Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
306/17.0T8SEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO ESTRADAL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/28/2018
Tribunal Recurso: GUARDA (JCG DE SEIA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 132.º E 188.º DO CE; ART. 27-A.º E 28.º DO RGCO
Sumário: I – Tratando-se de uma contraordenação ao Código da Estrada, o prazo de prescrição é de dois anos – artigo 188.º, n.º 1, do CE.

II – A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se nos casos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO (Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de outubro), e suspende-se nos termos do artigo 27-A.º, n.º 1, do referido RGCO.

Decisão Texto Integral:








            Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I

1. Nos autos supra identificados,

 Por decisão de 1.7.2015, proferida pela A.N.S.R. (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária), foi o arguido A... , melhor identificada nos autos, condenado pela prática de uma contraordenação ao disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento de Sinalização de Trânsito na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias.   

            2. Inconformado, interpôs o recorrente arguido recurso judicial de impugnação da decisão para o tribunal competente.

            3. O Tribunal recorrido proferiu decisão, por despacho, a tal não se tendo oposto quer o recorrente quer o Ministério Público, julgando improcedente a impugnação, mantendo a decisão administrativa nos seus exatos termos.

            4. Desta decisão judicial recorre agora o arguido para este Tribunal da Relação de Coimbra, formulando as seguintes conclusões:

                        A) Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou o Recurso (Contra-ordenação) improcedente, mantendo a decisão administrativa recorrida nos seus exactos termos.
B) O presente recurso abrange ou tem por objecto, apenas a parte da sentença que julgou improcedente a invocada excepção de prescrição.
C) Por razões de celeridade processual, foi criado um regime próprio de contagem do prazo que simplificou o geral, estatuindo um prazo único de dois anos, conforme estipula o art. 188, nº 1 do Cód. da Estrada.
D) Ora, tendo o recorrente praticado a infracção em 27/01/2015, desde esta data até à prolação da sentença recorrida, já passaram mais de dois anos e meio, pelo que o presente procedimento por contra-ordenação já está prescrito.
E) Em conclusão, o tribunal recorrido não fez correcta interpretação dos preceitos legais atinentes, assim violando o disposto no art. 188, nº 1 do Cód.
da Estrada.
F) Sem prescindir sobre o acima alegado, na hipótese do Tribunal da Relação considerar improcedentes os argumentos apresentados e assim entender que se aplica às contra-ordenações rodoviárias as causas de interrupção e suspensão do prazo prescricional previstas no regime geral das contra-ordenações;
G) O Despacho (proferido a fls. 26 - cfr. fls. 34) não é um despacho-sentença, não contém nenhuma decisão, não põe termo ao processo, é um despacho de mero expediente, é uma simples notificação.
H) Por isso, não podemos aceitar, salvo o devido respeito, o entendimento do Tribunal a quo, de que tal despacho suspende (ou interrompe) o prazo de prescrição.
I) Desde 27 de Julho de 2015 (notificação da decisão da autoridade administrativa ao recorrente) até à prolação da sentença recorrida, já passaram mais de dois anos, pelo que o presente procedimento por contra-ordenação já está prescrito.

J) Pelo exposto, deverá este Douto Tribunal, declarar extinto por prescrição, o procedimento por contra-ordenação contra o recorrente. 

 Termos em que, com o douto suprimento de V. Exªs., deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser declarado prescrito, o procedimento por contra-ordenação contra o recorrente.


   5. O Ministério Público respondeu, concluindo que:
1º   O arguido A... foi condenado pela prática da contra-
ordenação p. e p. pelo art. 69.º n.º 1 al. a) e 76.º al. a) do Regulamento de Sinalização de Trânsito, 138.º e 146.º al. l) do C Estrada, na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias, após decisão que manteve integralmente a respectiva decisão administrativa. 
2º A prescrição do presente procedimento contra-ordenacional interrompeu-se a 27 de Julho de 2015, com a notificação da decisão da autoridade administrativa ao recorrente – cfr. fls. 10, e suspendeu-se a 17 de Julho de 2017, com a notificação do despacho proferido a fls. 26 – cfr. fls. 34.
3.º Não se mostra ainda decorrido o prazo máximo estabelecido pelo artigo 28.º n.º 3 do CE - prazo de 3 anos e 6 meses (prazo normal de 2 anos, acrescido de metade -1 ano - e do prazo máximo de suspensão - 6 meses). 
Pelo exposto, o procedimento contra-ordenacional não se encontra prescrito, pelo que deve a decisão recorrida ser mantida na íntegra.

            6. Nesta instância, O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, sufragando a posição já assumida em primeira instância, mais dizendo que não existem dúvidas que se aplicação às contraordenações rodoviárias o RGCO do DL nº 433/82 de 27/2 e respetivas atualizações.

            7. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

III

Questão a apreciar:

A alegada prescrição do procedimento contraordenacional.

                                                                 IV

1. A decisão recorrida tem o seguinte teor no que para o efeito releva:

“Da excepção de Prescrição:

Por requerimento de 13.07.2017, sob a referência electrónica n.º 913282, o arguido veio invocar a prescrição do procedimento por contra-ordenação (ainda que o tenha feito de forma muito pouco ou nada rigorosa).

A Digna Magistrada do Ministério Público pugnou pelo indeferimento da pretensão.

Cumpre apreciar e decidir.

A data da alegada prática dos factos é 27-01-2015 (cfr. fls. 9).

Atento o disposto no artigo 188º do Código da Estrada, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de dois anos, o que equivale a dizer que, caso não se verificasse qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição, esta ocorreria no dia 28.01.2017.

O artigo 28.º do RGCO preceitua que:

“1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.”.

Estipula ainda o artigo 27.º-A do RGPTC que:

“1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Em concreto, a prescrição interrompeu-se a 27 de Julho de 2015, com a notificação da decisão da autoridade administrativa ao recorrente – cfr. fls. 10 – iniciando-se então um novo prazo, e suspendeu-se a 17 de Julho de 2017, com a notificação do despacho proferido a fls. 26 – cfr. fls. 34.

Com bem nota o Ministério Público, desde a data da prática dos factos não se mostra ainda decorrido o prazo máximo estabelecido pelo artigo 28.º n.º 3 do diploma em causa - prazo de 3 anos e 6 meses (prazo normal de 2 anos, acrescido de metade -1 ano - e do prazo máximo de suspensão - 6 meses).

Pelo exposto, o tribunal julga improcedente invocada excepção de prescrição”.

V

Cumpre decidir:

1. Inicia-se esta apreciação com a constatação óbvia de que não assiste razão ao recorrente, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura.

2. Diz o recorrente:
C) Por razões de celeridade processual, foi criado um regime próprio de contagem do prazo que simplificou o geral, estatuindo um prazo único de dois anos, conforme estipula o art. 188, nº 1 do Cód. da Estrada. 
D) Ora, tendo o recorrente praticado a infracção em 27/01/2015, desde esta data até à prolação da sentença recorrida, já passaram mais de dois anos e meio, pelo que o presente procedimento por contra-ordenação já está prescrito. 
E) Em conclusão, o tribunal recorrido não fez correcta interpretação dos preceitos legais atinentes, assim violando o disposto no art. 188, nº 1 do Cód. da Estrada.

3. Interpretação demasiado simplista, diga-se.

Olvida o recorrente as regras sobre interrupção e suspensão do prazo de prescrição, que não estão reguladas no Código da Estrada, aplicando-se, nesta matéria, o Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de outubro, com todas as atualizações desde então.

Para o efeito, dispõe o artigo 132º, do Código da Estrada:

“As contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações”[1].

4. Inexistindo dúvidas sobre a aplicação do RGCO ao pressente caso, analisemos, pois, a situação.

Os factos imputados ao arguido ocorreram no dia 27/01/2015, pelas 11h30m, na Estrada Nacional 231, Km 33, em Paranhos da Beira.

Tratando-se de uma contraordenação ao Código da Estrada, o prazo de prescrição é, na verdade, de dois anos – artigo 188º, nº1, do CE.

Todavia, a prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se nos casos previstos nas alíneas a) a d) do nº1 do artigo 28° do RGCO (Dec. Lei nº 433/82, de 27 de outubro), e suspende-se nos termos do artigo 27-A, nº 1 do referido RGCO.

, no caso, alínea c).

Como bem se decidiu em primeira instância, “a prescrição interrompeu-se a 27 de julho de 2015, com a notificação da decisão da autoridade administrativa ao recorrente – cfr. fls. 10 – iniciando-se então um novo prazo” – V. alínea d) do nº1 do artigo 28° do RGCO.

E suspendeu-se “a 17 de julho de 2017, com a notificação do despacho proferido a fls. 26 – cfr. fls. 34” - V. alínea c) artigo 27-A, nº 1 do referido RGCO.

Trata-se do despacho que admitiu o recurso de impugnação e respetiva notificação ao recorrente, não fazendo qualquer sentido a alegação deste (recorrente), de que se está perante um despacho de mero expediente e de uma simples notificação!

O que releva são os efeitos da introdução do processo contraordenacional em juízo para apreciação do recurso e notificação ao arguido. A suspensão ocorre com estes atos, tout court.

Nos termos do nº 2, daquele preceito (artigo 27-A), a suspensão não pode ultrapassar o prazo de seis meses.

Dispõe o nº 3, do artigo 28º do RGCO (Dec. Lei nº 433/82, de 27 de outubro), que ”a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade”.

Sendo o prazo de prescrição de 2 anos, acrescido de metade (um ano), perfaz-se o prazo de três anos.

A este prazo acresce o prazo de suspensão de seis meses – artigo 27º-A, nº 2.

Temos assim: 2 anos + 6 meses + 1 ano, ou seja, o prazo normal de 2 anos, acrescido do prazo máximo de suspensão de 6 meses, acrescido ainda de um ano correspondente a metade do prazo normal de suspensão. O que tudo perfaz o prazo de três anos e meio.

Assim sendo, este prazo, contado a partir do dia 27/01/2015, apenas se completará no dia 27.7. 2018.

O que significa que ainda não decorreu o prazo máximo de prescrição.

IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso do recorreste A... , mantendo-se a decisão recorrida.


*

Baixados os autos à primeira instância, uma vez que se mantém a sanção acessória de proibição de conduzir fixada na sentença, deverá ordenar-se a notificação do arguido para que proceda à entrega, no prazo de 10 dias, da carta de condução de que é titular, na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de ser determinada a sua apreensão (art.º 500º nº3 do CPP), com a advertência de que, não o fazendo, poderá incorrer no crime de desobediência (art.º 348º nº1 alínea b) do C. Penal - cfr. AUJ do STJ n.º 2/2013, DR n.º 5, I-S, de 08.01.2013); e poderá incorrer no crime de violação de proibições ou interdições caso infrinja a ordem de proibição de conduzir durante o período determinado (art.º 353º C. Penal);

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) Ucs.

Coimbra, 28 de Fevereiro de 2018

Luís Teixeira (relator)

               Vasques Osório (adjunto)


[1] V. neste sentido, ac. do TRP de 14.7.2008, CJXXXIII, 3, 221, onde se decide que “o prazo de prescrição das contraordenações rodoviárias é sempre de dois anos (artigo 188 do CE), aplicando-se as restantes normas do regime geral no que respeita à suspensão e interrupção da prescrição” – ac. referenciado pelo Ministério Público junto desta Relação.