Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
172/06.0TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: COMPRA E VENDA
COISA DEFEITUOSA
PRAZO
DENÚNCIA
VÍCIOS
CADUCIDADE DA ACÇÃO
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
FASE
RECURSO
Data do Acordão: 07/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 905º, 913º, 916º, 917º, 1221º E 1225º DO C. CIV.
Sumário: I – A junção de documentos, na fase de recurso, reveste natureza excepcional, só devendo ser admitida nos casos especiais previstos na lei.

II – Da conjugação do disposto nos artºs 706º, nº 1, e 524º, nºs 1 e 2, do CPC, resulta que as partes só podem juntar documentos com as alegações nas seguintes situações: (1) se a apresentação não tiver sido possível até esse momento; (2) se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior; (3) e se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.

III – Conforme é orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo Tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra.

IV – Há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no artº 913º do C. Civ., quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.

V – O defeito material tanto pode ser inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua execução, pelo que sempre que o bem vendido não tem a qualidade explicita ou implicitamente assegurada a prestação é defeituosa.

VI – Nos termos do artº 1225º, nºs 1, 2, 3 e 4, do C. Civ., a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, tanto para a indemnização (autónoma) como para a eliminação dos defeitos, estabelecendo-se o prazo de caducidade de um ano, a partir da denúncia, para a propositura da respectiva acção, sendo este regime agora aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO

1.1. - Os Autores – A... e mulher – instauraram na Comarca da Figueira da Foz acção declarativa, com forma de processo sumário, contra a Ré – C....
Alegaram, em resumo:
Em 15 de Setembro de 2003, através de escritura pública, compraram à Ré, que a edificou, uma moradia, sita na Rua da Chã, nº36 e 38, Serrinhas; Paião, Figueira da Foz.
Em finais de Dezembro de 2003 verificaram que a casa não possuía isolamento térmico, pelo que tiveram de colocar aquecimento central, sem que resolvesse o problema.
Como em Agosto de 2004 tiveram conhecimento que a Ré, também construtora, não respeitara ao projecto de arquitectura que previa a aplicação de laje aligeirada na cobertura, no dia 25 desse mês procederam à denúncia dos defeitos.
Em 17 de Dezembro de 2004, voltaram a solicitar a eliminação dos defeitos, até que em Janeiro de 2005 na sequência de uma reunião com os Autores, a Ré acabou por colocar junto às telhas da moradia diversas placas de roofmate, mas não a aplicação da laje aligeirada.
Em 6 de Setembro de 2005 a Ré foi notificada pela Câmara Municipal da Figueira da Foz para proceder à aplicação da laje aligeirada com respectivo isolamento térmico, o que não fez.
Pediram cumulativamente:
a) - A condenação da Ré a efectuar as obras necessárias à eliminação dos defeitos mencionados no artigo 15º da p.i., nomeadamente a execução da cobertura da moradia em laje aligeirada com aplicação do respectivo isolamento térmico em placas de roofmate ou equivalente, de acordo com as boas regras de construção, no prazo de trinta dias;
b) – Que seja fixada uma sanção pecuniária compulsória de 50,00€ dia pela falta de reparação no prazo pedido em a), ou no que venha ser fixado em sentença;
c) – A condenação da Ré a pagar-lhes uma indemnização por danos morais no montante de € 2.000,00, e que seja condenada a pagar juros, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral reembolso bem como nas custas devidas.


Contestou a Ré, defendendo-se, em síntese:
Por excepção, arguíram a caducidade da acção e por impugnação alegou que o prédio foi construído em conformidade com o projecto aprovado pela Câmara Municipal, e a laje aligeirada na cobertura não consta do projecto de execução nem das telas finais da planta de cobertura aprovadas pela Câmara, pois o que aí se prevê é a colocação de vigotas e ripas (tecto ventilado) na cobertura, sendo que quando existem dúvidas sobre a conformidade de realização de uma obra, o que prevalece é o seu projecto de execução.
Responderam os Autores à excepção da caducidade, com o reconhecimento do direito por parte da Ré, em 16 de Fevereiro de 2005, aquando da reparação.
No saneador relegou-se para final o conhecimento da excepção da caducidade, afirmando-se quanto ao mais a validade e regularidade da instância.

1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando procedente a excepção da caducidade, absolveu a Ré dos pedidos.

1.3. - Inconformados, os Autores recorreram de apelação, com as conclusões que se passam a resumir:
1º) - Houve erro notório na apreciação da prova nas respostas aos quesitos 12º, 13º e 27º, os quais devem ser dados como provados.
2º) – O tribunal não analisou criticamente as provas nem especificou os fundamentos decisivos para a sua convicção, quer relativamente às respostas aos quesitos, quer na fundamentação da sentença, com violação dos arts.653 nº2 e 659 nº3 do CPC.
3º) – Os Autores lograram provar os factos alegados sobre o reconhecimento pela Ré, em Janeiro de 2005, da existência das irregularidades e o seu compromisso em eliminá-las.
4º) – Com o reconhecimento pela Ré dos defeitos do imóvel, existe impedimento da caducidade, nos termos do art.331 nº2 do CC.
5º) – Como o prazo para instaurar a acção se iniciou a partir de Fevereiro de 2005, não se verificou a caducidade.
6º) – A sentença recorrida violou os arts.331 nº2 do CC, 653 nº2, 659 nº3 e 668 do CPC.
Requereu a revogação da sentença e a junção do documento de fls.236 e 237.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Questão prévia / A junção de documento:
Nos termos do art.712 nº1 alínea c) do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por isso, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Com as alegações de recurso, os apelantes juntaram um documento datado de 8/10/2007, emitido pelo Provedor da Arquitectura, no qual contém uma informação segundo a qual o projecto de arquitectura integra e prevalece sobre os projectos de comportamento térmico ( cf. fls.236 e 237 ), pretendendo alterar a resposta ao quesito 27º.
A junção de documentos, na fase de recurso, reveste natureza excepcional, só devendo ser admitida nos casos especiais previsto na lei.
Da conjugação do disposto nos artigos 706 nº1 e 524 nº1 e 2 do CPC, resulta que as partes só podem juntar documentos com as alegações nas seguintes situações: (1) se a apresentação não tiver sido possível até esse momento; (2) se os documentos se destinarem a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior; (3) e se a junção só se tornar necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância.
Ora, nenhuma destas hipóteses se verifica no caso concreto.
Desde logo, a apelante já o poderia ter apresentado em 1ª instância, sendo certo que nem sequer justificou a superveniência subjectiva.
Alegou que a apresentação não possível até ao encerramento da audiência de julgamento, em virtude de apenas receberem a resposta em Outubro de 2007. Contudo, o documento de fls.236 é uma resposta à carta da Autora de 27 de Setembro, conforme nele se exarou, e nesta data já há muito havia encerrado a audiência de discussão, o que significa que a solicitação foi feita durante o prazo para as alegações.
Por outro lado, a eventual relevância dos mesmos não surgiu com a decisão da 1ª instância, o que significa que a pretendida junção não era imprevisível antes dela.
Acresce que a decisão da 1ª instância, ao responder à base instrutória, não se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, e nem a sentença se fundou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes justificadamente não contassem ( cf. ANTUNES VARELA, RLJ ano 115, pág.95).
De resto, mesmo que tal documento fosse processualmente admissível, jamais implicaria a alteração da resposta ao quesito 27º, pela simples razão de que, por si só, não é suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou, pois não reveste de força probatória plena.
Como se decidiu no Ac do STJ de 19/6/1986 ( BMJ 358, pág.455 ), o tribunal da Relação só pode alterar as respostas aos quesitos quando se verifiquem algum dos fundamentos das alíneas a) a c) do nº1 do art.712 do CPC e não ocorre nenhum daqueles fundamentos quando os documentos juntos ao processo ou a confissão não fazem prova plena em relação à questão controvertida.
Impõe-se indeferir a requerida junção do documento.

2.2. – O objecto do recurso:
Considerando as conclusões do recurso, as questões que importa decidir são as seguintes:
(1ª) - Impugnação da matéria de facto ( quesitos 12º e 13º);
(2ª) - A nulidade da sentença;
( 3ª) - A caducidade da acção e o reconhecimento do direito ( como facto impeditivo da caducidade ).

2.3. – Os factos provados ( descritos na sentença ):
[…]
2.5. – 1ª QUESTÃO / Alteração da matéria de facto:
[…]
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte, por isso, o princípio da livre apreciação da prova ( art.655 do CPC ) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.
Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão.
De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador ( art.653 nº2 do CPC ).
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve, por isso, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.
Ouvida integralmente a gravação da prova testemunhal, extrai-se a seguinte resenha:
[…]
Feita esta resenha sobre os depoimentos das testemunhas, inexiste flagrante desconformidade entre a prova gravada e a decisão sobre a matéria de facto, improcedendo consequentemente a impugnação de facto.



2.6. - 2ª QUESTÃO / A nulidade da sentença:
Os apelantes arguiram a nulidade da sentença, nos termos 668 do CPC, com fundamento na violação dos arts.653 nº2 e 659 nº3 do CPC.
Como é por demais evidente, as nulidades da sentença, enquanto erro de actividade ou de construção, não abrangem o erro de julgamento, seja de facto ou de direito e a imputada violação do art.653 nº2 do CPC, não pode ser confundida com a causa da nulidade prevista no art.668 nº1 b) do CPC ( cf., por ex., ( cf., por ex., Ac STJ de 21/5/98, C.J. ano VI, tomo II, pág.95, Ac do STJ de 27/1/04, www dgsi.pt ).
O exame crítico das provas ocorre em dois momentos: julgamento da matéria de facto e decisão final.
No primeiro momento, o exame está submetido à regra do art.653 nº2 do CPC, enquanto no segundo destina-se a decidir da sua legalidade, nos termos do art.646 nº4 ( art.659 nº3 do CPC ).
As provas a que se reporta o art.659 nº3 do CPC, são as que cumpre conhecer no momento da sentença, ou seja, as provas por presunção, as legais ainda não utilizadas ( confissão, documento autêntico ).
No âmbito do art. 659, nº3 do CPC, o exame crítico das provas não abrange as provas de livre apreciação, cujo exame crítico (em conjunto) já foi feito aquando da fundamentação da matéria de facto (art. 655 nº1 do CPC).
Por isso, se as provas produzidas foram todas provas de livre apreciação, não há provas cujo exame crítico deva ser feito na sentença, visto que o juiz não pode reapreciar na sentença as provas de livre apreciação, cujo exame crítico foi já feito no momento do julgamento da matéria de facto.
Improcede a nulidade da sentença.

2.7. – 3ª QUESTÃO /A caducidade da acção:
A pretensão dos Autores situa-se no âmbito da responsabilidade civil contratual, concretamente quanto ao incumprimento do contrato de compra e venda da moradia.
A impostação do problema contende com o cumprimento defeituoso da prestação, maxime no que concerne à venda de coisa defeituosa ( art.913 e segs. do CC ).
Há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no art.913 do CC, quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.
O defeito material tanto pode ser inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à sua execução, por isso, sempre que o bem vendido não tem a qualidade, explicita ou implicitamente assegurada, a prestação é defeituosa.
As normas que regulam o cumprimento defeituoso na compra e venda ( arts.905 e segs. e 913 e segs. do CC ) e na empreitada (art.1221 e segs. do CC ), ainda que especiais em relação às regras gerais da responsabilidade contratual ( art.798 e segs. do Código Civil ), não implicam uma total exclusão dos princípios gerais, funcionando ambas em regime de complementaridade, tanto assim que, por exemplo, o direito de exigir a eliminação dos defeitos é um misto de restauração in natura ( art.562 CC ) e de execução específica ( art.827 e segs. do CC ) ( cf. PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.302 e segs., ANTUNES VARELA, parecer de 23/9/85, C.J. ano XII, tomo IV, pág.23 a 35 , MENEZES CORDEIRO, ROA, ano 41, pág.128 e segs. ).

Da caducidade da acção:
Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25/10 ( com início a partir de 1/1/95 ) questionava-se a aplicação dos arts.916 e 917 do CC ao caso da venda defeituosa de imóveis, havendo três orientações jurisprudenciais:
a) - Uma, no sentido de ser aplicável o disposto nos arts.916 e 917 do CC, mesmo relativamente às acções destinadas a exigir a reparação dos defeitos, estando sujeitas ao prazo de caducidade do art.917 do CC, por aplicação extensiva;
b) – Outra, em que aplicava analogicamente o art.1225 do CC;
c) – A terceira, no sentido de aplicação do prazo normal da prescrição do art.309 do CC ( cf., sobre as teses em confronto, por ex., Ac do STJ de 25/10/90, BMJ 400, pág.34).
Para dirimir a divergência, o STJ através do Assento de 4/12/96 ( BMJ 462, pág.94 ) fixou a seguinte jurisprudência obrigatória:
“ A acção destinada a exigir a reparação dos defeitos de coisa imóvel, no regime anterior ao DL 267/94 de 25/10, estava sujeita à caducidade, nos termos previstos no art.917 do CC “.
Com a publicação do DL 267/94, foram introduzidas duas modificações fundamentais: sujeitou-se ao regime do contrato de empreitada ( mais favorável para o adquirente/consumidor ) o vendedor que tenha sido simultaneamente o construtor do edifício vendido; alargou-se o prazo de denúncia dos defeitos ( tanto na empreitada, como na venda de coisa defeituosa ) e do subsequente direito da acção judicial, uniformizando-se os prazos em ambas as situações.
O diploma legal, ao alterar os prazos previstos nos arts.916 e 1225 do CC, é de aplicação imediata, face ao disposto no art.12 nº2, 2ª parte do CC, sendo interpretativa a norma do nº4 do art.1225 ( cf., por ex., Ac do STJ de 6/7/04 e de 27/6/96, www dgsi.pt/jstj ).
Nos termos do art.1225 nº1, 2 e 3 do CC, a denúncia dos defeitos deve ser feita no prazo de um ano, tanto para a indemnização ( autónoma ), como para a eliminação, estabelecendo-se o prazo de caducidade de um ano, a partir da denúncia, para a propositura da respectiva acção, sendo este regime agora aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado ( nº4 ).
Daqui resulta que na compra e venda em que o alienante tenha sido também o construtor do imóvel, apesar de inexistir empreitada, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do art.1225 do CC e não o dos arts.916 e 917 do CC ( cf., neste sentido, CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág.103, PEDRO MARTINEZ, Direito das Obrigações ( Parte Especial), 2ª ed., pág.145 ).
É certo que o comprador pode escolher e exercer autonomamente o direito de indemnização pelo interesse contratual positivo, decorrente das regras gerais do direito de responsabilidade civil, baseado no cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao vendedor, nos termos dos arts. 798, 799 e 801, nº1 do CC, mas também esta acção está sujeita aos prazos breves da caducidade ( cf., CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, págs. 74 e segs. ).
No caso sub judice, o pedido indemnizatório pelos danos patrimoniais sendo autónomo ( e não sucedâneo ), está sujeito ao prazo de caducidade de um ano, por imperativo do art.1225 do CC.
É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais tem lugar em sede de responsabilidade contratual ( cf., por ex., VAZ SERRA, BMJ 83, pág.69, e RLJ ano 108, pág.222, ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, pág.396, PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil, pág.84, Ac do STJ de 15/6/93, BMJ 428 ).
A este propósito, elucida CALVÃO DA SILVA ( loc.cit., pág.73 ) “ (…) Na fase executiva da venda de coisas defeituosas, o comprador, juntamente com a reparação ou substituição da coisa ( art.914 ), pode pedir o ressarcimento do prejuízo que lhe tenha sido causado pela entrega da coisa viciada imputável ao vendedor (…) “. E neste dever de indemnização se incluem os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art.496 do CC), por consubstanciarem danos relacionados com violação na execução do contrato, assumindo natureza contratual.
Contudo, também aqui o direito está submetido aos prazos da caducidade, dado que os prejuízos indemnizáveis estão estritamente conexos com o vício da coisa, motivando a prestação defeituosa, em que o genérico dever neminem laedere é absorvido, por estarem em causa comportamentos ligados ao fim contratual, mais especificamente deveres laterais de protecção e cuidado para com a pessoa da outra parte.
Como reforço argumentativo, a unidade do sistema jurídico, pois também a Lei de Defesa do Consumidor ( Lei nº24/96, alterada pelo DL nº67/03, de 8/4 ), ao conferir o direito de indemnização pelos danos não patrimoniais resultante do fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos ( art.12 nº1 ), sujeitando-o ao ónus da denúncia e a prazos de caducidade.
Na verdade, a caducidade dos direitos, prevista no nº4 do art.5 do DL 67/2003, vale também para o direito de indemnização reconhecido no nº1 do art.12 da Lei 24/96 ( cf., por ex., CALVÃO da SILVA, loc.cit, pág.131, e Venda de Bens de Consumo, pág.95 ).
Como a denúncia dos defeitos foi feita em 25/8/2004, dispunham os Autores do prazo de 1 ano para instaurar a acção, mas só o fizeram em 16/1/2006 e daí a caducidade.
Para os apelantes, a Ré reconheceu os defeitos em Fevereiro de 2005, configurando impedimento da caducidade, nos termos do art.331 nº2 do CC:
“Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.
O reconhecimento impeditivo da caducidade não tem como efeito o início de um novo prazo, mas o seu afastamento definitivo, a não ser que a lei sujeite o exercício do direito a novo prazo de caducidade
Há duas posições sobre a interpretação do nº2 do art.331 do CC:
a) - Uma interpretação restritiva no sentido de que o reconhecimento só releva se assumir o mesmo valor do acto que deveria ser praticado em seu lugar, pelo que no caso de prazo da acção judicial a caducidade só é impedida se o reconhecimento tiver o mesmo efeito da sentença (cf., por ex., VAZ SERRA, BMJ 107, pág.332, P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol.I, pág.296).
b) - Outra posição, menos exigente, para quem basta o mero reconhecimento, sem necessidade de que a confirmação revista o mesmo acto que deveria ser praticado em seu lugar ( cf., por ex., PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, pág.427, CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pág.160).
Pois bem, sendo suficiente o mero reconhecimento do direito, deve, no entanto, ser claro e inequívoco, de forma a não se suscitarem dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor ( cf., Ac STJ de 25/1/98, BMJ 481, pág. 430 e de 13/12/07, em www dgsi.pt ).
Competia aos Autores o ónus da prova do facto impeditivo da excepção da caducidade, mas que não lograram demonstrar, face à resposta negativa ao quesito 12º e restritiva ao quesito 13º, como pertinentemente se anotou na sentença.
Em suma, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Indeferir a junção do documento com as alegações.
2)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
3)
Condenar os apelantes nas custas.
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Coimbra, 8 de Julho de 2008.