Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2945/06.5TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
CÁLCULO
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 05/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU - 3º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 496º, 562º, 563º, 564º, 566º E 805º, Nº 3, C.CIV.
Sumário: I – Nos termos do artº 562º do C. Civ., o objectivo da indemnização consiste em colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fora o acontecimento produtor do dano, desde que este seja resultante desse evento em termos de causalidade adequada.

II – Tal resultado deve ser procurado, em primeiro lugar, pela reposição da situação tal como estava antes da produção do dano – princípio da restauração natural.

III – Todavia, não raras vezes essa reposição apresenta-se muito difícil ou mesmo impossível (como acontece no caso dos danos não patrimoniais), tendo lugar, então, a indemnização em dinheiro – artº 566º, nº 1, C. Civ..

IV – Como resulta do artº 563º C. Civ., a obrigação de indemnizar supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo.

V – O montante da indemnização medir-se-á pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano – nº 2 do artº 566º C.Civ..

VI – Na fixação dessa indemnização deve atender-se não só aos danos patrimoniais mas também aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito – artº 496º, nº1, C.Civ..

VII – A indemnização pela perda ou diminuição da capacidade aquisitiva deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média de vida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e actual até final desse período.

VIII – Mesmo nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência perfilham hoje o entendimento da ressarcibilidade do dano.

IX – Com vista a proceder ao cálculo desse dano há que lançar mão das normas constantes dos artºs 564º e 566º, nº 3, do C.C, donde se retira a legitimação do recurso à equidade.

X – Na sequência da publicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002, ficou claro que a regra contida na 2ª parte do nº 3 do artº 805º do C.Civ., de que os juros de mora são devidos desde a data da citação do responsável, deixa de funcionar se o montante indemnizatório atribuído for entretanto objecto de uma actualização, pois neste caso os juros moratórios só passarão a vencer-se e a poder ser contabilizados a partir da data da prolação da decisão actualizadora de tal montante indemnizatório.

Decisão Texto Integral: ***

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório


1. O autor, A... , instaurou (em 7/7/2006) contra a ré, B... , a presente acção a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a última fosse condenada a pagar-lhe a importância total de € 81.348,55, acrescida de juros de mora, à respectiva taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito alegou, em síntese, o seguinte:

Que nas circunstâncias de tempo, lugar e modo por si descritas na petição inicial ocorreu um acidente de viação, no qual se viu envolvido, além de outros, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula PJ-33-79, conduzido pelo seu proprietário C... , e no qual se fazia transportar como passageiro, além de outra, o autor, na qualidade de amigo daquele.

Acidente esse que se ficou exclusivamente a dever à conduta culposa do condutor daquele veículo em que se fazia transportar.

Em consequência desse acidente o autor, por causa das lesões sofridas, sofreu danos de natureza patrimonial (que então avaliou num total de € 46.338,55, correspondendo € 19.600,00 a perdas salariais sofridas durante o período de em que esteve totalmente incapacitado para qualquer tipo de actividade – e já depois de deduzida a importância de € 10.400,00 que a ré lhe adiantou -; € 4.000,00 ao montante da importância que teve de pagar a uma pessoa que durante 10 meses cuidou de si; € 22.026,26 aos danos patrimoniais futuros decorrentes da diminuição da sua capacidade de ganho por causa da incapacidade física de que ficou afectado e o restante, ou seja, € 722,29 a danos emergentes relacionados com despesas médicas e medicamentosas e outras que teve de suportar para tratamento das lesões sofridas) e não patrimonial (que avaliou então no valor de € 25.000,00).

Pelo ressarcimento de tais danos é responsável a ré, por virtude do contrato de seguro celebrado com o proprietário do referido veículo, através do qual a mesma assumiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros na condução do dito veículo.

2. Na sua contestação, a ré aceitou que a produção do referido acidente foi da inteira responsabilidade do condutor daquele veículo seu segurado, limitando-se quanto ao demais a contestar nos termos do artº 490, nº 3, do CPC e a considerar excessivos muitos dos montantes indemnizatórios peticionados pelo A., e nomeadamente a título de danos não patrimoniais.

3. No despacho saneador, afirmou-se a validade e a regularidade da instância, após o que se procedeu à selecção da matéria de facto, sem que tivesse sido objecto de qualquer censura das partes.

4. Na sequência do exame pericial que lhe foi, entretanto, realizado e com base no resultado da mesmo, o autor apresentou articulado superveniente tendo ali ampliado o seu pedido inicial, fazendo-o acrescer das quantias de € 81.000,00 - a título de dano patrimonial pelo rebate profissional traduzido em impedimento de exercer qualquer actividade profissional por força das sequelas sofridas e descritas no relatório pericial - e de € 25.000,00 - a título de aumento, em consequência de tal, dos danos não patrimoniais -; acrescidas dos respectivos juros de mora.

Ampliação essa do pedido essa que foi admitida pelo despacho de fls. 206/208, o que motivou também uma ampliação da base instrutória.

5. Procedeu-se, mais tarde, à realização do julgamento – com a gravação dos depoimentos prestados na respectiva audiência -, que terminou com a resposta aos diversos pontos factuais levados à base instrutória.

6. Seguiu-se a prolação da sentença que, a final, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu no seguintes termos:

- Condena-se a ré a pagar à autora a quantia global de 21.072,29 (vinte e um mil e setenta e dois euros e vinte e nove cêntimos), a título de indemnização de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento;

- Condena-se a ré a pagar à autora a título de danos patrimoniais futuros, a quantia global de 17.500,00 euros (dezassete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até integral pagamento.

- Condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de 15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até integral pagamento;

- Absolve-se a ré da parte restante do pedido.

7. Com o fundamento de com ela não se conformarem, autor e ré apresentaram requerimento de interposição de recurso da sentença; recursos esses que foram admitidos (fls. 287) como sendo de apelação.

8. Nas correspondentes alegações daquele recurso que interpôs, o autor concluiu as mesmas nos seguintes termos:

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9. A fls. 322/337, a ré apresentou contra-alegações ao recurso apresentado pelo autor, pugnando pela improcedência de tal recurso e pela manutenção do julgado em tal sentença.

10. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


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II- Fundamentação


1. Questão prévia.

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2. Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objecto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

2.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso do A., verifica-se que as questões nele colocadas e que cumpre aqui apreciar são as seguintes:

a) Da impugnação da decisão da matéria de facto (alteração da resposta ao quesito 11º da base instrutória).

b) Da indemnização ao A. por ajuda de terceira pessoa.

c) Da fixação do quantum indemnizatório relativamente aos danos (patrimoniais futuros) sofridos pelo autor decorrentes da incapacidade física de que ficou afectado em consequência das lesões causadas por tal acidente.

d) Da fixação do quantum indemnizatório relativamente aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor em consequência do sobredito acidente.

e) Da data do início do vencimento dos juros de mora, relativamente aos montantes indemnizatórios fixados pelos danos referidos em c) e em d).


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3. Quanto à 1ª questão.

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4. Os factos.

Devem ter-se como provados os seguintes factos (respeitando-se a ordem de descrição feita na sentença da 1ª instância):

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5.1 Como se extrai das questões que supra deixámos elencados como constituindo objecto a conhecer neste recurso, a questão da culpa na produção do acidente de viação a que se reportam os presentes autos está definitivamente julgada e fixada (com a atribuição da culpa exclusiva da produção do mesmo ao condutor do veículo PJ, segurado na ré).

Desse modo, e antes de nos debruçarmos sobre cada um dos concretos danos cuja indemnização que aqui está em causa e que acima deixámos elencados sob as als. b), c) e d), afigura-se-nos que se justificará tecer umas breves (dado a forma correcta e minuciosa da abordagem teórica à respectiva temática feita na douta sentença recorrida) considerações preliminares sobre a obrigação (geral) de indemnizar, e tendo sempre presente o caso em apreço (de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos).

5.1.1 Nos termos do artº 562 do Código Civil – diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem - o objectivo da indemnização consiste em colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fora o acontecimento produtor do dano, desde que este seja resultante desse evento em termos de causalidade adequada.

Tal resultado deve ser procurado, em primeiro lugar, pela reposição da situação tal como estava antes da produção do dano - princípio da restauração natural.
Todavia, não raras vezes essa reposição apresenta-se muito difícil ou mesmo impossível (como acontece no caso dos danos não patrimoniais), tendo lugar, então, a indemnização em dinheiro (cfr. artº 566, nº 1).
Ou seja, como decorre os normativos legais acabados de citar, vigora entre nós o principio da restauração ou reposição natural, traduzido na imposição para o lesante de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Ou melhor ainda, tal reparação do lesado deve, em princípio, ser feita através da restauração ou reposição natural, só devendo a mesma ser feita em dinheiro sempre que tal reconstituição (natural) não seja possível, não repare integralmente o dano ou se mostre excessivamente onerosa para o devedor.

Como resulta do artigo 563, tal obrigação de reparar supõe a existência de um nexo causal entre o facto e prejuízo. Porém, o nexo de causalidade (adequada) exigido entre o dano e o facto não deverá excluir a ideia de causalidade indirecta – que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste (vidé, por todos, profs. Pires de Lima e A. Varela, in «Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 548»).

O montante da indemnização medir-se-á pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (nº 2 do artº 566, que consagra a chamada teoria da diferença).

Na fixação dessa indemnização deve atender-se, não só aos danos patrimoniais, como também aos danos não patrimoniais. Todavia, quanto a estes últimos apenas serão de considerar aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo essa gravidade medida por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos (cfr. artº 496, nº 1).

Caberá ao tribunal, assim, em cada caso concreto, dizer se o dano (não patrimonial) é ou não merecedor de tutela jurídica.

Quanto ao cálculo do montante da indemnização por danos não patrimoniais é sempre feito com base em critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida (vidé profs. Pires Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 501”).
Como decorre ainda do já acima citado artº 564, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, ou seja, os danos emergentes, como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes, sendo que nos termos do nº 2 daquele mesmo normativo na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; e se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Posto isto, avancemos para o concreto conhecimento das questões acima elencadas que ainda estão em aberto e que têm a ver com indemnização dos danos ali referidos.

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6. Quanto à 2ª questão.
Insurge-se o autor contra a sentença recorrida pelo facto de não ser ali atendida a sua pretensão no sentido de ser indemnizado pelo alegado dano emergente, decorrente das alegadas importâncias que teve de pagar a uma pessoa que cuidou de si durante um largo período de tempo que esteve absolutamente incapacitado, devido às lesões sofridas com o dito acidente.
A resposta a essa questão já resulta implicitamente daquilo supra deixámos expresso quando abordámos a 1ª questão acima elencada, e que tinha ver com a mesma (para efeitos de prova de um dos factos consubstanciadores do alegado dano).
Como se extrai das considerações teóricas acima atrás expandidas e bem assim ainda do artº 483, a obrigação de indemnizar impõe, além de outros pressupostos legais que aqui não estão em causa, a existência de um dano causado ao lesado pela conduta do lesante.
Ora, face à resposta negativa que, a tal propósito, foi dada ao acima transcrito artigo ou quesito 11º, ter-se-á de concluir que o A. não fez – como lhe competia, nos termos dos artº 342, nº 1 - prova de tal dano. Ou seja, não obstante os factos provados, a esse propósito, acima descritos sob os nº s 66, 67, 68 e 69 (e que resultaram das respostas dadas aos artigos/quesitos 7º, 8º, 9º e 10º) não ficou provado que o A. tenha despendido ou pago qualquer importância a tal pessoa por cuidar se si.
Não sendo tal facto, como já acima vimos, notório, não se diga sequer que o mesmo poderia ser demonstrado, ou seja, dar como provado, através do recurso às presunções judiciais baseadas nas regras da experiência comum da vida e a partir daqueles outros factos que foram dados com provados (cfr. artºs 349 e 351).
É que, tal como vem hoje constituindo entendimento claramente dominante, a ilações a extrair pela Relação dos factos provados jamais poderão levar à alteração das respostas dadas à base instrutória, ou seja, não se pode através do recurso às ilações dar como provados factos que contrariem respostas negativas que incidiram directamente sobre os mesmos, como sucederia no caso presente - face à resposta negativa que, a tal propósito, obteve o quesito 11º - se, como pretende o apelante, se desse agora, através do recurso a ilações presuntivas, como provado o alegado pagamento, ainda que de montante indeterminado (Vidé, a propósito, entre outros, Ac. do STJ de 17/11/2005, in “Revista nº 2495/05, 2ª sec.”, Ac. da RC de 14/3/2006, in “apelação nº 55/06” e o prof. Calvão da silva, in “RLJ Ano 135, pág. 125 e ss”).
Nesses termos, decide-se nessa parte julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
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7. Quanto à 3ª questão.
Uma outras das questões que ainda está em aberto é aquela que acima elencámos e que tem a ver com a fixação do quantum da indemnização devida pelos danos patrimoniais (futuros) decorrentes da incapacidade física de que o o A./apelante ficou afectado em consequência das lesões sofridas com o referido acidente, já que o mesmo discorda do montante indemnizatório fixado na sentença recorrida (€ 17.500,00), defendendo que esse montante seja fixado em € 50.000,00.
No que concerne a tal dano, está, pois, aqui em causa somente a fixação do seu quantum indemnizatório.
Questão essa que passaremos a apreciar, ao mesmo tempo que se impõe tecer algumas preliminares considerações teóricas sobre tal dano e o modo de o avaliar.
A indemnização pela perda ou diminuição da capacidade aquisitiva deve, como regra, ser calculada em atenção ao tempo provável de vida da vítima, ou seja, à esperança média de vida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e actual até final desse período.
E mesmo nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência perfilham hoje o entendimento claramente dominante no sentido da ressarcibilidade do dano. (Vidé, entre outros, o prof. Vaz Serra, in “RLJ, ano 102 – 296”; o prof. A. Varela, in “Obrigações, Vol. I, pág. 910”; Ac. do STJ de 5/2/87, in “BMJ 364 – 819”; Ac. do STJ de 17/5/94, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 – 101” e Ac. da RC de 4/4/95, in “CJ Ano XX, T2 – 20”).
Aliás, a esse propósito, e no mesmo sentido, defendeu-se no acordão do STJ de 8/01/2004 (in “Rec. Rev. nº 4083/03”) que a incapacidade parcial permanente constitui fonte de um dano futuro de natureza patrimonial, traduzido na potencial e muito previsível frustração de ganhos, na mesma proporção do handicap físico ou psíquico, independentemente da prova de prejuízos imediatos nos rendimentos do trabalho da vítima. Sendo assim de valorar e indemnizar tal dano (patrimonial) no caso das lesões sofridas pela vítima deixarem sequelas permanentes, susceptíveis de se poderem reflectir negativamente no futuro, em termos de capacidade de trabalho e de progressão na carreira, muito embora não originem, em termos imediatos, perdas de rendimentos.
Para tanto, com vista a proceder ao cálculo desse dano, e numa tarefa que nunca se afigura fácil, há que lançar mão das normas constantes dos artºs 564 e 566, nº 3, de donde se retira a legitimação do recurso à equidade (cfr. artº 4) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita.
Nessa medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida (Claus Canaris, in “O Pensamento Sistemático e o Conceito de Sistema na Ciência do Direito”).
A equidade deve ser a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo, o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 10/12/98, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T1 – 65” e os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil anotado, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 474”).
Têm sido vários os critérios utilizados para o cálculo da indemnização, desde o recurso a fórmulas usadas para as pensões por acidentes de trabalho ou no cálculo do capital de remissão; regras técnicas do direito do trabalho; recurso a tabelas financeiras; fórmula de cálculo aplicável ao usufruto ou fórmulas matemáticas adoptadas, nomeadamente, nos acordãos do STJ de 4/3/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T1 – 128”; de 5/5/94 in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 – 86”; Ac. da RC de 4/5/95, in “CJ, ano XX, T2 – 232”.
Todavia, e como é sabido, quaisquer tabelas financeiras para o cálculo indemnizatório não são vinculativas, servindo apenas, quando muito, como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano, ou seja, como auxiliar na determinação da quantificação do dano (vidé, por ex., Ac. do STJ de 8/3/79, com anotação favorável do prof. Vaz Serra in “RLJ ano 112 – 263”, Ac. do STJ de 4/2/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T1 – 129”; Ac. do STJ de 5/5/94, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 –86”; Ac. do STJ de 28/5/95, in “CJ, Acs. do STJ, Ano III, T3 – 36”; Ac. do STJ de 15/82/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T3 – 155”, e ainda os acordãos desta Relação e secção, de 4/1/2003; de 10/2/2004, de 4/5/2004 e de  5/7/2006, respectivamente, in“Rec. de Apelação nº 300/03”; “Rec. de Apelação nº 1079/04; “Rec. de Apelação nº 4061/03” e “Rec. de Apelação nº 1595/06”, o último dos quais publicado na CJ, Ano XXXI, T3 – 28, no qual foi relator o mesmo de agora, e cujo pensamento seguimos de perto).
Por isso, é de afastar também a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em equações de complexidade variável, como determinadas fórmulas matemáticas utilizadas em certos arestos (cfr. por ex., Ac. do STJ de 4/2/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T1 – 129” e Ac. do STJ de 6/7/2000, in “CJ, Acs. do STJ, Ano X, T2 – 11”), e que se encontram criticamente comentados no estudo do Cons. Sousa Dinis “Dano Corporal em Acidente de Viação”, publicado na CJ, Acs. do STJ, Ano IX, T1, págs. 6 e ss”).
Sem embargo da utilização de critérios pautados por um maior grau de objectividade, a solução baseada na equidade postula uma razoável ponderação dos elementos estruturais que emergem do quadro fáctico, sendo que o uso paralelo da aritmética apenas poderá servir, como atrás já se referiu, como factor adjuvante e auxiliar do percurso decisório.
Assinale-se ainda a tal propósito, que recentemente (à semelhança do que já sucede em alguns países, nomeadamente na vizinha Espanha com o sistema de “baremación”, introduzido pela a Ley nº 30/1995 de 89/11, vinculativo para os tribunais desse país, e na França que, sem pendor vinculativo, implantou um modelo assente em “barèmes”, integrado numa Convenção destinada a regularizar os sinistros de circulação rodoviária, adoptada depois da publicação da Loi nº 85-677 de 5/7/1985, apelidada de “Loi de Badinter”) foi publicada a Portaria nº 377/2008 de 26/5 – na sequência do DL nº 291/2007 de 21/8, com as alterações entretanto introduzidas pelo DL nº 153/2008 de 6/8 – fixando (sem carácter vinculativo) critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação (em fase não contenciosa) aos lesados por acidente de viação, de proposta razoável para indemnização pelo dano corporal (sendo alguns desses critérios de cálculo com recurso também a tabelas matemáticas – vg. Anexo III).
No contexto que supra deixámos expresso, tendo por base os princípios gerais expostos e os elementos factuais disponíveis, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, devem ser tomados, designadamente, os seguintes elementos referenciais:
- O período provável de vida activa, bem como a esperança média de vida, que, segundo as estatísticas, no nosso país se situa actualmente em 74,9 anos para os homens e 81,4 anos para as mulheres (e de acordo com o relatório do INE – Estatísticas Demográficas, reportado a 31/12/2005 e divulgado em 7/8/2006 no site www.ine.pt).
- A esse propósito, e como tem vindo a salientar a jurisprudência do nosso mais alto tribunal, finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com ela todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como aliás decorre das regras da experiência comum de vida (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 28/9/95, inCJ, Acs. do STJ, Ano III, T3 – 36”; Ac. do STJ de 16/3/99, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VII, T1 – 167”; Ac. do STJ de 25/7/2002, in “CJ, Acs do STJ, Ano X, T2 – 128”; e Acs. da RC de 5/3/2002 e de 22/5/2002, in “www dgsi.pt/jtrc”). Aliás, as reformas e convulsões que actualmente se fazem sentir a nível da segurança social reforçam cada vez mais essa ideia.
Muito embora as regras gerais do processo indemnizatório, designadamente a “teoria da diferença”, se ajustem melhor à diminuição da capacidade de ganho, o certo é que a incapacidade funcional ou “dano fisiológico”, numa perspectiva sistemática da teoria geral da indemnização, implica a sua ressarcibilidade enquanto dano patrimonial futuro (vidé, Álvaro Dias, in “Dano Corporal – Quadro Epistemilógico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra – Almedina, 2001, págs. 255/2652”).
Por conseguinte, mantendo-se este dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida.
- A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo.
- A taxa de inflação nas próximas décadas e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.
Quanto às taxas de capitalização, devem corresponder à previsível remuneração do dinheiro no período a considerar (cfr. acs. do STJ de 4/3/93, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T1 – 128”; de 5/5/94 in “CJ, Acs. do STJ, Ano II, T2 – 86”; de 16/3/99, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VII, T1 – 167”), afigurando-se, actualmente, cada vez mais curial trabalhar-se com uma taxa à volta dos 2% tendo em conta as actualmente praticadas no mercado financeiro (taxas de remuneração dos depósitos a prazo ou as dos certificados de aforro).
A percentagem de IPP que, como resulta do que supra ficou exarado, pode traduzir-se em incapacidade total para o ofício, sem possibilidade de reconversão, ou ser o exercício desse ofício total ou parcialmente possível, com ou sem diminuição salarial.
Ora, no caso em apreço, afigura-se-nos estarmos na 1ª situação e pelo seguinte:
Não obstante o A. ser reformado por limite de idade (cfr. nº 58 da descrição dos factos provados, e cuja peça nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o número), todavia, também ficou provado, por um lado, que o mesmo era na altura do acidente um médio empresário agrícola, sendo ele que efectuava grande parte dos trabalhos e procedia à sua organização (cfr. nºs 62 e 63), e, por outro, que por força da incapacidade permanente geral (IPP) de 30% de que ficou afectado, em consequência das lesões resultantes do acidente, o mesmo ficou para sempre (e até ao fim da sua vida) impossibilitado de exercer essa sua actividade laboral (cfr. nºs 60 e 80).
E sendo, assim, a perda aquisitiva ou de capacidade de ganho no que concerne a tal actividade é praticamente total (sendo certo ainda que dada a sua avançada idade não poderá, como é consabido, reconverter essa sua actividade), razão essa pela qual se nos afigura ajustado tomar para o efeito do cálculo de tal dano um coeficiente de incapacidade de 100% (sendo certo que é apenas o dano resultante da perda de rendimentos no que concerne a tal actividade que aqui está em causa), muito embora tal deva ser tomado em consideração no montante final a encontrar, com a introdução de alguns ajustamentos.
Daí, portanto, que seja de tomar como elemento ou critério, no cálculo do quantum indemnizatório do sobredito dano, o coeficiente de incapacidade de 100%
Para efeitos de contabilização do período de tempo da esperança de vida média que o autor ainda irá ter e que corresponderá ao período de tempo durante o qual o terá de suportar uma diminuição de rendimentos, atenderemos ao seguinte:
Para o cálculo desse período de tempo deve partir-se da data imediatamente posterior a 31/12/2005, quer porque foi aí que cessou a sua ITA (cfr. nº 65) - e que corresponderá à data da consolidação médico-legal das lesões -, quer porque na sentença da 1ª instância já lhe foi atribuída uma indemnização (no montante de € 20.350,00, e depois de já ter sido deduzida nesse dano a importância de € 10,400,00 correspondentes aos adiantamentos que a ré lhe fez) pela perda de rendimentos que o A. sofreu desde a data do acidente até àquela mesma data, por forma a, desse modo, evitar uma duplicação de rendimentos/indemnizações.
E nessa data (da cessação da ITA) o A. tinha a idade de 69 anos.

Ora, tendo em conta a data de nascimento do autor (20/03/1936), a data da ocorrência do acidente (26/7/2002), a datada cessão da ITA (31/12/2005), o período médio de esperança de vida actualmente calculado para os homens portugueses (74,9 anos de idade), obtém-se, por arredondamento, o nº de 6 anos de vida, a contabilizar para os efeitos supra aludidos.

Neste tipo de situações, e como base de cálculo da indemnização para o tipo do dano futuro em causa, é, como regra, de atender ao vencimento ou salário mensal auferido pelo lesado na altura do acidente (cfr., a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 2/10/2003, “in “Rec. Rev. nº 1976/03, 2ª Sec.”).

Porém, no caso em apreço, e como já vimos, está somente em causa a perda de rendimentos futuros na exercício da sua actividade de empresário agrícola, derivados da impossibilidade de continuar a exercer tão actividade por virtude da incapacidade física de que ficou afectado.

Dado que ficou provado que tal actividade valia, pelo menos, para o A. € 750,00 mensais (cfr. nº 64), será esse o montante de que nos serviremos também como base de cálculo da indemnização de tal dano.
Assim, considerando que o autor tinha (à data da cessão da ITA) ainda cerca de 6 anos de esperança vida (obtidos por aproximação ou arredondamento), que o seu rendimento anual (tomando, repete-se, para o efeito, e como base de cálculo, somente a actividade de empresário agrícola e aquele montante mensal de rendimento dela retirado à data do acidente) se cifrava então em € 9.000,00 (€ 750,00 x 12 meses – pois no caso entende-se não englobar aqui os meses correspondentes aos subsídios de Natal e de férias consagrados nos nosso sistema, dado, por um lado, já beneficiar deles enquanto reformado, e, por outro, estarmos a falar de um empresário que se dedicava à actividade agrícola por conta própria), que o coeficiente de incapacidade a considerar para o efeito é, como acima justificámos, de 100%, conclui-se que a respectiva perda de rendimentos ao fim dos 6 anos, que o autor tem previsivelmente de esperança de vida, importava no valor total de € 54.000,00.
Porém, essa importância não é, como acima vimos, necessariamente vinculativa, pois sempre, em princípio, teria de sofrer um ajustamento - já que o lesado vai receber de uma só vez aquilo que, em regra, deveria receber em fracções anuais ao longo de 6 anos, havendo, assim, uma antecipação de capital, que poderá de imediato aplicar e fazer render -, para se evitar, desse modo, uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia.
Todavia, haveria, por outro lado, que ter ainda em conta outros factores que, sendo projectados no futuro, não é possível agora quantificar, tais como, por ex., a inflação ou a variabilidade das taxas de capitalização (dos rendimentos auferidos), as quais como é sabido se apresentam actualmente em níveis extremamente baixos. A evolução profissional não será no caso de atender, quer por força da idade avançada do autor (que levou à sua reforma por limite de idade), quer devido à actividade agrícola a que se dedicava.
Desse modo, e sopesando ainda todos os demais factos e circunstâncias atrás descritos, afigura-se-nos ajustado fixar equitativamente o dano patrimonial futuro sofrido pelo autor, em consequência da incapacidade física de que ficou afectado por virtude das lesões sofridas com o dito acidente, na quantia total de € 45.000,00 (actualizado a esta data).
E nessa medida se revoga a sentença recorrida, julgando-se, nesta parte, parcialmente procedente o recurso do A.

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8. Quanto à 4ª questão.
Da fixação do quantum indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
Para reparação de tais danos a sentença recorrida fixou uma indemnização no montante global de € 15.000,00 (montante esse também sufragado, agora, pela apelada), valoração essa que o apelante entende agora nas suas alegações de recurso não dever situar-se abaixo dos € 25.000,00.
Qual então o montante indemnizatório por tais danos que se deve considerar ajustado?
No que concerne aos critérios gerais que devem presidir ao cálculo da indemnização de tais danos, de natureza não patrimonial, e para evitar estarmo-nos a repetir, remetemos para o que a esse propósito já supra deixámos exarado, e bem assim para aquilo que a tal propósito foi expandido, de forma proficiente, na douta sentença recorrida.
Convém ainda sublinhar que também nós estamos alinhados àquela corrente jurisprudencial que desde alguns anos a esta parte tem vindo a enfatizar a necessidade de elevar, progressivamente, os padrões de indemnização, com vista a afastar a tradição miserabilista que em tal domínio vinha graçando entre nós, sob pena dos nossos tribunais não estarem a acompanhar a dinâmica e a evolução da vida.
No caso em apreço, para tal cálculo, sempre com base no juízo de equidade, não poderemos deixar de tomar ainda particularmente em atenção, por um lado, que o segurado da ré foi o único responsável pela produção do acidente que vitimou o autor, a situação de superioridade económica em que se encontra a ré em relação à vitima e, por outro lado, o tipo, a natureza e as consequências das lesões sofridas por ele (nelas se incluindo a dor, as sequelas por elas causadas e bem assim a intensidade e o grau delas) e os respectivos incómodos daí resultantes (o que tudo de encontra retratado nos nºs 38. a 58, 60, 61, 65 a 69, 72 a 81 da descrição dos factos assentes), numa situação que, globalmente, se nos afigura ser de significativa gravidade.
Dessa situação danosa, permitimo-nos salientar e enfatizar que o autor, em consequência das lesões sofridas, ficou com um dano fisiológico/funcional de 30% (que o impede no futuro de exercer a sua actividade agrícola), que, por causa dessas lesões, foi sujeito a três intervenções cirúrgicas (embora não se revestindo em si, aparentemente, de grande complexidade e melindre, mas que se apresentaram, todavia, dolorosas), que por causa dessas mesmas lesões teve de andar com muletas ou canadianas durante 3 anos e que, em consequência, dessas intervenções cirúrgicas a que foi submetido ficou com 34 cm na face externa da coxa (sendo certo que, neste caso - dado, por um lado, a localização da referida cicatriz, e, por outro, a idade já avançada do autor –, o dano estético daí resultante não deve ser considerado de grande significado ou relevância). Por fim, na avaliação de tais danos não podemos também deixar de considerar a idade avançada do autor, por virtude da qual não se colocam, nomeadamente, questões relacionadas com a sua afirmação pessoal ou profissional.
Assim, sopesando todas as considerações e circunstâncias supra descritas, afigura-se-nos ajustado fixar a valoração indemnizatória de tal dano não patrimonial (nele se incluindo todas as suas vertentes referidas na sentença recorrida) no montante de € 25.000,00 (actualizado a esta data), indo assim ao encontro da pretensão do A. formulada neste recurso. Montante esse que, na nossa perspectiva, a pecar será por defeito e não por excesso.
E nessa medida se revoga também em tal parte a sentença recorrida.
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9. Ao actualizarmos os montantes indemnizatórios acima fixados, e devidos pelos danos patrimoniais futuros e pelos danos não patrimoniais supra referidos, à data da prolação deste acórdão, fica, de algum modo, por um lado, prejudicada e, por outro, indirectamente respondida a 5ª questão que supra deixámos elencada.
Como é sabido, o acordão do STJ nº 4/2002 (de 9/5/2002, publicado no DR Iª S-A, de 27/6/2002) que veio uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 (interpretado restritivamente), e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Acordão esse que colocou, assim, e desde logo, termo a uma longa polémica sobre o saber como interpretar e conjugar a 2ª parte do nº 3 do artº 805 do Código Civil (após a redacção que lhe foi introduzida pelo DL nº 262/83 de 16/6) com o artº 566, nº 2, desse mesmo diploma, e nomeadamente sobre o saber se, num caso de responsabilidade por factos ilícitos ou por risco, o juiz podia arbitrar uma indemnização em dinheiro, actualizada nos termos do prescrito naquele último normativo, e ao mesmo tempo condenar ainda, em regime de cumulação, o responsável pelos juros de mora a serem contabilizados desde a data da sua citação para a acção.
A partir de então ficou claro, com tal doutrina, que a regra, contida na 2ª parte do citado nº 3 do artº 805, de que os juros de mora são devidos desde a data da citação do responsável, deixa de funcionar se o montante indemnizatório atribuído for entretanto objecto de uma actualização, ou seja, de um cálculo actualizado, pois, nesse caso, os juros moratórios só passarão a vencer-se, isto é, a ser devidos e a poder ser contabilizados, a partir da data da prolação da decisão actualizadora de tal montante indemnizatório.
Portanto, a regra é de que, no caso de responsabilidade por factos ilícitos ou por risco, os juros moratórios se vencem desde a data da citação do responsável, e a excepção é de que assim não será quando a indemnização atribuída tiver sido entretanto objecto de cálculo actualizado (à luz do nº 2 do citado artº 566), porque nessa altura tais juros só passarão a vencer-se e a poder ser contabilizados a partir da data em que foi proferida a decisão actualizadora.
E como assim é, e dado que estamos no domínio de matéria de excepção, torna-se necessário (para que tal excepção funcione) que do texto da decisão resulte clara e expressamente que tal actualização da indemnização tenha sido feita (ex professo), sendo de pôr de lado o recurso a quaisquer critérios de supostas actualizações implícitas ou presumidas, tal como dominantemente vem também entendendo o nosso mais alto tribunal.
Mas aquele acordão uniformizador de jurisprudência abriu também caminho para pôr termo a mais uma vexata quaestio, quando, no ponto 4.7 da sua fundamentação, afirmou que “nesta problemática, não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais....., uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo, actualizado constante do nº 2 do artº 566º”. (sublinhado nosso).
Entendimento esse que depois se reflectiu a final na elaboração da sobredita norma ou jurisprudência interpretativa já que se limitou a falar de “indemnização pecuniária”, sem qualquer cuidado de distinguir o tipo ou natureza de danos de que a mesma emerge.
No sentido que acabámos de expôr, vidé ainda, entre outros, Ac. do STJ de 7/4/2005, processo nº 05B516, relatado pelo exmº sr cons. Ferreira de Almeida; Ac. do STJ de 3/2/2005, processo nº 04B4377, relatado pelo exmº srº cons. Moitinho de Almeida e Ac. do STJ de 27/4/2005, processo nº 03B2086, relatado pelo exmº sr cons. Lucas Coelho, e bem assim abundante jurisprudência desse alto Tribunal ali citada, todos publicados in www.dgsi.pt/jst e ainda acordãos desta Relação e secção de 21/6/2005 e de 15/05/2007, in “Recs. de Apelação nºs 1475/05 e 395/2001.C1 (disponíveis igualmente na net), que tiveram como relator o mesmo deste acórdão.

Logo, será a partir da data da prolação deste acórdão que se vencerão os juros de mora, a contabilizar sobre cada uma das sobreditas importâncias indemnizatórias dos referidos danos, as taxas legais em vigor, sendo a actualmente em vigor de 4% (cfr. Portaria nº 291/2003 de 8/4).


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III- Decisão


Assim, em face do exposto, e na parcial procedência do recurso, acorda-se:

a) Em condenar a ré, B...., a pagar - a título de danos não patrimoniais e patrimoniais futuros (decorrentes estes da incapacidade física de que ficou afectado) sofridos com o acidente a que se reportam os presentes autos – ao autor, A..., a quantia indemnizatória global de € 70.000,00 (setenta mil euros), acrescida de juros mora, vencidos – desde a data da prolação deste acórdão – e vincendos, à taxa legal de 4 %, e até ao seu integral pagamento.

b) Em manter, quanto ao demais, o decidido na sentença da 1ª instância.

c) Julgar ainda deserto o recurso que a ré havia interposto da sentença da 1ª instância.

Custas, da acção e do recurso, pela ré/apelada e pelo autor/apelado, na proporção dos respectivos decaimentos.