Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
178/96.6TXPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
CONTRADITÓRIO
DEFENSOR OFICIOSO
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS – COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32° DA C.R.P ,56° DO CÓDIGO PENAL,7° DA LEI N° 65/2003 DE 23/8
Sumário: 1. A revogação da liberdade condicional não é automática.
2. Estando em causa a privação da liberdade do arguido, o Tribunal deve ser cauteloso e ponderado antes de tomar qualquer decisão, impondo-se ouvir sempre o arguido.
3. Para acautelar o princípio do contraditório não é suficiente a notificação do defensor oficioso.
Decisão Texto Integral: O arguido, FM..., não se conformando com a decisão proferida a fls 41 a 43, que revogou a liberdade condicional aplicada em 15/01/1997 vem dela interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
1. O arguido foi detido pelas autoridades Francesas em cumprimento do mandato de detenção europeu, e entregue às entidades portuguesas em 22.11.2007, para cumprimento da sentença com força executiva, por acórdão proferido em 13 de Janeiro de 1998 pelo Colectivo de Juizes do Tribunal de Círculo de Paredes, no Processo Comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, n° 83/95.3TBPFR do 30 juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, já transitado em julgado, conforme decorre do mandato de detenção Europeu que se junta.

2. Ora de acordo com a regra da especialidade, estabelecida no artº 7" da Lei n° 65/2003 de 23.08, a pessoa entregue em cumprimento de mandato de detenção europeu, não pode ser sujeito a procedimento penal, condenado ou privado da liberdade, por uma infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente da que motivou a emissão de mandato de detenção europeu.

3. Ora, nos presentes autos estão em causa infracções penais indiciariamente praticadas em momento anterior à entrega do arguido, sendo que por força do referido principio o arguido apenas poderá ser julgado, condenado ou privado da sua liberdade pelos crimes descritos no mandato de detenção que esteve subjacente ao seu pedido de entrega.

4. O arguido vem expressamente invocar o principio da especialidade e da imunidade que lhe é conferido pelo art 7º, da Lei n° 65/2003 de 23.08, para os devidos efeitos legais.

5. Pelo que, o arguido não pode ser julgado por qualquer outro facto diferente do que origina o pedido de mandato de detenção europeu, pela autoridade portuguesa, nomeadamente não pode a presente decisão transitar em julgado.

Sem prescindir

6. Por despacho de 20.10.2001 foi revogada a liberdade condicional concedida ao arguido.

7. Ora ao arguido não foi dada a possibilidade de se pronunciar, apresentar a sua defesa, ou seja, o benefício foi-lhe vedado o principio do contraditório, não obstante constar da decisão que o arguido ofereceu o merecimento dos autos.

8. O arguido não exerceu o seu direito à defesa, tendo o mesmo sido exercido eventualmente por defensor que desconhece e com o qual jamais contactou, só agora tendo conhecimento de tal facto.

9. Ora face à ausência do arguido e invocado desconhecimento do seu paradeiro foi ao arguido vedado o direito à sua audição, o que importa a nulidade da decisão e consequente violação do princípio do contraditório, nos termos do disposto no art 32 da C.R.P ..

DISPOSICÔES LEGAIS VIOLADAS

Artigos 7° da Lei n° 65/2003 de 23 de Agosto; Art°s 56° do Código Penal;

Art° 32° da C.R.P.

Artigo 7° da Lei n° 65/2003 de

Nestes termos e nos mais de direito, que V. Excias Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a, aliás Douta decisão recorrida, tudo com. as legais consequências.

Decidindo deste modo, farão V. Exeias, aliás como sempre um acto de INTEIRA e SÃ JUSTIÇA,

Como sempre!

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É esta a decisão recorrida:

Por infracção dos deveres e regras de conduta fixados, foi instaurado processo complementar de revogação da liberdade condicional concedida ao arguido FM..., identificado nos autos.

Este apenso foi instruído com a pertinente certidão.

Alegou o Ministério Público, pronunciando-se pela revogação da liberdade condicional.

O arguido ofereceu o merecimento dos autos.

Cumpre decidir, nada obstando.

Com base nos elementos documentais constantes deste apenso e, também, do processo principal, dão-­se como assentes os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:

1) Quando se encontrava no E.P. de Braga em cumprimento da pena de 12 anos e 9 meses de prisão à ordem do Proc. nº 14/93, do Tribunal de Círculo de Penafiel pela autoria de crimes de emissão de cheque sem provisão e burla agravada, por decisão proferida em 14/01/1997, o arguido foi colocado em liberdade condicional.

2) O período dessa liberdade condicional estender-se-ia até 15/01/2002, tendo arguido sido libertado em 15/01/1997.

3) Nessa decisão foram-lhe fixados os deveres de residir em Boavista, S. Torcato, Guimarães, de aceitar a tutela da equipa do I.R.S. de Guimarães e de se dedicar a trabalho assíduo e honesto, mantendo bom comportamento. Posteriormente, por despacho de 17/05/1999, foi o arguido autorizado a residir no Lugar da Valinha, Guimarães.

4) Por decisão de 13/01/1998, transitada em julgado, proferida no Proc. n° 32/99, do 3° Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão e 180 dias de multa à taxa diária de 1000$00, com a alternativa de 120 dias de prisão, pela autoria, 29/06/1995, de três crimes de abuso liberdade de imprensa.

5) O arguido foi detido para cumprimento desta pena de prisão em 25/05/2000.

6) Em 20/06/2000, quando se encontrava no Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, para consulta nos Serviços de Cirurgia, o arguido evadiu-se, não mais sendo conhecido o seu paradeiro.

Cumpre, agora, aplicar o Direito.

A conduta do arguido acima descrita em 6) configura violação grosseira e repetida dos deveres impostos na decisão que o colocou em liberdade condicional.

Com efeito, o comportamento daquele é revelador de uma total indiferença para com os aludidos deveres, cuja observância se afigurava essencial à sua reintegração na sociedade (cf. os artºs 40°, n° 1, e 61°, n° 2, ambos do Código Penal).

Certo que o regime de liberdade condicional em que se achava se encontrava suspenso por força da sua situação de detido. Mas, certo também que, ao evadir-se, cometeu o arguido um acto ilícito que o colocou fora da alçada da justiça e, portanto, da tutela deste T.E.P. do Porto, inviabilizando irremediavelmente o seu processo de reintegração social.

Em conformidade com o exposto, ponderando o estabelecido nos artºs 56°, n° 1, al a), e 64°, nºs 1 e 2, ambos do Código Penal, decido revogar a liberdade condicional aplicada em 15/01/1997 ao arguido FM..., com os demais sinais dos autos, pelo que determino a execução da pena de prisão ainda não cumprida no Proc. n° 14/93, do Tribunal de Círculo de Penafiel.

Cumpre decidir:

O arguido no seu recurso levanta duas questões a ponderar:

- Que não foi respeitado o princípio da especialidade na execução do MDE;

- Que foi violado o princípio do contraditório;

Quanto à 1ª questão levantada e que vem referida nos pontos 1 a 5 das conclusões é obvio que extravasam por completo o âmbito do recurso, uma vez que são completamente estranhas à decisão recorrida.

Assim este Tribunal não terá que se pronunciar.

O artº 64º do CPenal referente á revogação da liberdade condicional remete-se para a estatuição do art 56º nº 1 do Cpenal referente à revogação da suspensão da execução das penas de prisão.

O art 56 nº 1 do CPenal estatui que:

A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.

A revogação da liberdade condicional impõe-se sempre que a violação dos deveres impostos constitua uma violação grosseira ou repetida, constituindo uma indesculpável actuação em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada ou desculpada.

Dos factos assentes resulta que o arguido no decurso do prazo da liberdade condicional violou grosseira e reiteradamente, vários deveres que lhe foram impostos na respectiva decisão concessiva da liberdade, desta forma inviabilizando o seu plano de reinserção social. Na verdade, em pelo regime de liberdade condicional e, após ser detido a 25/5/2000 para cumprir uma pena de 2 anos de prisão, evadiu-se menos de um mês depois, a 20/6/2000, de forma a não ser detectável na morada que havia indicado.

Perante esta actuação não pode manter-se a prognose favorável a um comportamento conforme com os ditames sociais impunha-se, assim, a revogação da liberdade condicional.

A liberdade condicional foi concedida ao arguido na esperança de que este conduzisse a sua vida de forma séria, responsável mas, com o seu comportamento essa esperança encontra-se defraudada.

Entende o recorrente que não foi acatado o princípio do contraditório já que a revogação operou sem que ele se mostrasse ouvido.

Dispõe o art 32 nº 5 da CRP que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.

Com afloramento do mesmo princípio dispõe o art 61 nº 1 al b) do CPP que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte.

A decisão que determinou a revogação recorrida e, sem dúvida, uma das que pessoalmente afecta o arguido.

E a revogação não é automática. Na verdade, estando em causa a privação da liberdade do arguido, o Tribunal deve ser cauteloso e ponderado antes de tomar qualquer decisão, impondo-se como a lei manda, ouvir sempre o arguido. Ou seja, o Tribunal deve dar ao arguido a possibilidade de este ser ouvido, por qualquer forma sobre a possível revogação da sua liberdade..

No caso vertente, o recorrente não foi previamente ouvido com vista a indagar as razões da sua conduta, devendo sê-lo em obediência ao princípio do contraditório.

Mostra-se, assim, violado o princípio do contraditório o que acarreta o provimento do recurso.

Termos em que se concede provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que dê ao arguido a oportunidade para se pronunciar sobre a revogação da liberdade condicional

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade