Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1382/08.1TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
PROVA PERICIAL
Data do Acordão: 05/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU - 4º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 535º N.º 1 E 578º Nº1 DO CPC
Sumário: 1. As informações escritas e os pareceres, requisitados ao abrigo do disposto no artigo 535º, n.º 1, do Código de Processo Civil, constituem prova documental e não depoimentos testemunhais escritos.

2. É impertinente a prova pericial que tenha por objecto questões de facto irrelevantes para a decisão da causa.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra


A... , B... , C... , D... , E... , F... e G... , todos melhor identificados nos autos, autores na acção declarativa que instauraram contra H... e I... mulher , também melhor identificados nos autos, requereram, além de outras, as seguintes provas:
· A notificação do Hospital de J..., EP, na pessoa do médico que assistiu a autora –A... – no dia 21 de Agosto de 2008, para informar se os sintomas que a autora apresentava no dia do internamento podiam ter sido despoletados por um quadro psíquico de grande ansiedade e preocupação, em resultado de qualquer situação exterior;
· A realização de prova pericial com o seguinte objecto:
a) Qual o custo para a reconstrução das paredes pré-existentes do palheiro?
b) Qual o custo para a reconstrução do telhado de acordo com o pré-existente?
c) Qual o custo da reconstrução total do palheiro de acordo com as suas características originais?
d) Qual o custo do licenciamento da obra?
A produção destes meios de prova foi inferida com a seguinte fundamentação:
Indefere-se a notificação do Hospital de J... na medida em que o que se pretende é um depoimento escrito por parte de quem não tem essa prerrogativa”.
Quanto à perícia requerida entendemos que a mesma não é pertinente, na medida em que os factos constantes dos pontos 1), 2) e 3) não implicam especiais conhecimentos que estejam fora do alcance da generalidade das pessoas. A isto acresce que se reportam a uma realidade que já não existe pelo que insusceptíveis de uma análise directa.
Quanto ao custo da reconstrução do palheiro também não se afigura pertinente a perícia requerida, na medida em que esses factos não foram alegados pelos autores”.
Os autores não se conformaram com esta decisão e dela interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admitisse os meios de prova requeridos.
Fundamentaram o recurso nas seguintes razões:
1. Para prova da matéria de facto constante dos quesitos 32° a 34° foi junto o documento de fls. 242 e seguintes, com vista a esclarecer o nexo de causalidade entre a doença da autora e os factos imputados aos réus, e foi requerido, ao abrigo do disposto no art. 535° do CPC, ao Hospital de J... EPE, a seguinte informação: se os sintomas que a autora apresentava no dia do internamento podem ter sido despoletadas por um quadro psíquico de grande ansiedade e preocupação, em resultado de qualquer situação exterior.
2. Subjacente à ratio do artigo 535º do CPC está, não só a obtenção de documentos, como de informações prestadas por escrito, úteis à prova dos factos essenciais à boa decisão da causa, informação essa que, naturalmente, terá de ser prestada por escrito e fica a constar dos autos.
3. Face ao entendimento do Meritíssimo Juiz “a quo” seria esvaziar de conteúdo a referida disposição, uma vez que a prestação dessa informação por escrito configuraria sempre um depoimento escrito.
4. No caso sub judice, não se pretendeu com a referida diligência obter qualquer depoimento testemunhal por escrito, mas apenas e tão só obter uma informação médica para completar a informação constante do documento escrito de fls. 242 e seguintes.
5. Informação essa que, na perspectiva dos autores e de acordo com a repartição do ónus da prova, se mostra essencial para a prova da matéria de facto, essencial à boa decisão da causa.
6. Trata-se, antes de mais, de utilizar um meio mais expedito e célere para a prova de determinado facto, mostrando-se desnecessário o recurso à prova pericial.
7. O princípio da cooperação (artigo 266º, do CPC), como princípio geral aplicável aos meios de prova, impõe o recurso àqueles mais adequados e que permitam obter com maior celeridade e brevidade a prova dos factos controvertidos, sob pena de negação do chamado “direito à prova”.
8. Ao indeferir a requerida informação ao Hospital de J..., o Meritíssimo Juiz “a quo” violou, entre outros, o disposto nos artigos 265°, n°3, 266° e 535°, todos do CPC, por erro de interpretação ou aplicação.
9. O Meritíssimo juiz “a quo” indeferiu a prova pericial requerida pelos autores a fls. 223 e seguintes com fundamento na sua impertinência por incidir sobre matéria não alegada.
10. A prova pericial requerida não tinha por base factos estranhos ao objecto da causa. Incidia sobre os factos constantes dos quesitos 1, 2 e 3 como incidia, ainda, sobre outros que, embora não se encontrassem quesitados, tinham interesse para a boa decisão da causa e eram essenciais para prova dos factos principais.
11. A presente acção tem por objecto um palheiro, que já não existe devido a factos que, de acordo com o vertido na petição, são imputáveis aos réus, o que dificulta e limita a prova directa de alguns dos factos alegados pelos autores, nomeadamente no que se refere à composição e diminuição do palheiro.
12. Prova essa que dificilmente se pode obter através de uma simples inspecção ao local ou através de depoimento testemunhal, pois a memória dos factos pode ter registada a existência do palheiro, no entanto, não seria plausível que estes andassem a medir o palheiro quando este ainda aí se encontrava erigido.
13. Assim, mostra-se necessário recorrer a meios de prova indirectos, quer através da observação do local e obtenção de elementos ainda visíveis, quer através dos elementos existentes no processo, com recurso a especiais conhecimentos obtidos através de juízos técnicos que os julgadores não possuem, no fundo, através da prova pericial tal como foi requerida.
14. O valor da reconstrução é matéria aflorada nos artigos 69° e seguintes e resulta expressamente do pedido final constante da alínea G).
15. Perante o desconhecimento por parte dos autores do valor da reconstrução do palheiro, estes remeteram a sua liquidação após a sua fixação por perito, manifestando desde logo a sua intenção de a requerer — vide art. 74º da petição.
16. Face ao disposto no artigo 513° do CPC tais factos têm interesse para a decisão da causa e, como tal, devem ser objecto de prova, que face à sua especificidade se justifica que viessem a ser objecto de prova pericial.
17. A admitir-se a tese redutora do Meritíssimo juiz “a quo”, ao não ter admitido os referidos meios de prova, seria limitar ou mesmo coarctar o direito dos autores à prova dos factos que lhes cabe provar, essenciais à procedência da sua pretensão, tudo com vista à busca da verdade material e justa composição do litígio, fim último da actual concepção da lei processual civil.
18. Assim, ao ter indeferido a requerida prova pericial, o Meritíssimo Juiz “a quo” violou, entre outros, os artigos 513° e 265°, n.° 3, ambos do CPC, e o artigo 388° do Código Civil, por erro de aplicação ou interpretação.
Não houve resposta.
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A exposição acabada de efectuar mostra que as principais questões suscitadas pelos recorrentes são as seguintes: a primeira é a de saber se a decisão recorrida, ao indeferir o pedido de informação ao Hospital de J..., violou o disposto nos artigos 265º, n.º 3, 266º e 535º, todos do CPC; a segunda é a de saber se, ao indeferir a prova pericial, violou o disposto nos artigos 513º e 265º, n.º3, ambos do CPC, e o artigo 388º, do Código Civil.
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Conforme já se escreveu mais acima, os autores requereram a notificação do Hospital de J..., na pessoa do médico que assistiu a autora,A..., no dia 21 de Agosto de 2008, para informar se os sintomas que a autora apresentava no dia do internamento podiam ter sido despoletados por um quadro psíquico de grande ansiedade e preocupação, em resultado de qualquer situação exterior. Fizeram-no ao abrigo do disposto no artigo 535º, do CPC, e “com vista à prova da matéria de facto constante dos quesitos 32º e 34º”.
Para melhor se compreender o sentido do requerimento, importa dizer que, para prova dos mesmos factos, os autores haviam requerido a junção aos autos de um documento emitido pelo Hospital de J..., designado por “relatório completo de episódio de urgência”, que dava conta da ida da autora,A..., à urgência do citado Hospital, no dia 21 de Janeiro de 2008, com queixas de vómitos de cor escura.
O despacho recorrido viu, na informação a prestar, um testemunho escrito não consentido pela lei. Embora não tenha citado nenhuma disposição legal que sustentasse o indeferimento, ao afirmar que o que se pretendia era um depoimento escrito por parte de quem não tinha essa prerrogativa, a decisão recorrida teve em mente a norma do n.º 2 do artigo 624º, do CPC, pois é ela que prevê as prerrogativas da inquirição de certas entidades indicadas como testemunhas, designadamente a prerrogativa de depor primeiro por escrito.
Como se procurará demonstrar, a lei não considera a informação pretendida pelos autores como um depoimento testemunhal reduzido a escrito.
Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 535º, do CPC, incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.
O n.º 2 do mesmo preceito estabelece que a requisição pode ser feita aos organismos oficiais, ás partes ou a terceiros.
Os termos da norma acabada de transcrever mostram, com clareza, que o tribunal tem o dever de requisitar, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, a organismos oficiais, às partes ou a terceiros, além do mais, informações necessárias ao esclarecimento da verdade.
Como é bom de ver, as informações escritas, mesmo que solicitadas a um organismo oficial ou a uma pessoa colectiva, terão sempre como autor uma pessoa concreta. Daí que mesmo que a resposta ao tribunal seja dada em nome do organismo ou da pessoa colectiva, é sempre possível surpreender por trás dessa resposta uma pessoa.
Vistas as coisas nesta perspectiva, a informação escrita constitui um depoimento escrito.
O caso dos autos atesta o que se acaba de afirmar. Embora tenham requerido a notificação do Hospital de J..., os autores pretendem que a informação seja prestada por uma pessoa em concreto, a médica que estava de serviço no citado Hospital e que assistiu a autora no dia 21 de Agosto de 2008.
Diga-se, de resto e em bom rigor, que o que os autores pediam não era uma informação. Para que se pudesse falar de informação seria necessário que ela já existisse como um dado no Hospital de J..., o que não sucedia no caso. O que estava em causa era a obtenção de um parecer médico acerca das causas dos sintomas que a autoraA... apresentava no dia em que foi ao serviço de urgência.
Quer se entenda que os autores requereram uma informação escrita quer se entenda que requereram um parecer médico, a verdade é que as informações escritas e os pareceres não só se ajustam ao conceito amplo de documento constante do artigo 362º, do Código Civil, como são tratados como tal pelo artigo 535º, n.º 1, do CPC, cuja epígrafe é precisamente “requisição de documentos”.
Segundo a classificação dos documentos quando ao conteúdo, efectuada por Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, páginas 490, tratam-se de documentos narrativos, ou seja, de documentos que contém “uma simples declaração de ciência”.
Interpretando a pretensão dos autores com o alcance acabado de apontar, é patente que lhes assiste razão quando se opõem à decisão recorrida com a alegação de que não pretendiam obter qualquer depoimento testemunhal escrito e com a alegação de que o artigo 535º do CPC contempla a obtenção de informações prestadas por escrito.
Daqui não se segue a procedência do recurso. Na verdade, já não assiste razão aos recorrentes quando se opõem à decisão recorrida com o argumento de que a informação pretendida era essencial à boa decisão da causa e com o argumento de que o indeferimento do pedido põe em causa o direito à prova.
Em primeiro lugar, a informação pretendida era irrelevante para a decisão da causa. Embora os autores tenham declarado que a diligência era requerida com vista à prova da matéria de facto dos pontos números 32º a 34º da base instrutória, o que se visava com ela era a prova da relação entre a ida da autora à urgência (que os documentos de fls. 242 e seguintes documentam) e os factos imputados aos réus, ou seja, a demolição das paredes estruturais do palheiro (facto controvertido sob o n.º 26). Ora, mesmo que o médico fosse de parecer que os sintomas que a autora apresentava aquando da sua ida à urgência podiam ter sido despoletados por um quadro psíquico de grande ansiedade e preocupação, em resultado de qualquer situação exterior, a verdade é que esta opinião não tinha relevância para o estabelecimento do nexo de causalidade entre os factos imputados aos réus (demolição das paredes do palheiro) e a ida da autora à urgência. E não tinha qualquer utilidade ou relevância pela razão elementar mas decisiva de que a ida à urgência ocorreu antes dos factos imputados aos réus. Com efeito, enquanto aquela teve lugar em 21 de Janeiro de 2008, estes registaram-se em 30 de Janeiro de 2008 (cfr. artigo 46º da petição). Ora, a causa nunca pode ser posterior ao efeito ou consequência!
Em segundo lugar, o direito à prova, entendido como o direito que assiste às partes, num processo, de oferecer ou requerer a produção de meios de prova necessários à demonstração dos factos que servem de fundamento às respectivas pretensões, não é um direito absoluto e irrestrito, pois não confere o direito de requerer a produção de provas irrelevantes ou inúteis.
Por último, nenhum dos artigos citados pelos recorrentes lhes conferia a faculdade de requererem a requisição de informações ou pareceres sem qualquer restrição. O n.º 1, do artigo 535º, do CPC, restringe a requisição aos documentos necessários ao esclarecimento da verdade; o n.º 3 do artigo 265º, do mesmo diploma, impõe ao juiz o dever de realizar diligências mas apenas as que sejam necessárias ao apuramento da verdade e á justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer; por último, o artigo 266º, embora imponha ao juiz o dever de cooperar com os mandatários judiciais e as partes para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, não lhe impõe a realização de diligências irrelevantes ou inúteis para a prova dos factos.
Face ao exposto, embora por razões diferentes das do despacho recorrido, conclui-se que não incumbia ao tribunal a quo o dever de requisitar ao Hospital de J... a informação pretendida pelos recorrentes.
Mantém-se, assim, a decisão.
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Apreciemos, de seguida, o recurso contra a parte da decisão que indeferiu a prova pericial.
Vejamos, antes de mais, as normas relativas ao objecto da prova pericial.
Nos termos do artigo 388º, do Código Civil, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
O n.º 1, do artigo 577º, do CPC, dispõe que, ao requerer a perícia, a parte indicará logo o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência.
O n.º 2 estabelece que a perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária.
Por último, resulta do n.º 1, do artigo 578º, do CPC, que a diligência será indeferida se for impertinente ou dilatória.
No caso, verifica-se que os autores, invocando o disposto no artigo 388º, do Código Civil, e nos artigos 568º e seguintes do CPC, requereram a realização de perícia para prova da matéria de facto constante dos quesitos 1º, 2º e 3º da base instrutória, com a alegação de que se “tratava de matéria de facto cuja apreciação pressupunha especiais conhecimentos que os julgadores não possuíam”. Seguidamente, indicaram o objecto da perícia nos seguintes termos: “ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 577º, do CPC, face à matéria de facto alegada na sua globalidade, aos factos instrumentais e acessórios ou complementares dos factos principais e ainda face ao pedido formulado na alínea G) da p.i, requer-se que o Sr. Perito venha esclarecer o tribunal sobre os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
a) Qual o custo para a reconstrução das paredes pré-existentes do palheiro?
b) Qual o custo para a reconstrução do telhado de acordo com o pré-existente?
c) Qual o custo da reconstrução total do palheiro de acordo com as suas características originais?
d) Qual o custo do licenciamento da obra?
Conforme já se escreveu mais acima, o tribunal a quo considerou a perícia impertinente. Fê-lo pelas seguintes razões: em primeiro lugar, os factos que os autores se propunham provar com ela (factos constantes dos pontos números 1, 2 e 3 da base instrutória) não exigiam conhecimentos especiais; em segundo lugar, esses factos reportavam-se a uma realidade que já não existia, razão pela qual não podiam ser percepcionados pelos peritos; em terceiro lugar, o custo da reconstrução não havia sido alegado.
Os recorrentes ergueram contra esta fundamentação, em síntese, os seguintes argumentos: em primeiro lugar, a prova pericial não tinha por objecto factos estranhos ao objecto da causa; incidia sobre os factos constantes dos pontos 1, 2 e 3 da base instrutória e sobre outros que, embora não quesitados, tinham interesse para a boa decisão da causa e eram essenciais para a prova dos factos principais; em segundo lugar, o valor da reconstrução havia sido aflorado nos artigos 69º e seguintes da petição e resultava expressamente do pedido final constante da alínea G).
Como se procurará demonstrar não assiste razão aos recorrentes.
Em primeiro lugar, a percepção dos factos concretos que os recorrentes se propunham provar com a prova pericial – os factos controvertidos sob os números 1, 2 e 3 da base instrutória – não exigiam conhecimentos especiais que o julgador não possuísse. Com efeito, não eram necessários conhecimentos especiais para se saber se:
· O palheiro referido na alínea D) tem uma área de 58 m2 e uma parte com 28 m2 (ponto n.º 1);
· O palheiro tinha um logradouro com uma laje em pedra a sul com 115 m2 (quesito 2º);
· O palheiro tinha paredes em alvenaria de tijolo, formando paredes com cerca de sete metros de largura por doze metros e meio de comprimento e com dois metros e meio de altura (quesito 3º).
Ora tem inteira cobertura no n.º 1, do artigo 578º, do CPC, o indeferimento da perícia quando ela tenha por objecto factos cujo apuramento não exija conhecimentos especiais.
Em segundo lugar, os peritos não foram chamados a percepcionar nenhum dos factos controvertidos sob os referidos números da base instrutória. As questões de facto que os autores pretendiam ver esclarecidas através da perícia (o custo para a reconstrução das paredes pré-existentes do palheiro, o custo para a reconstrução do telhado de acordo com o pré-existente, o custo da reconstrução total do palheiro de acordo com as suas características originais, o custo do licenciamento da obra) não figuram na base instrutória.
Não se ignora que, para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 577º, do CPC, as questões de facto que constituem o objecto da perícia não têm de ser necessariamente os factos constantes da base instrutória. Socorrendo-nos das palavras de José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, páginas 537, páginas 537, as questões de facto podem ser constituídas por “pontos de facto instrumentais, como tais não carecidos de prévia alegação, que constituem via para prova dos factos principais da causa”.
Sucede que os factos que os requerentes querem ver esclarecidos através da perícia não são instrumentais dos que figuram na base instrutória sob os n.ºs 1, 2 e 3.
É certo, como sustentam os recorrentes, que a questão do custo da reconstrução não é estranha à matéria da causa. Com efeito, os autores alegaram no artigo 74º da petição que o custo da reconstrução e outros encargos seriam liquidados até à audiência de julgamento, após a realização de prova pericial ou, em última instância, se remetia para liquidação de sentença, e pediram, sob a alínea G), a condenação dos réus no pagamento do valor, que viesse a ser fixado pela prova pericial, necessário à reposição do palheiro no estado em que se encontrava.
A verdade é que nem a alegação constante do artigo 74º da petição nem o pedido deduzido sob a alínea G) tornam pertinente ou relevante a perícia. Vejamos.
Considerando as normas relativas ao objecto da perícia (artigo 388º do Código Civil e artigo 577º, do CPC) e o disposto no artigo 513º do CPC, segundo o qual a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, a perícia será pertinente ou relevante se:
· Tiver por objecto a percepção ou apreciação de factos quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam;
· Se reportar a factos controvertidos e relevantes para o exame da decisão da causa, quer aos articulados pelo requerente quer aos alegados pela parte contrária.
Antes de mais, é manifesto que o apuramento da questão de facto enunciada pelos autores sob a alínea d) – custo do licenciamento da obra - não exige quaisquer conhecimentos especiais. Daí que, quanto a ela, a perícia seja claramente impertinente.
No tocante às restantes questões, embora se admita a necessidade de conhecimentos especiais para o seu esclarecimento, a verdade é que elas não se reportam a nenhum facto controvertido e relevante para a decisão da causa.
Em primeiro lugar, e como já se disse acima, o custo da reconstrução não figura entre os factos controvertidos.
Em segundo lugar, os autores pediram a condenação dos réus a pagarem o valor, que viesse a ser fixado pela prova pericial, necessário à reposição do palheiro no estado em que se encontrava, apenas no caso de os demandados não procederem a expensas suas à reconstrução do imóvel. Isto é, os autores pediram a condenação dos réus a procederem a expensas suas à reconstrução do palheiro; só para o caso de os réus não cumprirem esta obrigação é que pediram a condenação destes no pagamento do valor necessário à reposição do palheiro.
Do exposto resulta que, para os próprios autores, o cálculo do custo da reconstrução só terá interesse se os réus não acatarem a decisão que vier a ser proferida. Como é bom de ver, só na hipótese de ser proferida decisão favorável aos autores e de ela obter força executiva é que se saberá se os réus cumprem ou não a condenação a que foram sujeitos.
Sucede que, no caso de os réus não cumprirem a decisão, assistirá aos autores o direito de requererem execução para prestação de facto nos termos do disposto no artigo 933º e seguintes do Código de Processo Civil. Será no âmbito do processo executivo e no caso de os exequentes optarem pela prestação do facto por outrem que se tornará necessária a avaliação do custo da prestação (artigo 935º, do CPC).
Assim, por razões não inteiramente coincidentes com as do despacho recorrido, é de concluir que a prova pericial requerida era impertinente.
Por todo o exposto conclui-se que a decisão recorrida não violou as disposições legais indicadas pelos recorrentes.
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Decisão:
Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
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As custas serão suportadas pelos recorrentes.