Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2173/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
ACIDENTE DE TRABALHO
RESOLUÇÃO AUTOMÁTICA
PAGAMENTO DO PRÉMIO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 09/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO CÍVEL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º E 8º DO DL Nº 142/2000, DE 15/07 .
Sumário: I – Num primeiro momento é obrigação da seguradora enviar ao tomador do seguro, com a antecedência de pelo menos 30 dias, o aviso de pagamento do prémio de seguro, com expressa indicação da data e forma de pagamento, do valor a pagar e das consequências pela falta desse pagamento .
II – Na falta de pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso, o tomador do seguro constitui-se em mora e decorridos 30 dias sobre essa data o contrato de seguro tem-se como resolvido automaticamente, sem possibilidade de ser reposto em vigor .

III – No caso da data referida para efeito de resolução do contrato ter sido erradamente expressa no aviso, a resolução automática do contrato não se chega a verificar, podendo até ocorrer uma situação de abuso de direito por parte da seguradora relativamente à pretensa resolução do contrato, caso se verifique a continuação do recebimento dos prémios futuros respeitantes a esse contrato .

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., residente em Quimbres, S. Silvestre, Coimbra, propõe contra B..., com sede na Av. José Malhoa, 9, Lisboa e C..., residente na Rua do Ribeiro, Dianteiro, Coimbra, a presente acção com processo sumário, pedindo que seja reconhecido que o contrato referente à apólice que identifica se encontrava em vigor à data do referido acidente de trabalho ( 18.02.2003 ), pelo que, a responsabilidade civil (respectiva ) se encontrava transferida para a 1ª R., devendo esta assumir a reparação dos danos decorrentes do referido acidente de trabalho, que se vier a apurar, em sede própria, serem da responsabilidade do A. e, subsidiariamente, caso se entenda ter sido resolvido o referido seguro, deverá ser reconhecida a actuação culposa do 2º R. e a sua consequente responsabilidade pelos danos resultantes dessa sua conduta, devendo, assim, assumir a reparação dos danos decorrentes do referido acidente de trabalho, que se vier a apurar, em sede própria, serem da responsabilidade do A..
Fundamentam estes seus pedidos, em síntese, no facto de ter celebrado, com a 1ª R., um contrato de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, através do seu mediador, o 2º R., por intermédio de quem pagava os respectivos prémios. No dia 18.02.2003, um dos seus trabalhadores sofreu um acidente de trabalho, sendo que quando procedeu à participação de tal sinistro à 1ª R., esta recusou assumir a responsabilidade por tal sinistro, alegando que o contrato de seguro não se encontrava em vigor por falta de pagamento do respectivo prémio, nomeadamente, por falta de pagamento do prémio respeitante ao período de 16.02.2002 a 16.05.2002. Sucede que procedeu ao pagamento do referido prémio, a 27.05.2002, a pedido do 2º R., tendo-lhe este entregado o respectivo recibo, pagamento que a 1ª R. aceitou sem qualquer reservas. Nunca recebeu qualquer aviso destinado a informá-lo da data limite de pagamento respeitante ao prémio de 16.02.2002 a 16.05.2002, nem qualquer declaração destinada a resolver o referido contrato de seguro, sendo também certo que a 1ª R. aceitou o pagamento referente ao período seguinte, de 16.05.2002 a 16.08.2002, nunca tendo essa R. procedido à anulação do contrato de seguro, pelo que o mesmo se encontrava em vigor à data do acidente. De qualquer modo, o 2º R. não só não alertou o A. para a possibilidade de resolução do contrato, como requereu e efectuou pagamentos fora de prazo.
1-2- Contestou o R. Nelson, alegando em síntese, que logo que recebeu os prémios respeitantes aos trimestres de 16.02.2002/16.05.2002 e de 16.05.2002/16.08.2002, transferiu, de imediato, tais montantes para a co-R. Seguradora, que os recebeu, processando os créditos da sua comissão. Só procedeu à cobrança do 1º prémio a 27.05.2002, e do 2º nas datas indicadas, porque nas sucessivas diligências que antes havia levado a cabo junto do A. para receber tais prémios, este, alegando não ter disponibilidades, protelou tais pagamentos. O A. poderia ter feito o referido pagamento por outros meios que não através do mediador. A resolução do seguro, não só não foi comunicada, como ainda sempre teve todas as razões para crer na sua validade. Apenas e já no decurso de 2003 e na sequência do acidente de trabalho lhe foi transmitida, pela Seguradora, a anulação do seguro. Por outro lado, não estranhou que os demais recibos tenham deixado de lhe ser enviados, uma vez que o A. poderia ter efectuado o respectivo pagamento junto da Seguradora ou procedido à rescisão de tais seguros.
Termina concluindo pela sua ilegitimidade, ou pela sua absolvição dos pedidos.
1-3- Contestou também a R., Seguradora, alegando em síntese, que o contrato em causa tinha sido resolvido pela R. em 18 de Março de 2002, por falta de pagamento do prémio. Em 9 de Fevereiro de 2002, foi enviado ao A., para a sua residência, o aviso de pagamento respeitante ao período de 16.02.2002 a 16.05.2002, no qual constava a expressa advertência de resolução do contrato em 18 de Março de 2002, caso tal pagamento não fosse efectuado. A 6 de Março de 2002, a R. enviou-lhe novo aviso e, em 15 de Maio de 2002, foi enviado a favor do A., recibo de estorno, no valor de 311,38 euros, relativo ao tempo não decorrido no trimestre em que ocorreu a resolução do contrato por falta de pagamento do prémio ( entre 18 de Março de 2002 e 16.05.2002 ). O facto de a R. só ter enviado ao A. o aviso de pagamento com uma antecedência inferior a 30 dias, tal constituiu uma mera irregularidade e não afecta a validade da declaração de resolução automática volvidos 30 dias da data limite para o pagamento. O recibo respeitante ao período de 16.05.2002 a 16.08.2002, só por lapso informático foi enviado ao mediador, e verificado tal lapso, a co-Ré emitiu e enviou ao mediador o respectivo recibo de estorno.
Termina pedindo a improcedência da acção.
1-4- O A. respondeu quanto à contestação da R. Seguradora, alegando, em síntese, que nunca recebeu os referidos avisos de pagamento, nunca tendo sido avisado da emissão de qualquer estorno a seu favor.
1-5- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador ( em que considerou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pelo R. Nelson ), fixado os factos assentes e a base instrutória, após o que se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu a essa base instrutória e se proferiu a sentença.
1-6- Nesta considerou-se procedente por provada a acção e, em consequência, reconheceu-se que o contrato referente à referida apólice se encontrava em vigor à data do acidente de trabalho ( 18.02.2003 ), pelo que, a responsabilidade civil se encontrava transferida para a 1ª R., B..., condenando-se esta assumir a reparação dos danos decorrentes do referido acidente de trabalho, que se vierem a apurar, em sede própria, ser da responsabilidade do A.
Mais se absolveu o R. Nelson do pedido contra ele formulado, a título subsidiário.
1-7- Não se conformando com esta sentença, dela veio recorrer a R. Seguradora, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-8- A recorrente alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- De acordo com o nº 2 do art. 7º do D.L. 142/2000, o aviso de pagamento tem de conter, obrigatoriamente, a cominação de resolução automática do contrato e a data a partir da qual se opera a mesma.
2ª- Os demais elementos não influenciam a validade da notificação da resolução do contrato, sendo irrelevante para a produção de efeitos resolutivos que o aviso não seja enviado com antecedência de 30 dias.
3ª- Tendo a recorrente enviado ao recorrido o aviso em 9-2-2002, comunicando-lhe que o contrato de seguro ficava automaticamente resolvido se o pagamento do prémio não fosse efectuado até 18-3-2002 e não tendo tal pagamento ocorrido até essa data, mas tão só a 27-5-2002, o contrato de seguro resolveu-se automaticamente.
4ª- Daqui decorre que a recorrente não responde pelas consequências do acidente de trabalho ocorrido em 18-2-2003.
5ª- Mas mesmo que assim se não entenda, mesmo de acordo com a sentença recorrida, nunca se poderia entender que o contrato de seguro não estava resolvido mas, tão só, que foi resolvido mais tarde.
6ª- Com efeito, respeitando a antecedência de 30 dias o aviso, o vencimento do prémio verificar-se-ia então em 12-3-2002 e a resolução automática em 11-4-2002.
7ª- Como o pagamento não foi efectuado nesse período, ter-se-á que entender, mesmo assim, que a resolução automática se produziu em 11-4-2002.
8ª- Violou o tribunal recorrido o art. 7º do D.L. 142/2000.
1-9- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após a resposta à base instrutória, ficou assente a seguinte matéria de facto:
1- No âmbito da sua actividade, o A. emprega, por sua conta, vários trabalhadores.
2- O A. celebrou com a 1ª R., por intermédio do seu mediador, 2º R., um seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, através da apólice nº 21.687.855, com início a 16 de Maio de 2001.
3- O A. sempre pagou os prémios de tal seguro por intermédio do 2º R..
4- O A. enviou à 1ª R. uma participação respeitante a um acidente de trabalho ocorrido no dia 18 de Fevereiro de 2003 com um dos seus trabalhadores.
5- Após ter tomado conhecimento de tal participação, a 1ª R. recusou-se a assumir qualquer responsabilidade pelo referido sinistro, invocando que o contrato de seguro referente à referida apólice, não se encontrava em vigor por falta de pagamento do referido prédio.
6- A 30.05.2003, a 1ª R. informou o A. de que o referido contrato teria sido anulado por falta de pagamento do prémio respeitante ao período de 16.02.2002 a 16.05.2002.
7- O A. procedeu ao pagamento do prémio nº 9234116, respeitante ao referido período de 16.02.2002 a 16.05.2002, em 27 de Maio de 2002, junto do 2º R..
8- Simultaneamente, o 2º R. entregou ao A. o recibo referente ao período de 16.02.2002 a 16.05.2002.
9- Em 28.05.2002, o 2º R. efectuou a prestação de contas junto da 1ª R., respeitante ao pagamento correspondente ao período de 16.02.2002 a 16.05.2002.
10- Em 20.04.2002, a R. Seguradora emitiu o recibo nº 93.559.019.01, respeitante ao período de 16.05.2002 a 16.08.2002, que enviou ao 2º R., para cobrança.
11- Em Julho de 2002, o A. procedeu ao pagamento referente ao período de 16.05.2002 a 16.08.2002, pagamento que efectuou junto do 2º R. e que este remeteu à 1º R., mediante prestação de contas efectuada a 17.07.2002.
12- Na sequência dos pagamentos referidos nos pontos i) e l) ( aqui em 9 e 11 ) e após a respectiva prestação de contas por parte do 2º R. à R. Seguradora, esta processou-lhe o reembolso das respectivas comissões.
13- Em Dezembro de 2003, a R. Seguradora enviou ao A. a acta adicional referente ao seguro em apreço.
14- Em 09 de Fevereiro de 2002 foi enviado ao A. um primeiro aviso para pagamento do recibo do prémio nº 9234116 referente ao período de 16 de Fevereiro a 16 de Maio de 2002.
15- Nessa mesma data, foi enviado ao 2º R. o respectivo recibo para ser entregue ao segurado, após a cobrança respectiva.
16- O aviso de pagamento referido 14 foi dirigido ao A., com residência em Quimbres, S. Silvestre.
17- Em tal aviso constava a data de vencimento do prémio – 16.02.2002 – e o valor a pagar – 483,18 euros.
18- Nesse aviso constava ainda a advertência da resolução automática do contrato em 18 de Março de 2002 caso tal pagamento não fosse autorizado.
19- A R. enviou-lhe ainda um segundo aviso, do mesmo teor, em 06.03.2002.
20- Em 03 de Dezembro de 2003, a 1ª R. emitiu e enviou ao mediador o recibo de estorno referente ao recibo do prémio respeitante ao período de 16 de Maio a 16 de Agosto de 2002, para ser entregue ao A..
21- O 2ª R. alertava sempre o A. para a data de vencimento dos pagamentos referentes a cada um dos seguros celebrados por seu intermédio.
22- Requerendo-lhe a quantia necessária ao pagamento do respectivo prémio em dívida.
23- O pagamento referido na g) ( aqui em 7 ) foi efectuado a pedido do 2º R..
24- O 2º R. solicitou igualmente ao A. o pagamento referido na al. j) (aqui em 10 ).
25- O 2º R. solicitou ao A. o pagamento dos prémios respeitantes aos trimestres de 16.02.2002 a 16.05.2002, e de 16.05.2002 a 16.08.2002, mais do que uma vez, e dentro dos 30 dias subsequentes às respectivas datas de emissão.
26- Só no decurso do ano de 2003 e na sequência da participação referida na al. d) ( aqui em 4 ), foi pela R. Seguradora transmitida ao 2º R. a anulação daquele seguro.
27- O A. nunca foi informado pela 1ª R. da emissão do recibo de estorno respeitante ao período de 16 de Março de 2002 a 16 de Maio de 2002.-------------
2-3- Como se vê, como pedido principal, pretende o A., que a 1ª R. ( a R. Seguradora ) assuma a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente de trabalho que indica, em razão do contrato de seguro que celebrou com ela e que, no seu ponto de vista, se encontrava em vigor então. A R. Seguradora, por sua vez, repudia tal responsabilidade, já que, no seu entender, o contrato de seguro invocado pelo A. se encontrava, à data do acidente de trabalho, resolvido.
Na douta sentença recorrida, entendeu-se que o contrato de seguro subsistia à data do acidente de trabalho, pelo que acabou por se condenar a R. Seguradora no pedido.
Esta não aceitou decisão, por continuar a entender que o contrato se encontrava resolvido ( automaticamente ) no momento do sinistro. Daí o presente recurso.
Portanto, a questão que urge resolver, será a de se saber se o contrato de seguro se encontrava ou não válido na dita altura.
Recapitulemos, cronologicamente, os factos que se provaram e que interessam para a decisão da questão:
Em 09 de Fevereiro de 2002, foi enviado ao A. um primeiro aviso para pagamento do recibo do prémio nº 9234116 referente ao período de 16 de Fevereiro a 16 de Maio de 2002. Nessa mesma data, foi enviado ao 2º R. ( o mediador ) o respectivo recibo para ser entregue ao segurado, após a cobrança respectiva. O aviso de pagamento dirigido ao A., foi enviado para a sua residência em Quimbres, S. Silvestre. Em tal aviso constava a data de vencimento do prémio ( 16.02.2002 ) e o valor a pagar ( 483,18 euros ). Nesse aviso constava ainda a advertência da resolução automática do contrato em 18 de Março de 2002, caso tal pagamento não fosse efectuado. A R. enviou-lhe ainda um segundo aviso, do mesmo teor, em 06.03.2002. Em 20.04.2002, a R. Seguradora emitiu o recibo nº 93.559.019.01, respeitante ao período de 16.05.2002 a 16.08.2002, que enviou ao 2º R., para cobrança. Em 27.5.2002, o A. procedeu ao pagamento do prémio do seguro ( nº 9234116 ), respeitante ao referido período de 16.02.2002 a 16.05.2002, junto do 2º R.. Este entregou ao A. o recibo referente ao período de 16.02.2002 a 16.05.2002. Em 28.05.2002, o 2º R. efectuou a prestação de contas junto da 1ª R., respeitante ao pagamento correspondente ao período de 16.02.2002 a 16.05.2002. Em Julho de 2002, o A. procedeu ao pagamento referente ao período de 16.05.2002 a 16.08.2002, pagamento que efectuou junto do 2º R. e que este remeteu à 1º R., mediante prestação de contas efectuada a 17.07.2002. Na sequência dos pagamentos referidos e após a respectiva prestação de contas por parte do 2º R., à R. Seguradora, esta processou-lhe o reembolso das respectivas comissões. A 30.05.2003 (ou seja, já após o sinistro ) a 1ª R. informou o A. de que o referido contrato teria sido anulado por falta de pagamento do prémio respeitante ao período de 16.02.2002 a 16.05.2002. Em 03 de Dezembro de 2003 ( isto é, já depois do acidente e da instauração da presente acção ), a 1ª R. emitiu e enviou ao mediador o recibo de estorno referente ao recibo do prémio respeitante ao período de 16 de Maio a 16 de Agosto de 2002, para ser entregue ao A., sendo, porém, certo que o A. nunca foi informado pela 1ª R. da emissão desse recibo de estorno.
Ainda com interesse para apreciação da questão, provou-se que o A. sempre pagou os prémios de tal seguro por intermédio do 2º R.. Este alertava sempre o A. para a data de vencimento dos pagamentos referentes a cada um dos seguros celebrados por seu intermédio, requerendo-lhe a quantia necessária ao pagamento do respectivo prémio em dívida. Os pagamentos referidos acima, foram efectuados a pedido do 2º R..
Estabelece o art. 7º do Dec-Lei 142/2000 de 15 de Julho:
1- A empresa de seguros encontra-se obrigada, até 30 dias antes da data em que os prémios e fracções subsequentes sejam devidos, a avisar, por escrito, o tomador de seguro, indicando a data do pagamento, o valor a pagar e a forma de pagamento.
2- Do aviso a que se refere o número anterior devem obrigatoriamente constar as consequências da falta de pagamento do prémio e fracção, nomeadamente a data a partir da qual o contrato é automaticamente resolvido, nos termos do artigo seguinte.
3- Recai sobre a empresa de seguros o ónus da prova relativo ao envio a que se refere o presente artigo”.
Refere, por sua vez, o art. 8º do mesmo diploma:
1- Na falta de pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso referido no artigo anterior, o tomador do seguro constituiu-se em mora e, decorridos que sejam 30 dias após aquela data, o contrato é automaticamente resolvido, sem possibilidades de ser reposto em vigor.
2- Durante o prazo referido no número anterior o contrato produz todos os seus efeitos.
3- Nos casos em que a cobrança seja efectuada através de mediadores, estes ficam obrigados a devolver às empresas de seguros os recibos não cobrados dentro do prazo de oito dias subsequentes ao prazo estabelecido no nº 1, sob pena de incorrerem nas sanções legalmente estabelecidas”.
Quer isto dizer, e para o que aqui importa, que é obrigação da seguradora, avisar, por escrito, o tomador do seguro, até 30 dias antes da data em que os prémios e fracções subsequentes sejam devidos, indicando a data do pagamento, o valor a pagar e a forma de pagamento. Desse aviso devem, obrigatoriamente, constar as consequências da falta de pagamento do prémio e fracção, nomeadamente a data a partir da qual o contrato é automaticamente resolvido. Caso o pagamento do prémio ( ou fracção ) não for efectuado na data indicada no aviso, o tomador do seguro constituiu-se em mora e, decorridos que sejam 30 dias após aquela data, o contrato é automaticamente resolvido, sem possibilidades de ser reposto em vigor. Durante o prazo dos referidos 30 dias o contrato produz todos os seus efeitos.
Destes procedimentos e consequências, é possível concluir que, num primeiro momento, é obrigação da seguradora enviar ao tomador do seguro, com a antecedência de, pelo menos 30 dias, o aviso de pagamento. Na falta de pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso, o tomador do seguro constituiu-se em mora e, decorridos 30 dias sobre essa data, o contrato de seguro tem-se como resolvido automaticamente, sem possibilidade de ser reposto em vigor.
Provou-se, no caso vertente, que a R. Seguradora a 9 de Fevereiro de 2002 enviou ao A., para a sua residência em Quimbres, S. Silvestre, um ( primeiro ) aviso para pagamento do prémio, referente ao período de 16 de Fevereiro a 16 de Maio de 2002. Do aviso constava a data de vencimento do prémio ( 16.02.2002 ), o valor a pagar ( 483,18 euros) e a advertência da resolução automática do contrato, em 18 de Março de 2002, caso tal pagamento não fosse efectuado. Ou seja, do aviso constava a data do pagamento, o valor a pagar e as consequências da falta de pagamento. Todavia, o aviso não foi enviado ao A., com antecedência mínima de 30 dias ( deveria ter sido enviado antes de 17.1.2002 ), como obrigava o nº 1 do mencionado art. 7º.11 Como bem se refere no aresto recorrido, o dia 9 de Fevereiro de 2002 foi um Sábado, pelo que o recebimento pelo tomador terá sido necessariamente posterior a tal data, sendo ainda de realçar que tal aviso se encontra datado de 12.02.2002 ( doc. de fls. 160 junto pela própria R. Seguradora )
Que consequências se devem retirar desta omissão ?
Segundo a douta sentença recorrida, “não sendo tal aviso enviado ao tomador do seguro com uma antecedência de 30 dias relativamente à data do vencimento do prémio, tal facto importará necessariamente que o tomador do seguro não incorra em mora, caso não proceda ao pagamento na data indicada no aviso, mas tão só decorridos 30 dias a contar do envio do aviso pela seguradora, o que “importará necessariamente que a resolução não poderá operar na data aposta no aviso (18.03.2002), uma vez que tal data não respeita o prazo de 30 dias após a mora ( mora que só ocorreria 30 dias após o envio do aviso, ou seja, nunca antes de 12 Março de 2002, considerando como data do envio 9 de Fevereiro de 2002 ). Acrescenta-se depois que, assim “não se pode ter o contrato de seguro em apreço como automaticamente resolvido a 18 de Março de 2002, como pretende a R. Seguradora . Invocando a R. Seguradora a resolução extrajudicial do contrato de seguro, defende--se mediante a invocação de uma excepção peremptória, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos que a integram”. Nesta conformidade “não tendo a R. logrado tal prova, nomeadamente que se tenham verificado todos os condicionalismos exigidos por lei para que se tivesse operado a resolução automática do contrato com efeitos a 18.03.2002, teremos de considerar tal contrato como subsistente à data da ocorrência do acidente com o seu trabalhador”.
Segundo a apelante, tendo o aviso que respeitar a antecedência de 30 dias, então o vencimento do prémio verificar-se-ia em 12-3-2002 e a resolução automática em 11-4-2002. Como o pagamento não foi efectuado nesse período, ter-se-á que entender, mesmo assim, que a resolução automática se produziu em 11-4-2002.
Como é bom de ver, as consequências para o tomador do seguro, pela falta de pagamento atempado do prémio do seguro ( ou fracções ) são hoje muito gravosas. Sem qualquer outra comunicação, o contrato, após a mora, resolve-se automaticamente sem possibilidade de ser reposto em vigor. Daí que, a nosso ver, todos os elementos a que acima já aludimos ( data e forma do pagamento, o valor a pagar e as consequências da falta de pagamento ) devem ser, expressa e correctamente, exaradas no aviso. Por isso, parece-nos de difícil entendimento que tenha que se aceitar outra data para a resolução automática do contrato, que não a de 18-3-2002, que era a que constava no aviso. Se era obrigação do tomador pagar o seguro na data indicada, era, igualmente, dever da Seguradora avisá-lo correctamente, não só dessa data, mas também das consequências que a omissão do pagamento lhe acarretaria e ainda do dia a partir do qual o contrato seria automaticamente resolvido ( ou, pelo menos, que esse dia se pudesse deduzir, claramente, do aviso )
Significa isto que a data pretendida pela apelante no presente recurso (11-4-2002 )22 Note-se que nos articulados a R. Seguradora bateu-se pela data de 18-3-2002 como sendo aquela em que ocorreu a resolução automática do contrato. como a de resolução automática do contrato, não poderá ser aceite. A este propósito e respondendo à entendimento da recorrente, diremos que não basta ( apenas ) esclarecer no aviso o que sucede se o avisado não pagar no prazo do vencimento do prémio. É necessário indicar-se também, como já dissemos e como resulta da lei, directa ou indirectamente, mas de forma inequívoca, a data a partir da qual o contrato é automaticamente resolvido.
Como a data referida para esse efeito, foi erradamente expressa pela R. no dito aviso, não vemos que outra conclusão poderemos retirar, senão a de que a resolução automática do contrato não se chegou a verificar.
Assim, a posição assumida pela douta sentença foi correcta.
Mas mesmo que assim não fosse, a resolução automática do contrato pretendida pela apelante constituiria, a nosso ver, um flagrante caso de abuso de direito.
Estabelece o art.334º do C.Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito ”.
Para que ocorra o abuso de direito, é necessário, pois, que o titular do direito o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito.
No caso dos autos não existe qualquer dúvida que a R. ao considerar o contrato de seguro como resolvido, pretende exercer um direito que lhe é reconhecido por lei.
A questão colocada vai no sentido de se saber se o exercício desse direito pode ser considerado abusivo. E, a nosso ver, a resposta à questão, atendendo, essencialmente, à altura em que a R. o pretendeu fazer e ao comportamento que assumiu em relação ao contrato, é afirmativa.
Com efeito, embora já depois do prazo do vencimento, o A. acabou por pagar o prémio do seguro, tendo-o a R. Seguradora recebido ( respeitante ao referido período de 16.02.2002 a 16.05.2002 ), tendo o mediador entregue ao A. o respectivo recibo. Já em Julho de 2002, o A. procedeu ao pagamento referente ao período posterior ( de 16.05.2002 a 16.08.2002 ) que efectuou junto do 2º R. e que este remeteu à R. Seguradora. Quer dizer, embora a R. Seguradora venha defender que o contrato havia sido resolvido em 18-3-2002, o certo é que se não inibiu de receber os prémios, não só do período em falta, mas também do período posterior. De salientar ainda que só levantou a questão da resolução do contrato, já depois da ocorrência do acidente de trabalho e só procedeu ao estorno do prémio recebido já após a instauração da presente acção. Este comportamento, leva-nos a colocar a hipótese de que não fora o acidente, nunca a Seguradora tomaria a posição de entender o contrato como resolvido. É uma conduta que, no mínimo, reputamos de menos digna. Por outro lado, pelo prisma do A., tomador do seguro, tendo pago os prémios do período em falta e do período posterior sem que a Seguradora levantasse qualquer objecção, ficou, obviamente, convencido de que o contrato perdurava e se mantinha válido. Mesmo que, com a recepção do dito aviso, se possa colocar a hipótese de o A. ter ficado apreensivo pela manutenção do contrato, com os mencionados pagamentos, toda e qualquer dúvida sobre essa subsistência se dissiparia. Esses pagamentos e correspondente recebimentos por banda da R., eram susceptíveis de branquear, no espírito de qualquer cidadão comum, o comportamento omissivo anterior, fazendo-lhe crer que a situação se encontrava regularizada. Por outro lado, o comportamento da R. Seguradora de não ter recusado o pagamento dos ditos prémios, inviabilizou a que o A. se pudesse inteirar da situação de exclusão do seguro em relação aos seus trabalhadores e pudesse, nessas circunstâncias, contratar outro seguro. Note-se que o acidente só teve lugar em 18-2-2003, isto é, quase um ano depois da ocorrência das circunstâncias aqui em discussão, pelo que inteirado da situação em devido tempo, sempre teria o A. tempo e ensejo de efectuar novo seguro.
Quer isto tudo dizer que a resolução do contrato, nas ditas circunstâncias, é um claro abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, isto é, constitui um acto manifestamente lesivo da boa fé que deve presidir ao cumprimento das obrigações. É que a conduta contraditória da R. originou, que o tomador do seguro, o A., confiasse em que o contrato se mantinha, violando aquela, assim, o princípio da tutela da confiança que deve presidir à realização e manutenção dos negócios jurídicos.
Como se refere no Acórdão do STJ de 3-5-1990 ( in BMJ 397, 454 ), “o art. 334º do Código Civil diz ser ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. O instituto mais claro deste abuso é a chamada conduta contraditória ( venire contra factum proprium ) em combinação com o princípio da tutela da confiança, mas existem duas figuras próximas: a renúncia e a «neutralização do direito». Segundo Batista Machado, esta última figura é considerada como uma modalidade especial do venire contra factum proprium, embora exista quem acentue mais ou menos a sua posição autónoma no quadro do abuso do direito. Para que esta neutralização se verifique é necessária a combinação das seguintes circunstâncias: o titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer; com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; movida por esta confiança, essa contraparte orientou em conformidade a sua vida, tomou medidas ou adoptou programas de acção na base daquela confiança, pelo que o exercício tardia e inesperado em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado”.
Foi, precisamente isto que se passou no caso vertente, pelo que, com base no dito art. 334º, se deve considerar ilegítimo o exercício do direito de resolução do contrato, por banda da R. Seguradora.
Em síntese.
Face ao que acima dissemos, concluímos que o contrato se deve ter como válido à data do acidente. Mas mesmo que assim se não pudesse entender, a resolução do contrato constituiria um patente caso de abuso de direito, por banda da R. Seguradora e, assim, seria ilegítimo o exercício de tal direito, pelo que a apelação é improcedente e a douta sentença recorrida merece confirmação.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.