA..., Lda”, sendo director de produção, tal como resulta dos depoimentos das diversas testemunhas.
B) Como tal e por força de tais funções, era quem dirigia diariamente os trabalhos.
C) Mas é assumido pelo gerente de direito, o co-arguido BB...., que a gestão era apenas exercida por si.
D) Deve, pois, ser alterada a matéria de facto dada como provada, nomeadamente a constante do ponto 2 desse item, no sentido de que o recorrente não foi gerente de facto da sociedade AA..., Lda.
E) Consequentemente, deve o arguido ser absolvido do crime de abuso de confiança contra a segurança social, no que a esta sociedade diz respeito.
F) Foi o recorrente condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa, por igual período, sob condição do pagamento de 46.046,98 € à Segurança Social.
G) Mantendo-se a condenação como gerente da sociedade DD..., os valores não entregues à segurança social ascendem a € 30.085,82.
H) Deveria, pois, a sentença ser revista, atendendo à alteração do valor, que deixaria de ser € 46.046,98.
I) Independentemente do valor da “responsabilidade” do recorrente, na douta sentença não é efectuado o justo equilibrio entre a situação concretamente apurada e a finalidade da punição, por um lado, e a sitaução pessoal e concreta do arguido, por outro.
J) É aposta da política criminal a inserção do agente na sociedade, o que tem como corolário a opção pela pena de prisão como ultima ratio do sistema.
K) Mais é pilar do sistema a opção pela pena de multa em contraposição da pena de prisão, quando as finalidades da punição a tal se não opõem.
L) A moldura penal aplicável in casu admite a pena de prisão ou multa.
M) Ora, a prática do crime ocorreu numa conjuntura de dificuldades económicas insuperáveis para a sociedade DD..., que determinaram a sua própria declaração de insolvência.
N) O arguido CC...é primário; tudo tem feito para solver as suas dívidas e não pretende reformar-se desde já, a fim de mais facilmente poder pagar os débitos.
O) Face às dificuldades financeiras a sua esposa passou a prestar serviço doméstico.
P) Encontra-se o mesmo bem inserido socialmente e tem actualmente 66 anos de idade.
Q) Foi opção do legislador a determinação da pena de multa para a situação concreta, ou seja, nos casos em que o valor dos pagamentos não efectuados não atinge os € 50.000,00.
R) Deveria, pois, ao arguido ter sido aplicada uma pena de multa.
S) Tal não poria em causa a finalidade da punição, só assim respeitando os fins enformadores do Código Penal, quais sejam de opção preferencial pel pena não detentiva, bem como da protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
T) Ao decidir como decidiu, a douta sentença em apreço violou, entre outras, as normas contidas no art.º 105º, nº 1 do RGIT e artºs 70º e 40º do C. Penal.

Termos em que, sem prescindir do douto suprimento de V. Exªs, deve a sentença em apreço ser substituída por outra, decidindo-se pela aplicação de uma pena de multa ao arguido ....
Assim se fará a costumada JUSTIÇA!

A recorrente EE...:

A) Os factos pelos quais a recorrente foi condenada – crime de abuso de confiança contra a segurança social – remontam ao período de Abril de 2002 a Novembro do mesmo ano.
B) Desde a prática do último facto constitutivo do crime, já decorreram, até à presente data, 11 anos e 7 meses.
C) O prazo de prescrição dos crimes previstos no RGIT é de 5 anos – art.º 21º, nº 1.
D) Decorre do art.º 121º, nº 3 do C. Penal que “a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade”.
E) In casu, não ocorreram causas de suspensão da prescrição.
F) O prazo de prescrição perfez-se em 15/05/2010.
G) Encontra-se, pois, prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de que a recorrente é acusada e pelo qual foi condenada, prescrição essa que se invoca para os devidos e legais efeitos.
H) Consequentemente, deve a mesma ser absolvida, com as legais consequências.
I) A arguida EE... foi gerente nominal da sociedade DD..., Lda. desde a sua constituição até 25/11/2002.
J) No entanto, a sua única intervenção na sociedade era a de assinar cheques, uma vez que, como única gerente nominal, era a única pessoa que o poderia fazer.
K) Nunca deu ordens a empregados, assinou contratos, admitiu trabalhadores, nunca alguém se lhe dirigiu como efectiva gerente da DD..., Lda.
L) Nesse período, era a mesma estudante, pelo que, não exercendo qualquer actividade remunerada, teria a sociedade de processar necessariamente o seu vencimento para efeitos de segurança social, não se podendo furtar a essa imposição legal.
M) Deve, pois, ser alterada a matéria de facto dada como provada, no sentido de que a EE... foi mera gerente nominal da sociedade, desde a sua constituição até 25/11/2002.
N) Consequentemente, deve a arguida EE... ser absolvida do crime de abuso de confiança contra a segurança social, por nunca ter exercido funções de facto como gerente.
O) Ao decidir como decidiu, a douta sentença em apreço violou, entre outras, as normas contidas no art.º 121º, nº 3 do C. Penal; e artºs 8º, nº 1; 21º, nº 1; 105º, nº 1 e 107º, nº 1, todos do RGIT.

Termos em que, sem prescindir do douto suprimento de V. Ex.as, deve a douta sentença em apreço ser substituída por outra, decidindo-se pela absolvição da recorrente, com as legais consequências.
Assim se fará a costumada JUSTIÇA!

4. Aos recursos respondeu a Ex.ma Procurador – Adjunta, concluindo:

Quanto ao recurso do recorrente CC...:

1) Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não pode visar a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova.
2) A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não poderá dispor.
3) Sendo os elementos fornecidos pela imediação e a oralidade os determinantes para a avaliação da prova e mostrando-se a decisão tomada pelo Tribunal a quo fundada na sua livre convicção e sendo uma das das soluções possíveis face às regras da experiência comum, tal decisão, que se nos afigura, aliás, como a mais adequada, não merece qualquer censura, devendo manter-se nos exactos termos em que foi proferida.
4) A pena encontrada pelo Tribunal a quo mostra-se ajustada à medida da culpa do arguido, às exigências de prevenção e às demais circunstâncias atinentes à conduta criminosa, tendo sido considerados, na sua determinação, os factores de medida da pena, em conformidade com o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71.º e 77.º, todos do Código Penal, e 13º e 14.º, ambos do RGIT.

Termos em que se conclui pela manutenção da decisão recorrida, por a mesma nenhum agravo ter feito à Lei, devendo assim o presente recurso ser julgado improcedente, como é de toda a inteira e acostumada JUSTIÇA.

Quanto ao recurso da recorrente EE...:

1) Sendo a condenação exarada nos autos pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, a prescrição do procedimento criminal só corre desde a prática do último crime omissivo puro que se consuma com a não entrega dolosa, no tempo, das contribuições deduzidas da entidade empregadora aos salários dos seus trabalhadores.
2) O prazo de prescrição do procedimento criminal, que é de 5 anos, iniciou-se em 15 de Dezembro de 2004.
3) Tal prazo foi interrompido por força da constituição da recorrente como arguida e da sua notificação da acusação e foi suspenso por virtude na aplicação da suspensão provisória do processo por 2 anos, donde o seu termo só ocorrerá em 15.06.2014, não tendo assim prescrito o procedimento criminal.
4) Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não pode visar a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova.
5) A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não poderá dispor.
6) Sendo os elementos fornecidos pela imediação e a oralidade os determinantes para a avaliação da prova e mostrando-se a decisão tomada pelo Tribunal a quo fundada na sua livre convicção e sendo uma das soluções possíveis face às regras da experiência comum, tal decisão, que se nos afigura, aliás, como a mais adequada, não merece qualquer censura, devendo manter-se nos exactos termos em que foi proferida.

Termos em que se conclui pela manutenção da decisão recorrida, por a mesma nenhum agravo ter feito à Lei, devendo assim o presente recurso ser julgado improcedente, como é de toda a inteira e acostumada JUSTIÇA!

5. Admitidos os recursos, fixado o respectivo regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a este Tribunal.

6. Na Relação, o Exmo Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer, no qual, acompanhando a resposta do Ministério Público em 1.ª instância, se pronunciou no sentido da improcedência dos recursos.

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, nenhum dos sujeitos interessados reagiu.
8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do processo

De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].
Assim, são só as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Neste sentido, refere Germano Marques da Silva que … se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.
No presente caso, considerando as respectivas conclusões, as questões a apreciar são:

Recurso de CC...:

- Impugnação da matéria de facto;
- Em consequência da preconizada alteração da matéria de facto, a inverificação dos elementos típicos do crime pelo qual, como gerente de facto da arguida AA..., Ld.ª, sofreu condenação;
- Ainda como decorrência da mesma, a redução do montante a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena de prisão;
- De qualquer forma, a escolha da espécie da pena.

Recurso de EE...:

- A prescrição do procedimento criminal;
- Impugnação da matéria de facto;
- Em consequência da preconizada alteração da matéria de facto, a inverificação dos elementos típicos do crime pelo qual, na qualidade de gerente da arguida DD..., Ld.ª, sofreu condenação.

2. O acórdão recorrido

Ficou a constar do acórdão recorrido [decisão de facto]:

FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS
MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Discutida a causa julgam-se provados os seguintes factos:
1.A sociedade arguida AA... Lda tem por objecto a fabricação e comercialização de … , ....
2.O arguido BB.... é sócio-gerente da sociedade arguida desde a sua constituição e o arguido CC... desempenhou funções de gerente de facto da sociedade arguida, designadamente entre os períodos contributivos de Fevereiro de 2005 a Março de 2006, nomeadamente ao proceder ao pagamento das remunerações relativas aos trabalhadores, assinar cheques e distribuir o trabalho pelos trabalhadores.
3. Nos períodos de Fevereiro de 2005 a Fevereiro de 2006, os arguidos BB.... e CC..., agindo aquele na qualidade de sócio-gerente e este na qualidade de gerente de facto da sociedade arguida, entregaram nas instituições de segurança social as declarações de remunerações dos trabalhadores ao seu serviço, tendo procedido ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos referidos trabalhadores nas remunerações efectivamente pagas aos mesmos em tais períodos, com a aplicação da taxa de 11%, descontos esses que se traduziram nos seguintes montantes:

Quotizações efectivamente retidas (e não pagas):
    Fevereiro/2005
946,99 €
    Março/2005
902,49 €
    Abril/2005
1090,76 €
    Maio/2005
901,64 €
    Junho/2005
1.881,65€
    Julho/2005
846,93 €
    Agosto/2005
801,04€
Setembro/2005
779,86 €
    Outubro/2005
491,18 €
    Novembro/2005
856,55 €
    Dezembro/2005
894,46 €
    Janeiro/2006
616,16€
    Fevereiro/2006
566,54 €
    Total
11.576,25€

4. Nos períodos de Fevereiro de 2005 a Março de 2006, os arguidos BB.... e CC..., agindo aquele na qualidade de sócio-gerente e este na qualidade de gerente de facto da sociedade arguida, entregaram nas instituições de segurança social as declarações de remunerações dos membros dos orgãos sociais ao seu serviço, tendo procedido ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos referidos membros, nas remunerações efectivamente pagas aos mesmos em tais períodos, com a aplicação da taxa de 10%, descontos esses que se traduziram nos seguintes montantes:
Quotizações efectivamente retidas (e não pagas):
    Fevereiro/2005
50,00 €
    Marco/2005
50,00 €
Abri1/2005
50,00 €
    Maio/2005
50,00 €
    Junho/2005
50,00 €
    Julho/2005
50,00 €
Agosto/2005
50,00 €
    Setembro/2005
50,00 €
    Outubro/2005
50,00 €
    Novembro/2005
50,00 €
    Dezembro/2005
50,00 €
    Janeiro/2006
50,00 €
Fevereiro/2006
50,00 €
    Marco/2006
50,00 €
    Total
700,00 €

5. Tais montantes, no total de 12.276,25€ (doze mil, duzentos e setenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), não foram, porém, entregues pelos arguidos à Segurança Social ate ao dia 15 (quinze) do mês seguinte aquele a que respeitam, assim como não os entregaram nos 90 (noventa) dias posteriores.
6. Os arguidos foram ainda notificados, nos termos do artigo 105.°, n.° 4, al. b), do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 05.06, na redacção da Lei n.° 64-A/2008, de 31.12, para comprovarem nos autos que procederam ao pagamento das quantias descritas na acusação e respectivos juros de mora no prazo de 30 dias a contar da notificação, não tendo pago tais quantias no referido prazo.
7. Os arguidos gastaram em proveito próprio tais montantes, assim os fazendo seus, não obstante não lhes pertencerem, em prejuízo do Estado, que não os pôde utilizar para as finalidades previstas na legislação da Segurança Social.
8. Agiram os arguidos BB.... e CC... em nome e no interesse da arguida AA... — ., Lda., bem como no seu próprio interesse.
9. Os arguidos prosseguiram sempre a sua conduta com base numa suposta situação de impunidade, por falta de fiscalização atempada da omissão das suas obrigações com a Segurança Social e no quadro de uma única solicitação externa — as suas dificuldades económicas.
10. Os arguidos agiram, ainda, de forma livre, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

11. A DD..., ., Lda., é uma sociedade comercial por quotas, … na ..., sendo a actividade exercida a fabricação, comercialização e exportação de … para plásticos e seus afins.
12. A gerência da referida sociedade pertenceu desde a sua constituição a 25 de Novembro de 1999 à arguida EE..., à qual renunciou em 25.11.2002 e a partir de 3 de Dezembro de 2002.
13. Enquanto entidade patronal, a sociedade arguida estava obrigada, no acto de pagamentos dos salários aos seus trabalhadores e gerentes, a proceder ao desconto prévio, dos valores das quotizações devidas à Segurança Social, sendo determinado através da aplicação da taxa de 11% às remunerações base pagas aos trabalhadores e de 10% às remunerações base pagas aos membros dos orgãos estatutários.
14.Esses valores devem ser entregues nos cofres da Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte aquele a que respeitavam.
15.A arguida DD... Lda, através dos seus sócios gerentes, nos períodos supra referidos, procedeu ao pagamento das remunerações dos seus trabalhadores e delas deduziu as contribuições para a Segurança Social.
16.Assim, a arguida reteve dos salários pagos aos trabalhadores (código 000) a quantia correspondente à aplicação da taxa de 11% às remunerações base de incidência efectivamente pagas, no valor global de 43 268,18 euros, desta forma descriminados:

Período
    Taxa
Quotizações em euros
Abril de 2002
    11%
1573,60
Maio de 200211%1353,47
Junho de 2002
    11%
1630,30
Julho de 2002
    11%
1345,05
Agosto de 2002
    11%
2208,35
Setembro de 2002
    11%
1591,95
Outubro de 2002
    11%
1623,89
Novembro de
    2002
11%1623,35
Dezembro de
2002
    11%
2883,85
Janeiro de 2003
    11%
1445,01
Fevereiro de
2003
    11%
1432,63
Março de 2003
    11%
1462,89
Abril de 2003
    11%
1372,10
Maio de 2003
    11%
1644,63
Junho de 2003
    11%
1377,34
Julho de 2003
    11%
1254,22
Agosto de 2003
    11%
1364,22
Setembro de
2003
    11%
1327,51
Outubro de 2003
    11%
2855,88
Novembro de
2003
    11%
2365,07
Dezembro de
2003
11%1036,31
Janeiro de 2004
    11%
1077,23
Fevereiro de
2004
    11%
1455,45
Março de 2004
    11%
1118,18
Abril de 2004
    11%
1062,18
Maio de 200411%1542,20
Junho de 200411%812,42
Julho de 2004
    11%
713,75
Agosto de 2004
    11%
715,11

17.A arguida através dos seus sócios gerentes, nos períodos supra referidos, procedeu ao pagamento das remunerações dos seus membros dos orgãos estatutários (código 669) e delas deduziu as contribuições para a Segurança Social.
18.A arguida reteve dos salários pagos aos membros dos orgãos estatutários a quantia correspondente a aplicação da taxa de 10% às remunerações base de incidência efectivamente pagos, no valor global de 2.124,40 euros, desta forma descriminados:

Período Taxa
    Quotizações em euros
Abril de 200210%
    34,80
Maio de 200210%
    37,20
Junho de 200210%
    37,20
Julho de 200210%
    37,20
Agosto de 200210%
    74,40
Setembro de200210%
    37,20
Outubro de 200210%
    37,20
Novembro de
2002
10%
    37,20
Dezembro de
2002
10%
    74,40
Janeiro de 200310%
    37,20
Fevereiro de
2003
10%
    37,20
Março de 200310%
    37,20
Abril de 200310%
    37,20
Maio de 200310%
    37,20
Junho de 200310%37,20
Julho de 200310%
    74,40
Agosto de 200310%
    37,20
Setembro de
2003
10%
    37,20
Outubro de 200310%
    37,20
Novembro de
2003
10%
    74,40
Dezembro de
2003
10%
    186,80
Janeiro de 200410%
    149,60
Fevereiro de
2004
10%
    149,60
Março de 200410%
    149,60
Abril de 200410%
    149,60
Maio de 200410% 149,60
Junho de 200410%
    149,60
Julho de 200410%
    149,60

19. Porem, não obstante a retenção feita, não entregou o valor respectivo nos cofres da Segurança Social como devia ter feito.
20. A arguida não entregou essas contribuições na Segurança Social ate ao dia 15 do mês seguinte aquele a que respeitavam, nem o fez nos 90 dias posteriores ao termo desse prazo.
21.As prestações comunicadas à Segurança Social através das correspondentes declarações, não foram pagas, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito, não obstante a arguida ter sido notificada para o efeito.
22.Com efeito, não obstante saber que tais quantias lhe não pertencia e sim à Segurança Social, aquela integrou no respectivo património a quantia que retinha das remunerações pagas.
23. Em virtude de dificuldades económicas sentidas durante aquele período na sociedade arguida, a arguida usou as contribuições devidas à Segurança Social na satisfação de outros compromissos, dando-lhe o destino que entendeu, em prejuízo da Segurança Social que ficou privada de receber as referidas quantias
24. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, em nome e no interesse da sociedade arguida, no quadro da situação económica desvantajosa da sociedade arguida com a intenção alcançada, de auferir uma vantagem patrimonial indevida, integrando no respectivo património, as quantias retidas e não entregues, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e sim à Segurança Social e que as mesmas deveriam ter sido entregues no prazo acima referido.
25.Permanece assim, a Segurança Social, prejudicada no aludido montante que não recebeu.
26.Não ignoravam os arguidos que tal conduta era proibida e punida por lei criminal.
Mais se provou que:
27.Por sentença proferida em 02.09.2011 transitada em julgado em 19.10.2011 a sociedade arguida DD... Lda foi declarada insolvente.
28. No relatório social do arguido BB..., consta escrito para além do mais que:
(…) O arguido frequentou a escola em França, até ao 3° ano, do 1° ciclo do ensino básico, efectuando a restante escolaridade na localidade da ..., encontrando-se habilitado com o 9° ano de escolaridade. Abandonou a frequência escolar aos 18 anos de idade, devido à falta de motivação para continuar os estudos, iniciando após a frequência de uma pequena formação, o desempenho de uma atividade profissional relacionada com o desenho de moldes, passando de seguida a trabalhar como empregado fabril, numa empresa nessa área de atividade, onde permaneceu aproximadamente 3 anos.
A partir daí, manteve-se nesse ramo de atividade porém trabalhando por conta própria.
(…)No ano de 2004, foi criada a empresa "AA... — . Lda", sendo então o arguido sócio-gerente da mesma. A referida empresa, segundo BB.... começou desde cedo a apresentar problemas financeiros, pelo que foi encerrada em Fevereiro de 2006, verbalizando também possuir dividas relacionadas com os serviços de Finanças e da Segurança Social.
(…)Desde há cerca de um ano que BB...., reside com a companheira, de 45 anos, empregada fabril.
(...)Residem num apartamento alegadamente arrendado pela companheira, situado numa localidade da periferia da localidade da ....
(…)BB.... desempenha uma atividade profissional por conta própria, como projetista de moldes, possuindo um escritório alegadamente cedido por pessoas amigas, situado na localidade da .... O arguido refere auferir mensalmente a quantia aproximada de €5000, encontrando-se o mesmo a pagar dividas de forma faseada, relacionadas nos últimos tempos sobretudo com a empresa da qual foi sócio-gerente, situação que lhe tem provocado algum desanimo e algum desgaste emocional.
Do ponto de vista das relações de sociabilidade e de ocupação de tempos livres, é do agrado do arguido conviver com os amigos em saídas noturnas, evidenciando BB.... consumo abusivo ocasional de bebidas alcoólicas, situação assumida pelo mesmo. O arguido assume também a sua incapacidade nos últimos tempos para o cumprimento de horários no período matinal Na comunidade vicinal, BB.... é pouco conhecido, não sendo também ai conotado com a prática de actos delituosos, pelo que possui no meio de residência uma imagem satisfatória.
BB.... apresenta verbalmente sentido critico relativamente ao tipo de comportamentos ilícitos de que vem acusado, justificando a presente situação processual com o facto desta ter ocorrido num período da sua vida economicamente deficitário, verbalizando actualmente disponibilidade eventualmente reparadora.
(…)No meio social não são evidentes impactos negativos significativos decorrentes desta situação, não sendo do conhecimento dos elementos do meio de residência, a acusação que pende sobre o arguido.
-Do certificado de registo criminal do arguido BB.... consta:
-uma condenação proferida em 06.01.2003 pela prática em 05.01.2003 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º do Cód. Penal na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
-uma condenação proferida em 20.05.2003 pela prática em 11.05.2003 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º do Cód. Penal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00.
-uma condenação proferida em 16.02.2004 pela prática em 28.01.2003 de um crime de desobediência p. e p. pelo artº 348º nº1 b) do Cód. Penal na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €6,00.
29. No relatório social do arguido CC..., consta escrito para além do mais que:
CC... nasceu no Pilado, há 65 anos, localidade onde sempre viveu, tendo mantido um percurso de vida estável. Há 36 anos constituiu o seu próprio agregado familiar.
(…)Atualmente e desde a autonomia dos dois filhos, reside só com a sua mulher, de 61 anos.
(…)Todos os seus rendimentos actuais provêm do seu trabalho como serralheiro de moldes (profissão que sempre exerceu desde os 16 anos de idade, após ter concluído curso profissional de serralharia na antiga Escola Industrial da ...), auferindo cerca de 1.000,00€ mensais. Todavia, refere que o seu trabalho é irregular, estando dependente da procura instável do mercado local.
Profissionalmente, CC... exerceu a sua actividade inicialmente por conta de outrem e, posteriormente por conta pr6pria.
Constituiu duas empresas de serralharia: a primeira — " … " —com dois sócios, a qual manteve durante mais de 20 anos; a segunda "DD...", em 1999 com a sua filha EE....
(…)Economicamente, angariou alguma estabilidade, tendo vivido uma vida desafogada, mas sem qualquer tipo de ostentação. Porem, a falta de pagamento por parte de grande parte dos seus clientes (o arguido refere ter mais de 180.000,00€ de dívidas de clientes), provocaram grandes desequilíbrios financeiros que levou ao encerramento da empresa em 2004. Desde então, viu-se forçado a vender todos os seus bens, incluindo a casa de habitação (que actualmente lhe está cedida por familiares), a fim de resolver as dívidas que se acumularam. Apesar de ter vindo a saldá-las. paulatinamente, refere que não tem sido possível resolvê-las todas integralmente.
CC... tem vindo a fazer um grande esforço pessoal para cumprir todos os seus compromissos, manifestando-se verdadeiramente constrangido, envergonhado e, de certo modo, incapaz para concluir com êxito todos compromissos assumidos.
Continua a trabalhar com afinco para fazer face a todas as suas despesas, assim como a sua mulher, que iniciou uma actividade remunerada, como empregada doméstica em casas particulares a fim de assegurar a sobrevivência do casal. Apesar de o arguido se encontrar em situação favorável para requerer a sua aposentação, CC... deseja manter-se em actividade para que possa resolver a situação mais rapidamente, mantendo uma atitude proactiva e responsável.
Socialmente, o arguido goza de uma positiva reputação social, sendo considerado como uma "pessoa de palavra", muito trabalhador e empenhado.
A situação jurídico-penal preocupa o arguido e o seu envolvimento no presente processo é do conhecimento de familiares e amigos próximos, mas o mesmo não terá interferido com a boa representação social de que o arguido é alvo.
-Do certificado de registo criminal do arguido CC... nada consta.
29. Do relatório social da arguida EE..., consta escrito para além do mais que:
(…)Na comunidade foi recolhida informação tendencialmente positiva acerca do desempenho familiar e profissional da arguida, reconhecendo-lhe qualidades de trabalho e empenho na sua profissão, enquanto professora do Colégio de S. Mamede. Não lhe são conhecidos comportamentos desadequados, sendo uma pessoa sociável e educada nas suas interações e participativa na comunidade local.
(…)Pelos elementos recolhidos parece verificar-se um bom nível de integração social e familiar que pode indicar um prognóstico favorável quanto à sua capacidade de continuar positivamente o seu processo de inserção social.
-Do certificado de registo criminal da arguida EE... nada consta.
-Do certificado de registo criminal da arguida AA...-. Lda nada consta.
-Do certificado de registo criminal da arguida DD...-. Lda nada consta.
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, nomeadamente que:
1. Os arguidos BB...e CC... até à data do julgamento estão a arranjar dinheiro para fazerem liquidação do débito total ou parcialmente para assim apresentarem proposta de liquidação.
*
MOTIVAÇÃO DE FACTO

Consignados os factos que se julgam provados e aqueles que se entende não se terem demonstrado, urge proceder à indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Quanto aos factos respeitantes à arguida AA... Lda:
A convicção do Tribunal quanto à sua constituição, objecto social, sócios e gerentes nomeados, assentou na certidão de matrícula junta a fls 44 a 48 do proc. 173/11.7TAMGR.
Realce-se que decorre da respectiva certidão que a gerência nos termos do respectivo pacto social se encontra atribuida ao arguido BB.... e que no que respeita à identificação das pessoas que efectivamente tomavam decisões em nome da sociedade, que a geriam e dirigiam, o arguido BB.... confessou ser ele quem geria a AA... Lda, dava ordens e tomava decisões em seu nome.
Porém, pese embora o arguido BB.... tenha declarado que o arguido ... era funcionário da sociedade arguida e que o arguido ... não podia decidir se procedia ou não ao pagamento das despesas da sociedade, certo é que acabou por declarar que discutia com o arguido ... se pagavam ou não à segurança social, contrariando assim as suas próprias declarações quando refere ser ele quem tomava decisões na sociedade arguida.
Também a testemunha … , que declarou ter trabalhado para a sociedade arguida AA..., referiu que quem dava ordens era o arguido ..., contando que por vezes o arguido BB...queria pagar-lhes o salário e o arguido ... não deixava, referindo ainda que pedia o pagamento do salário quer ao arguido BB.... quer ao arguido ....
Também a testemunha … , que trabalhou para a sociedade arguida AA... declarou que os arguidos BB...e CC...eram seus patrões, reconhecendo ambos como tal.
De referir ainda, que tendo esta testemunha sido confrontada com o seu depoimento prestado em sede de inquérito, do mesmo resulta que “perante atrasos no pagamento de salários reunia com os dois patrões BB...e CC..., obtendo por resposta que teria que esperar, por não haver dinheiro por falta de pagamento pelos clientes. Questionado sobre quem reconhecia como patrão disse reconhecer como tal os dois mencionados BB...e ... e que de qualquer forma qualquer um dos dois geria e assumia o seu papel de patrão na empresa. Revelou ainda, que perante o seu crédito salarial ficou acordado com os dois patrões que o valor seria pago metade por cada um, todavia os pagamentos falharam e começou o jogo do empurra.
O mesmo declarou manter o depoimento por si prestado em sede de inquérito.
Assim, à luz da prova produzida, não existem dúvidas quanto à demonstração dos factos consignados a propósito do arguido CC..., no que tange por ora à sua ligação à arguida AA....
No que se refere ao facto de a sociedade arguida não ter pago à segurança social as quantias referidas na acusação o Tribunal louvou-se na confissão do arguido BB..., que confirmou não ter entregue à Segurança Social as contribuições descontadas aos salários e retribuições, embora tivesse conhecimento de tal obrigação, tendo justificado o não pagamento devido a dificuldades económicas da empresa.
A testemunha … , declarou ter-se limitado a analisar a prova documental junta aos autos, o mesmo sucedendo com a testemunha … que referiu ter feito o apuramento das prestações em divida, tendo feito a análise da prova documental.
Consideraram-se ainda os documentos de fls 34 (mapa com detalhe das cotizações em falta), 56-61 e 139 a 141(extractos das remunerações), 62-77(extracto global da declaração de remunerações) do proc. 173/11.7TAMGR.
As notificações efectuadas nos termos e para os efitos do artº 105º nº4 do RGIT encontram-se documentadas a fls 104 e 136 do proc. 173/11.7TAMGR.
Quanto aos factos respeitantes à arguida DD... Lda:
A convicção do Tribunal quanto à sua constituição, objecto social, sócios e gerentes nomeados, assentou na certidão de matrícula junta a fls 132 a 135 do proc. 164/06.0TAMGR.
Realce-se que decorre da respectiva certidão que a gerência nos termos do respectivo pacto social se encontra atribuida à arguida EE... até 25.11.2002 e ao arguido CC... desde 03.12.2002.
Contudo no que respeita à identificação das pessoas que efectivamente tomavam decisões em nome da sociedade, que a geriam e dirigiam, pese embora os arguidos ... e EE... não tenham prestado declarações, certo é que resulta do depoimento das testemunhas que quer um quer outro tinham poderes de gestão e decisão.
Desde logo, a testemunha … , que declarou ter trabalhado para os arguidos CC...e EE... e ter trabalhado na sociedade arguida DD..., declarou que o patrão era a arguida EE..., por ser ela que assinava os cheques para lhe pagar o salário, que a via como patroa, cheques esses que eram entrgues aos funcionários pelos empregados de escritório.
Esclareceu também, que diariamente quem lhe dava ordens era o arguido … , sendo ele quem destinava o trabalho e o pagamento passava pela filha EE..., referindo ainda, que quando deixaram de pagar os salários foi ter com o arguido CC...dizendo que se ia embora, o qual que lhe disse estar a contar com ele para outra empresa que estava a constituir e que era a AA....
Também a testemunha … , que trabalhou para as sociedades arguidas AA... e DD... declarou no que concerne à arguida DD... ser o arguido ... quem lhe dava ordens, que dirigia o trabalho e a quem também pedia o pagamento dos salários, vindo os cheques dos salários assinados pela filha, a arguida EE..., que aparecia no final do mês e que a dada altura a gerência passou da arguida EE... para o arguido ....
Pese embora a testemunha … , que referiu ter trabalhado para a DD..., tenha dito que a arguida EE... ia à empresa uma vez por acaso e que quem dava ordens e contactava com os clientes era o arguido ... e a testemunha … , que trabalhou na sociedade DD... como administrativa, ter declarado que quem dava ordens era o arguido ..., sendo ele que ordenava os pagamentos, certo é, que o depoimento desta ultima testemunha mostra-se contraditório, quando confrontado com o depoimento, nomedamente da testemunha … que com clareza declarou ser a arguida EE... que assinava os cheques, não se afigurando credível que desempenhando a testemunha … funções de administrativa, não se tenha apercebido que era a arguida EE... que assinava os cheques para pagamento dos salários aos trabalhadores.
A testemunha … dos factos nada revelou saber.
Assim, à luz da prova produzida, não existem dúvidas quanto à demonstração dos factos consignados a propósito dos arguidos CC...e EE..., no que tange à sua ligação à arguida DD..., na qual desempenharam ambos funções de gestão e admnistração, conforme resulta do depoimento dos vários trabalhadores da empresa.
Consideraram-se ainda os documentos de fls 30 e 31 (relação de divida), 33 a 131 (declarações de remunerações), 153 a 163 (recibos de vencimentos) do proc. 164/06.0TAMGR.
As notificações efectuadas nos termos e para os efeitos do artº 105º nº4 do RGIT encontram-se documentadas a fls 169 e 170 do proc. 164/06.0TAMGR.
Os factos reportados à personalidade dos arguidos assentam nos relatórios sociais de fls 296 a 300, 303 a 309.
Os antecedentes criminais dos arguidos, constataram-se através do certificado de registo criminal junto aos autos a fls 293, 294, 312, 318 e 319.
No que concerne aos factos enunciados como não provados tal resultou do facto de não ter sido produzida qualquer prova sobre os mesmos.

3. Apreciando

Devendo, embora, os recursos ser apreciados de acordo com a ordem da respectiva interposição, vindo invocada pela recorrente EE... a prescrição do procedimento criminal, excepção que a proceder extingue a responsabilidade criminal, é por aqui que vamos iniciar.

a.

Recurso da arguida EE....

Da prescrição do procedimento criminal.

Refere a recorrente haver sido condenada pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social por factos que remontam ao período de Abril a Novembro de 2002 circunstância que, considerando o prazo normal de prescrição correspondente ao crime em questão – 5 anos [artigo 21º, nº 1 do RGIT], o disposto no artigo 121º, nº 3 do Código Penal, não tendo ocorrido in casu causas de suspensão da prescrição, levaria à conclusão de já se mostrar, extinto, no que a si concerne o procedimento criminal.
Vejamos, pois, os aspectos para o efeito relevantes.
A arguida, ora recorrente, foi acusada pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º, nºs 1 e 2 conjugado com o artigo 105º, nºs 1 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho e artigo 30º, nº 2 do Código Penal, vindo a final a ser condenada pelo mesmo crime.
O crime em referência é punível com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, correspondendo-lhe, assim, o prazo de prescrição de cinco anos contados da data da sua prática – [cf. artigo 21º do RGIT], colhendo aplicação aos crimes tributários em geral, onde se incluem os crimes contra a segurança social, as causas de interrupção e suspensão do prazo de prescrição estabelecidas no Código Penal – [cf. artigo 21º, nº 4 do RGIT].
Importa, agora, assentar na data prática do crime.
Traduzindo-se o abuso de confiança contra a segurança social num crime omissivo puro há-de ter-se o mesmo por consumado com a não entrega dolosa, no tempo devido, à Segurança Social das contribuições deduzidas pela entidade empregadora dos salários dos seus trabalhadores e corpos sociais – artigo 5º, nº 2 do RGIT, sendo que a entrega pelo contribuinte de tal contribuição deve ocorrer até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disser respeito [cf. artigos 5º, nºs 2 e 3 do D.L. nº 103/80, de 09.05 e 18º do D.L. nº 140 – D/86, de 14.06].
Contudo, é pacífico que considerando existente um único crime, na forma continuada, relevante para a respectiva consumação é o momento da prática da última conduta criminosa que integra a continuação, perdendo, assim, autonomia, também para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, os factos anteriores, só começando tal prazo a correr na data da prática do último acto (cf. artigos 119º, nº 2, al. b) do CPP e 3º do RGIT) – [cf. vg. os acórdãos STJ de 20.06.2001, proc. nº 1556 – 01 – 3., de 27.05.02, proc. nº 2375/02 – 3].
Aqui chegados, colocam-se algumas questões que, no caso, não surgem consensuais.
Na resposta ao recurso, defende a Exma. Procuradora – Adjunta ter-se iniciado o prazo de prescrição do procedimento criminal em 15.12.2004.
Será assim?
Com efeito, se é certo que os factos em apreço no que à sociedade arguida “DD... – ., Lda” concerne – pois só quanto a estes foi a arguida responsabilizada – respeitam às contribuições em dívida à segurança social reportadas ao período de Abril de 2002 a Agosto de 2004 [cf. pontos 16. e 18. dos factos provados], dúvidas não restam que, em face do teor da sentença recorrida, a arguida EE... só foi responsabilizada pela não entrega das contribuições que deveriam ter ocorrido desde Abril de 2002 até ao dia 15.11.2002.
Na verdade, o Colectivo depois de ter feito consignar no ponto 12. dos factos provados «A gerência da referida sociedade pertenceu desde a sua constituição a 25 de Novembro de 1999 à arguida EE..., à qual renunciou em 25.11.2002, e a partir de 3 de Dezembro de 2002 ao arguido ...», em sede de fundamentação de direito considerou «Por último e no que concerne aos factos concernentes ao processo 164/06.0TAMGR há aqui que distinguir a responsabilidade da arguida EE... da do arguido CC..., atendendo à data em que a arguida EE... deixou de ter responsabilidade na gestão e direcção da DD... – 25 de Novembro de 2002 – pelo que a mesma apenas é responsável pelos factos até à prestação de Outubro de 2002, que deveria ter sido entregue até ao dia 15.11.2002», para, na parte reservada à escolha e medida da pena, concluir «No que respeita à arguida EE..., sendo a sua conduta mais limitada no tempo, entende o Tribunal optar pela pena não privativa da liberdade …».
Significa, pois, que estando, embora, em causa um crime continuado, com a consequência relativamente à respectiva consumação acima exposta, no que à arguida EE... respeita a última conduta criminosa – integrante da continuação - a considerar, para o efeito, queda-se com a não entrega à Segurança Social das contribuições respeitantes ao mês de Outubro de 2002, a qual, como já vimos, deveria ter ocorrido até 15.11.2002.
Mas, ainda assim, poder-se-á questionar se para efeitos de determinação do início do prazo de prescrição do procedimento criminal [no que a esta arguida/recorrente tange] a data a considerar será a de 15.11.2002, ou se a esta é de acrescentar o prazo de 90 dias previsto no nº 4 do artigo 105º do RGIT, como resulta ser a posição do Ministério Público.
É matéria que não tem merecido resposta unânime, designadamente por parte dos tribunais.
No acórdão do TRP de 25.03.2009 [proc. nº 0846951], a propósito, ficou consignado: «Sendo certo que este prazo de dilação não integra os pressupostos do tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal, a verdade é que só nesse momento é possível sancionar o ilícito. De tal maneira que em termos contabilísticos há quem diga que constitui crime de abuso de confinaça fiscal a não entrega (dolosa) por mais de 90 dias de prestação tributária deduzida nos termos da lei. Porquê? Porque só neste caso ocorre punição por crime (até aí verifica-se a contra – ordenação prevista no nº 1 do art.º 114º). E se este facto – decurso de mais de 90 dias – é relevante para sancionar o comportamento, então deve ser reportado a ele que se deve iniciar a contagem do prazo a partir do qual o crime deixará, também, de ser perseguido criminalmente, por via da consumação da prescrição. O mesmo facto relevará, então, para determinar a perseguição criminal do comportamento omissivo e para a cessação dessa perseguição.
A lei diz, no art. 21º, nº 1 do RGIT, que o procedimento criminal por crime tributário se extingue, por efeito da prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos.
Não obstante a consumação do crime ter ocorrido aquando da não entrega da prestação tributária deduzida (art. 119º, nº1, do Código Penal) deve entender-se que ele só fica perfeito quando pode ser sancionado criminalmente, isto é, decorrido que seja o prazo de 90 dias dentro do qual o pagamento, a ser feito, afasta a perseguição criminal.»
No mesmo sentido e com idênticos fundamentos se pronunciou o acórdão do TRP de 11.11.2009, proferido no âmbito do proc. nº 485/02.0TAVLG.P1.
Posição defendida por Isabel Marques da Silva quando refere: «O crime fiscal de abuso de confiança constitui actualmente um crime omisivo puro, pois o facto tipicamente ilícito consiste em não entregar. Tratando-se de um infracção omissiva, por força do n.º 2 do artigo 5.º do RGIT o crime considera-se praticado na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários. Não obstante, estabelece o nº 4 do artigo 105.º do RGIT uma condição de punibilidade, ao dispor que “os factos (…) só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal da entrega da prestação”, o que, nos termos dos artigos 119º n.º 1 e 120º, nº 1, alínea a) do Código Penal, releva para efeitos do início do prazo e para a suspensão da prescrição.» - [cf. “Regime Geral das Infracções Tributárias”, Cadernos IDEFF, nº 5, Almedina, págs. 167/168].
Diferentemente decidiu o acórdão do TRL de 20.03.2012 [proc. nº 5209/04.5TDLSB.L1.5], do qual se extrata: «Conforme se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa da 3ª Secção, proferido no processo nº 2191/08.3 LSB-A.L1: “(…) as condições objectivas de punibilidade são circunstâncias que se situam fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto, ou seja, são um pressuposto para que o actuar anti jurídico importe consequências penais. São condições em que uma ponderação das finalidades extra-penais tem prioridade em face da necessidade da pena. Uma vez que não pertencem ao tipo nem sequer sejam abrangidas nem pelo dolo nem pela negligência a aparição das condições objectivas da punibilidade é indiferente para o lugar e tempo da infracção.
Não sendo pois este prazo de 90 dias um elemento do tipo, na esteira do que defende Tolda Pinto e Reis Bravo não será reportado a este elemento que se atenderá para início do prazo de prescrição. Segundo estes autores o momento a atender 2não é o do termo do prazo de 90 dias mas sim o do termo do prazo legal da entrega da prestação. A dilação de tal prazo contende apenas com aspectos relacionados com o atendimento de circunstâncias geralmente relevantes, no âmbito do relacionamento jurídico – tributário, para a contemporização com situações de justificado atraso na entrega da prestação” (Regime Geral das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais, pág. 333).
Não podemos ignorar que esta condição objectiva da punibilidade configura, objectivamente, uma situação mais favorável para o eventual agente do crime, sendo objectivo inequívoco do legislador conceder uma possibilidade de o agente evitar a punição da sua conduta omissiva.
Se assim é, ao não se considerar esse prazo para efeitos de prescrição, está-se por um lado a agravar a posição processual do agente na medida em que se está a prorrogar o prazo normal da prescrição legalmente previsto e, por outro está-se a aplicar uma “causa de suspensão” da prescrição, não prevista no C. Penal e a violar, por isso, o princípio da legalidade penal.
Posto isto e, em conclusão, entendemos que este prazo de 90 dias previsto no nº 4 do art.º 105º do RGIT, sendo uma condição objectiva de punibilidade que não impede que possa ser exercida a acção penal, apenas impede que possa ter lugar a punição, em nada interfere no decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal que, nos crimes de abuso de confiança contra a segurança social se inicia na data em que o crime se consumou, isto é, na data em que nos termos do nº 2 do artº 5º do RGIT terminou o prazo para o cumprimento da entrega das constribuições à segurança social.»
Também assim o acórdão do TRL de 24.02.2010, proferido no processo nº 2191/08.3TDLSB – A.L1 – 3, em cujo sumário ficou a constar: «O prazo de 90 dias previsto no nº 4 do artº 105º do RGIT, sendo uma condição objectiva de punibilidade que não impede que possa ser exercida a acção penal, apenas impede que possa ter lugar punição, em nada interfere no decurso do prazo de precrição do procedimento criminal que, nos crimes de abuso de confiança contra a segurança social se inicia na data em que o crime se consumou, isto é, na data em que nos termos do nº 2 do art.º 5º do RGIT terminou o prazo para o cumprimento da entrega das contribuições à segurança social.».
Da mesma forma foi decidido no acórdão do TRC de 30.05.2012, processo nº 4/02.9IDMGR.C2, enquanto considerou que «O prazo de 90 dias a que alude o art.º 105º nº 4 do RGIT, não deve ser tido em conta para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, pois aquele constitui uma condição objectiva de punibilidade que não impede o exercício da acção penal, apenas impedindo que possa ter lugar a punição».
Ponderados os argumentos veículados por cada uma das «teses» em confronto, com o devido respeito pela posição contrária, a circunstância de o crime ficar consumado no momento em que o agente devia proceder à entrega da prestação (último dia do prazo), mas não ser punível salvo depois de correrem 90 dias sobre o termo do prazo para a entrega [cf. Germano Marques da Silva, in “Direito Penal Tributário – Sobre as Responsabilidades das Sociedades e dos seus Administradores conexas com o crime tributário”, Universidade Católica Editora, 2009, pág. 246], a natureza de condição objectiva de punibilidade de que se reveste o referido prazo [à semelhança do prazo estabelecido na actual al. b), do nº 4 do artigo 105º do RGIT, relativamente ao qual incidiu o acórdão de fixação de jurisprudência nº 6/2008, de 09.04] aliado ao facto de estar por demonstrar que enquanto o mesmo não decorrer se encontrar vedado o exercício da acção penal, a isto acrescendo que o contrário seria converter, à margem da lei, tal prazo numa causa de suspensão, de prescrição, leva a que perfilhemos a posição da irrelevância para o efeito de contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal dos ditos 90 dias.

Do exposto resulta que, no caso concreto, o prazo a considerar, para o efeito da invocada prescrição, é o da consumação do crime, ou seja 15.11.2002.
Mas, ainda assim, não assiste razão à recorrente.
E isto porque, tendo aplicação as causas de «interrupção» e de «suspensão» da prescrição previstas na lei penal, é de considerar que foi a recorrente constituída na qualidade de arguida em 30.05.2007 [ocasião em que se interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal, começando a partir de então a correr novo prazo – artigo 121º, nº 1, al. a) e nº 2 do C. Penal] e, bem assim, notificada da acusação contra si deduzida em 02.05.2011 [cf. fls. 309 e v.], data em que se interrompeu e simultaneamente suspendeu – aqui pelo prazo máximo de três anos - a prescrição [cf. artigos 120º, nº 1, al. b) e nº 2 e 121º, al. b) do C. Penal], isto mesmo sem atentar no período de dois anos, durante o qual, por força da decisão de suspensão provisória do processo, o prazo de prescrição esteve suspenso por dois anos – [cf. fls. 212, 214 e artigo 282º, nº 2 do CPP].
O que significa que, ao contrário do que invoca a recorrente, considerando a data da consumação do crime [15.11.2002] ainda não se mostra decorrido o prazo máximo de prescrição do procedimento criminal previsto no nº 3 do artigo 121º do C. Penal.

b.

Recurso dos arguidos CC... e EE....

Da «impugnação da matéria de facto»

Ambos os recorrentes manifestam discordância relativamente à matéria de facto, circunstância que, com vista e evitar repetições desnecessárias, leva a que, nesta parte, tratemos em simultâneo os dois recursos.

Tendo sido documentadas, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento poderá este tribunal conhecer de facto [cf. os artigos 363º e 428º do CPP], desde que se mostre cumprido pelos recorrentes o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Nos termos do n.º 3 do citado artigo quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve o recorrente especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e, eventualmente
c) As provas que devem ser renovadas.

O nível de exigência do recurso em matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido à luz do entendimento, sobejamente, afirmado pelos tribunais superiores de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso da matéria de facto para a Relação um novo julgamento em que este Tribunal aprecia toda a prova produzida em 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse – [cf., entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, 09.03.2006 e 04.01.2007, respectivamente nos processos n.ºs 05P2951, 06P461 e 4093/06 – 3.ª].

Vejamos, pois, o caso concreto.

No que respeita ao recorrente CC..., perscrutadas as conclusões de recurso – as quais, nunca é demais relembrar, delimitam o objecto do recurso – resulta insurgir-se o mesmo contra o ponto 2. dos factos provados, tanto quanto nos é dado compreender, no segmento em que lhe vem atribuida a gerência de facto da sociedade AA..., Lda. – [cf. os pontos A), B), C) e D) das conclusões].
Para tanto, indica as declarações do co-arguido BB...., aduzindo ter sido por este assumido que a gestão da «empresa», apenas, por si era exercida.
Contudo, em sede de motivação procede à transcrição de parte significativa das declarações do co-arguido BB... [dos minutos 05:57 a 15:09], assim como de parte dos depoimentos das testemunhas … [dos minutos 00:54 a 01:02], de … [dos minutos 02:03 a 05:26 e 06:23 a 06:28] e de … [dos minutos 00:44 a 01:09; 02:04 a 02:59; 03:11 a 06:46; 03:47 a 07:30], para, de seguida, concluir:
«Ora, resulta inequivocamente dos depoimentos transcritos, que a posição de liderança que o arguido detinha na empresa lhe advinha do facto de ele ser o director do sector de fabricação. Tão só e exclusivamente!
- Assim, faz todo o sentido que fosse o CC...a dar as ordens aos trabalhadores.
- Qualquer chefe de secção é quem dá ordens aos restantes subordinados. Faz parte das suas atribuições!
- O facto de o CC...“discutir” com o recorrente a questão dos pagamentos, nada releva para ocaso, sendo que tal “discussão” faz todo o sentido.
- Sendo o CC...o responsável pela produção, é natural que a sociedade, atendendo às dificuldades económicas que atravessava, tivesse de ponderar se era melhor pagar a fornecedores ou a trabalhadores.
- E o ..., melhor que ninguém estava em condições de confrontar o BB...com o seguinte dilema: “não podemos deixar de pagar esta semana ao fornecedor do aço, ou não termos aço suficiente para acabar o molde “x”; e sem ele não cumprimos os prazos, não podemos facturá-lo e receber o preço e, com ele, pagar aos trabalhadores”.
- Este tipo de diálogo será frequente, p. ex., numa empresa de maior dimensão, com o respectivo director financeiro. E, certamente, ninguém dirá que o economista da empresa, apesar de todo o seu poder de decisão, é (também) o seu gerente …
- Ora, estando os trabalhadores todos os dias com o ..., natural seria que era a ele que se dirigiam no caso de não receberem o dinheiro.
- Mas este, muitas vezes, remetia-os para o BB...., pessoa com efectiva capacidade de decisão. Ou tal indicação não faria qualquer sentido.
- Sintomático é o facto referido, de às vezes o CC...se opor ao pagamento e depois lá vinha o BB...com algum dinheiro … Afinal, era o BB...que “arranjava” o dinheiro.
- Sintomático ainda a reunião havida com os trabalhadores, na qual se expõem as dificuldades da empresa em pagar os salários, tendo sido apenas o BB...a assumir essas dificuldades.
- Deveria, pois, dar-se como provado ser o arguido CC...mero trabalhador da … , Ldª, e, consequentemente, alterar-se a matéria de facto dada como provada, constante do ponto 2 da “matéria de facto provada”.»
Donde decorre que o recorrente ciente de que nada na prova produzida impõe – longe disso – decisão diversa da recorrida, sentiu a necessidade de articular/ conjugar e, após, interpretar parte significativa das declarações e depoimentos prestados no decurso da audiência, para, de seguida apresentar uma argumentação tendente a sobrepor a sua convicção àquela que surge, suficientemente esclarecida da fundamentação e análise crítica da prova, ter sido a do Colectivo.
Esquecendo-se, contudo, não ser, manifestamente, essa a filosofia que subjaz ao recurso da matéria de facto à luz do citado normativo – cujos ónus resultam incumpridos, desde logo por não virem indicadas «as concretas provas» que impõem decisão diversa da recorrida [aspecto que não é susceptível de ser confundido com a transcrição, em parte substancial, dos depoimentos – no essencial os considerados na fundamentação - seguida de uma interpretação, que se pretende «autêntica»] – e, bem assim, que o recurso em sede de matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova [artigo 127º do CPP], sendo certo que «A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal” – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – [cf. Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Vol. I., ed. 1974, pág. 204].
Ora, quando a «coisa» - como sucede no caso – acaba por se reconduzir à questão da convicção, o tribunal de recurso só pode afastar-se do juízo feito pelo julgador na primeira instância quando, de acordo com a fundamentação da convicção, resulte que esta não se fundou em consonância com os critérios da valoração da prova que a lei manda atender, ou seja só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum, o que não sucede na situação em apreço.
Pelo contrário, sopesada a fundamentação, na qual se procede à análise crítica da prova produzida – a cuja audição, ainda assim, procedemos na íntegra - estamos em condição de, com segurança, afirmar não resultar da mesma qualquer entorse aos princípios vigentes nessa matéria, transparecendo, antes, ter sido a mesma apreciada de acordo com a razoabilidade das coisas da vida.

É, pois, de concluir, por um lado, não imporem os meios de prova indicados pelo recorrente decisão diversa da recorrida e, por outro lado, não se assistir a uma apreciação da prova em «contramão» com as regras da experiência comum, motivo pelo qual é de manter inalterada a matéria de facto, sucumbindo, nesta parte, a pretensão do recorrente.

Quanto à recorrente EE..., decorre das respectivas conclusões pretender a alteração da matéria de facto de modo a passar a constar como provado que, desde a constituição da sociedade “DD..., , Ld.ª” até 25.11.202 foi mera gerente nominal da mesma, nunca tendo exercido, enquanto tal, a gestão de facto – [cf. pontos I), J), K), L), M), N) das conclusões].
No que concerne aos ónus a que se encontra sujeita a impugnação ampla da matéria de facto, reproduzem-se ipsis verbis as considerações levadas a efeito a propósito do recurso de CC....
Donde, resulta estar, uma vez mais, em causa a diferente valoração da prova produzida, sendo manifesto que o Colectivo desvalorizou, e a nosso ver bem, o depoimento da testemunha … .
E isto porque tendo nós procedido à audição integral da prova produzida, estamos em condições de corroborar ter-se tratado de um depoimento evasivo, repleto de «esquecimentos» - «convenientes», acrescentamos nós - nada consentâneos com as funções que declarou exercer, à data dos factos, na DD....
Com efeito, tendo referido tratar de toda a documentação da empresa, pois que era funcionária administrativa não soube esclarecer o facto - que nem a recorrente «contesta» - de ser a arguida EE... quem assinava os cheques destinados ao pagamento dos salários, designadamente dos trabalhadores [entre os quais se incluia a testemunha], adiantando, mesmo, «achar» que ela [EE...] não tinha lá [na empresa] qualquer função …! Tudo isto, apesar de, como referiu, ser a própria [testemunha] quem entregava os cheques …!
Por outro lado, estando em causa a não entrega das «contribuições», deduzidas das remunerações dos membros dos órgãos estatutários e dos salários dos trabalhadores, à segurança social, não assume relevância decisiva saber quem determinava efectivamente o «trabalho» e efectuava os «contactos», designadamente com os fornecedores, aspectos sobre os quais incidiram, no essencial, os depoimentos das testemunhas ………., os quais, nem nas passagens indicadas impõem decisão diferente da recorrida.
Também não releva, para o efeito – de impor decisão diferente –, a circunstância de apenas no final do mês, ou mesmo esporadicamente, as ditas testemunhas se terem apercebido da presença da ora recorrente nas instalações da empresa, pois, convinhamos que as «funções» que se prendem com os aspectos em causa não exigem grande assiduidade, apresentando-se, antes, compatíveis com as «ausências» testemunhadas.
Com efeito, como a propósito do artigo 412º, n.º 3, al. b) do CPP, refere o acórdão do STJ de 23.04.2009 [proc. n.º 09P0114] «… o recorrente tem que demonstrar que as provas a que alude impõem decisão diversa da recorrida; não basta que as provas sejam compatíveis com os factos provados, e com os não provados que o recorrente gostaria de ter visto provados. É preciso que as ditas provas só possam levar a que se dêem por provados os factos que o recorrente queria ver provados
Na verdade, «Afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção, depois de perante si ter sido produzida a prova com imediação e oralidade, o que não acontece com a Relação.» - [cf. o acórdão do TRG de 09.01.2006, proc. nº 1956/05 – 2.ª].
Tudo para concluir não impor no caso concreto a prova indicada pela recorrente – aliás, para além da documental, também considerada pelo Colectivo na formação da sua convicção – decisão diversa da recorrida, sem olvidar que o acto de emissão dos cheques destinados ao pagemento dos salários aos trabalhadores, constitui, em si mesmo, um acto de gestão!

Nesta conformidade é de manter inalterada a matéria de facto, falecendo, assim, a pretensão da recorrente.

c. Recurso dos arguidos CC... e EE....

No que concerne à subsunção dos factos às normas que enformam o tipo legal de crime em referência, surgindo a mesma, em ambos os recursos, como consequência da preconizada alteração da matéria de facto, pretensão que não obteve resposta positiva, mostra-se prejudicada a respectiva apreciação.

d. Recurso do arguido CC...

Da redução do montante a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena de prisão.

Insurge-se, ainda, o recorrente contra o montante a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena de prisão, aspecto suscitado no pressuposto da procedência da impugnação da matéria de facto direccionada à sua real «função» no seio da sociedade arguida AA..., Lda.
Não obstante, mantendo-se aquela inalterada a apreciação da questão encontra-se, igualmente, prejudicada.

e. Recurso do arguido CC...

A escolha da espécie da pena

Dissente o recorrente da não aplicação da pena de multa.

Nesta sede, suscita-se, contudo, uma questão prévia.
Com efeito, constata-se que ao determinar a suspensão da execução da pena de prisão necessariamente condicionada, de acordo com o artigo 14º do RGIT, ao pagamento à Segurança Social da «prestação tributária» e legais acréscimos, não procedeu o Colectivo ao «juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica», circunstância que à luz da jurisprudência recentemente fixada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012, de 12.09 [cf. DR., 1.ª série – nº 206 – 24.10.2012], implica a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.
Na verdade em face de tal jurisprudência «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.»
Tratando-se, embora, de jurisprudência tirada numa situação em que em causa estava o crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º do RGIT, não se vê motivo para perfilhar diferente entendimento relativamente ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, porquanto os fundamentos que suportam a fixação da jurisprudência – que «exigem» um encadeado de «operações» e «juízos» - colhem inteira aplicação neste caso.
Verificando-se a dita omissão de pronúncia, a qual, apenas, afecta a decisão na parte referente à pena, não colidindo com o juízo de culpabilidade, impõe-se decidir pela nulidade do acórdão no que a tal concerne – cf. artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP.
Por via da verificação da sobredita nulidade, mostra-se, prejudicada a apreciação do recurso no que respeita aos aspectos relativos à determinação da pena.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em:
a) Julgar improcedente o recurso da recorrente EE..., confirmando o acórdão recorrido;
b) Condenar a recorrente em 4 [quatro] Ucs de taxa de justiça.

c) Confirmar o acórdão recorrido na parte em que julgou o arguido CC... [além do mais não objecto do recurso] co-autor de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º, nºs 1 e 2 com referência ao artigo 105º nºs 1 e 4 do RGIT e 30º, nº 2 do Código Penal [proc. 173/11.7TAMGR] e, nessa medida, improcedente o recurso;
d) Julgar nulo, por omissão, de pronúncia o acórdão recorrido na parte em que condenando o arguido em pena de prisão suspensa, condicionada ao pagamento das quantias em dívida e legais acréscimos à Segurança Social omitiu « juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica», nulidade que deve ser sanada com a prolação de novo acórdão por parte do tribunal recorrido, se necessário for com a reabertura da audiência para produção de prova suplementar nos termos dos artigos 369º e 371º do CPP.
e) Sem tributação.

Coimbra, , de , de
[Processado informaticamente e revisto pela relatora]


(Maria José Nogueira)


(Isabel Valongo)