Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | SIGILO BANCÁRIO | ||
Data do Acordão: | 10/19/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 1º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS78, N.º 1 E 79º DO REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS | ||
Sumário: | 1.- Com a alteração à alínea d), do nº 2, do art. 79 introduzida pela Lei 36/2010 de 2 de Setembro, desapareceu a necessidade de prévia autorização de um tribunal superior para o levantamento do sigilo bancário, no âmbito de uma investigação em processo penal. 2.- Assim, os factos e elementos sujeitos ao dever de segredo, podem ser revelados, quando solicitados pelas autoridades judiciárias no âmbito de um processo penal, constituindo desse modo causa justificativa para a quebra do sigilo profissional por parte das pessoas a ele obrigadas, nos estritos limites do pedido formulado por aquelas autoridades, e traduzindo-se, por outro lado, em dever de colaboração com o Tribunal. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal. No processo supra identificado foi proferido despacho do seguinte teor: “Em face da promoção que antecede, atentos os fundamentos invocados, ao abrigo do disposto nos artigos 181, 182, n.º 1, 262, 268, n.º 1, alínea c) e 269, n.º 1, alíneas c) e f), todos do Código de Processo Penal e artigos 79, n.º 2, alínea d) do Dec.-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), na redacção introduzida pela Lei n.º 36/2010, de 02.09 (não se mostrando necessário o levantamento do sigilo bancário nos termos do disposto no artigo 153, n.º 3 do C.P.P., atenta a redacção introduzida no RGICSF), estando em causa a investigação de processo crime, determino que se oficie à XX... a fim de esta instituição bancária fornecer os elementos solicitados a fls. 59, consignando-se que a informação em causa é imprescindível para a investigação em causa no âmbito dos presentes autos, não podendo ser obtida de outra forma, devendo a entidade bancária colaborar com o Tribunal para efeitos de fornecer os elementos em causa para a investigação, estando a tal obrigada por força da alteração introduzida pela Lei n.º 36/2010, de 02.09 ao artigo 79 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. Oficie por confidencial, solicitando grande urgência na resposta”. A instituição de crédito, XX..., inconformada, apresentou recurso para esta Relação, formulando as seguintes conclusões, as quais delimitam o objecto do recurso: 1. Andou maI o Tribunal a quo ao determinar à XX..., S.A. que prestasse a informação solicitada pelo Ministério Público de fls. 2. Tal informação encontra-se sujeita a segredo, nos termos do disposto no artigo 78 do RGICSF; 3. O Tribunal a quo não interpretou correctamente a alínea d) do n.° 2 do artigo 79 do RGICSF, que dispõe que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; 4. E aplicou indevidamente ao caso o disposto no artigo 135, n.º 2, do CPP, pretendendo não ter a XX..., S.A. legitimidade para se escusar à prestação da informação em causa, o que equivale a dizer que entendeu não existir in casu dever de guardar segredo profissional; 5. Nos termos do disposto no artigo 9 do Código Civil, a norma contida na alínea d) do n.° 2 do artigo 79 do RGICSF não pode ser interpretada fora do contexto sistémico em que se integra, devendo além do mais ser aplicada em conjugação com a norma constante do novo n.º 3 do mesmo artigo; 6. E devem antes de mais aplicar-se, no âmbito de um processo penal, as normas da CRP, designadamente a disposição contida no seu artigo 26, que dispõe que a todos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar; 7. Atendendo à forma como é actualmente utilizado o sistema bancário, o acesso à informação bancária dos cidadãos permite determinar os exactos contornos da respectiva vida privada; 8. Nos termos do disposto no artigo 18, n.º 2, da CRP, a lei apenas pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; 9. A ponderação exigida pela CRP para que ocorram as restrições referidas em 8 antecedente apenas poderá resultar da intervenção de um tribunal superior, nos termos do disposto no artigo 135, n.º 3, do CPP; 10. A interpretação que o Tribunal a quo faz da norma contida na alínea d) do n. 2 do artigo 79 do RGICSF não respeita o disposto nos artigos 18 e 26 da CRP, facto que aqui se argui para todos os efeitos; 11. A alteração legislativa que esteve na origem da actual redacção da alínea d) do n.º 2 do artigo 79 do RGICSF visou apenas clarificar o regime anteriormente vigente, procedendo designadamente à harmonização da expressão com a que consta da alínea f) da mesma disposição legal; 12. Conforme decorre também dos trabalhos preparatórios da alteração legislativa efectuada, o n.º 2, do artigo 79 do CPP pretende apenas determinar as entidades às quais a informação sujeita a sigilo pode ser revelada, contendo regras de apuramento de legitimidade passiva para recepção da informação em causa, tal não significando contudo que não devam ser respeitadas as normas casuisticamente aplicáveis para que a informação possa ser prestada às entidades ai referidas; 13. Ao contrário do que pretende o Tribunal a quo, não veio o legislador introduzir na alínea d) do n.° 2 do artigo em causa qualquer excepção ao padrão constante das restantes alíneas do mencionado preceito, que devem ser complementadas com as regras procedimentais aplicáveis que possibilitem a prestação da informação coberta pelo dever de segredo; 14. Assim, quando se refere que a informação bancária pode ser revelada, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 79 do RGICSF, às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal, deverá entender-se que tal informação deve ser prestada nos termos das disposições aplicáveis do processo penal, que se mantiveram inalteradas; 15. A introdução do actual n.º 3 do artigo 79 do RGICSF em nada interfere com as conclusões supra expendidas, antes evidenciando incongruência na interpretação que o Tribunal a quo faz da alínea d) do n.º 2 do artigo 79 do RGlCSF; 16. Atendendo ao que antecede, é legítima a escusa por parte da XX..., S.A. na prestação da informação solicitada, ao abrigo do disposto nos artigos 78 do RGlCSF e 135 e 182, ambos do CPP; 17. A quebra de sigilo pela XX..., S.A. fa-Ia-ia aliás incorrer na violação do dever de segredo, nos termos e com as consequências previstos nos artigos 84 do RGICSF e no artigo 195 do Código Penal; 18. É assim ilícita a aplicação implícita feita in casu pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 135, n.º 2, do CPP, violando o disposto nos artigos referidos em 16 antecedente; 19. Acresce que, ao usar da competência atribuída ao Tribunal da Relação pelo n.º 3 do artigo 135 e pelo artigo 12, ambos do CPP, verifica-se a nulidade insanável a que se refere a alínea e) do artigo 119 do CPP, que aqui expressamente se argui, com as consequências estatuídas no n.º 1 do artigo 122 do CPP; 20. O despacho referido deverá assim ser revogado e substituído por outro que permita à XX..., S.A. que guarde segredo acerca da informação em causa, a menos que venha a ser determinada a quebra de tal segredo, nos termos legais; 21. Assiste à XX..., S.A. legitimidade para interposição do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 401, n.º 1, alínea d), do CPP. Deve o despacho ora recorrido ser revogado e substituído por outro que considere legítima a escusa pela XX..., S.A. na prestação da informação bancária solicitada e, sendo caso disso, desencadeie a aplicação do disposto no artigo 135, n.º 3, do CPP. Na resposta apresentada o Magistrado do Mº Pº conclui: 1)- Não assiste razão à Recorrente, uma vez que a alteração legislativa operada ao art. 79 com a actual redacção da Lei 36/2010 de 2 de Setembro prevê situações excepcionais em que o sigilo regulado no art. 78 pode ser quebrado, podendo ver-se na alínea d) do seu nº 2, que o segredo profissional pode ser revelado "Às autoridades Judiciárias no âmbito de um processo penal": 2)- Com a alteração à alínea d), do nº 2, do art. 79 pela Lei 36/2010 de 2 de Setembro cabe ao Ministério Público em sede de inquérito, uma vez que é a autoridade judiciária competente, solicitar às instituições de crédito que lhe sejam remetidas todas as informações necessárias à investigação, sendo certo que se lhe foi negado tal pedido, resta ao Ministério Público entender a recusa ou como legitima aceitando-a, ou ao invés como ilegítima e socorrer-se do disposto no art. 135, nº 2 do Código de Processo Penal, ou seja remeter os autos ao Juiz de Instrução para que ordene à Instituição Bancária a prestação da informação pretendida. 3)- A Lei 36/2010 de 2 de Setembro alterou o RJICSF excepcionando do regime do sigilo bancário o fornecimento de elementos às autoridades judiciárias, afastando a aplicação do regime de segredo bancário ao fornecimento de elementos às autoridades judiciárias, deixando o Tribunal Superior de ser a entidade competente para decidir. 4)- Ao proferir o despacho ora recorrido a Mma Juiz de instrução não violou qualquer norma jurídica, antes tendo feito correcta e adequada aplicação da lei. Deverá ser negado provimento ao recurso apresentado, mantendo a decisão recorrida. Nesta Relação, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer fundamentado, no sentido da improcedência do recurso. Cumpre decidir: *** Analisando:A instituição de crédito, XX..., S.A., recusou informar o solicitado, pelo Mº Pº e pelo Juiz de Instrução, no âmbito deste processo crime (processo principal), alegando se mantém a necessidade de dispensa do dever de sigilo que entende lhe continua a ser legalmente imposto. Entende a CGD, que neste âmbito a alteração introduzida pela L. 36/2010 de 2-09, não lhe dispensa o dever de sigilo. O art. 78 do Dl. 298/1992 indica quem e porquê está obrigado ao dever de sigilo. Dispõe o art. 78, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro, «que os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, cometidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços», e referindo o n.º 2 que «estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias». Por outro lado, o art. 79, do mesmo diploma, excepciona a obrigação do dever de sigilo, isto é, dos motivos de dever de sigilo expressos no art. 78 o art. 79 introduz excepções. O art. 79, n.º 2, aI. d) do referido diploma estabelece que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados “Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal”. Trata-se como refere a epígrafe do art. 79 de “Excepções ao dever de segredo” A anterior redacção da al. d) do art. 79 excepcionava que os factos e elementos sujeitos ao dever de segredo, só podiam ser revelados, nos termos previstos na lei penal e de processo penal. Por isso se seguia o disposto no art. 135 do CPP e quando solicitado, o tribunal superior dispensava, ou mantinha o dever de sigilo. Este diploma que regula o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras foi alterado em 2010 pela Lei nº 36/10, que alterou aquela al. d), sendo que agora, as entidades referidas no art. 78 ficam dispensadas do dever de segredo, quando o facto ou elemento deva ser comunicado “Às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal”. Ou seja, os factos e elementos sujeitos ao dever de segredo, podem ser revelados, quando solicitados pelas autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal. Contrariamente ao que entende a recorrente, o legislador em 2010 introduziu na alínea d), do nº 2 do ar. 79 uma excepção que não precisa de ser complementada por qualquer regra procedimental. É diferente dizer-se que o facto ou elemento sujeito a segredo só pode ser revelado nos termos previstos na lei penal e de processo penal (e aqui se deve lançar mão do estatuído no art. 135 do CPP), ou que o facto ou elemento só pode ser revelado, à autoridade judiciária no âmbito de um processo penal. Aqui o “só pode” referido no nº 2 do art. 79 equivale a que o facto ou elemento “pode”, desde que solicitado pela autoridade judiciária no âmbito de um processo penal. Assim que se entenda não ser legítima a recusa da recorrente, dado que o pedido foi formulado por autoridade judiciária e no âmbito de um processo penal. Este entendimento já o expressamos em 6-07-2011 (decisão sumária) no Processo nº 19/11.6GBAGD-A.C1, Comarca do Baixo Vouga – Águeda – Juízo de Instrução Criminal, sendo que aí se havia optado em 1ª Instância pelo incidente de quebra de sigilo e se entendeu apreciar o sigilo para evitar mais delongas. Nem se pode entender que há violação de norma constitucional, porque a assim se entender, a dispensa de sigilo também a violaria. O dever de sigilo destina-se a proteger os direitos pessoais ao bom nome e reputação e à reserva da vida privada (art. 26 da CRP), mas o interesse público do exercício do direito de punir (arts. 29, 32 e 205 da CRP) e da administração da justiça prevalece sobre aquele – Ac. da Rel. de Lx, de 28-01-1997, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 154. Há que seguir os interesses preponderantes e foi o que fez o legislador de 2010. Neste sentido, o Ac. da rel. de Lx de 14-09-2011, proferido no processo Proc. 1214/10.0PBSNT-A.L1 3ª Secção, citado pelo Exmº PGA, “I. Com a alteração introduzida pela Lei nº 36/2010, de 2 de Setembro, ao artº 79º, nº2, al.d) do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o legislador pretendeu agilizar o procedimento relativo à obtenção de informações cobertas pelo segredo bancário, atribuindo, às autoridades judiciárias, competência para as solicitar. Desse modo, a lei reconheceu que o interesse da investigação prevalece face ao direito de reserva da vida privada do titular de uma conta bancária e que, por essa razão, o dever de segredo cai perante a solicitação de uma autoridade judiciária efectuada no âmbito de um processo penal. II. Face à definição contida no artº 1, al. b) do CPP, encontrando-se o processo em fase de inquérito cabe necessariamente ao Ministério Público, enquanto autoridade judiciária e titular da direcção do inquérito, solicitar as informações bancárias, revelando-se ilegítima a recusa da entidade bancária em fornecer os elementos assim solicitados”. Igualmente foi decidido por este Tribunal da Relação de Coimbra, no processo nº 335/09.7slprt-A.C1, em decisão sumária proferida em 30/03/2011 (citada pelo Exmº PGA), na qual foi referido: "A Lei n.º 36/2010, de 2 de Setembro, veio introduzir uma nova redacção naquela alínea d), para vigorar após uma vacatio legis de 180 dias, admitindo-se agora que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo possam ser revelados «às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal ». Por força desta nova redacção da al. d) do nº 2 do art. 79 do DL nº 298/92, de 31/12, desapareceu, sem margem para dúvidas, a necessidade de prévia autorização de um tribunal superior para o levantamento do sigilo bancário, no âmbito de uma investigação em processo penal. O pedido de informações proveniente de autoridade judiciária, formulado no âmbito de um processo penal, constitui agora causa justificativa para a quebra do sigilo profissional por parte das pessoas a ele obrigadas, nos estritos limites do pedido formulado pela autoridade judiciária, traduzindo-se, por outro lado, em dever de colaboração com o Tribunal. Sendo assim, a apontada alteração legal obsta à decisão do incidente suscitado”. Quando uma entidade obrigada ao dever de segredo nos termos do art. 78 do Dl. 298/1992 informa ao solicitado por autoridade judiciária no âmbito de um processo penal, verifica-se a excepção prevista na al. d) do nº 2 do art. 79, introduzida àquele diploma pelo L. 36/2010, assim ficando excluída a ilicitude da violação do dever de sigilo bancário a que estava obrigada a instituição de crédito. *** Decisão:Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente XX..., S.A., mantendo-se o despacho recorrido. Custas pela recorrente com 3 Ucs de taxa de justiça. Jorge Dias (Relator) Brízida Martins |