Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
995/05.8TBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
ANULAÇÃO
AUTONOMIA PRIVADA
Data do Acordão: 12/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FUNDÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Legislação Nacional: ARTS.13, 26, 27, 53, 62 CRP, ART.405 CC, PORTARIA Nº809-G/94 DE 12/12, Nº356/204 DE 5/4
Sumário: I – Uma associação privada, reconhecida como um “Agrupamento de Defesa Sanitária ( ADS), nos termos da Portaria nº809-G/94 de 12/12, e actualmente como “Organização dos Produtores Pecuários” ( OPP), nos termos da Portaria nº 1088/97 de 30/9, destina-se a cooperar com a administração pública no âmbito da execução de programas que visam promover a saúde animal.

II – O princípio da autonomia privada tem dignidade constitucional.

III – Uma Portaria não pode excluir ou impor restrições ao princípio da autonomia privada, na vertente da liberdade contratual, contido no art.405 do CC, sob pena de violação do princípio constitucional da hierarquia das leis.

IV – Por isso, o direito de escolha do médico veterinário, conferido pelo art.12 nº1 da Portaria nº 356/2004 de 5/4,a cada um dos associados, não vincula a associação, no sentido desta ser obrigada a contratar veterinário indicado pelos associados.

V- Perante a associação, os direitos dos associados emergem do seu próprio estatuto ( direito orgânicos e direitos de gozo), mas podem ter também natureza contratual.

VI- Vinculando-se a associação perante os associados a contratar veterinários indicados por estes, mas recusando posteriormente a aceitá-los e a cooperar, responde contratualmente pelos prejuízos sofridos, nos termos do art.798 do CC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

*

Recorrentes (Autores)……...   A (…);

B (…)

…………………………………..C (…)

…………………………………  .D (…)

…………………………………. E (…)

. …………………………………F (…)

 …………………………………G (…)

…………………………………..H (…)

…………………………………  I (…)

…………………………………  J (…)

…………………………………..L (…).

Recorrida (Ré) (…).


*

I. Relatório:

a) Os Autores instauraram a presente acção declarativa, constitutiva e de condenação, com processo ordinário, com o fim de obterem a anulação de uma deliberação da assembleia geral da Ré, da qual são associados, tomada em 4 de Abril de 2005, que ratificou o procedimento da direcção da Ré, constante do «Esclarecimento de 8 de Abril de 2004», e as declarações relativas à forma de executar o programa sanitário, designadamente quanto ao mecanismo para a escolha de médico veterinário diverso dos constantes do rol de veterinários contratados pela associação e documentos necessários a essa mesma implementação.

Além deste pedido, os Autores pedem ainda que a Ré seja condenada ao pagamento das quantias que vierem a apurar-se em posterior liquidação, correspondentes aos danos por si mesmos sofridos e causados pelas deliberações da direcção e da assembleia da Ré, respectivamente, em 8 de Abril de 2004 e 4 de Abril de 2005.

 A acção baseia-se, em resumo, no direito que os Autores entendem pertencer-lhes de escolherem livremente um médico veterinário para cuidar dos animais das respectivas explorações pecuárias, direito estabelecido no n.º 1 do artigo 12.º da Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro (na redacção da Portaria n.º 356/2004 de 5/4), incumbindo, depois, à Ré, contratar o veterinário escolhido e pagar-lhe os serviços prestados, não sendo obrigatório, como pretende a Ré, que os Autores tenham de escolher um dos veterinários previamente contratados pela Ré.

A Ré sustenta que o alegando direito conferido pelo n.º 1 do artigo 12.º da Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro, não pode interferir com o direito da Ré reger a sua actividade interna, concretamente no âmbito da contratação de veterinários, impondo-lhe, contra a sua vontade, a contratação de um certo veterinário.

Por outro lado, se estivesse obrigada a contratar os veterinários que cada um dos seus 2000 associados lhe indicasse, não tinha meios financeiros para sustentar tal sistema.

Expostas as posições, saneado e instruído o processo, a acção veio a ser julgada totalmente improcedente, fundamentalmente por se ter entendido que, efectivamente, o disposto n.º 1, do artigo 12.º, da Portaria n.º 122/2003, de 5 de Fevereiro, não pode limitar o direito de liberdade contratual da Ré.

b) Os Autores recorrem da sentença por entenderem que têm, efectivamente, o direito de escolher livremente o médico veterinário.

Por outro lado, ao ser-lhes recusada pela Autora a efectivação deste direito sofreram diversos prejuízos patrimoniais, cuja indemnização pedem.

Concluíram assim:

1 - A sentença recorrida sufragou o entendimento de que a norma da mencionada portaria (na redacção introduzida pela Portaria n.º 356/2004, de 5 de Abril), ao obrigar a Ré recorrida a contratar os médicos veterinários estava ferida de ilegalidade, por violação do princípio de liberdade contratual.

2 - A autonomia privada, em geral, equivale a um espaço de liberdade reconhecido a cada um dentro da ordem jurídica.

3 - Em termos estritos, representa uma área reservada na qual as pessoas podem desenvolver as actividades jurídicas que entenderem.

4 - Comportando a liberdade de celebração e a liberdade de estipulação do negócio jurídico.

5 - Da portaria em causa não resulta qualquer violação desta liberdade contratual, já que não obriga à celebração de um qualquer contrato, nem se exige a formalização do mesmo.

6 - O que se prevê na portaria mencionada é o mesmo que já se previa, isto é, a execução de acções de profilaxia médica e sanitária, através de técnicos qualificados (veterinários).

7 - Restava à Ré criar as condições para que os veterinários escolhidos pudessem realizar as acções, contratualizando, da forma que melhor entendesse os respectivos serviços.

8 - A obrigação de contratar sempre existiu, existe e existirá por parte da recorrida, pois que necessário se torna estabelecer uma qualquer espécie de vinculo com o médico veterinário.

9 - Entendeu o Sr. Juiz «a quo» que existiria colisão de direitos.

10 - A colisão de direitos não existe se o direito dos recorrentes estiver ferido de ilegalidade.

11 - Só não havendo qualquer violação da liberdade contratual é que o direito dos recorrentes existe.

12 - O instituto de colisão de direitos só intervém quando o intérprete chegue à conclusão de que, tendo na sua frente uma pluralidade de direitos pertencentes a titulares diferentes, não é possível o respectivo exercício simultâneo e integral.

13 - O exercício do direito dos recorrentes em nada colidia com o exercício de um qualquer direito da recorrida.

14 - O exercício do direito dos recorrentes efectivava-se desde que fossem proporcionadas as mesmas condições de apoio técnico, administrativo e remuneratório que, à data, eram dados pela recorrida aos médicos que lhe prestavam serviços contratualizados.

15 - Não se impunha qualquer acréscimo de custos à recorrida.

16 - Daí que, não existiu, nem existe incompatibilidade de direitos subjectivos entre si, mostrando-se o respectivo exercício conciliável.

17 - A recorrida reconheceu aos recorrentes o direito em causa (vd. factos assentes sob o alínea M).

18 - A recorrida fixou os prazos e as regras para o exercício do direito conferido pela portaria mencionada.

19 - Os recorrentes cumpriram integralmente todos os formalismos do exercício do direito (v. ponto 1 dos factos da base instrutória).

20 - E fizeram-no dentro do prazo (ponto 2 da base instrutória).

21- A recorrida, na data prevista e calendarizada para a execução das acções e em conformidade com o procedimento por ela fixado e constante do «esclarecimento», negou a entrega do material de laboratório necessário à recolha (pontos 6 e 7 da base instrutória).

22 - Obstaculizou, assim, o efectivo exercício do direito e que anteriormente havia sido por si reconhecido.

23 - O comportamento da recorrida deu causa ao incumprimento sanitário dos efectivos (pontos 8 e 9 da matéria de facto resultante da base instrutória).

24 – Face à matéria de facto dada como provada competia à Ré proporcionar aos médicos veterinários escolhidos os meios técnicos inerentes à execução das acções sanitárias.

25 - A recorrida não o fez, omitindo o comportamento que se lhe impunha e a que se obrigou.

26 - Incumprindo a legislação.

27 - Incumprimento que constitui facto ilícito.

28- Foram violados os artigos 405.º e 335.º do Código Civil e artigo 12.º, n.º 1, da Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril.

c) Sintetizando as questões a decidir:

1 - Em primeiro lugar, saber se uma portaria, no caso a Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril, que alterou a Portaria 122/2003 de 5 de Fevereiro, pode criar um direito subjectivo a favor dos associados de uma certa associação de direito privado, no caso, a Ré, exercitável contra esta mesma associação.

2 - Se a resposta for negativa improcede o pedido de anulação da deliberação; se for positiva, cumpre verificar se a deliberação impugnada é anulável.

3 - Em qualquer dos casos cumpre indagar, de seguida, se os Autores têm direito à indemnização que pedem.

II. Fundamentação.

1 - A matéria de facto provada é esta:

Os Autores são todos associados da Ré, com as quotas em dia e em pleno gozo dos seus direitos associativos – a).

A Ré é uma associação e constituiu, à luz da Portaria n.º 809-U/94, de 12 de Setembro, um agrupamento de defesa sanitária (A.D.S.) devidamente reconhecido pelo organismo público competente – b).

Este agrupamento de Defesa Sanitária passou a designar-se Organização dos Produtores Pecuários (O.P.P.), nos termos do que veio a ser legislado pela Portaria n.º 1088/97 de 30 de Setembro – c).

Competindo à Ré, entre outras, a execução das acções de profilaxia médica e sanitária – d).

A execução das acções referidas compete, também, nos termos da citada portaria, exclusivamente a médicos veterinários executores – e).

Para a execução das acções de profilaxia médica e sanitária, efectuadas pelos O.P.P., a Direcção Geral de Veterinária concede subvenções destinadas a apoiá-las (calculadas em função do tipo e número de acções sanitárias a executar, as espécies envolvidas, o número médio de animais por exploração, o estatuto sanitário e a estrutura de encabeçamento regional – f).

Por seu turno, no mesmo quadro legal, compete à O.P.P. pagar os serviços do médico executor e proporcionar aos médicos executores todos os meios para que estes levem a cabo as acções de saúde pública e sanidade animal, o que, de resto, a Ré sempre fez até à entrada em vigor da Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril – h).

A Ré, nos termos dos seus estatutos, tem como objecto a defesa sanitária do gado bovino, ovino e caprino, o melhoramento animal e a sua rentabilidade comercial – j).

Nos termos dos mesmos estatutos todos os associados da Ré têm iguais direitos e deveres – k). 

Constituindo recursos financeiros da Ré, nos termos dos referidos estatutos, o produto das jóias e quotas e os subsídios e subvenções – l).

A direcção da Ré, em 8 de Abril de 2004, subscreveu e deu a conhecer aos seus associados, concretamente aos agora Autores, um esclarecimento, nos termos do qual: «se os associados optarem pela escolha do médico veterinário que não seja um dos que presta serviço contratualizado com a (…), no ano a que diga respeito a escolha, comunica, por escrito, tal opção até 30 dias antes do início do Programa, à Direcção da (…), entendendo-se que se nada for dito prescinde, irrevogavelmente, durante o período de execução do programa, desse direito

a) No ano de 2004 o prazo limite de indicação é até ao dia 6 de Maio de 2004 – m). 

Mais era referido que «A indicação referida no número anterior tem, obrigatoriamente, sob pena de ineficácia, de ser acompanhada de declaração de aceitação do médico veterinário» – n).

Em data posterior ao prazo limite para o exercício do direito conferido pela portaria referida, a direcção da Ré solicita o preenchimento de declarações cujas minutas envia aos Autores – o).

Dizendo ser a sua subscrição necessária para a mera organização do processo administrativo – p).

Datada de 4 de Maio de 2004, a Direcção Geral de Veterinária comunicou a todas as O.P.P. onde se incluiu a Ré, através da circular n.º 033/DSSA 400/000/000, que a livre escolha «do médico veterinário para exercício das acções veterinárias destinadas ao cumprimento dos planos anuais, de erradicação de doenças dos ruminantes, sem que isso implique qualquer aumento de custos destas acções» – q).

Além de que, em 21 de Junho de 2004, um dos co-autores, enviou à direcção da Ré, cópia do «Esclarecimento» da Direcção Geral de Veterinária (DGV) do qual consta que:

«(...) o produtor (...) ao abrigo da alteração feita pela Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril à Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro, ter a liberdade de escolher o médico veterinário que pretende que faça a sanidade sem que na sua qualidade de sócio perca os benefícios que usufrui, nem deixa de ter a sua parte da subvenção que a associação beneficia por o ter como sócio» – r). 

A Ré, quer antes quer após a publicação da Portaria n.º 356/2004, para a prática dos actos médicos veterinários, protocolarmente assumidos com a Direcção Geral de Veterinária e respeitantes à sanidade do efectivo animal dos associados que não exerceram o direito de escolher, escolheu e contratualizou com diversos médicos veterinários – s).

Por via disso, os Autores intentaram a competente acção, em 24 de Fevereiro de 2005, pedindo que fosse declarada nula a deliberação da direcção da Ré, constante do «Esclarecimento» de 8 de Abril de 2004 e declarações referidas – t).

Posteriormente, a direcção da Ré solicitou à assembleia geral da (…) a ratificação da sua posição – u). 

Por deliberação tomada em assembleia geral, de 4 de Abril de 2005, a assembleia votou, por maioria, a ratificação das deliberações da direcção quanto à forma de implementar o programa sanitário, designadamente quanto ao mecanismo para afirmação de escolha de médico veterinário fora dos contratados pela associação e documentos necessários a essa mesma implementação – v).

Razão pela qual, os Autores desistiram da acção referida, reservando-se, obviamente, o direito de reagir contra a deliberação da assembleia geral – x).

A deliberação da assembleia geral da Ré de 4 de Abril de 2005, mais não foi do que uma ratificação das posições tomadas pela direcção – z).

E incidiu, somente quanto aos mecanismos e condições de contratação dos médicos veterinários escolhidos pelos produtores, que não estejam ao serviço da Ré – a’).

Uma vez que os médicos veterinários escolhidos pelos produtores não têm qualquer vínculo com a Ré, esta tem que os contratar, pelo que há necessariamente de se estabelecer regras e condições – b’).

Quer ao nível da remuneração aos médicos veterinários, quer à forma de articulação com os procedimentos da Ré, e ainda a sujeição ao plano definido pelo médico veterinário coordenador – c’).

A Ré é uma associação que de criadores de gado bovino, ovino e caprino e tem por objecto a defesa sanitária, melhoramento animal e rentabilização comercial dos efectivos – d’).

A Ré tem mais de dois mil sócios – e’). 

As actividades da Ré dividem-se em dois grandes grupos: um na óptica da saúde pública, através do cumprimento de um programa de carácter profiláctico e sanitário, outro na óptica do aumento da eficiência das explorações de melhoria dos efectivos – f’).

O primeiro, que corresponde grosso modo à política oficial, obriga a programa de actividades sujeita à aprovação das entidades oficiais – g’). 

Implica acções de rastreio, despiste e controlo de doenças infecto-contagiosas nos efectivos dos associados, portanto, compreende as acções de profilaxia médica e sanitária – j’).

A subvenção é para ajudar a O.P.P. a custear as obrigações assumidas na prossecução dos seus fins – k’).

A Ré tem como receitas, para além da subvenção, as quotizações, receitas dos leilões, comissões e retribuições pela prestação de serviços – l’).

As acções obrigatórias de profilaxia médica e sanitária, são feitas pela O.P.P. no âmbito de um protocolo celebrado com as entidades públicas – m’).

Esse tipo de acções é da competência do Estado, mas atendendo a que as O.P.P. congregam um número elevado de produtores, esse papel foi-lhes delegado, reservando-se a administração pública a fiscalização e acompanhamento do cumprimento dessas acções – n’).

Os produtores ora Autores manifestaram a intenção de escolher um médico veterinário que não um dos contratados pela Ré – o).

A Ré enviou aos associados que pretendiam exercer tal direito comunicação na qual esclarecia as condições em que tal poderia ser feito – p).

É que, nos temos do protocolo de execução de acções de profilaxia médica e sanitária celebrado entre a Ré e a DGV há obrigações e responsabilidades da Ré que têm de ser salvaguardadas – q’).

Os associados, ora Autores, cumpriram integralmente todos os formalismos referidos no «esclarecimento», ou seja, comunicação por escrito da opção de escolha do médico veterinário executor, acompanhada de declaração de aceitação do médico veterinário escolhido – 1.

E fizeram-no todos no prazo estipulado no aludido «esclarecimento» – 2.

Os associados, agora Autores, face ao conteúdo das declarações não as subscreveram e nem as enviaram por entenderem constituir uma limitação dos seus direitos legais e estatutários – 3.

O direito de escolher livremente o médico veterinário já anteriormente havia tido consagração legal – 4.

Estes factos eram do conhecimento da Ré – 5.

Na data prevista e calendarizada para a execução das acções de profilaxia sanitária, os médicos veterinários escolhidos pelos associados, aqui Autores, dirigiram-se à (…) ora Ré, para que lhes fosse entregue o material de laboratório necessário, fazendo-o em conformidade com o procedimento constante do «esclarecimento» emitido pela direcção da Ré – 6.

Foi-lhe negada, pela Ré, a entrega do material para recolha – 7.

Em Novembro de 2004, os Autores são informados pelo Director da Direcção Regional de Agricultura da Beira interior que os efectivos das respectivas explorações não foram sujeitos a qualquer intervenção sanitária através da O. P.P., justamente a agora Ré, a que pertencem – 8.

Para não terem os respectivos animais em incumprimento sanitário e para não sofrerem qualquer alteração negativa à classificação sanitária dos seus efectivos, os Autores recorreram aos Serviços Regionais de Agricultura – 9.

Tendo solicitado a estes mesmos serviços oficiais a realização das acções de profilaxia médica e sanitária inerentes aos planos de erradicação – 10.

O custo destas acções tem de ser pago pelos Autores e é devido por cada um dos efectivos animais das respectivas explorações, em conformidade com o estipulado no anexo ao mencionado artigo 20.º da Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro de 2004 alterada pela Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril – 11.

A DRABI poderá alterar a classificação sanitária de qualquer uma das explorações dos Autores – 12.

Os Autores terão de custear o trabalho prestado e executado pelos médicos veterinários por si escolhidos – 13.

Alguns daqueles médicos veterinários recebem da Ré uma quantia diária fixa e uma quantia por cada acto que realizam, em regime de prestação de serviços – 14.

E, outros há que recebem uma quantia variável, calculada em função do número de actos praticados, e, pois, também em regime de prestação de serviços – 15.

Desparasitações e vacinações estas que a Ré sempre prestou e colocou à disposição dos associados que, atendendo às necessidades da respectivas explorações, as solicitavam conjuntamente com o saneamento – 16.

Estas mesmas desparasitações e vacinações eram fornecidas pela Ré aos associados mediante o pagamento de uma quota cujo valor era inferior ao seu custo de mercado – 17.

Aos associados que exerceram o direito da escolha foi negada a entrega do material para recolha – 18.

Por parte dos médicos veterinários a «contratar» pela Ré tem de haver aceitação das regras e condições impostas – 19.

O segundo grupo de actividades da Ré corresponde às acções de melhoria do estado sanitário e da qualidade dos efectivos, e repercussão na melhoria económica da exploração – 20.

Em face do cumprimento desse programa, para o primeiro grupo de acções, a associação recebe uma subvenção – 21.

Essa subvenção é atribuída em função do cumprimento do programa oficial (acções sanitárias obrigatórias) no seu todo, e não é entregue previamente, mas só após a sua comprovação – 22.

A subvenção é dada à associação e não ao produtor, e nem serve estritamente para pagar aos médicos veterinários nem é a totalidade do custo das obrigações contratualmente estabelecidas pela Ré – 23.

O valor da subvenção está limitado, no caso da O.P.P. ora Ré e referente ao ano de 2004, a um valor de €217.641,00 euros – 24.

O acréscimo do número de acções ou do número de efectivos efectuados acima daqueles que asseguram o recebimento do montante máximo é, para todo os efeitos, irrelevante para efeitos de subvenção – 25.

A Ré aceita cumprir todas as obrigações, em todos os efectivos, não define o número de intervenções em função do número necessário para receber a totalidade da subvenção – 26.

Se os efectivos dos Autores não forem incluídos no programa o valor da subvenção é exactamente o mesmo – 27.

A subvenção é da associação e não de qualquer um ou alguns dos produtores – 28.

O valor atribuído a título de subvenção não tem necessariamente de ser utilizado no pagamento estrito desse serviço prestado – 29.

Serve, isso sim, como parte das receitas da associação para fazer face aos custos quer directos quer indirectos – 30.

Receitas essas que são utilizadas para a prossecução dos fins da Ré, quer na óptica da saúde pública, quer na óptica da melhoria das explorações e dos seus efectivos – 31.

As acções de melhoria das explorações e dos seus efectivos, bem como os custos de gestão e administração da associação não são subvencionados – 32.

Só os médicos veterinários executores ao serviço das O.P.P. com protocolo em vigor e os médicos veterinários dos serviços oficiais podem efectuar esse tipo de acções – 33.

Não pode um produtor contratar um médico veterinário, que não esteja ao serviço de uma destas entidades, para efectuar essas acções – 34.

Para isso o estado atribui a subvenção à O.P.P. para que esta possa fazer face aos custos com essas acções, e só essas acções são subvencionadas – 35

A Ré é responsável pelo cumprimento dos programas assumidos protocolarmente com as entidades públicas – 36.

Há alguns anos a Ré tinha ao seu serviço 18 médicos veterinários, o que, em termos de gestão financeira e operacional, se revelou um desastre – 37.

A estrutura administrativa era pesada e os custos das quotizações suportadas pelos associados eram muito elevados – 38.

A Ré decidiu contratar, para a prática dos actos médico veterinários, protocolarmente assumidos com a Direcção Geral de Veterinária, diversos veterinários, que livremente escolheu e contratou também os médicos veterinários municipais – 39.

Nos termos do acordo celebrado com os médicos veterinários municipais estes recebem uma quantia por cada acto e, nos termos do acordo com os outros médicos veterinários, a Ré paga uma quantia fixa mensal e uma quantia por cada acto que realizem – 40.

Os preços a pagar aos médicos veterinários municipais é superior ao dos outros médicos porque é da responsabilidade daqueles a contratação dos ajudantes – 41.

As despesas da associação e os valores que os associados pagavam anteriormente baixaram – 42.

A Ré conseguiu corrigir o défice de tesouraria, saindo de uma situação de falência técnica, conseguiu alargar o leque de acções desenvolvidas no âmbito do aumento da eficiência das explorações com melhoria dos efectivos e ainda baixar os custos para os seus associados – 43.

Sempre cumprindo estritamente os programas propostos e protocolarmente assumidos – 44.

O valor da subvenção tem vindo a ser reduzida – 45.

Foi negada a entrega do material para recolha, pela Ré sob responsabilidade desta, sem ter algumas garantias e sem que estes se sujeitassem à coordenação da Ré – 46.

A Ré tem um veterinário coordenador ao seu serviço que é responsável por esse cumprimento – 47.

Se os médicos veterinários e os produtores não concordavam com algumas das condições, a Ré reservou-se o direito de insistir nesse ponto – 48.

A Ré solicitou aos associados que pretendiam um médico veterinário que não um dos contratados, que se responsabilizassem pelos seus actos e pelas suas escolhas – 49.

Recusaram-se a que os médicos ao serviço da Ré fizessem as acções de profilaxia – 50.

Este tipo de acções, contrariamente às obrigatórias, pode ser desenvolvidas por qualquer veterinário – 51.

O produtor pode solicitar a quem bem entender esse serviço, designadamente médicos veterinários em regime de profissão liberal – 52.

Se optar pelos serviços da Ré o preço será mais reduzido comparado com os preços praticados em condições normais de mercado – 53.

A direcção da Ré solicitou à assembleia geral a ratificação da sua posição, tendo a assembleia-geral votado favoravelmente, por maioria, a ratificação, com o voto contra de 11 associados – 54.

A Ré conseguiu criar condições para que os associados que prescindam do direito de escolher do seu médico veterinário possam receber outros serviços com os ganhos daí resultantes – 55.

A Ré define os critérios para a distribuição da subvenção que recebe, bem como as taxas e as contribuições que cada um terá que pagar a esta – 56.

A posição que os Autores defendem implicava que os associados da Ré tivessem que aumentar os custos para as intervenções, e estes decidiram que preferem diminuir os custos, os seus pagamentos, e abdicar do direito de escolher veterinário – 57.

Para que a organização do plano de actividades seja efectuado de acordo com os critério de maior economia e rentabilidade definidos pela Ré e assim diminuir os custos com, por exemplo, deslocações – 58.

2 - Passando à análise da questão objecto do recurso.

1- Em primeiro lugar, cumpre saber se a Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril, que alterou o n.º 1, do artigo 12.º da Portaria n.º 122/2003, de 5 de Fevereiro, gerou um direito subjectivo a favor dos associados da Ré, exercitável contra esta.

Antes de prosseguir, cumpre situar a Ré no contexto do ordenamento jurídico, enquanto pessoa jurídica.

Trata-se de uma associação que foi constituída por um grupo de nove cidadãos, por escritura pública, lavrada em 13 de Outubro de 1989, no Cartório Notarial do Fundão, com o fim de promover a «defesa sanitária do gado bovino, ovino e caprino, o melhoramento animal e sua rentabilização comercial (folhas 170 e seguintes).

Trata-se de uma associação reconhecida como um agrupamento de defesa sanitária (A.D.S.), nos termos previstos, à época, no Regulamento de Constituição e Funcionamento dos Agrupamentos de Defesa Sanitária, anexo à Portaria n.º 809-G/94, de 12 de Setembro, a qual foi reconhecida pelo organismo público competente (al. b) do factos provados), isto é, pelo respectivo Director Regional de Agricultura, como previsto no artigo 6.º desta portaria.

Compete à Ré, nos termos do artigo 1.º do mencionado regulamento, entre outras, a execução de programas de saúde animal, compreendendo a realização do controlo sanitário das explorações; a prevenção e combate às doenças contagiosas; a identificação dos animais; o melhoramento as condições hígio-sanitárias das explorações e a promoção de acções de formação.

Apesar de se tratar de um associação que preencheu os requisitos previstos na mencionada Portaria n.º 809-G/94, de 12 de Setembro, para ser considerada um Agrupamentos de Defesa Sanitária, é uma associação privada, não vindo sequer alegado, nem existindo qualquer documento nos autos, que nos diga que esta associação privada tem estatuto de «utilidade pública», já que este estatuto depende de reconhecimento formal por parte do Governo, com publicação no Diário da República, nos termos do artigo 3.º e 6.º, n.º 2, respectivamente, do Decreto-lei n.º 460/77 de 7 de Novembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 391/2007 de 13 de Dezembro e Lei n.º 40/2007 de 24 de Agosto).

Por conseguinte, estamos perante uma simples associação de direito privado que coopera com a administração pública no âmbito da execução de programas que visam promover a saúde animal.

Vejamos, pois, se a portaria em questão gerou um direito subjectivo a favor dos associados da Ré, exercitável contra esta.

Com relevância para o tema, o artigo 12.º da Portaria n.º 122/2003, de 5 de Fevereiro, dispunha o seguinte:

«1 - Da lista de médicos veterinários ao serviço de cada OPP é reconhecido ao criador o direito à escolha do seu médico veterinário.

2 - O médico veterinário coordenador de cada OPP será designado pela respectiva direcção, ouvidos os médicos veterinários ao seu serviço.

3 - O número máximo de animais/ano a intervencionar por cada médico veterinário será determinado por cada DRA, devendo ter em conta a relação de sete pequenos ruminantes para um bovino adulto».

A Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril, alterou o n.º 1 do artigo 2.º que passou a ter esta redacção:

«É reconhecido ao criador a escolha do seu médico veterinário».

Face ao teor literal destas disposições, resulta líquido que houve uma alteração no que respeita ao direito de cada associado escolher o médico veterinário, pois, no domínio da Portaria n.º 122/2003, na sua redacção original, o associado tinha que escolher um veterinário «Da lista de médicos veterinários ao serviço de cada OPP» e, depois, a Portaria n.º 356/2004 veio reconheceu ao criador o direito de escolher livremente o seu médico veterinário.

Isto mesmo resulta do preâmbulo da Portaria n.º 356/2004, pois refere-se aí que se iria «proceder a alguns ajustamentos ao articulado daquele diploma (refere-se à Portaria n.º 122/2003), por forma a possibilitar, por um lado, flexibilizar a escolha pelos criadores dos médicos veterinários que podem executar as acções de profilaxia sanitária…».

Claro que esta livre escolha do veterinário pelo associado implica que entre o veterinário e a associação Ré seja, depois, estabelecido um contrato de prestação de serviços.

Com efeito, se não for estabelecido um acordo de vontades não é possível existir uma relação factual com relevância jurídica, isto é, mutuamente vinculativa, entre o veterinário escolhido e os serviços da Ré, nomeadamente, no que respeita pagamento dos serviços do veterinário, pagamento que teria de ser alvo de negociação e acordo entre o veterinário e a Ré.

Por conseguinte, é pertinente a questão de saber se a disposição «É reconhecido ao criador a escolha do seu médico veterinário», constante do n.º 1 da Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro, na redacção da Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril, vincula a Ré, no sentido desta ser obrigada a estabelecer relações jurídicas de natureza contratual com um veterinário indicado pelo associado e que não pertença ao rol dos veterinários previamente contratados pela Ré.

A resposta a esta questão é negativa.

Como se indica na sentença sob recurso, se esta imposição introduzida pela Portaria n.º 122/2003, de 5 de Fevereiro, fosse levada à prática, isso implicava a supressão, embora pontual, da liberdade contratual da Ré, no sentido de poder escolher livremente a pessoa ou pessoas com quem quer contratar.

No caso, a Ré ficaria privada de escolher os veterinários que hão-de prestar os serviços.

Constituiria uma restrição ao princípio da liberdade contratual, o qual se encontra consagrado no artigo 405.º do Código Civil, nestes termos:

«1 - Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

2 - As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei».

Daí a pertinência da pergunta sobre o poder vinculativo do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da mencionada portaria.

Vejamos.

Nas palavras do Prof. Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 211/213, 3.ª edição) a liberdade de contratar implica que as pessoas sejam livres na decisão de contratar, na escolha da pessoa com quem hajam de contratar e na própria retratação, enquanto a proposta não chegue ao destinatário, bem como de criarem o próprio contrato, valendo, perante a lei, como instrumento jurídico vinculativo para ambas as partes, sendo esta liberdade contratual um corolário da autonomia privada, concebida como o poder que os particulares têm de fixar, por si mesmos, a disciplina jurídica dos seus interesses.

Autonomia privada que, segundo alguns autores tem mesmo assento constitucional («O princípio da autonomia privada tem dignidade constitucional, podendo ser inferido dos preceitos da nossa lei fundamental que consagram os princípios da igualdade (artigo 13.º), da liberdade (artigo 27.º, n.º 1), da propriedade (artigo 62.º, n.º 1), da liberdade de trabalho (artigo 53.º, n.º 3) e da liberdade de empresa (artigo 85.º, n.º 1). Cremos, aliás, que se pode ler no artigo 26.º da Constituição a sua afirmação expressa e não meramente implícita: o direito fundamental a uma capacidade civil que só pode ser restringida nos casos e termos previstos na lei significa que, salvo proibição legal, o sujeito pode produzir os efeitos jurídico-privados que considerar convenientes à prossecução dos seus interesses» - Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pág. 438, Almedina/1987).

Ora, sendo a liberdade contratual um direito e estando tal direito introduzido na ordem jurídica, desde logo, expressamente, pelo artigo 405.º do Código Civil, cuja aprovação foi objecto do Decreto-lei n.º 47344/66, de 25 de Novembro, não pode uma portaria impor uma restrição a esse direito, sob pena de violar o princípio constitucional da hierarquia das leis, salvo se a portaria for mero desenvolvimento de decreto-lei que preveja tal restrição.

O que não é o caso, como se verá mais abaixo.

Com efeito, embora a lei, a portaria ou regulamento sejam fontes de normas jurídicas, os respectivos actos normativos não têm, entre si, o mesmo valor vinculativo.

As portarias são regulamentos ministeriais, assinados apenas por um ou alguns ministros (cfr. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 102, Lisboa/1982), tratando-se de actos normativos emanados do Governo no âmbito da sua actividade administrativa.

Nas palavras de Marcello Caetano, «Tanto a lei, como o regulamento, são normas gerais, impessoais, objectivas, que compõem a Ordem Jurídica do Estado. O princípio constitucional da igualdade perante a lei é válido para uma e outra. As regras de interpretação da lei são as regras da interpretação dos regulamentos, e os mesmos órgãos que as produzem. Os tribunais aplicam indistintamente as leis e os regulamentos. A violação da norma regulamentar é expressamente equiparada a violação da lei.

Mas, apesar disso, o Direito criado pelo regulamento não possui o mesmo valor que o estatuído na lei. E assim:

a) o regulamento só pode estatuir na medida em que a lei lho consinta: dentro dos limites por ela marcados, ou para execução das suas normas, ou sobre as matérias por ela abandonadas;

b) os regulamentos existentes ficam revogados pelo aparecimento de uma lei que estatua contrariamente às suas disposições;

c ) o regulamento não vale em todo aquilo que contrariar o disposto na lei que executa, ou a cuja sombra nasce» - Manual de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 95/96, 10.ª ed. (3.ª reimpressão).

Também Sérvulo Correia defende que uma portaria não pode reger relações entre privados, salvo quando executam leis («Em suma, os regulamentos podem reger relações de direito privado entre particulares, mas só quando se tratar de regulamentos complementares, isto é, que assegurem a execução de uma lei substantiva, poderá a Administração estabelecer normas que extingam ou restrinjam direitos dos particulares de conteúdo patrimonial» - Noções de Direito Administrativo, Vol. I, pág. 110/111, Lisboa/1982).

Aliás, nos termos prescritos no n.º 4 do artigo 26.º, da CRP, «A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos», dispondo a al. a), do n.º 1 do artigo 165.º da CRP que «1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: a) Estado e capacidade das pessoas;…», o que significa que as normas sobre a capacidade das pessoas só pode ser regulada por lei ou decreto-lei sob autorização legislativa (neste sentido, Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, pág. 455, Almedina/1987).

Trata-se, como ficou referido, de uma questão de hierarquia dos actos normativos.

Como nos diz o Prof. Gomes Canotilho, «A CRP ordena hierarquicamente os actos normativos infraconstitucionais de acordo com os seguintes princípios básicos: (1) princípio da preeminência ou superioridade dos actos legislativos (leis, decretos-leis e decretos legislativos regionais) relativamente aos actos normativos regulamentares ou estatutários (cfr. art. 112.º/7 e 8).

(…)

Em termos práticos, os princípios acabados de individualizar justificarão, em geral, a inaplicabilidade das normas de hierarquia inferior contrárias a normas de hierarquia superior. Aflorações positivas deste princípio podem ver-se no art. 204.º da Constituição e no art. 4.º/3 do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais). A norma de hierarquia superior reúne, em via de princípio, duas modalidades de preferência: (1) preferência de validade, tornado nulas as normas anteriores contrárias (“efeito de revogação”, “efeito de anulação”) e servindo de limite jurídico às normas posteriores também em contradição com elas; (2) preferência de aplicação, porque mesmo não aniquilando a validade da norma contrária, ela deverá ser aplicada no caso concreto com a consequente desaplicação da norma inferior» - Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág. 700, 7.ª edição.

Por conseguinte, no caso concreto, a Ré não está vinculada pela portaria e não tem de a aplicar na medida em que a sua liberdade contratual está tutelada por norma hierarquicamente superior, que é a do artigo 405.º do Código Civil.

Resta apenas referir que a mencionada portaria não é um regulamento complementar de qualquer lei ou decreto-lei que previsse esta concreta restrição à liberdade contratual da Ré.

Com efeito, a Portaria n.º 356/2003 de 5 de Abril, bem como a Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro, e antes a Portaria 809-G/94 de 12 de Setembro, vão buscar a sua validade ao artigo 4.º do Decreto-lei n.º 39 209, de 14 de Maio de 1953 («Manda o Governo, pelo Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, ao  abrigo  do artigo 4.º do Decreto-lei n.º 39 209, de 14 de Maio de 1953, o seguinte…» - preâmbulo da Portaria n.º 356/2003 de 5 de Abril ).

Este artigo 4.º tem a seguinte redacção: «Sempre que no território do continente ou dos distritos autónomos das ilhas adjacentes se verifique a existência ou se considere iminente tanto o aparecimento como o desenvolvimento de qualquer zoonose infecto-contagiosa ou parasitária, fica o Ministro da Economia autorizado a mandar executar, sob proposta da Direcção – Geral dos Serviços Pecuários, as medidas de sanidade veterinária que julgar necessárias para evitar, limitar ou debelar a doença».

Resulta da leitura desta norma que não se prevê aqui qualquer tipo de restrição à liberdade contratual dos particulares, ainda que o Governo, porventura, escolha algum deles como parceiros privilegiados no combate a doenças que afectem o sector pecuário.

Concluindo:

A Ré não tinha, nem tem, que obedecer à norma constante do n.º 1 do artigo 12.º da Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro, na redacção dada pela Portaria n.º 356/2004 de 5 de Fevereiro, na medida em que a sua liberdade contratual é tutelada por norma constante de acto normativo hierarquicamente superior.

Passando à questão seguinte.

2 – Como a resposta à primeira questão foi negativa, improcede o pedido de anulação da deliberação da assembleia geral da Ré tomada em 4 de Abril de 2005, que ratificou o procedimento da direcção da Ré, constante do «esclarecimento de 8 de Abril de 2004».

Passando à terceira questão.

3 – Cumpre agora indagar se os Autores têm direito à indemnização que pedem.

Interpretando literalmente o pedido seríamos levados a concluir que não.

Com efeito, os danos que os Autores pretendem ver indemnizados são os causados pela decisão da direcção da Ré de 8 de Abril de 2004 e pela deliberação da assembleia geral da Ré de 4 de Abril de 2005.

Ora, concluindo o tribunal pela manutenção destas decisões, não as anulando como os Autores pedem, parece não existir base para concluir pelo incumprimento de direitos e deveres associativos entre a Ré e os Autores.

Afigura-se, porém, que não é assim.

Com efeito, provou-se (ver alínea m) dos factos provados), que a «A direcção da Ré, em 8 de Abril de 2004, subscreveu e deu a conhecer aos seus associados, concretamente aos agora Autores, um esclarecimento, nos termos do qual: «se os associados optarem pela escolha do médico veterinário que não seja um dos que presta serviço contratualizado com a (…), no ano a que diga respeito a escolha, comunica, por escrito, tal opção até 30 dias antes do início do Programa, à Direcção da (…), entendendo-se que se nada for dito prescinde, irrevogavelmente, durante o período de execução do programa, desse direito.

a) No ano de 2004 o prazo limite de indicação é até ao dia 6 de Maio de 2004».

Provou-se (alínea n) dos factos provados) que foi também pedido pela Ré aos Autores, nessa altura, que a indicação referida no número anterior fosse, obrigatoriamente, sob pena de ineficácia, «…acompanhada de declaração de aceitação do médico veterinário».

O teor destas alíneas m) e n) corresponde ao teor do dito esclarecimento cuja cópia se encontra a folhas 186 dos autos.

Provou-se (quesito 1.º) que «Os associados, ora Autores, cumpriram integralmente todos os formalismos referidos no «esclarecimento», ou seja, comunicação por escrito da opção de escolha do médico veterinário executor, acompanhada de declaração de aceitação do médico veterinário escolhido» e que o fizeram todos no prazo estipulado no aludido «esclarecimento» (quesito 2.º).

Sucede que, em data posterior ao prazo limite de 6 de Maio de 2004 indicado pela Ré para o exercício do direito conferido pela portaria referida, a direcção da Ré solicitou o preenchimento de declarações cujas minutas enviou aos Autores (alínea o) dos factos provados), dizendo ser a sua subscrição necessária para a mera organização do processo administrativo (alínea p)).

A cópia desta comunicação da Ré encontra-se a folhas 187 dos autos.

Os associados Autores, face ao conteúdo das declarações, não as subscreveram e nem as enviaram por entenderem constituir uma limitação dos seus direitos legais e estatutários (quesito 3.º).

Na data prevista e calendarizada para a execução das acções de profilaxia sanitária, os médicos veterinários escolhidos pelos associados, aqui Autores, dirigiram-se à (…), ora Ré, para que lhes fosse entregue o material de laboratório necessário, fazendo-o em conformidade com o procedimento constante do «esclarecimento» emitido pela direcção da Ré (quesito 6.º).

Foi-lhe negada, pela Ré, a entrega do material para recolha (quesito 7.º).

A Ré justificou a recusa nos termos que constam do quesito 19.º e 46.º, isto é, por parte dos médicos veterinários a «contratar» pela Ré tinha de haver aceitação das regras e condições impostas (quesito 19.º) e «Foi negada a entrega do material para recolha, pela Ré, sob responsabilidade desta, sem ter algumas garantias e sem que estes se sujeitassem à coordenação da Ré».

Consta ainda do quesito 47.º que «A Ré tem um veterinário coordenador ao seu serviço que é responsável por esse cumprimento» e do quesito 48.º que «Se os médicos veterinários e os produtores não concordavam com algumas das condições, a Ré reservou-se o direito de insistir nesse ponto».

Consta do quesito 49.º que «A Ré solicitou aos associados que pretendiam um médico veterinário que não um dos contratados, que se responsabilizassem pelos seus actos e pelas suas escolhas».

O que se poderá concluir destes factos no sentido de saber se a Ré terá agido para com os Autores de forma a causar-lhes ilicitamente prejuízos?

Vejamos.

Numa primeira ponderação da situação parece que a Ré não agiu com coerência e não cumpriu as obrigações a que inicialmente se obrigou para com os seus associados ora Autores.

Com efeito, a Ré, num primeiro momento, aderiu ao estipulado no n.º 1 do artigo 12.º da Portaria 122/2003 de 5 de Fevereiro (na redacção dada pela Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril) e comunicou aos Autores que podiam escolher um veterinário externo ao rol de veterinários contratado pela Ré e disse-lhes até que data limite o deveriam fazer, apenas exigindo que a indicação fosse «…acompanhada de declaração de aceitação do médico veterinário» (ponto n.º 3 do esclarecimento de 8 de Abril de 2004).

Ficou provado neste processo que todos os Autores cumpriram as exigências da Ré.

Mais tarde a Ré, em data não apurada, remeteu aos Autores uma minuta (a cópia da minuta encontra-se a folhas 188) para estes preencherem, referindo que se destinava à «organização do processo» (esta comunicação consta de folhas 187).

Os Autores não preencheram a mencionada minuta alegando que o preenchimento infringia os seus direitos estatutários.

Posteriormente, a Ré não entregou aos veterinários indicados pelos Autores o material necessário para estes realizarem o trabalho, o que obrigou os Autores a terem de pedir auxílio, que acarretou despesas, aos serviços da administração pública.

A Ré, como se disse, justificou a recusa nos termos que constam do quesito 19.º e 46.º, isto é, por parte dos médicos veterinários a «contratar» pela Ré tinha de haver aceitação das regras e condições impostas (quesito 19.º) e «Foi negada a entrega do material para recolha, pela Ré, sob responsabilidade desta, sem ter algumas garantias e sem que estes se sujeitassem à coordenação da Ré».

Consta ainda do quesito 47.º que «A Ré tem um veterinário coordenador ao seu serviço que é responsável por esse cumprimento» e do quesito 48.º que «Se os médicos veterinários e os produtores não concordavam com algumas das condições, a Ré reservou-se o direito de insistir nesse ponto».

Consta do quesito 49.º que «A Ré solicitou aos associados que pretendiam um médico veterinário que não um dos contratados, que se responsabilizassem pelos seus actos e pelas suas escolhas».

Ora, face ao teor destas justificações não se vê que estas constituam razão suficiente para a recusa de colaboração da Ré com os aludidos veterinários.

Aliás, se tinha alguma imposição a fazer devia tê-la feito logo de início quando concordou perante os Autores em dar execução ao n.º 1 do artigo 12.º da mencionada portaria, reconhecendo aos Autores o direito a escolherem livremente o veterinário, fixando prazo para o fazerem e exigindo uma declaração deste a aceitar prestar os serviços.

Depois de os Autores terem negociado com um veterinário e de cumprirem o exigido pela Ré, esta não tinha poderes para exigir unilateralmente aos Autores o cumprimento de obrigações posteriores, sob pena de recusar a colaboração aos veterinários indicados pelos Autores.

O que se afirma baseia-se no seguinte:

Os associados têm diversos tipos de direitos em relação à associação.

Em primeiro lugar, podemos destacar os direitos «orgânicos» de participação na formação da vontade da associação, como por exemplo, o direito de assistir às reuniões da assembleia geral e votar nelas.

A par destes direitos existem outros direitos que se podem apelidar de direitos de «gozo», isto é, de direitos de sócio em proveito próprio, inseparáveis da qualidade de sócio, como seja, por exemplo, o direito de usufruir das instalações da associação ou beneficiar de bonificações em serviços prestados pela associação, tratando-se de direitos estabelecidos nos estatutos ou gerados posteriormente por deliberação do órgão competente da associação, fora de qualquer âmbito negocial entre associado e associação, em regra intransmissíveis, e que podem ser suprimidos ou alterados no futuro de acordo com a deliberação soberana da assembleia geral

Há que distinguir, porém, estes direitos de associado de outros direitos que o associado possa ter em relação à associação, estes já emergentes de relações directas estabelecidas entre o associado e a associação, semelhantes a quaisquer relações contratuais que a associação poderia ter estabelecido com um terceiro não associado (sobre este tema, Karl Larenz, Derecho Civil – Parte General, pág. 213/214, EDERSA/1978).

Ora, no caso dos autos, afigura-se que a situação de facto gerada entre Autores e Ré que deu origem a esta acção, embora se funde num direito de gozo dos associados enquanto tais, acabou por adquirir uma vertente negocial, de tipo contratual, entre Autores e Ré, geradora de direitos e deveres recíprocos, entre a associação Ré e os Autores.

Embora a associação Ré tivesse uma posição de ascendente sobre os Autores, fez-lhes a proposta que acima ficou já indicada e que consta do «esclarecimento de 8 de Abril de 2004».

Proposta que os Autores podiam ter recusado ou aceitado, tendo eles optado pela aceitação.

Existiu aqui, portanto, uma relação de natureza contratual.

Por conseguinte, feita a proposta negocial pela Ré aos Autores, isto é, a sua declaração no sentido de que aceitava um veterinário livremente escolhido pelos Autores, estipulava o prazo para a indicação de veterinário e exigia declaração deste a aceitar o desempenho das funções em questão, e tendo sido recebida tal proposta pelos Autores, que a aceitaram e trataram de cumprir o exigido pela Ré nessa proposta, a relação contratual entre a Ré e cada um dos Autores ficou perfeita.

Isto que se afirma é juridicamente assim porque resulta da regra prescrita no n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil, onde se estabelece que «A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida…», sendo tal declaração irrevogável, nos termos prescrito n n.º 1 do artigo 230.º do Código Civil («Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida»).

Por conseguinte, tendo-se a Ré vinculado perante os Autores nestes termos, tinha de cumprir o prometido ou então, justificar o incumprimento invocando uma razão juridicamente relevante, isto é, desvinculativa em relação ao compromisso já assumido.

 Como se disse, a Ré recusou colaborar com os veterinários indicados pelos Autores quando estes se apresentaram nas instalações da Ré a solicitar o material necessário à realização do seu trabalho.

Ora, verifica-se que a justificação para a recusa invocada pela Ré não constitui fundamento bastante.

Com efeito, se bem se percebeu, as recusa teve a ver com a posterior exigência da Ré no sentido dos Autores assinarem uma declaração, cuja cópia se encontra a folhas 188, destinada a serem prestadas garantias de que os veterinários indicados pelos Autores se submeteriam à coordenação do veterinário coordenador vinculado à Ré.

Porém, na carta enviada aos Autores, a solicitar a apontada declaração, não se alude a quaisquer problemas relativos à «coordenação».

Consta da carta remetida aos Autores (folhas 187) o seguinte:

«A Direcção da (…) não prescinde da declaração do associado e do médico veterinário porque o incumprimento por parte de qualquer associado das obrigações assumidas no programa pode originar o fim do programa e a (…) devolve as quantias recebidas, situação que a acontecer causa, obviamente, prejuízos pelos quais será responsabilizado o associado que lhe der causa.

A Direcção da (…), nos termos do esclarecimento, toma boa nota que o senhor associado, ao escolher médico veterinário não contratualizado com a Associação prescinde dos serviços que esta presta àqueles que escolheram estes».

Da declaração a assinar pelos Autores constava, entre outros dizeres que «Mais declaro que assumo a responsabilidade pelo cumprimento por parte do médico veterinário por mim escolhido e contratado das obrigações definidas no mencionado esclarecimento».

Ora, destes textos não se vê que a Ré tenha feito qualquer alusão à prestação de garantias no sentido de que os veterinários indicados pelos Autores se submeteriam à coordenação do veterinário coordenador vinculado à Ré.

E não há qualquer facto que indicie ter existido perigo dos veterinários indicados pelos Autores não se sujeitarem a essa coordenação.

Sendo assim, não existindo tais indícios de perigo a garantia pretendida pela Ré carecia de fundamento.

Por fim, qualquer garantia que fosse dada pelos tais veterinários ou pelos Autores, nunca asseguraria que, no futuro, iria existir tal submissão à coordenação da Ré, pois as pessoas são tão livre de cumprir como de incumprir.

Por outro lado, a exigência nessa carta de vinculação por parte dos Autores no sentido de se responsabilizarem pelo eventual «incumprimento das obrigações assumidas no programa» não passou de mera repetição da sua posição já assumida no «esclarecimento de 8 de Abril de 2004».

Com efeito, nesse esclarecimento já constava:

«O associado responde perante a (…) e seus demais associados por todo e qualquer prejuízo que a sua opção origine, designadamente por incumprimento ou cumprimento defeituoso do programa sanitário».

Aliás, nem seria necessária tal declaração, pois face à lei todo o cidadão é responsável pelos seus actos que causem prejuízos a terceiros.

Ora, os Autores ao darem cumprimento ao «esclarecimento de 8 de Abril de 2004», sem reservas, aderiram ao mesmo, não sendo necessárias as ditas declarações.

Além do exposto, a Ré fez constar da carta em questão que «A Direcção da (…), nos termos do esclarecimento, toma boa nota que o senhor associado, ao escolher médico veterinário não contratualizado com a Associação prescinde dos serviços que esta presta àqueles que escolheram estes».

Ora, esta restrição de direitos dos associados não constava do mencionado esclarecimento de 8 de Abril de 2004.

A restrição de direitos consiste na não prestação por parte da Ré dos «serviços» que ela prestava aos associados que escolheram os veterinários contratados pela Ré.

Ora, a assinatura das ditas declarações pelos Autores poderia ser entendida como um comportamento declarativo que concordava com esta restrição de direitos.

A possibilidade de ocorrer uma tal interpretação era causa suficiente para recusar a emissão das aludidas declarações.

Por outro lado, verifica-se que tais declarações eram desnecessárias, quer para assegurar a responsabilidade dos Autores, quer mesmo a da coordenação dos veterinários, pois isso mesmo constava da lei, concretamente da al. f), do artigo 13.º, da Portaria n.º 122/2003, onde se dispõe que são competências do médico veterinário coordenador «Coordenar e orientar a actividade dos médicos veterinários executores que prestem serviço na respectiva OPP».

Face a esta sucessão de factos é de concluir que a recusa de cooperação por parte do Ré, em relação aos médicos veterinários escolhidos pelos Autores, se traduziu em incumprimento contratual face aos Autores, relevante em termos de gerar um direito de indemnização a favor destes, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, onde se diz que «O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor».

Ou seja, houve compromissos recíprocos entre a Ré e os Autores e a Ré não cumpriu aqueles a que estava vinculada, sem causa juridicamente justificativa, como fica explanado, pelo que, estamos perante uma situação de incumprimento contratual.

Cumpre verificar se ela gerou prejuízos, resposta que é positiva.

Com efeito, provou-se que, em Novembro de 2004, os Autores foram informados pelo Director da Direcção Regional de Agricultura da Beira Interior que os efectivos das respectivas explorações não tinham sido sujeitos a qualquer intervenção sanitária (quesito 8.º).

Ao Autores, para não terem os respectivos animais em incumprimento sanitário recorreram aos Serviços Regionais de Agricultura (quesito 9.º), que realizou as acções de profilaxia médica e sanitária inerentes aos planos de erradicação (quesito 10.º).

Mas recaiu sobre os Autores o dever de suportar o custo destas acções, sendo devido por cada um dos efectivos animais das respectivas explorações, em conformidade com o estipulado no anexo ao mencionado artigo 20.º da Portaria n.º 122/2003 de 5 de Fevereiro de 2004 alterada pela Portaria n.º 356/2004 de 5 de Abril (quesito 11.º).

Existiu, por conseguinte, uma situação geradora de despesas para os Autores causada pela falta de colaboração da Ré, que justifica a condenação desta a ressarcir os Autores dos prejuízos sofridos e que não teriam tido se a Ré tivesse colaborado com eles.

Mas trata-se de um prejuízo relativo apenas à campanha daquele ano de 2004, a qual poderá ter-se prolongado ou não pelo ano de 2005, factualidade que se desconhece.

Com efeito, como se concluiu acima, a Ré não estava obrigada a aceitar a indicação dos médicos veterinários pelos Autores, tendo-o feito naquele ano de 2004 porque quis.

O esclarecimento da direcção da Ré de «8 de Abril de 2004», respeitou àquele ano de 2004.

Lê-se, com efeito, no dito «esclarecimento» que «se os associados optarem pela escolha do médico veterinário que não seja um dos que presta serviço contratualizado com a (…), no ano a que diga respeito a escolha, comunica, por escrito, tal opção até 30 dias antes do início do Programa, à Direcção da (…) …».

Sublinha-se «no ano a que diga respeito a escolha», o que mostra que a escolha era anual.

Daí que a questão dos prejuízos se limite apenas à campanha sanitária do ano de 2004.

Não aos anos posteriores uma vez que a assembleia geral da Ré, como resulta do acima já exposto quanto aos direitos de gozo dos associados, não estava inibida de dispor de outra forma no futuro, como o veio a fazer pela deliberação de 4 de Abril de 2005, por se tratar do exercício de um poder soberano da assembleia geral que regula os direitos e deveres dos associados.

Procede, pois, o pedido de indemnização formulado pelos Autores, que estes relegaram para liquidação em momento ulterior, não havendo, efectivamente, elementos de facto para concluir pelo montante da indemnização.

III. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se improcede o recurso quanto ao pedido de anulação da deliberação da assembleia geral da Ré, tomada em 4 de Abril de 2005, que ratificou o procedimento da direcção da Ré, constante do «esclarecimento de 8 de Abril de 2004», mantendo-se a sentença recorrida nesta parte.

Julga-se, porém, procedente o recurso no que respeita ao pedido de indemnização, revogando-se a sentença nesta parte, e condena-se a Ré a pagar a cada um dos Autores as quantias que estes despenderam devido à Ré não ter prestado colaboração aos médicos veterinários indicados pelos Autores, no que respeita à campanha sanitária tida em consideração no «esclarecimento de 8 de Abril de 2004», a liquidar em momento ulterior.

Custas na proporção de metade para cada parte.