Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2805/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 01/10/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 814º E 817º DO CPC .
Sumário: I – Conforme resulta do artº 817º, nº 1, do CPC, a oposição à execução só pode ser liminarmente indeferida com base num dos três seguintes fundamentos : - se tiver sido deduzida fora de prazo ( al. a)) ; - se o seu fundamento não se ajustar ao disposto nos artºs 814º a 816º ( al. b)) ; - se for manifestamente improcedente ( al. c)) .
II – Fundando-se a execução numa sentença, a oposição, baseada nos fundamentos previstos no artº 814º, apenas pode respeitar a falta de pressupostos processuais gerais da acção; a falta de pressupostos específicos da acção executiva; e por motivos substanciais .

III – Ao contrário do que sucede nas acções declarativas, deixou de ser exigível a exposição das razões de direito que fundamentam a execução, sendo que no que concerne aos factos essa exposição deverá, como regra, ser somente feita de forma sucinta .

IV – Todavia, se a execução se basear numa sentença, essa exposição dos factos torna-se dispensável, por se entender que tal título executivo faz parte integrante do requerimento executivo e desde que os factos que compõem a causa de pedir dela constem – pressupondo-se ainda que a liquidação da obrigação exequenda se baste com simples cálculos aritméticos e que do título resulta, com clareza, a certeza e a exigibilidade da mesma .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A..., deduziu, em 2/12/2004, oposição à execução, para pagamento de quantia certa, contra si (e outro) instaurada por B... e outros.

2. O srº juiz a quo proferiu então despacho em que, por considerar que a mesma não se baseava em nenhum dos fundamentos legais que permitem a sua dedução, indeferiu liminarmente tal oposição.

3. Não se tendo conformado com tal despacho decisório, a executada/opoente dele interpôs recurso, que foi admitido como agravo.

4. Nas respectivas alegações de recurso que apresentou, a executada/opoente concluiu as mesmas nos seguintes termos:
“1) Conforme resulta de fls., a Alegante, opôs-se à execução através de Embargos de Executado, e alegou o que acima se transcreveu;
2) Por Sentença de fls., foi decidido: “Em face do exposto e sem considerações, indefiro liminarmente a oposição à execução”;
3) O pedido feito na execução, não é o que consta da sentença recorrida;
4) Na sentença que decretou o despejo consta data, e a casa foi entregue noutra;
5) Esta questão apenas foi impugnada na oposição, pois a casa foi entregue durante o tempo em que a acção esteve até ser feita a sentença;
6) Quem deveria ter comunicado ao Tribunal a entrega das chaves, que foram entregues antes da emissão da sentença de fls., eram os Autores na acção e exequentes na execução;
7) Como não o fizeram, não pode a executada ficar prejudicada com a situação, e daí a dedução de embargos;
8) Esta questão é essencial para se apurar o valor da dívida da execução;
9) Daí também se ter alegado que o ri era inepto;
10) Pedindo-se um valor diferente daquele que se deve, pelas razões acima aduzidas, a importância pedida no título executivo, não é certa, liquida e determinada, e não basta que se alegue que consta do título executivo – neste caso sentença;
11) Os Embargos obrigatoriamente deveriam ter sido admitidos e julgados, e depois da prova produzida, decidirem-se todas as questões postas em crise;
12) Assim se não tendo decidido, decidiu-se deficientemente;
13) Deveria ter sido indeferida a petição apresentada pelos Exequentes, nos termos do disposto nos artigos 811-A e seguintes do CPC;
14) Ao assim se não proceder-se, cometeu-se uma nulidade;
15) Na sentença recorrida interpretaram-se e aplicaram-se deficientemente as normas legais que são referidas na mesma sentença;
16) Há omissão de pronúncia, pois na sentença recorrida, não se apreciaram todas as questões postas em crise nos Embargos – não se apreciou nenhuma, pois foi decidido indeferir liminarmente os embargos;
17) Há questões essenciais a decidir neste caso em concreto, nomeadamente as alegadas nos Embargos, que apenas com a prova produzida em audiência de julgamento é possível resolverem-se;
18) A Sentença recorrida, não está fundamentada tanto de facto como de direito, violando o disposto nos artigos 158º e 668º alínea b) do CPC;
19) A Sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, e os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, violando o disposto nas alíneas c) e d) do artigo 668º, do CPC;
20) Requer-se a REVOGAÇÃO de Decisão recorrida.”

5. Os exequentes contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso e bem assim pela condenação da agravante, em multa e em indemnização em valor não inferior € 2.500, como litigante de má fé.

6. O srº juiz a quo proferiu despacho a sustentar o despacho agravado, defendendo ainda que, ao contrário do opinado pela agravante, o mesmo não enfermava de qualquer nulidade que a última lhe apontou.

7. Convidada (já neste tribunal) para o efeito, à luz do artº 3, nº 2, do CPC, a agravante veio pronunciar-se defendendo não existirem razões para ser condenada como litigante de má fé.

8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
1.1 Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recursos que afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC).
1.2. Ora, calcorreando as conclusões do presente recurso, verifica-se que as questões que aqui importa apreciar e decidir são as seguintes:
a) Saber se o despacho decisório recorrido enferma do vício de nulidade (por violação do disposto nas als b), c) e d) do artº 668 do CPC)?
b) Saber se se verificam os respectivos pressupostos legais que conduziram, no caso em apreço, ao indeferimento liminar da oposição à execução deduzida pela executada, ou, a contrario, para que essa oposição possa ser recebida e prosseguir?
c) Saber se se verificam os respectivos pressupostos legais para que a opoente/agravante possa ser condenada como litigante de má fé? (questão esta suscitada pelos agravados nas sua contra-alegações).
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2. Os factos
Com interesse para a decisão do recurso, deve atender-se aos seguintes factos:
2.1. No articulado da sua petição de oposição à execução a agravante alegou, em síntese, o seguinte:
a) A petição inicial é inepta, porquanto os “embargados” não alegam quaisquer factos onde se possa inferir a razão de ter proposto a presente execução, nem invocam qualquer norma legal que possa levar a entender a razão de ser da execução, sendo que a lei não permite apenas que se proponha uma execução e que se diga, na parte da exposição dos factos. “constam exclusivamente do título executivo”.
b) Por outro lado, a “embargante” entregou as chaves do imóvel, em 7 de Outubro de 2003, depois de, por várias vezes, o pretender fazer e os responsáveis dos exequentes a não quererem receber. Assim, o pedido que é feito na execução nada tem que ver com a dívida que efectivamente é devida e o título para ser válido tem de ter a quantia certa, líquida e exigível.
c) A embargante, por diversas vezes pretendeu liquidar a quantia devida, que não é aquela que é pedida na execução, e os responsáveis da imobiliária recusaram-se a receber, dizendo que a dívida era muito maior.
d) Pelo que, com base em tais factos, a opoente terminou pedindo: I) que fosse “julgada inepta a petição inicial da execução pelos fundamentos expostos”; II- e que, “se assim não se decidir, julgar procedentes por provados e a embargante absolvida da instância e dos pedidos”.
2.2 Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do requerimento executivo (entrado em juízo em 2/3/2004) e bem assim do título executivo, ou seja, da sentença (proferida em 13/10/2003 e devidamente transitada, tendo o processo executivo corrido por apenso aos autos onde foi proferida) que lhe serviu de base ou fundamento (e cujas cópias se encontram agora juntas, na sequência do pedido feito por este tribunal, a fls. 102 e ss destes autos).
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3. O direito
3.1 Quanto à 1ª questão.
- Da nulidade do despacho decisório.
Defende a agravante que a decisão recorrida é nula, por violação do disposto nas als. b), c) e d) do artº 668 do CPC – diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionemos somente o normativo sem a indicação da sua fonte.
O artº 668 configura, nas diversas alíneas do seu nº 1, várias situações que podem levar à nulidade da sentença (embora no bom rigor jurídico - e como bem salienta o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Ed., 2ª vol. pág. 669” – se tratem mais de causas de anulabilidade - da decisão viciada - do que de nulidade da mesma).
Normativo esse que, como é sabido, é aplicável aos próprios despachos, por força do disposto no nº 3 do artº 666.
Vejamos então se o despacho recorrido enferma de alguma daquelas causas de nulidade de que agravante lhe aponta.
3.1.1 Da nulidade do despacho, por violação do disposto na al. b) do nº 1 do artº 668.
Preceitua este normativo que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.
Vem sendo dominantemente entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores que esse vício só ocorre quando houver falta absoluta ou total de fundamentos ou de motivação (de facto ou de direito em que assenta a decisão), e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada. Essa fundamentação porventura deficiente, incompleta ou até errada poderá afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas nunca poderá, assim, determinar a sua nulidade. (Neste sentido vidé, entre outros, Ac. STJ de 19/03/02, in “Rev. Nº 537/02-2ª sec., Sumários, 03/02”; Ac. RC de 16/5/2000 in “www.dgsi.pt/jtrc”; Ac. STJ de 13/01/00, in “Sumários, 37-34”; Ac. RLx de 01/07/99, in “BMJ 489-396”; Ac. STJ de 22/01/98, in “BMJ 473-427”; Ac. STJ de 06/06/89, in “BMJ 388-580”; Ac. STJ de 15/11/85, in “Rec. nº 1214, Acord. Doutrin., 293-640”; Ac. STJ de 05/01/84, in “BMJ 333-98”; Ac. STJ de 13/10/82, in “BMJ 320-361”; Ac. RP de 08/07/82, in “BMJ 319-343”; Ac. RC de 14/11/80, in “BMJ 303-279”; e Ac. RLx de 10/03/80, in “BMJ 300-438”).
Ora, posto isto, calcorreando o despacho recorrido não se vislumbra, antes pelo contrário, que a mesma enferme, no caso em apreço, de absoluta falta de fundamentação. Na verdade, o referida despacho encontra-se devidamente fundamentado, quer em termos de facto, quer mesmo em termos de direito. Ou seja, o srº juiz a quo enunciou, de forma suficiente e clara, as razões de facto e de direito (com a indicação e análise das respectivas normas jurídicas) que, pelo menos no seu entender, justificaram que a oposição à execução deduzida pela executada não pudesse ser recebida e que levaram ao seu indeferimento liminar.
É, assim, patente que o despacho recorrido não padece de tal causa de nulidade.
3.1.2 Da nulidade do despacho, por violação do disposto na al. c) do nº 1 do artº 668.
Preceitua este normativo que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Como é sabido, só ocorrerá esta causa de nulidade quando a construção da sentença (neste caso entenda-se despacho) é viciosa, isto é, quando «os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto” (cfr. Prof. Alb. dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141”). Ou melhor, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta àquela que logicamente deveria ter extraído (vidé ainda, entre outros, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”).
Tal nulidade refere-se, pois, a um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso daquele que seguiu.
Não se pode confundir a motivação da decisão (artº 659) com a fundamentação a que se reporta o artº 653, nº 2.
Aquela – a que ora interessa – desdobra-se em fundamentação de facto e fundamentação de direito, consubstanciada esta na interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes aos factos dados como assentes.
Assim, tal nulidade não abrange o erro de julgamento, seja de facto, seja de direito, e designadamente a não conformidade da decisão com o direito substantivo (cfr., por ex,. Ac do STJ de 21/5/98, in “CJ, Acs do STJ, Ano VI, T2 – 95”).
Ora calcorreando a decisão em apreço afigura-se-nos que todas as premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o discurso lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram clara e inequivocamente enunciados e externos.
Não existe nem contradição nem ilogicidade alguma. A decisão, depois de analisar, indagar e juridicamente balizar o “thema decidendum”, extraiu em conformidade o seu juízo jurídico-subsuntivo.
Na elaboração do correspondente silogismo judiciário, não se detecta, pois, a nosso ver, qualquer oposição ou contradição.
Torna-se patente que a agravante não concorda com o sentido decisório no final extraído, mas o que não pode é apontar qualquer vício ou erro de raciocínio no desenvolvimento daquele silogismo.
Ou seja, o tribunal a quo disse o que na realidade queria dizer e o que disse expressou-o claramente em termos perfeitamente coerentes e inequívocos, pelo que se terá de concluir que, a esse propósito, não ocorre qualquer construção viciosa no despacho decisório recorrido, não enfermando, assim, o mesmo da referida nulidade que lhe é apontada.
3.1.3 Da nulidade do despacho, por violação do disposto na al. d) – 1ª parte - do nº 1 do artº 668.
Preceitua este normativo queé nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar...”.
Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão decorre de uma omissão de pronúncia.
Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no nº 2 do artº 660 do CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Constituiu hoje entendimento pacífico que as “questões” referidas no 1º normativo acima citado são as respeitantes ao pedido ou à causa do pedido. Na verdade, vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Tal vício só ocorre, assim, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre as “questões” pelas partes submetidas aos seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente (vidé a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”; Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”; Ac. do STJ de 25/2/97, in “BMJ 464 . 464” e Ac. do STJ de 22/1/98, in “BMJ 473 –427”).
Ora, e como resulta já do que supra deixámos exarado, calcorreando o despacho recorrido não vislumbramos onde é que o srº juiz do tribunal a quo tenha deixado de se pronunciar sobre alguma questão concreta que tenha sido submetida ao seu escrutínio ou então de que dela devesse conhecer oficiosamente.
Aliás, no caso em apreço, o despacho do srº juiz a quo baseou-se somente em razões de ordem formal ou adjectiva e que eram do seu conhecimento oficioso, entendendo, logo no exame inicial que fez dos autos, que a oposição à execução deduzida pela opoente não obedecia aos fundamentos ou pressupostos legais exigidos para que pudesse ser recebida e mais tarde poder vir a ser submetida a uma apreciação de mérito.
Logo, por todo o exposto, é de concluir que o despacho recorrido não enferma do vício de nulidade que lhe é apontado.

3.2 Quanto à 2ª questão
- Do indeferimento liminar da oposição à execução.
Conforme resulta do artº 817, nº 1, do CPC (na redacção dada pelo DL nº 38/03 de 8/3, e a cujo diploma e versão pertencerão todos os normativos doravante indicados sem a menção da sua origem) a oposição à execução só pode ser liminarmente indeferida com base num dos três seguintes fundamentos:
- Se tiver sido deduzida fora do prazo (al. a));
- Se o seu fundamento não se ajustar ao disposto nos artºs 814 a 816 (al. b));
- Se for manifestamente improcedente (al. c)).
Por sua vez, dispõe o artº 814 que, fundando-se a execução numa sentença, a oposição só pode ter algum dos seguintes fundamentos:
“a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.”
Resulta, desde logo, de tal normativo que os fundamentos que podem servir de oposição a uma execução, baseada numa sentença, são tão somente aqueles que ali se encontram taxativamente elencados.
Fundamentos esses que, como é sabido, se podem agrupar em três categorias: 1) oposição por falta de pressupostos processuais gerais da acção (e que correspondem àqueles que se encontram referidos nas als. c) e f)); 2) oposição por falta de pressupostos específicos da acção executiva (e que correspondem àqueles que se encontram referidos nas als. a), b), d) e e)); 3) e oposição por motivos susbstanciais (e que correspondem àqueles que se encontram referidos na al. g)) – vídé, para maior e melhor desenvolvimento, que o caso aqui não justifica, os profs. Anselmo de Castro, in “Acção Executiva, págs. 279/280”; Lebre de Freitas, in “Acção Executiva, 2004, 4ª ed.. Coimbra Editora, págs. 172 e ss” e o cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução, 2005, 8ª ed., Almedina, págs. 154/160”).
Naquela 1ª categoria de fundamentos à oposição (e mais concretamente inserto na al. c)) encontra-se a nulidade do processo, por ineptidão do requerimento executivo inicial (e que constitui o 1º dos fundamentos aduzidos pela agravante para deduzir oposição à execução).
Como já resulta do acima exarado, encontramo-nos no domínio da reforma da acção executiva, introduzida à actual versão do CPC/95 pelo acima citado DL nº 38/03 de 8/3.
Reforma essa que, como é sabido, introduziu profundas e amplas transformações na acção executiva, tendo como um dos objectivos primordiais agilizar e simplificar todo o processo executivo, desjudicializando muitos dos seus procedimentos, com o fim último de o tornar mais célere. Reforma essa que implicou ainda a mudança ou alteração de alguns conceitos e terminologias.
Instância executiva que, tal como outrora, se inicia com o requerimento executivo, o qual, constitui, assim, o primeiro “articulado” com que o exequente dá início à demanda. Porém, como uma das muitas novidades introduzidas, tal requerimento consta de um modelo que foi aprovado pelo DL nº 200/2003 de 10/9, e cujo uso se tornou obrigatório (cfr. artºs 810, nº 2, e 138, nº 2).
Requerimento esse que deve conter os elementos indicados no nº 3 do artº 810 (para além daqueles outros referidos nas als. b), c), e) e f) do nº 1 do artº 467 e c) do nº 1 do artº 806).
Ao contrário do que sucede nas acções declarativas, com vista a atingir os desideratos acima referidos, deixou (naquilo que aqui mais nos interessa e tendo em conta o objecto do presente recurso) de ser exigível a exposição das razões de direito que fundamentam a execução, sendo que no que concerne aos factos essa exposição deverá, como regra, ser somente feita de forma suscinta. Todavia, se a execução se basear numa sentença essa exposição dos factos (que fundamentam o pedido) torna-se igualmente dispensável, por se entender que tal título executivo faz parte integrante do requerimento executivo e desde que os factos que, verdadeiramente, compõem a causa de pedir, constem daquele – pressupondo-se ainda que a liquidação da obrigação exequenda se baste com simples cálculos aritméticos e que do título resulta, com clareza, a certeza e a exigibilidade da mesma (cfr. artº 810, nº 3 al. a), e, para melhor desenvolvimento, Lebre de Freitas e Amâncio Ferreira, in “obras atrás citadas em último lugar, respectivamente, págs. 158 e 134/136”).
Ora, tendo presentes tais considerações, de cariz teórico-técnico, debruçemo-nos, ainda mais de perto, sobre o caso sub júdice.
Compulsando o requerimento executivo, vislumbra-se, desde logo, que o mesmo corresponde ao modelo daquele que foi legalmente aprovado, e que contem os elementos considerados obrigatórios, indicando-se, como título executivo, a sentença proferida no processo nº 2206/03.1TBLRA.
Por outro lado, verifica-se que na parte reservada à exposição dos factos se remete para aqueles que constam do aludido título executivo, ou seja, para aquela sentença dada à execução, e, por outro lado, que se indica a quantia de € 3.137,5 como o valor (líquido) cujo pagamento é reclamado.
Por outro lado, compulsando a referida sentença, verifica-se, em síntese, que, na sequência de acção declarativa instaurada pelos aí autores (aqui exequentes), B..., Ana Maria Leão Carlos Sequeira Rafael, António Santos Marques da Cruz e Maria Filomena Oliveira Sampaio Paiva Marques e contra os aí réus (aqui executados, sendo a 1ª aqui também opoente), A... e Manuel Gomes Pinguinhas, tendo por fundamento um alegado não pagamento de rendas devidas por causa de um contrato de arrendamento, foram os últimos solidariamente condenados a pagar aos primeiros a quantia total de € 3.137,5, resultante das seguintes quantias parcelares:
a) € 1.425,00, correspondentes às rendas vencidas nos meses de Outubro de 2002 a Abril de 2003;
b) € 712,50 correspondentes a 50% do montante referido em a) (e à luz do artº 1041 do CC);
c) € 1.000 (à luz do estipulado na cláusula 8ª do contrato do arrendamento em causa e que rezava assim “Fica desde já acordado que, em caso de litígio judicial, a segunda e terceiros outorgantes, obrigam-se a pagar todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado ou solicitador, que o primeiro outorgante houver de fazer para garantir ou obter o reembolso do seu crédito, no montante de € 1.000 ...a título de cláusula penal”).
Ora, por tudo exposto, e considerando que estamos perante uma execução baseada numa sentença, é, para nós, manifesto que o requerimento executivo não enferma de qualquer vício de ineptidão (o que, a verificar-se, era susceptível de levar à nulidade do processo, com o indeferimento do requerimento executivo – cfr. disposições conjugadas dos artºs, 812, nº 2 al. b), 193 e 466, nº 1), assim como manifesto é que a obrigação exequenda se mostra certa, líquida e exigível., não fazendo sentido, à luz do direito, a oposição que lhe foi deduzida pela ora opoente.
Ou seja, mais ainda do que ser liminarmente indeferida com o fundamento, aduzido pelo tribunal a quo, de que a mesma não se ajustava a nenhum dos fundamentos elencados no artº 814, o indeferimento liminar da oposição deve ter lugar, à luz da al. c) do nº 1 do citado artº 817, por ser manifestamente improcedente.
Desse modo, o recurso terá sempre de improceder.

3.3 Quanto à 3ª questão
- Da litigância de má fé.
Nas suas alegações de recurso os agravados pedirem a condenação da agravante como litigante de má fé.
Vejamos se se verificam os respectivos pressupostos legais para que tal condenação possa ocorrer?
Começaremos por referir que a litigância de má fé não está confinada a articulados próprios, podendo ela ocorrer em qualquer fase ou momento processual (cfr., por todos, o prof. Lebre de Freitas, in “1ª. Ob. cit. pág. 197”).
Preceitua o artº 456 que:
1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 . (...)
Enquanto as als. a) e b) do citado normativo legal se reportam à chamada má fé material/substancial (directa ou indirecta), já as restantes alíneas têm a ver com a má fé processual/instrumental.
Resulta assim, desde logo, de tal normativo legal, que a litigância de má fé pressupõe, uma actuação dolosa ou com negligência grave - em termos da intervenção na lide -, consubstanciada, objectivamente, na ocorrência de alguma das situações, atrás transcritas, previstas nas diversas alíneas do seu nº 2.
No fundo, pode dizer-se que a má fé traduz-se na violação do dever de proibidade que o artº 264 impõe às partes: dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias. Porém, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu. Haverá que ser, pois, muito prudente no juízo sobre a má fé processual”. (Cfr., entre outros, Ac. STJ de 3/9/2004 (in “www.dgsi.pt/jstj”).
A esse propósito, parece-nos ainda oportuno lembrar aqui o acordão do STJ de 16/1/2002 (in “Rec. Agr. nº 3520/01 - 4ª sec., Sumários, pág. 57”) ao defender que “a sustentação de teses controvertidas, bem como a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra a litigância de má fé, pois que tal não basta para que se presuma uma actuação dolosa ou com culpa grave”. (Vidé, ainda a propósito, Ac. do STJ de 10/01/2002, in “Rec. Rev. nº 3805/01, 7ª sec. , Sumários”) – sublinhado nosso.
Por sua vez,, e como se escreveu no acordão do STJ de 11/12/2003 (in “www.dgsi.pt/jstj”), “...a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprias do estado de direito, são incompatíveis com interpretações apertadas do artº 456, do CPC, nomeadamente, no que respeita às regras das alíneas a) e b) do nº 2”. (No mesmo sentido, vidé ainda Acs. do STJ de 12/12/2003 e de 27/1/2003, in “www.dgsi.pt/jstj”).
Ora, e louvando-nos em tais considerações, teremos de concluir que, in casu, não se justifica a condenação da opoente como litigante de má fé, a qual, a ocorrer, seria, a nosso ver, no mínimo, temerária.
Na verdade, quer da petição da oposição, quer das alegações do recurso, não é, a nosso ver, possível concluir, sem alguma dose de temeridade, por uma má fé substancial ou/e instrumental por parte da opoente. O que se pode vislumbrar, com clareza, é que a intervenção da mesma nesta lide se mostra ousada ou mesmo temerária, suportada, fundamentalmente, numa construção jurídica e numa interpretação das regras de direito que se revelaram, como vimos, desajustadas e incorrectas, revelando mesmo (e salvo sempre o devido respeito), porventura, algum déficit, por parte do ilustre mandatário subscritor, da apreensão da nova realidade introduzida pela actual reforma executiva (veja-se ainda, e por ex., quando se fala, em termos de terminologia jurídica, de “embargos”, “embargante” e “petição inicial”, em vez, respectivamente, de “oposição à execução”, “opoente” e requerimento executivo”) – o que, contudo, e a nosso ver, também não chega para cairmos na previsão do artº 459. Ir além disso afigura-se-nos, repetimo-lo, algo temerário, face à escassez dos factos carreados para os autos. Aliás, não nos esqueçamos que, no essencial, fomos chamados a derimir um “conflito” de natureza adjectiva, que tem a ver com uma situação de indeferimento liminar da oposição à execução, que o srº juiz a quo entendeu não se encaixar nos fundamentos ou pressupostos legais estipulados para o efeito, ao contrário do que precisamente defendia a agravante.
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III- Decisão
Assim, por tudo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso (de agravo, confirmando-se a decisão recorrida (embora com fundamentação não inteiramente coincidente).
Custas pela agravante.

Coimbra, 2006/01/10