Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
408/07.0GBILH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: PROVA
APRECIAÇÃO
ROUBO
SEQUESTRO
Data do Acordão: 03/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÍLHAVO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 127.º E 410º DO CÓD. PROCESSO PENAL E 158º E 210º Nº1 DO CÓDIGO PENAL
Sumário: 1. O julgador deve, mais do que esgrelhar a consciência das testemunhas procurar encontrar uma correspondência entre aquilo que lhe foi dado para provar – enunciado fáctico – para dessumir a solução de direito do caso e a realidade – verdade – que poderá estar subjacente a esse enunciado, sendo certo que a “verdade” que encontrará mais não será que a melhor aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo dos factos.
2. Ocorrendo uma situação em que o agente para consecução do objectivo do crime-fim (crime de roubo) exerce uma acção violenta sobre o sujeito passivo e o priva de liberdade durante o tempo suficiente á obtenção do resultado querido o crime de sequestro fica em relação de subsidiariedade com o crime de roubo porquanto na descrição típica deste tipo de ilícito já está englobada a agravação penal com que se pretende proteger a violação da integridade física ou, no caso do criem de sequestro, o direito à liberdade e/ou o direito ambulatório ou de liberdade de movimentos.
Decisão Texto Integral: I. – Relatório.

No processo supra epigrafado foi decidido:  

“ (…) julgar parcialmente procedente, por provada, a acusação pública deduzida, e, em consequência:
- condena o arguido J..., em concurso real, pela prática de um crime de roubo simples (situação -IV-), p. e p. pelo artigo 210 nº1, na forma consumada, na pena de 2 (dois) anos de prisão e pela prática de um crime de roubo (situação -IV-), p. e p. pelo artigo 210º e 22º e 23º do C. Penal, na forma tentada, na pena de 1 (um) ano de prisão;
Operando o necessário cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar, em cúmulo jurídico, ao arguido J... a pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- condena o arguido P..., em concurso real, pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P., na forma consumada (situação -IV-), na pena de 2 anos de prisão e pela prática de um crime de roubo, na forma tentada p. e p. pelo artigo 210º e 22º e 23º do C. Penal,(situação -IV-), na pena de 1 (um) ano de prisão; pela prática de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 2 (dois) anos de prisão; e pela prática de cada um dos dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º n.1 do C.Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
Operando o necessário cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar em cúmulo jurídico ao arguido P..., a pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão.
- condenar o arguido C..., pela prática em concurso real, de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 2 ( dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; e pela prática de um crime de roubo consumado, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 2 (dois) anos de prisão; e pela prática de cada um dos dois crimes de sequestro p. e p. pelo artigo 158º n.1 do C.Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
Operando o necessário cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar em cúmulo jurídico ao arguido C..., a pena única de 3 (três) anos de prisão.
- condenar o arguido D..., pela prática em concurso real, de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; e pela prática de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; e pela prática de cada um dos dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º n.1 do C.Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
Operando o necessário cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar em cúmulo jurídico ao arguido D..., a pena única de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período de 2 (dois) anos, com regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50º, 53º e 54º do C.Penal.
- condenar o arguido F..., pela prática em concurso real de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P.  (situação -II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão; e de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...) a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; e pela prática de cada um dos dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º n.1 do C.Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
Operando o necessário cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar em cúmulo jurídico ao arguido F..., a pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50º, 53º e 54º do C.Penal.

Mais se decide absolver os arguidos J...; P...; C…, D..., F..., dos demais crimes de que vinham acusados; e os arguidos G..., H... e I... dos crimes que lhes vinham imputados na acusação pública deduzida.

Do julgado dissentem os arguidos C... e P... que nas respectivas motivações despedem com o quadro conclusivo (comum) que a seguir se deixa transcrito.

“I – No Ponto 6 da Fundamentação de Facto (referente ao Ponto 2 da Douta Acusação) foi dado como provado que, conforme constava da acusação – De seguida, os arguidos ordenaram aos ofendidos que entrassem no carro, dizendo-lhes de forma ameaçadora “os dois já para dentro do carro” e, ao verem que os ofendidos estavam renitentes em cumprir a ordem o indivíduo não identificado desferiu nova pancada no pescoço do ofendido B..., obrigando-os a desmontar das bicicletas e a entrarem no carro, contra a vontade deles.
II – No entanto, pelo depoimento das testemunhas A… (gravado entre 16:14:25 e 16:49:29) e B… (gravado entre 17:10:30 e 18: 28:57) determinante para formar a convicção do tribunal sobre os factos constantes da acusação, resulta claro que as coisas não se passaram assim.
III – A… questionado pelo Ministério Publico sobre se foi obrigado a entrar no carro, por meio de força, se tinha sido empurrado, respondeu que não.
IV – Também B… questionado pelo Ministério Publico, se lhe tinham “batido” ou “empurrado” para entrar no carro respondeu que não, que não o tinham agredido ou empurrado para entrar no carro.
V – Pelo que, ao contrário do afirmado na douta Decisão, não resultou provado que o indivíduo não identificado tenha desferido uma pancada no pescoço do ofendido B...por se mostrarem renitentes a entrar; De acordo com as declarações prestadas pelos dois ofendidos nenhum dos arguidos desferiu tal pancada quando o ofendido entrava na carrinha.

VI – Foi dado como provado que – De seguida, mantendo o ofendido B...imobilizado no carro, contra a vontade dele e acompanhado por um dos arguidos…” Questionado o ofendido B..., se em algum momento lhe tinham dito que não podia sair do carro, ou se tinha dito que queria sair do veículo, respondeu que “não” .

VII – Foi dado como provado que – …enquanto os demais arguidos ficaram no local com os ofendidos, sem os deixarem abandonar o local, o que estes acataram com medo do que lhes pudesse acontecer.

VIII – Questionado o ofendido B..., este respondeu que nenhum dos arguidos o estava a imobilizar ou lhes disse que não podiam abandonar o local. Não tendo afirmado que de algum modo tivessem sido impedidos de abandonar o local.

IX – Assim a factualidade descrita pelos ofendidos, testemunhas apresentadas pelo Ministério Publico, não corresponde à dada por provada pela douta Decisão. Contrariamente a esta, provou-se que os ofendidos não foram sequestrados pelos arguidos, pois estes não os obrigaram a entrar no carro (ponto 6 da Decisão), não os impediram de sair (ponto 8 da Decisão) e não os impediram de abandonar o local (ponto 9 da Decisão)
X – Face á prova produzida é de concluir que, face à mesma, não se encontram preenchidos os requisitos que caracterizam o crime de sequestro -  artigo 158º do Código Penal.

XI – No entanto, pelo depoimento das testemunhas A… e B... determinante para formar a convicção do tribunal sobre os factos constantes da acusação resulta claro que as coisas não se passaram assim.

XI – Ainda que estivessem preenchidos os elementos típicos do crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º do Código Penal, nunca o arguido, ora recorrente, poderia ser condenado pela pratica do crime de roubo e pela pratica do crime de sequestro, pois estar-se-ia perante um concurso de crimes, o de roubo e o de sequestro, existindo uma unidade criminosa.

XII – Como afirma o Dr. Figueiredo Dias no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 415, relativamente ao concurso “ sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (p. ex., o roubo, a ofensa corporal grave, a violação) e como tal já considerada pelo legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro (“crime meio”) e o crime fim: roubo, violação, extorsão, etc., respondendo o agente somente por um destes crimes…”

XIII – Como resultou da factualidade dada como provada, os ofendidos estiveram com os arguidos cerca de 45minutos – tempo usado para o levantamento das quantias referidas no Douto Acórdão, sendo que após a entrega dos cartões de multibanco (10 minutos após o ultimo levantamento) os ofendidos se afastaram dos arguidos.

XIV – Pelo que não deveria o recorrente ter sido condenado pela pratica dos dois crimes de sequestro.”

Na resposta que produziu para os recursos interpostos pelos arguidos, o Exmo. Procurador da República – cfr. fls. 1628 a 1632, e 1633 a 1637 – conclui que:

“1.º O depoimento das testemunhas/ofendidos apreciados no seu conjunto permite concluir, como o fez o Tribunal recorrido, que ocorreu uma privação de liberdade de locomoção dos ofendidos;

2.º O crime de sequestro, apenas não terá autonomia se a duração da privação de liberdade de locomoção não ultrapassar o espaço-tempo limitado à obtenção do resultado do “crime-fim”, mas esse espaço-tempo terá de ser momentâneo.

3.º A douta decisão sob recurso não enferma de qualquer ilegalidade tendo apreciado e valorado correctamente a prova produzida em audiência e efectuado uma correcta subsunção dos factos ao direito, pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.”

Já nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-geral Adjunto é de parecer que:

“[…]

b) – Os referidos arguidos vieram questionar o acerto da decisão proferida sobre a matéria de facto, alegando questões de facto que entendem não terem sido correctamente decididas, o que teria interferido negativamente na qualificação criminal e na medida das penas, e ainda sobre matéria de direito, considerando haver concurso aparente entre os crimes de roubo e de sequestro.

c) – Todavia, analisados os elementos constantes dos autos, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha efectuado incorrecta valoração do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, ou que do texto do douto acórdão impugnado resulte algum dos vícios previstos no artigo 410.º do C.P.P., por violação das regras da experiência comum ou do princípio “in dubio pro reo”, ou que tenha sido cometida qualquer nulidade, de que cumpra tomar conhecimento.

d) – As questões ou temas que os arguidos-recorrentes elegem como constitutivas dos recursos não logram obter sucesso, pois que a ponderação valorativa da prova produzida foi efectuada à luz do critério previsto no artigo 127.º do Cód. Proc. Penal e regras afins.

e) – Assim, será de acolher, salvo melhor opinião, o quadro factual na forma como vem apurado e descrito, enquanto resultado da livre convicção formada sobre todas as provas produzidas em audiência, até porque teve também a suportá-lo factos objectivos e devidamente comprovados, relevando, portanto, como conclusão lógica e perfeitamente aceitável, face ao preceituado no artigo 127.º do Cód. Processo Penal.

f) – Não se detecta no contexto factual decisório a existência de qualquer dos vícios previstos no artigo 410.º do Cód. Proc. Penal, sendo que o Tribunal “a quo”, em função da convicção alcançada, não se confrontou com qualquer estado de dúvida (princípio in dubio pro reo), em relação a qualquer dos crimes pelos quais foram condenados os Recorrentes, que justificasse decisão diferente, como, erradamente, defendem os arguidos.

g) – O douto acórdão recorrido, de fls. 1460 a 1503, observa todos os requisitos, no plano da fundamentação jurídico-factual, inexistindo motivo ou razão que justifique modificabilidade do seu conteúdo, quer quanto à apreciação da prova produzida, quer quanto à subsunção jurídica, fundamentação e correcção da aplicação da Lei, no tocante à medida das penas, dado o elevado grau de culpa e de ilicitude inerentes às condutas dos arguidos.

h) – Contrariamente ao alegado pelos recorrentes, C... e J…, somos de parecer que o Tribunal “a quo”, como correctamente alega o Exmo. Procurador da República, nas doutas respostas de fls. 1628 a 1632 e 1633 a 1637, respectivamente, que acompanhamos e aqui se dão como reproduzidas, no que concerne à fundamentação da convicção, efectuou uma cuidada e correcta valoração da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, cumprindo o preceituado no artigo 127.º do C.P.P. (princípio da livre apreciação da prova), não havendo contradição entre os factos dados como provados e não provados, não ocorrendo qualquer nulidade ou ilegalidade, pelo que não existem fundamentos ou razões que justifiquem a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

i) – Igualmente, no que concerne à matéria de direito e, designadamente, à alegada consumpção ou concurso aparente entre os crimes de roubo e de sequestro, também se nos afigura não terem razão os recorrentes, tendo o acórdão recorrido efectuado correcta subsunção jurídica dos factos ao direito, como, de rotina proficiente, defende o Exmo. Procurador da República, na 1ª Instância, a fls. 1628 a 1637 (“crime meio” e “crime fim”), com o qual concordamos, sendo correcta a decisão recorrida, ao ter optado pelo concurso real de infracções.

Assim, com base na matéria fáctica apurada e de acordo com o grau de culpa e ilicitude respectivos, somos de parecer que deve ser negado provimento aos recursos dos arguidos e confirmado o acórdão recorrido.”

As conclusões extractadas reverberam o sentido do recurso interposto, pelo que devendo o thema decidendum do recurso ser por elas delimitado [[1]] colherão conhecimento as questões que se enumeram a seguir.

a) – Reapreciação da matéria de facto (itens 6,8,e 9);

b) – Crimes de Roubo e Sequestro – Concurso Efectivo ou Concurso Aparente.    

II. - Fundamentação.

II.A. – De facto.

Para de decisão que proferiu cevou-se o tribunal a quo na factualidade que a seguir se deixa transcrita.

“(situação da acusação -II-) – No dia 11-9-2007, entre as 17:00 e as 18:00 horas, os ofendidos, A..., id. a fls. 7, do apenso 12/07.3GBAVR, e B…, id. a fls. 15 do mesmo apenso, circulavam montados nas suas bicicletas pela Rua de Baixo, na Gafanha da Encarnação, no sentido Vagueira - Gafanha da Encarnação.

1. Na mesma estrada, na viatura automóvel, ligeiro de passageiros e de marca Volkswagen, modelo Polo, de cor preta, conduzida por um individuo não identificado, seguia este e P..., C..., D..., e F....

2. Ao verem os ofendidos, os arguidos referidos barraram-lhes o caminho com a viatura, obrigando-os a parar e perguntaram-lhes se tinham ganza, ao que os ofendidos responderam negativamente.

3. Então, os quatro arguidos e o quinto individuo não identificado, saíram do carro e cercaram os ofendidos perguntando-lhes, com modos agressivos, o que tinham nos bolsos, ao mesmo tempo que os revistavam, tendo retirado a carteira do ofendido A..., que continha € 10,00 em notas do T..., dois telemóveis e dois cartões de multibanco, sendo um do "R..." e outro do " S..."; e ao ofendido B...retiraram-lhe o telemóvel.

4. Nesse entretanto, ao aperceber-se que os ofendidos tentavam memorizar a matrícula do carro, o individuo não identificado desferiu dois murros no pescoço do ofendido B..., com força, provocando-lhe dores naquela região corporal, ao mesmo tempo que lhe dizia "tás a ver a matrícula?".

5. De seguida, os arguidos ordenaram aos ofendidos que entrassem no carro, dizendo-lhes de forma ameaçadora "os dois já para dentro do carro" e, ao verem que os ofendidos estavam renitentes em cumprir a ordem o individuo não identificado desferiu nova pancada no pescoço do ofendido B..., obrigando-os a desmontar das bicicletas e a entrarem no carro, contra a vontade deles.

6. Após isto, o individuo não identificado e o arguido P... levaram as bicicletas dos ofendidos, seguindo atrás do carro, enquanto os demais entraram na viatura, conduzida a partir dali pelo arguido C..., e levaram os ofendidos até à Vagueira onde pararam junto ao estabelecimento bancário CCAM.

7. De seguida, mantendo o ofendido B...imobilizado no carro, contra a vontade dele e acompanhado por um dos arguidos, enquanto dois dos outros arguidos que seguiam no carro levaram o ofendido A... até à caixa ATM ali instalada e obrigaram-no a ver o saldo das suas contas bancárias, a que se reportavam os dois cartões multibanco, e após verificarem os saldos, obrigaram o ofendido a levantar € 150,00 da conta do S..., apoderando-se de tal quantia.

8. Posto isto, voltaram a meter o ofendido A... dentro do carro e levaram ambos os ofendidos até à ponte da Vagueira onde encontraram o arguido P... e o individuo não identificado. Então, o arguido C... e o outro individuo não identificado, entraram na viatura automóvel e ausentaram-se dali, enquanto os demais arguidos ficaram no local com os ofendidos, sem os deixarem abandonar o local, o que estes acataram com medo do que lhes pudesse acontecer.

9. Na posse do cartão do banco S..., durante a sua ausência do local, o individuo não identificado e o arguido C... procederam a mais dois levantamentos de dinheiro da conta do ofendido A..., nos montantes de € 100,00 e 150,00, para dividir com os demais arguidos.

10. Passados cerca de 10 minutos, o individuo não identificado e o arguido C... regressaram e então, os arguidos devolveram os telemóveis e as bicicletas aos ofendidos, ficando com o cartão do S... e o dinheiro.

11. Os ofendidos A... e B..., sentiram medo dos arguidos, face ao número de assaltantes e comportamento violento e ameaçador deles, tendo ficado privados da sua liberdade cerca de 45 minutos, contra a sua vontade.

12. (situação da acusação -IV) -  No dia 12-9-2007, entre a 1.30h e as 3h, na Av. João Corte Real, na localidade da Barra, os arguidos J..., P..., e outro individuo cuja identidade não foi possível apurar, seguiam na viatura automóvel, ligeiro de passageiros, marca BMW, de matrícula 18-99-AL, de cor cinza metalizada.

13. Na mesma rua seguiam apeados os ofendidos K..., id. a fls. 38, e M..., id. a fls. 44.

14. Ao verem os ofendidos, agindo com o propósito de se apoderarem de bens e valores que os ofendidos tivessem com eles, os arguidos supra referidos, juntamente com o terceiro individuo não identificado, pararam o carro e saíram dirigindo-se àqueles perguntando-lhes se eles tinham ganza, ao que eles disseram que só tinham tabaco.

15. Então, o arguido J... disse-lhes que os iam revistar, tendo o ofendido K...começado a falar em tom elevado, pedindo-lhes para os deixarem em paz.

16. Face a isto, o arguido J... agarrou o ofendido K..., empurrou-o de encontro a uma parede, ficando aquele ferido, conseguindo, ainda assim, libertar-se e começar a fugir pedindo socorro em voz alta.

17. Ao verem o ofendido K...fugir, os arguidos nada mais fizeram relativamente a ele e fixando-se todos no ofendido M..., que empurraram de encontro a um carro que ali estava estacionado.

18. O ofendido M...deixou cair a sua carteira ao chão, numa altura em que estava a ser agarrado por dois deles, tendo a carteira sido agarrada pelo arguido P... que dela retirou a quantia de 100,00€.

19. O ofendido M...tentou opor-se a que lhe tirassem a carteira tendo sido agredido com um soco na cabeça desferido pelo individuo não concretamente identificado, que o deixou prostrado por terra e com dores, posto o que, os dois arguidos, juntamente com o terceiro individuo, se ausentaram do local, usando a viatura referida, e levando com eles a quantia de € 100,00 em notas do T... que se encontrava no interior da carteira do ofendido e que o pai deste lhe havia dado de mesada, deixando a carteira no local.

20. Os ofendidos K...e M..., sentiram medo dos arguidos, face ao número de assaltantes e comportamento violento e ameaçador deles.

21. Posteriormente veio a ser recuperada e entregue ao ofendido M...a quantia de 70,00€.

22. Nas situações descritas de 1. a 22., os arguidos nelas intervenientes agiram todos com o propósito de se apoderarem de bens pertencentes aos ofendidos, utilizando a força física contra estes, de forma concertada após prévio e comum acordo, dividindo o produto dos assaltos entre eles de modo não concretamente apurado, e de forma livre, deliberada e consciente, sabedores que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.

23. O arguido J..., tem uma companheira e dois filhos menores, com 9 e 15 meses de idade, a companheira tem-lhe atribuído o rendimento mínimo garantido, vivendo o agregado familiar desse rendimento.

24. Tem de habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.

25. O arguido J... tem antecedentes criminais, tendo sido condenado: no PS 69/06.4GBILH, por crime de condução sem habilitação legal; PCS nº 265/05.1GBILH, por crime de roubo, decisão de 18.04.2006, na pena de 150 dias de multa; PS 39/06.2GBILH, por crime de condução sem habilitação legal; PCC n. 2011/05.0PEAVR, decisão de 27.02.2007, pela prática de dois crimes de roubo, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão suspensa por 4 anos, com regime de prova; PA n. 324/06.3 GBILH, por crime de condução sem habilitação legal; por crime de condução sem habilitação legal, PCS 86/06.4GBILH, por crime de condução sem habilitação legal; PCS 1695/05.4PEAVR, decisão de 3.07.2007, detenção de arma proibida, em pena de multa; PCS n. 121/06.6GBILH, decisão de 06.07.2007 e transitada em julgado em 10.09.2007, crime de injúria agravada, em 1 ano e 2 meses de prisão suspensa por 3 anos.

26. Segundo o relatório social elaborado ao arguido J...: “J... iniciou consumos de haxixe há alguns anos e vem fazendo outras experiências dentro das substâncias psico-activas. No meio de residência, a sua família, será alvo de alguma estigmatização, possuindo o arguido uma imagem negativa junto das autoridades locais, na medida em que a sua conduta é associada à prática de actos delinquentes, desde muito jovem. Recluido no EPR de Aveiro 21.10.2007. J... já foi sujeito a várias sanções disciplinares, uma das quais cumpriu, em cela própria, durante 13 dias. Confrontado com os factos, mantém uma atitude desculpabilizante. Beneficia de visitas familiares da esposa e dos filhos, sendo que o seu descendente do relacionamento fora do casamento, é levado à cadeia pela mãe do arguido. J... não assume uma atitude conformada relativamente ao presente processo judicial, não se mostrando muito intimidado e desvalorizando os factos pelos quais se encontra indiciado. Por outro lado, a sua actual situação jurídico-penal não parece ter produzido alterações significativas na sua vida pessoal, já que dentro do EPR manterá uma atitude e um comportamento pouco condizente com as normas instituídas – de relevar que, ultimamente, tem melhorado a este nível. Cremos que o seu processo de crescimento terá decorrido, pelo menos, a partir dos 12 anos, num contexto familiar desestruturado e de deficiente supervisão parental, face à detenção de alguns dos seus membros e à deficiente situação de saúde da progenitora, a mesma altura em que se confronta com problemas com a justiça…”

27. O arguido D..., é vigilante da …, há um mês e aufere dessa actividade cerca de 1.000,00€ mensais; a companheira (com quem casou segundo os rituais de etnia cigana) que se encontra grávida aufere rendimentos da venda ambulante, e do rendimento social de inserção no montante de 170,00€;

28. Vive com os pais da sua companheira e esta.

29. No relatório social elaborado relativamente ao arguido D... consignou-se: “O arguido evidenciou uma postura consciente face ao desenvolvimento do presente processo, tendo-se apresentado voluntariamente perante as autoridades e cumprindo as obrigações que lhe foram impostas judicialmente. A gravidade da situação em causa assusta-o e parece disposto a alterar a sua postura perante o grupo de jovens com quem convivia, afastando-se dos locais de convívio que habitualmente frequentava. Também está a aprender a assumir as suas responsabilidades familiares e a dedicar-se a uma actividade com regularidade, ocupando os seus tempos livres junto dos familiares e a desenvolver interesses profissionais com alguma consistência, adquirindo maturidade e responsabilidade. Para esta mudança tem contribuído a acção do seu sogro, que o tem apoiado e lhe tem possibilitado c de vida mais adequados a uma cultura étnica integrada e adaptada ao contexto social alargado.”….”Recentemente, passou a i a dispor de um enquadramento familiar mais alargado, por força do seu casamento (segundo os seus costumes), integrando um clã familiar coeso e estável sob o ponto de vista socioeconómico e cultural, onde está a iniciar a aprendizagem de uma responsabilidade familiar e social só então adquirida. Neste caso, dispõe de uma figura potencialmente apoiante e estabilizadora por parte do sogro, o que poderá favorecer a sua própria maturidade e permitir a passagem de um modo de vida ainda com características juvenis, para um outro mais responsável, empenhado e válido.”   

30. Tem de habilitações literárias a frequência do 3º ano de escolaridade;

31. O arguido D... não tem antecedentes criminais.

32. O arguido P... tem de habilitações literárias a frequência do 6º ano de escolaridade.

33. Auxiliava a mãe na venda ambulante de vestuário, porta a porta.

34. O agregado familiar do arguido vive também do rendimento mínimo, sendo o arguido sustentado pela sua mãe.
35. O arguido P... à data dos factos praticados nestes autos tinha antecedentes criminais pela prática de um crime de roubo, pelo qual havia sido condenado no PCS n. 58/06.9GBILH, do 2ºJ, na pena de 10 meses de prisão suspensa por 2 anos, por decisão de 29.01.2007. Posteriormente, foi condenado pelo crime de detenção ilegal de arma, por decisão de 30.04.2008,na pena de 80 dias de multa; e no Processo C.C. n.º 380/06.4GBILH, do 2º juízo deste tribunal, foi condenado pela prática concurso real de um crime de roubo, p.p. no artigo 210°, n.º l, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; pela prática de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º do C.P. na pena de 8 (oito) meses de prisão, por cada um deles; pela prática de cada um dos dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210 nº1 e 2 al.b) ex vi 204º 2 al.f) e e) do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, tendo sido condenado em cúmulo jurídico, na pena única de três (3) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova.
36. Segundo o relatório social elaborado ao arguido P..., cujo teor e conteúdo se dá aqui por reproduzido, junto aos autos a fls. 1300 a 1302 “…Como meio de subsistência económica o seu agregado familiar conta com o rendimento social de inserção, no valor de 613 € mensais. J…, não tem qualquer projecto ao nível de desempenho laboral, provavelmente por lhe parecer natural, prosseguindo assim os hábitos familiares, que também não desenvolvem nenhuma actividade laboral…, apresenta fragilidades pessoais, decorrentes do seu processo de crescimento, no qual as figuras paternas, assumiram um modelo parental pouco integrativo socialmente. Não se autonomizou, do seu agregado de origem, estando inteiramente dependente economicamente, dos progenitores. Vive de acordo com os costumes do seu clã de etnia cigana, com diferentes valor; valorizações em relação a algumas condutas. ...”

37. O arguido H..., não exerce qualquer actividade profissional.

38. Tem de habilitações literárias a frequência do 6º ano de escolaridade.

39. O seu agregado familiar (vive com os seus pais) recebe o rendimento mínimo, do qual vivem, fazendo feiras esporadicamente.

40. O arguido H... não tem antecedentes criminais.

41. Segundo o relatório social junto a fls. 1334 a 1335: “ existência de um agregado familiar coeso e aparentemente estruturado, cremos que estes factores poderão ser favoráveis à reinserção social do arguido. Por outro lado, H... tem consciência crítica da sua actual situação jurídico-penal e das consequências que uma pena de prisão, agora, poderiam acarretar na sua vida futura, nomeadamente em termos da prossecução dos seus objectivos escolares e profissionais.”…

42. O arguido I... encontra-se a fazer um tratamento de desintoxicação no CAT; vive com a companheira, os pais desta e um filho menor. A companheira e os pais desta vivem da venda ambulante de vestuário.

43. Tem de habilitações literárias a frequência da 2ª classe, mal sabe ler ou escrever.

44. O arguido I... tem antecedentes criminais pela prática de condução sem habilitação legal, pelo qual sofreu quatro condenações, e pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, decisão de 15/07/2004 no PCC 196/02.7 JACBR, pelo qual foi condenado em 3 anos e 6 meses de prisão efectiva. 

45. Segundo consignado no relatório social elaborado ao arguido, junto aos autos a fls. 1287 a 1289, cujo teor e conteúdo se dá aqui por reproduzido: … “arguido actualmente de 26 anos de idade, de etnia cigana, ….o arguido manifesta apreensão pela sua actual situação jurídico-penal, em consequência do seu envolvimento no presente processo, aguardando ainda a decisão de outro processo. Afirma compreender agora as consequências associadas a um percurso de vida instável e a práticas nem sempre ajustadas à norma social vigente. …destaca-se que os indicadores disponíveis apontam para um percurso O arguido assume frequentemente um discurso justificativo, tendencialmente desculpabilizante, indiciador de baixa autocrítica e de reconhecimento da ilicitude.” 

46. O arguido C... vive em casa dos pais, que o sustentam, já trabalhou na área da construção civil e como mecânico.

47. O arguido C... tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução ilegal, pelo qual já sofreu onze (11) condenações, sendo a última em pena de 10 meses de prisão efectiva, no PS 1077/07.3PEAVR-3ºJ, tendo já cumprido outras penas de prisão efectiva pela prática deste ilícito. Tem também uma condenação no PCC n.1216/03.3GBILH, pela prática de um crime de roubo, pelo qual foi condenado por decisão de 25.01.2007, transitada em julgado em 14.02.07, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 3 anos.

48. Nos termos do relatório social elaborado ao arguido C... e junto a fls. 1311 a 1313, cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido: “C... concluiu apenas a 4ª classe, iniciando desde logo a via profissionalizante ligada à mecânica de automóveis e também de servente da construção civil na ponte da Barra. O pai do arguido esteve muitos anos ligado à actividade de marítimo em alto mar, pelo que foi a mãe, empregada numa empresa de seca do bacalhau, quem acompanhou mais de perto a educação dos dois filhos do casal. Percepcionámos um bom e consistente relacionamento familiar, parecendo existir uma forte motivação de toda a família para apoiar o arguido. O arguido tem historial de comportamentos aditivos, vindo a ser acompanhado no (CRI) – ex. CAT de Aveiro. Sofria ainda de doença de foro hepático a necessitar de acompanhamento médico regular. Nos contactos estabelecidos com o arguido na sua residência, o mesmo revela-se conformado à sua situação, reconhecendo a gravidade dos factos em que se encontra indiciado. …. em ternos familiares e sociais se mantém dentro da normalidade, com um agregado familiar coeso e funcional que o apoia incondicionalmente. ..”

49. O arguido F... é servente de pedreiro; tem de habilitações literárias o 6º ano, sendo a mãe actualmente que provê ao seu sustento.

50. O arguido F... à data dos factos não tinha antecedentes criminais, tendo sido condenado posteriormente no PCS n. 724/04.3 GCAVR, por decisão de 16.05.2007 transitada em 20.11.2007, pelo crime de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão suspensa por 2 anos; e pela prática de um crime de dano na pena de 90 dias de multa.

51. O arguido F..., conforme consta do relatório social elaborado e junto a fls. 1283 a 1285, cujo teor e conteúdo se dá aqui por reproduzido “…Tem revelado instabilidade laboral e social, ao longo do seu percurso de vida, envolvendo-se no consumo de substâncias estupefacientes, desde muito cedo. Nos contactos estabelecidos com o arguido na sua residência o mesmo revela-se conformado á sua situação reconhecendo a gravidade dos factos em que se encontra indiciado.

52. O arguido G...é serralheiro mecânico e exerce a sua actividade profissional por conta da firma “XX…, Lda.”; tem de habilitações literárias a frequência do 7º ano, vive com uma companheira que é manipuladora de bacalhau.

53. O arguido G...tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução sem habilitação legal (6) e furto qualificado, pelo qual foi condenado em 06.07.2007, no PCC 28/06.7 GBAVR, em 3 anos de prisão suspensa por 4 anos com regime de prova.

54. Nos termos do relatório social elaborado e junto aos autos a fls. 1315 a 1316: “: …dispõe de todo o apoio de retaguarda quer da companheira do arguido quer da sua mãe. …dado que a formação da personalidade de G... ocorreu num contexto familiar desestruturado, dada a inexistência de hábitos de trabalho vincados e baixa qualificação do mesmo, têm originado uma dificuldade em se adaptar a uma vida ausente de ligações às instâncias judiciais. …”

Factos não provados:

Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente não se provou:

Da situação referida em -I- (da acusação)

- que no dia 11-9-2007, pelas 3:50 horas, o arguido J..., acompanhado pelos arguidos D..., P... e mais dois indivíduos não concretamente identificados, conduzia uma viatura automóvel, ligeiro de passageiros, de cor escura e matrícula não apurada, pela Gafanha da Nazaré, sem ser titular de documento que legalmente o habilite a conduzir veículos automóveis.

- Naquele mesmo dia e hora, o ofendido N..., seguia apeado na zona da Av. dos Bacalhoeiros, naquela cidade, quando foi abordado pelos arguidos J..., A..., D...e pelos outros dois acompanhantes não identificados, que, intitulando-se agentes da Polícia Judiciária lhe exigiram que exibisse os documentos ao mesmo tempo que o revistavam.

- Durante aquela revista, o arguido J... desferiu uma bofetada na cara do ofendido, provocando-lhe dores naquela região corporal e, ele e os seus acompanhantes, utilizando a força e provocando medo ao ofendido retiraram-lhe a carteira que este tinha num bolso e que continha € 180,00 em notas do T..., quantia que fizeram deles, contra a vontade e sem autorização do dono, e revistaram-lhe a mochila.

- De seguida, o arguido J... desferiu outra bofetada na cara do ofendido, posto o que lhe devolveram a mochila e a carteira vazia e mandaram o ofendido embora, dizendo-lhe para fugir ao mesmo tempo que começaram a apedrejá-lo enquanto ele fugia.

Da situação referida em – II – (da acusação)

- que a viatura, na situação referida no ponto 2., tinha a  matrícula 46-64-AO, e era conduzida pelo arguido J... e que este arguido tivesse tido intervenção nos factos descritos nos pontos 1º a 12. da factualidade provada, mormente tivesse desferido murros no pescoço do ofendido B..., e se tivesse apropriado juntamente com os demais arguidos, da quantia referida nos pontos acabados de referir da factualidade provada. 

- Não se provou qual dos arguidos ficou na viatura na situação descrita no ponto 8. e quais os que acompanharam o ofendido A... à ATM.

Da situação referida em -III- (da acusação):

 – que no dia 12-9-2007, pelas 1:00 horas, na Rua Diogo Cão, na localidade da Barra, área desta comarca, os arguidos J..., D..., e P..., abordaram o ofendido O..., id. a fls. 34, e perguntaram-lhe se ele tinha "ganzá" ou se sabia quem tinha.

- Quando o ofendido lhes respondeu que não, os arguidos começaram a perguntar-lhe se ele tinha alguma coisa nos bolsos, cercando-o e dispondo-se a revistá-lo e a retirar-lhe o que ele tivesse com ele, contra a sua vontade e fazendo uso de violência física pelo que o ofendido, sentindo medo do que aqueles indivíduos lhe pudessem fazer, face à atitude ameaçadora deles, começou a correr em direcção à casa onde estava a passar férias, na Rua da Praia, naquela mesma localidade, sendo sempre perseguido pelos arguidos durante cerca de 5 a 10 minutos, sem o conseguirem alcançar, não alcançando os seus propósitos por motivos alheios às suas vontades.

Da situação referida em -IV- (da acusação).

- Que a viatura BMW, na situação referida no ponto 13. dos factos provados era conduzida pelo arguido J....

- que o arguido D... era um dos três indivíduos que interveio na situação referida nos pontos 13 a 22 dos factos provados, tendo juntamente com os dois arguidos aí referidos interceptado os ofendidos K... e M...;

-  Que o K… foi agarrado pela camisa, tendo-lhe o J... desferido um soco e tenha ficado dorido no corpo e que se tenha magoado no cotovelo esquerdo e na mão.

-  que os arguidos revistaram o ofendido M..., retirando-lhe a carteira do bolso das calças.

-que o arguido D… tenha desferido um soco na cabeça do ofendido M..., e se tenha apropriado, juntamente com os demais arguidos da quantia de 100,00€ daquele ofendido;

- que o M... ficou em dificuldades económicas uma vez que aquele dinheiro fazia parte da sua mesada de estudante universitário, não tendo outro.

-V- (última situação constante da acusação e aí referida por lapso ( repetidamente) como 4.)

- Que no dia 17-9-2007, pelas 00:30 horas, o ofendido Q..., id. a fls. 3 do apenso com o NUIPC 418/07.8GBILH, estacionou a sua viatura automóvel, de matrícula 856CKP91, de marca Renault, modelo Clio, junto à Residencial Ria, na Av. dos Bacalhoeiros, Gafanha da Nazaré, área desta comarca, onde se encontrava de férias.

- Quando estacionou a viatura o ofendido colocou uma bolsa a tiracolo e preparava-se para sair do carro quando foi abordado pelos arguidos, P... e H... que abriram a porta do condutor e, puxando a bolsa para a tirar ao ofendido, arrastaram-no pelo chão até que conseguiram tirar-lhe a bolsa que levaram com eles, fazendo-a sua, contra a vontade e sem autorização do dono, como era seu propósito.

- Aquela bolsa continha os documentos da viatura automóvel do ofendido; um cartão da Caixa de Segurança Social francesa - carte vital; cerca de € 1700,00 em notas de 10 e 20 euros, do T...; duas máquinas de calcular, uma de cor azul e outra de cor preta, uma de marca Citizen, modelo SDL- arguido G...acompanhou o ofendido ao quarto que este ocupava na residencial, com o n..º 104, e minutos depois voltaram a descer para junto dos arguidos F... e J... que se encontravam na rua à espera deles.

- De seguida, deixando a viatura automóvel em que se transportavam naquele local, estes arguidos, agindo com o propósito de se apoderarem da viatura do ofendido e de outros valores que ele tivesse consigo, disseram ao ofendido que o iam levar à GNR e para ele entrar no banco traseiro do veículo, o que ele fez com medo que os arguidos lhe batessem, e onde também se sentou o arguido F..., enquanto o arguido G...se sentou no lugar do pendura e o J... ao volante.

- Porém, porque a viatura do ofendido é de mudanças automáticas, o arguido J... não conseguiu colocá-la em andamento e, então, o ofendido lançou-se em direcção à chave da viatura, retirando-a da ignição e começou a gritar e a esbracejar enquanto os arguidos o tentavam imobilizar.

- Face àquele aparato, os arguidos saíram do carro e foram-se embora, sem lograrem alcançar os seus propósitos.

- que os arguidos são todos amigos e, que fora das situações descritas na factualidade provada, deambulam habitualmente em grupo, ora com um, ora com outros, dedicando-se à prática habitual de assaltos a jovens e idosos para se apoderarem dos seus bens, contra a vontade destes e dividindo o produto dos assaltos entre si.

- que o líder daquele grupo é o arguido J... e que nas situações descritas na factualidade provada os arguidos agiram em bando, sempre sob o comando do arguido J..., fazendo da prática de actos da natureza descrita o seu modo de vida.

Motivação de facto:

A convicção do tribunal para dar os factos como provados alicerçou-se na ponderada conjugação e análise crítica de toda a prova produzida em audiência, tendo por base essencialmente os depoimentos testemunhais prestados pelos ofendidos e reconhecimento por estes efectuado em sede de audiência de julgamento.

Assim e quanto à situação descrita no ponto (-II-) da acusação, factos 1º a 12º e 23º a convicção do tribunal assentou nos depoimentos prestados pelas testemunhas A… de 35 anos, e B…, ofendidos nos autos, os quais revelaram conhecimento directo dos factos em apreciação, por neles terem intervindo directamente e que de forma clara, objectiva, contundente e no essencial consentânea, relataram a forma como os factos ocorreram, a forma de intervenção dos arguidos, quantias e objectos de que se apropriaram, bem como aqueles que posteriormente restituíram, receio/pânico que vivenciaram durante toda a situação, tempo desta e pânico com que ficaram após os factos. De referir ainda que embora a testemunha A... não tenha, com certeza, identificado qualquer dos arguidos, já a testemunha B... não teve dúvidas em reconhecer os arguidos P..., D..., C... e F..., reconhecimento este efectuado em audiência na forma descrita em acta (atento o receio manifestado pela testemunha) e que se mostrou contundente e objectivo, merecendo por isso a credibilidade do tribunal.

Valorados foram ainda o teor do doc. de fls. 25 do inq.12/07.3GBAVR, na sua objectividade.

Quanto à situação referida em –IV- ( da acusação) pontos 12. a 23., foi essencialmente relevante o depoimento prestado pela testemunha M..., ofendido de 20 anos de idade, o qual por receio dos arguidos prestou as suas declarações na ausência destes, observadas que foram as formalidades previstas na lei, e que de forma coerente, objectiva, reveladora de conhecimento directo dos factos em questão porque neste foi interveniente directo, relatou a forma de actuação dos arguidos J... e P..., bem como de um terceiro individuo, que a testemunha não conseguiu identificar com certeza, em sede de reconhecimento efectuado em audiência ( com a forma descrita na respectiva acta). Esta testemunha esclareceu de forma contundente e merecedora de credibilidade a forma de actuação conjunta dos arguidos, o modo como eles surgiram junto de si e de seu colega K…, e actuação perpetrada em conjunto pelos arguidos, intervenção de cada um deles bem como quantia subtraída à testemunha. Em sede de reconhecimento em audiência, esta testemunha não teve dúvidas em identificar o arguido J... como a pessoa que agarrou o seu colega K..., e que iria a conduzir, embora quanto a tal situação não pudesse garantir com certeza, bem como não teve dúvida no reconhecimento do arguido P..., como a pessoa que o agarrou a si. Já no que se refere ao arguido D..., esta testemunha referiu não ter a certeza que o mesmo fosse interveniente nos factos em apreciação, o que conduziu a que na insuficiência e falta de consistência de prova atinente a tal conspecto, conduziu a que não se pudesse considerar como provada a sua intervenção nos factos acima descritos.

Valorado ainda na sua objectividade o teor do auto de fls. 29., fotografias de fls. 31 a 33, auto de fls. 48.

Os depoimentos das referidas testemunhas, com razão de ciência devidamente controlada, mostram-se esclarecedores, objectivos e merecedores de credibilidade, permitindo por isso o esclarecimento do tribunal quanto à factualidade dada como provada.

Atinente à sua situação pessoal foram valoradas as declarações prestadas pelos arguidos, conjugadas com os depoimentos prestados pelas testemunhas L..., mãe do arguido P..., J…, avô do J..., do H... e do P...; bem como no teor dos relatórios do IRS juntos aos autos referentes a cada um dos arguidos, de fls. 1279 a 1281, 1300 a 1302, 1254 a 1258, 1311 a 1313, 1283 a 1285 e 1334 a 1336, 1287 a 1289 e 1314 a 1316.

No que se refere aos antecedentes criminais dos arguidos, no C.R.C. junto aos autos.

No que se refere à factualidade dada como não provada, a mesma resultou no que se refere aos pontos –I-, -III- e –V- da acusação (aí referida por lapso como 4.) na ausência de prova suficiente e valorável quanto à atinente factualidade, já que os ofendidos relativamente aos factos aí descritos, não compareceram em julgamento, não tendo sido produzida qualquer outra prova que pudesse lograr o esclarecimento do tribunal quanto à atinente factualidade, sendo insuficiente e sem valor probatório consistente, o reconhecimento fotográfico efectuado a fls. 18, 19, 35, 36, tendo os arguidos P..., H… e I…, os quais apenas prestaram declarações quanto a esta última situação(-V-) negado a respectiva prática.

Relativamente aos pontos não provados da situação referida em –II-, constata-se do depoimento das testemunhas que sobre ela depuseram, não os terem confirmado, designadamente das testemunhas supra identificadas A… e B..., sendo de salientar que estas testemunhas não lograram reconhecer em audiência o arguido J... como um dos intervenientes nos factos aí descritos, razão pela qual tal factualidade foi dada como não provada.

Também no que se refere à situação descrita em –IV-, os factos dados como não provados não resultaram com a necessária segurança e certeza do depoimento prestado pela testemunha que neles teve intervenção como ofendido e acima identificada, M..., pelo que mais não restou que consigná-los como não provados.

Por último relativamente à não prova da factualidade referida nos dois últimos pontos, não resultou da audiência prova consistente e suficiente de que os arguidos actuassem com habitualidade, fizessem da actuação descrita modo de vida, actuassem em bando, ou que actuassem sob o comando do arguido J..., não permitindo a factualidade provada nos autos extrair tal conclusão, sendo de referir que os arguidos não são exactamente os mesmos nas duas situações apuradas nos autos, para além de que o número de ilícitos não permite concluir por si só tal factualidade.”

II.B. – De direito.

II.B.1. – Reapreciação da matéria de facto (itens 6,8,e 9).

Antes de procedermos à análise especificada dos factos que os recorrentes reputam haverem sido mal julgados convém reter alguns ensinamentos rectores do modo de apreciar e valorar a prova com que se pretende dar como “provado” um determinado enunciado fáctico.

Michelle Taruffo opera uma distinção entre dois modelos fundamentais de prova: a prova como “argomento persuasivo”, directo a convencer o órgão que julga os factos quanto à oportunidade de assumir como atendível uma certa versão dos factos relevantes par a decisão; e a prova como “strumento dimonstrativo” destinado ao conhecimento “científico” da verdade dos factos relevantes para a decisão” (tradução nossa). [[2]/[3]]

Desta distinção é possível extrair duas constatações: a primeira que estabelece um modelo de prova directamente vinculado à participação da parte na actividade jurisdicional, em face à sua garantia de poder influenciar a formação do convencimento judicial; do segundo modelo destacado pode ser identificada a tendência actual de tomar o órgão judicante cada vez mais activo na busca do esclarecimento necessário acerca dos factos relevantes à decisão, uma acepção, vale dizer, claramente vinculada à noção de procedimento probatório.    

Considerando que os factos são acontecimentos que, no instante imediatamente posterior à sua ocorrência, deixam de existir, dado que depois do acontecer o que resta são apenas dados, comprovações, registos desta sua ocorrência, que irão formar, na grande maioria das vezes, toda a prova possível de ser produzida, ou seja, aquilo que chega ao conhecimento do juiz não é o facto em si, mas um registo do seu acontecimento, que se apresenta – quase sempre – contaminado por deformações oriundas dos sentidos, dos valores e de processos psíquicos daqueles que com ele têm contacto. “Afirmar que un enunciado fáctico está probado, ou que constituye una prueba, significa que ha sido verificada, que su verdad ha sido comprobada; de manera que la expresión “probar un hecho” no es mas que una elipsis, una forma de decir probar la hipótesis de que los hechos han sucedido”.

 Na lição de Jürgen Habermas, para quem a “verdade” não se descobre, mas que se constrói através da argumentação, a verdade sobre um facto é um conceito dialéctico, construído com base na argumentação desenvolvida pelos sujeitos do processo. A perspectiva actual da verdade, não se encontra no objecto, nem mesmo no sujeito, mas naquilo que os sujeitos produzem a partir de certos elementos comuns (linguagem). Agora, o sujeito deve interagir com os demais sujeitos, a fim de atingir um consenso sobre o que possa significar conhecer o objecto e dominar o objecto; não é mais a subjectividade que importa, mas sim a intersubjectividade.

Nas palavras de Enrico Altavilla, a realidade tem sempre, portanto, um valor subjectivo, e por conseguinte, relativo, porque é uma projecção do mundo exterior que chega ao nosso eu, deformado por nossos sentidos e por todos os processos psíquicos. Para Marinoni e Arenhart, a reconstrução de um fato ocorrido no passado sempre vem influenciada por aspectos subjectivos das pessoas que assistiram ao mesmo, ou ainda do juiz, que há de valorar a evidência concreta. Há sempre uma interpretação formulada sobre tal facto – ou sobre a prova directa dele derivada – que altera o seu real conteúdo, acrescentando-lhe um toque pessoal que distorce a realidade. Mais do que isso, o julgador (ou o historiador, ou, enfim, quem quer que deva tentar reconstruir fatos do passado) jamais poderá excluir, terminantemente, a possibilidade de que as coisas possam ter-se passado de outra forma.

Na busca da verdade, e em passo aligeirado, os autores soem erigir duas ou três teorias para encontrar a lograr uma compatibilidade cognitiva entre a enunciação fáctica e a realidade: [[4]]

“a) Teorias semânticas de la verdad como correspondência: la verdad de un enunciado consiste en su adecuación a la realidad (o estado de cosas) a que se refiere, en su correspondencia com los hechos;

b) Teorias sintácticas de la verdad como coherencia: la verdad de un enunciado consiste en su pertenencia a un conjunto coherente de de enunciados.

c) Teorias pragmatistas de la verdad: la verdad de un enunciado se concibe en términos de “aceptabilidad justificada”. Un enunciado es verdadero si está justificado creer que es verdadero porque sirve a algún fin (versión “instrumentalista”) o porque es aceptado(versión “consensualista”). En suma, un enunciado no está justificado porque sea verdadero, sino que es verdadero porque está justificado; o, más exactamente, porque el critério para aceptarIo como verdadero (el critério de verificación) está justificado”.

Para Nicolas Rescher, partidário da teoria da coerência “la “verdad genuína” sólo está garantizada por la coherencia ideal (esta es, por la coherencia óptima com una base de datos perfecta que no poseemos, y no con aquella outra algo menos que óptima a la que efectivamente podemos acceder), no tenemos seguridad incondicional acerca de la corrección efectiva de nuestras investigaciones guiadas por el objetivo de la coherencia; tampoco tenemos una garantia sin reservas de que essas investigaciones nos proporcionen “Ia verdad genuína” que perseguimos cuando nos ocupamos de investigaciones empíricas. (…)

Nuestro “conocimiento” en tales casos no es más que nuestra mejor aproximación a la verdad de las cosas. Ya que no podemos ocupar el punto de vista del ojo de Dios, sólo tenemos acceso a los hechos del mundo a través de una investigaci6n (potencialmente errada) de la realidad. (…)

En la vida real, siempre por debajo de lo ideal, la verdad supuesta queda ciertamente separada de la verdad indubitable por una brecha evidencial. Pero, dada una criteriologia adecuada de la verdad, esta brecha se cierra en crrcunstancias ideales. El requisito de continuidad refleja el hecho de que la investigación persigue la verdad, el que la empresa cientifica tiene como objetivo y aspiración final alcanzar la verdad genuína.

EI hecho de que lo que consigamos en nuestra práctica del coherentismo cientlfico no sea verdad genuína, sino unicamente nuestra mejor aproximación a ella, refleja la circunstancia de que debemos afanarnos en la búsqueda deI conocimiento rodeados de las ásperas realidades y complejidades de un mundo imperfecto. Hemos de ser conscientes siempre de la brecha entre lo real y lo ideal; también cuando debatimos la verdad de nuestras tesis cientlficas. [[5]]

Por diversas razões, que não virão ao caso explanar, somos partidários da teoria cognoscitivista da correspondência advogada pela autora supra citada [[6]] dado ser, em nosso juízo, aquela que melhor permite uma endógena operatividade cognoscente de adequação e coerência na aferição da realidade ao enunciado fáctico que emerge da descrição contida numa exposição factual que ao julgador é fornecida para apreciar e valorar.

O julgador deve, pois, mais do que esgrelhar a consciência das testemunhas procurar encontrar uma correspondência entre aquilo que lhe foi dado para provar – enunciado fáctico – para dessumir a solução de direito do caso e a realidade – verdade – que poderá estar subjacente a esse enunciado, sendo certo que a “verdade” que encontrará mais não será que a melhor aproximação possível com a realidade ocorrida no mundo dos factos.

O julgador deve, por imposição legal, justificar ou tentar demonstrar, argumentando, que a solução encontrada é aquela que mais se aproxima da realidade ocorrida. Mas já não será permitido, fora de um processo (endoprocessual) argumentativo coerente e adequado, justificar opções probatórias assumidas resultantes de impressões e convicções intimistas ou preconcebidas. Se não é vedado, antes é inevitável e se constitui como requisito infranqueável, que o julgador, no seu múnus de apreciação da prova, transporte para a sua actividade cognitiva o cabedal de conhecimentos e a especial mundividência de que se encontra armado e que constituem o cadinho da sua experiência técnica e do arsenal jurídico imprescindível ao acto de julgar, já não será, no entanto, ajustado que julgue segundo impressões ou juízos particulares ao arrepio ou contra aquilo que os elementos de prova evidenciam. Não pode o julgador, porque lhe “pareceu” ou ficou com a impressão que determinado grupo de testemunhas orientou a prova de determinada maneira, julgar contra o que objectivamente foi dito e confirmado por esse conjunto de pessoas sob pena de abjurar o princípio da livre apreciação da prova (motivada). O julgador não pode deixar de se movimentar no âmbito da actividade probatória que lhe é dado experienciar e conhecer devendo do que dela resulta extrair a solução de facto que melhor corresponde à realidade trazida ao seu conhecimento. Ao perspectivar, mediar ou avaliar a objectividade dos elementos de prova com os tons do seu subjectivismo o julgador introduz factores de perturbação no sentido de previsibilidade que uma actividade probatória cingida induz e acrisola em qualquer dos destinatários da decisão (motivada) que lhe incumbe proferir e que eles irão receber.

As realidades com que se configura um suposto de facto legal podem ser decompostas em três tipos: factos externos, factos internos ou psicológicos e conceitos que hão-de ser preenchidos pelo juiz mediante juízos de valor. Os factos externos são acontecimentos que se produzem na realidade sensível, seja com intervenção humana seja sem a intervenção humana.

A prova que se produz num procedimento judicial destina-se a justificar, confirmar ou infirmar, um enunciado assertivo que havia sido formulado com base numa produção de prova de “contexto de descobrimento”. [[7]]

Destinando-se a prova a dar surgimento ou a operar uma representação histórica de um facto passado as reproduções que por intermédio dos distintos meios de prova – testemunhais, de percepção directa do julgador, v.g. Inspecção judicial, periciais ou outras – se possam operar contém sempre um vector de subjectivismo ou de apreciação pessoalística inerente às particulares impressões com que o ser humano é capaz de enquadrar um determinado fenómeno natural ou humano. É inevitável, pois, que na descrição de um acontecimento inesperado, imprevisto e com uma grande dose de instantaneidade, como são a maioria das situações em que se verificam acidentes de viação, o que seja possível descrever não passe a maior parte das vezes de fragmentos ou percepções impressivas que se adquirem e firmam na mente de um determinado individuo e donde, por dedução, se sacam outros elementos que, no raciocínio desse individuo deverão completar o quadro ou a fita sequencial de factos reportados á situação intelectualmente representada transformando peças soltas num mosaico a que se quis dar coerência lógica interna e que passa a constituir e a vigorar como explicação pessoal (necessária), para o sujeito “criador” como a sua “realidade” ou se quisermos a sua “certeza” de como ocorreu efectivamente o acontecido.   

A operação intelectual para fixação dos enunciados fácticos em que os pressupostos evidenciadores da ocorrência de um determinado acontecimento exterior se ancoram decorre, na maior parte dos juízos apreciativos da prova, da chamada prova indirecta, isto é, daquela prova que não assegura a “certeza” do facto observado. Do que a possibilidade de aquisição do conhecimento judicial tendente á fixação da matéria de facto resultará, a maior parte das vezes, de uma operação lógica indutiva. [[8]] Nestes casos a prova dos factos supõe que o juiz reconstrua uma hipótese sobre esses factos que seja explicativa das provas obtidas (ou mais exactamente dos enunciados probatórios).

A obtenção do conhecimento da verdade histórica ou processual dos enunciados fácticos a provar é gerada ou induzida, na maior parte das vezes, mediante presunções, as chamadas presunções hominis ou simples.

“Las presunciones hominis o presunciones simples son un conjunto de razonamientos o argumentaciones mediante las cuales, a partir de hechos conocidos, se concluye afinnando otros desconocidos. (WROBLEWSKI habla de este tipo de presunclones cuando se reconoce como demostrado un hecho que, según las regias de experiência, há existido porque también outro hecho há existido y se bana creditado mediante pruebas concluyentes).

Tradicionalmente, sin embargo, se viene exigiendo también que el indício (el hecho conocido del que se parte para “presumir” outro desconocido) reuna una serie de requisitos sin los cuales eI procedimiento presuntivo careceria de capacidad probatória. […] EI primero y principal de estos requisitos es Ia certeza: el indício o hecho conocido debe estar fehacientemente probado mediante los medios de prueba procesalmente admitidos, lo que excluiria como posibles indicios las meras “sospechas” o “intuiciones” del juez, que no se basan en ningún hecho probado, pero también aquellos hechos de los que sólo quepa predicar su probabilidad y no su certeza incuestionable; otro de los requisitos que, según una opinión clásica, debe reunir el indicio es la precisión o univocidad: el indicio es unívoco o preciso cuando conduce necesariamente al hecho desconocido; es, por el contrario, equívoco cuando puede ser debido a muchas causas, o ser causa de muchos efectos. Este requisito arrastra consigo la distinción entre indicios “necesarios” (los precisos o unívocos) y “contingentes” (los equívocos), que se proyecta sobre la teoria de la prueba exigiendo eliminar la equivocidad de los segundos para poder utilizarlos como elementos de prueba, por ejemplo, mediante el procedimiento de eliminación de hipótesis; e un tercero es el requisito de la pluralidad de indicios hace referencia a la necesidad de que la prueba de un hecho se funde en más de un indício. Además, este requisito suele acompañarse del de la concordância, queriéndose exigir com ello que los (plurales) indícios confluyan en una reconstrucción unitária del hecho al que se refieran. El requisito de la pluralidad de indicios parece lógico al menos por dos razones: primero, porque es una manera de evitar el riesgo de que en base a un único dato, que, como ya se ha dicho, es esencialmente equívoco, se establezca una conclusión errónea; segundo, porque el procedimiento indiciário o de prueba indirecta es inductivo, por lo que su resultado es de mera probabilidad, de manera que cuantos más indicios apoyen esse resultado más fiable será”. [[9]]  

O processo de formação da convicção não é um processo linear e passível de ser descrito sem intervenção e apelo a soluções exteriores, porque interiormente acumuladas com o saber e a experiência de quem decide, sendo passível de serem encontradas fissuras ou descompensações intelectivas que, contudo não podem abalar a compreensão de quem analisa e textualiza a explicação critica apresentada numa decisão. O processo de formação de um juízo de probabilidade acima de uma dúvida razoável (clear, precise and indubitable evidence ou , no standard  da common law, beyond any reasonable doubt) [[10]] e cerca da certeza histórica constitui-se como um proceder entretecido e entramado de pontos essenciais, que congraçados com alguns outros de menor densidade real/material, se concitam num núcleo mental arrimado a uma realidade histórica que se nos prefigura como plausível e adequada ao acontecer histórico normal e comum.

Operada este quadro modelador da forma como a verdade contida num enunciado fáctico colhe ou ganha corpo mediante um processo cognoscente em que os factores objectivos e subjectivos se congraçam para se aunar num juízo conviccional superador de uma dúvida para além de uma razoabilidade aceite pelo standard comum da segurança cognitiva adquirida numa determinada comunidade historicamente situada, proceder-se-á à análise do amplexo impugnativo que constitui o cerne deste item de desacordo com o acórdão recorrido.

Ouvidos os depoimentos das testemunhas que serviram de base à justificação dos factos objecto de impugnação, A... e B...– mais audível o depoimento do primeiro do que do segundo, até pela forma como aquele teve que responder ao modo desabrido, incoerente e inconsequente como ia sendo inquirido pelo advogado – temos para nós que o julgamento global do tribunal colectivo foi correcto e ajustado à forma como a testemunha descreveu os factos e vincou o seu estado de temor pela hipotética acção de represálias que quando foram abordados pelos cinco indivíduos se lhe tornou possível vir a acontecer.

A redacção encontrada para traduzir ou reverberar os depoimentos prestados, em audiência, poderá não ter sido a mais feliz e, quiçá, eivada de comodismo, na medida em que, de forma acrítica e seguidista, adoptaram o guião que lhes era fornecido pela acusação. No entanto, com envolvimentos circunstanciais e momentâneos disruptivos e temporalmente desajustados – de que se pode dar como exemplo quando no item sob o n.º 5 (identificado pelos recorrentes como n.º 6) se diz que o B...levou uma pancada no pescoço para entrar no veículo, facto que ele próprio diz não ter acontecido dessa forma embora, em momento anterior refira ter sido molestado com três “cachações” no pescoço – os enunciados fácticos provados reverberam, indutivamente, dos depoimentos prestados pela testemunha (como já se disse supra a testemunha A... mostrou-se sempre acuada e evidenciando receio de represálias por parte dos arguidos).    

Dir-se-á, com razão, que tal como os factos são apresentados e descritos na decisão relativa à matéria de facto eles poderão induzir em erro interpretativo do modo como os arguidos agiram no momento em que cercearam a liberdade de movimentos das testemunhas A... e B.... Isto porque, independentemente do factor violência evidenciado pela descrição conferida no item 5. da matéria de facto provada, traduzida na referência á pancada no pescoço do ofendido B..., o facto é que os arguidos detiveram contra a sua vontade os ofendidos privando-os da sua liberdade de movimentos e compelindo-os a executar condutas  que não estavam no seu horizonte de acção, como seja o facto de terem que, sob constrangimento, se dirigir a uma dependência bancária para efectuar levantamentos da sua própria conta que tiveram que entregar aos arguidos.

Os demais itens da matéria de facto impugnados estão absolutamente conformes com a descrição colhida do depoimento da testemunha B...que, por mais de uma vez, repetiu que foi obrigado, com receio de represálias (os arguidos eram cinco, estando um deles armado com uma chave de rodas) a entrar no carro, a acompanhar, contra vontade, os arguidos até ao lugar de Vagueira, onde foi mantido dentro do carro enquanto alguns dos arguidos foram com o A... a retirar dinheiro da máquina ATM, tendo-os mantido durante mais dois ou três minutos (quanto ao tempo em minutos – cavalo de batalha de um dos senhores Advogados – quid interessate?) no carro até os libertarem.

A matéria de facto manter-se-á, pois, inalterada, com excepção da redacção conferida ao item 5. que passará a ter a sequente redacção:

“De seguida os arguidos, dirigindo-se aos ofendidos, em tom intimidatório, ordenaram-lhes que entrassem no carro, o que estes vieram a fazer, contra a sua vontade, por medo de represálias”.

Quanto aos demais factos, como se disse, quedam inalterados.

II.B.2. – Crimes de Roubo e Sequestro – Concurso Efectivo ou Concurso Aparente.

Estimam os recorrentes que: “Ainda que estivessem preenchidos os elementos típicos do crime de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º do Código Penal, nunca o arguido, ora recorrente, poderia ser condenado pela pratica do crime de roubo e pela pratica do crime de sequestro, pois estar-se-ia perante um concurso de crimes, o de roubo e o de sequestro, existindo uma unidade criminosa.

Como afirma o Dr. Figueiredo Dias no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 415, relativamente ao concurso “ sempre que a duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse aquela medida naturalmente associada à prática do crime-fim (p. ex., o roubo, a ofensa corporal grave, a violação) e como tal já considerada pelo legislador na descrição típica e na estatuição da pena, deve concluir-se pela existência de concurso aparente (relação de subsidiariedade) entre o sequestro (“crime meio”) e o crime fim: roubo, violação, extorsão, etc., respondendo o agente somente por um destes crimes…”

Como resultou da factualidade dada como provada, os ofendidos estiveram com os arguidos cerca de 45minutos – tempo usado para o levantamento das quantias referidas no Douto Acórdão, sendo que após a entrega dos cartões de multibanco (10 minutos após o ultimo levantamento) os ofendidos se afastaram dos arguidos.

Pelo que não deveria o recorrente ter sido condenado pela prática dos dois crimes de sequestro.”

“Concurre concurso ideal cuando el autor vulnera mediante una misma acción varias leys penales o varias veces la misma ley penal. Dos sons, pues, elos requisitos dela concurso ideal: por una parte, debe concurrir u8nidad de acción y, por outra parte, mediante una única acción debe tener lugar una pluralidad de infracciones a la ley”. Cabe, para ello, tanto la aplicabilidad de distinatas leyes penales como también la possibilidad de que la misma ley resulte varias veces aplicable. El primer caso se denomina concurso ideal heterogéneo y el segundo ideal homogéneo”. [[11]]

Em contrapartida do concurso ideal ou aparente está o concurso real que ocorre quando vários factos puníveis independentes são julgados no mesmo processo. [[12]]

“En tanto que el concurso ideal y el real se diferencian claramente y gracias a elos conceptos básicos, respectivamente concurrentes, de unidad de acción y pluralidad de acción, la unidad de ley puede concurrir en ambos casos y presentarse, tanto en forma de “aparente (impropio) concurso ideal” como de “aparente (impropio) concurso real”. La delimitación de la unidad de ley debe efectuarse, por ello, com la ayuda de otros critérios. Las cuestiones que aquí aparecen resultan altamente polémicas hasta en la terminologia. La opinión mayoritaria distingue entre especialidad, subsidiariedad y cosunción. 

1. La relación de especialidad concurre cuando un precepto penal reúne todos elos elementos de outro y solo se diferencia de él en el hecho de que por lo menos contiene un elemento adicional que permite contemplar el supuesto de hecho bajo un punto de vista específico.

2. Subsidiariedad significa que un precepto penal solo ha de encontrar aplicación de forma auxiliar, para eI caso de que no intervenga ya outro precepto penal. El fundamento material de la subsidiariedad lo ve Honig en eI hecho de “que distintas proposiciones jurídico-penales protegen el mismo bien jurídico en distintos estadios de ataque”. La estructura lógica de Ia subsidiariedad no es la de la subordinación, sino la de la interferência.

3. Especialmente polémico es el supusesto de consunción. Con carácter general solo cabe afirmar que hav que estimar consunción cuando el contenido de injusto y de culpabilidad de una acción típica alcanza, incluyéndolo, a outro hecho o a outro tipo, de suerte que la condena basada en un solo punto de vista jurídico va expresa, de forma exhaustiva, eI desvalor de todo el proceso: “lex consumens derogat legi consumptae”. [[13]      

Lapidarmente escreveu-se no douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10.10.2007, disponível em “Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, in www.stj.pt que: […] 

“III – Os problemas dogmáticos relativos ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), dos mais complexos na teoria geral do direito penal, têm no art. 30.º do CP a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. IV – A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções) e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção). V – O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado). VI – Com efeito, ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei. VII – A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção. VIII – No crime de roubo, que primeiramente protege bens jurídicos patrimoniais, concorrem também, em complexidade executiva que lhe acrescenta gravidade (em relação ao furto), ofensas a bens jurídicos eminentemente pessoais, como a liberdade de determinação, a liberdade e a integridade físicas. O crime de roubo descrito no art. 210.º, n.º 1, do CP, é um crime complexo e estruturalmente um furto qualificado, em que a subtracção da «coisa móvel alheia» é conseguida por meio de violência contra uma pessoa, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física. IX – A violência contra uma pessoa constitui, na estrutura da descrição e conformação do crime de roubo, um meio de que o agente se serve para conseguir o fim que é subtracção da coisa móvel. X – No crime de sequestro p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1, do CP o bem jurídico protegido é a liberdade física de uma pessoa – o jus ambulandi, a liberdade ambulatória –, que é afectada por todos os actos ilegítimos restritivos do seu direito ambulatório. XI – Na execução do crime de roubo, a violência usada contra uma pessoa, como meio de actuação do agente para conseguir a finalidade de subtracção da coisa móvel alheia, pode consistir na perturbação ou na privação da liberdade ambulatória, impossibilitando-a de resistir à realização da finalidade do agente. Nesta medida, a integração de elementos típicos do crime de sequestro pode coincidir com a violência como meio de realizar o roubo, quando, nas circunstâncias, a afectação da liberdade constituir estritamente o meio de que o agente se serve para levar a cabo a subtracção de coisa móvel. A violação de bem jurídico pessoal não tem, então, autonomia funcional, e a protecção do bem jurídico ficou já consumida pela específica construção do crime de roubo enquanto infracção complexa em que coexistem afectados bens pessoais, como meio de execução, e patrimoniais, como realização da finalidade do agente. XII – Diversamente, se a privação da liberdade for além da função ou condição de meio de execução, e se exceder o nível executivo necessário à realização da subtracção, excedendo a natureza de meio, fica autonomamente lesado o bem jurídico protegido no crime de sequestro, em termos de integrar o crime de sequestro em concurso real com o crime de furto. É este o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal.”

E mais adiante, ainda no mesmo aresto, escreveu-se: “[…] XVII - No roubo, como em outros crimes patrimoniais, os factos têm de ser lidos e interpretados  complexivamente, pelo desenho da intenção e perspectiva do agente e pelo modo de realização que revele ou exteriorize objectivamente uma unidade ou pluralidade de resoluções. Com efeito, nos crimes patrimoniais a pluralidade das coisas móveis objecto de subtracção (as parcelas) não reverte necessariamente para a pluralidade de infracções, mas, dependendo das circunstâncias, do modo de realização, do sentido e extensão da intenção objectivamente revelada, podem integrar uma pluralidade ou somar-se apenas num único facto a considerar como um único crime no domínio da qualificação. XVIII - No roubo, e não obstante a complexidade estrutural, as considerações válidas para outros crimes patrimoniais não serão sempre e necessariamente afastadas pela natureza individualizada dos bens jurídicos pessoais que, instrumentalmente, como meio de execução, também sejam afectados. Neste tipo de ilícito a afectação de bens jurídicos de natureza pessoal, apenas instrumental e enquanto for apenas instrumental, está subordinada à realização da intenção específica de subtracção ou apossamento de coisa móvel alheia – tanto assim é que em tudo quanto a afectação de bens jurídicos pessoais for além da dimensão típica expressamente referida no art. 210.º do CP, ou seja, não for apenas instrumental e exceda a finalidade funcional e executiva, terá tratamento penal próprio e autónomo que acresce ao crime de roubo (v.g., ofensas corporais, sequestro, homicídio). XIX - Por isso, a protecção de bens pessoais, enquanto objecto de afectação instrumental, está já assegurada pela protecção acrescida ao crime patrimonial que resulta da particular qualificação do roubo em relação ao furto. XX - A perspectiva dos bens jurídicos afectados e a consideração do bem jurídico como critério de determinação da existência de unidade ou pluralidade de infracções têm, assim, de atender à afectação do bem jurídico que primeiramente se apresente violado. E será na função instrumental que o bem jurídico pessoal deverá ser considerado. No rigor das coisas, poder-se-á considerar que no crime de roubo a afectação de bens pessoais, enquanto e na medida em que constituir acção instrumental, pode ficar consumida, em espécie de concurso parcelar aparente, pela finalidade essencial de apoderamento do crime de roubo, em relação ao qual devem então ser verificados os pressupostos casuísticos para determinação da unidade ou pluralidade de infracções. XXI - Deste modo, não se poderá afirmar que, em todos os casos, a natureza pessoal do bem jurídico, apenas por si e independentemente da conjugação própria de todos os elementos de cada caso, prevaleça sobre o tipo matriz (a afectação patrimonial) e se lhe sobreponha em espécie de concurso parcelar efectivo, nem que por essa natureza, em quaisquer circunstâncias, se acolha nas qualificações sempre à pluralidade de infracções.”

Com este cenário doutrinal e jurisprudencial como tela de fundo para o enquadramento jurídico-penal das condutas levadas a cabo pelos arguidos haverá que apurar se o crime de sequestro, pelo qual os arguidos sofreram condenação autónoma, por se não haver considerado que não estavam numa relação de subsidiariedade relativamente ao crime de roubo.

O crime de roubo é um crime complexo que envolve para além de ofensa a bens patrimoniais uma acção lesiva da liberdade de individual, da integridade física e/ou da autodeterminação do sujeito passivo. Numa acção de roubo para além da privação de um bem ou coisa material, o sujeito activo atenta contra bens jurídicos que se encastoam no conceito de bens pessoais, como sejam a liberdade individual e/ou a integridade física. [[14]] Ocorrendo uma situação em que o agente para consecução do objectivo do crime-fim (crime de roubo) exerce uma acção violenta sobre o sujeito passivo e o priva de liberdade durante o tempo suficiente á obtenção do resultado querido o crime de sequestro fica em relação de subsidiariedade com o crime de roubo porquanto na descrição típica deste tipo de ilicito já está englobada a agravação penal com que se pretende proteger a violação da integridade física ou, no caso do criem de sequestro, o direito à liberdade e/ou o direito ambulatório ou de liberdade de movimentos.

Como se refere no douto aresto citado na nota de rodapé assinalada com o n.º 14 desde que a acção ilícita de privação de liberdade tenha como único fim a obtenção do dinheiro que tinham intenção de se subtrair ao património do sujeito passivo o crime de sequestro queda numa relação de subsidiariedade com o crime de roubo não devendo ser autonomizado e punido isoladamente.

No caso concreto, os arguidos obrigaram os ofendidos A... e B...a entra no veículo tendo-os conduzido, expressamente e com único fito de retirarem dinheiro da caixa multibanco sita no local mais próximo do local onde foram interceptados e obrigados a acompanhar os arguidos. Logo a seguir dirigiram-se com os arguidos até um parque de estacionamento onde estavam as bicicletas em que os ofendidos se faziam transportar. O tempo de privação de liberdade correspondeu ou teve como único fim conduzirem o sujeito passivo – o ofendido A... – até ao local onde se poderiam apropriar das quantias que tinham intenção de fazer suas. Neste quadro factual o crime de sequestro encontra-se na referida relação de subsidiariedade não podendo ser punido autonomamente.

Procedem, nesta parte os recursos dos arguidos.

Procedendo nesta parte os recurso dos arguidos J… e C... haverá que retirar as consequências jurídico-processuais que a lei comina, maxime as que se encontram insertas na alínea a) do artigo 402.º do Código de Processo Penal.

Nos termos do artigo 26.º, 2ª parte, do Código Penal aqueles que agem de forma conjunta e determinada a um fim previamente acordado são co-autores do ilicito típico que resolveram executar. [[15]]        

Os arguidos, no caso que nos ocupa, agiram de forma a obter o resultado querido de forma congraçada e imbuídos do propósito de obterem, com a acção em que detiveram a totalidade do domínio dos factos de privação da liberdade dos ofendidos, o resultado de apropriação de quantias que estivessem depositadas na conta dos dois sujeitos passivos sobre quem exerceram a privação de movimentos. [[16]]
Ocorre uma situação de comparticipação que deverá influenciar a sorte dos demais comparticipantes na decisão do recurso que foi interposto pelos arguidos E... e C….
 Na assumpção que se assume deverão os co-arguidos ser absolvidos do crime de sequestro por que forma condenados e consequentemente serem reformuladas penas únicas em que haviam sido condenados.
O tribunal a quo condenou os arguidos P..., em concurso real, pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P., na forma consumada (situação-IV-), na pena de 2 anos de prisão e pela prática de um crime de roubo, na forma tentada p. e p. pelo artigo 210º e 22º e 23º do C. Penal, (situação-IV-), na pena de 1 (um) ano de prisão; pela prática de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 2 (dois) anos de prisão; e pela prática de cada um dos dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º n.1 do C.Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar em cúmulo jurídico ao arguido P..., a pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão.
- o arguido C..., pela prática em concurso real, de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 2 ( dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; e pela prática de um crime de roubo consumado, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 2 (dois) anos de prisão; e pela prática de cada um dos dois crimes de sequestro p. e p. pelo artigo 158º n.1 do C.Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar em cúmulo jurídico ao arguido C..., a pena única de 3 (três) anos de prisão.
- o arguido D..., pela prática em concurso real, de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; e pela prática de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; e pela prática de cada um dos dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º n.1 do C.Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar em cúmulo jurídico ao arguido D..., a pena única de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período de 2 (dois) anos, com regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50º, 53º e 54º do C.Penal.
- o arguido F..., pela prática em concurso real de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P.  (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão; e de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...) a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; e pela prática de cada um dos dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artigo 158º n.1 do C.Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, atento o disposto pelo artigo 77º do Código Penal, considerando os factos e a personalidade do arguido, decide-se aplicar em cúmulo jurídico ao arguido F..., a pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50º, 53º e 54º do C.Penal.

Considerando que as penas impostas por cada um dos crimes se mostra ajustada às condutas realizadas e satisfazem os fins das penas haverá que mantendo as penas respectivas a cada um dos crimes de roubo reformular as penas únicas em que cada um dos co-arguidos foi condenado.       

Assim o co-arguido P... foi condenado pela prática, em concurso real:

a) de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º n.º1 do C.P., na forma consumada (situação-IV-), na pena de 2 anos de prisão;

b) de um crime de roubo, na forma tentada p. e p. pelo artigo 210.º e 22.º e 23.º do C. Penal, (situação-IV-), na pena de 1 (um) ano de prisão;

c) de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

d) de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 2 (dois) anos de prisão.

Em cúmulo jurídico das penas singulares aplicadas condena-se o arguido na pena de três (3) anos de prisão.

 O co-arguido C... foi condenado, pela prática em concurso real:

a) de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 2 ( dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

b) e pela prática de um crime de roubo consumado, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 2 (dois) anos de prisão

Em cúmulo jurídico, considerando os factores indicados na decisão, condena-se o arguido na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão. 

O co-arguido D..., foi condenado pela prática em concurso real:

a) de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...):

b) de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, considerando os factores de determinação da pena única que ditaram a pena em 1ª instância, condena-se o arguido na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão sujeito ao regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50.º, 53.º e 54.º do C.Penal.
O co-arguido F..., foi condenado pela prática em concurso real:
a) de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P.  (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
b) de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...) a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão
Em cúmulo jurídico, considerando os factores de determinação da pena única que ditaram a pena em 1ª instância, condena-se o arguido na pena de dois (2) ano de prisão sujeito ao regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50.º, 53.º e 54.º do C.Penal.

III. – Decisão.

Na defluência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em: 

A) - Julgar parcialmente procedente os recursos interpostos pelos arguidos P... e C... e consequentemente:

B) – Absolver os co-arguidos P...; C...; D… e F... dos crimes de sequestro por quem vinham acusados e de que haviam sido condenados;

C) - Manter as demais condenações quanto aos crimes de roubo por que cada um dos arguidos referidos no item antecedente foi condenado e reformular as respectivas penas únicas pela forma seguinte:

1. - O co-arguido P... pela prática, em concurso real:

a) de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º n.º1 do C.P., na forma consumada (situação-IV-), na pena de 2 anos de prisão;

b) de um crime de roubo, na forma tentada p. e p. pelo artigo 210.º e 22.º e 23.º do C. Penal, (situação-IV-), na pena de 1 (um) ano de prisão;

c) de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

d) de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 2 (dois) anos de prisão.

Em cúmulo jurídico das penas singulares aplicadas condena-se o arguido na pena de três (3) anos de prisão.

2. - O co-arguido C... foi condenado, pela prática em concurso real:

a) de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 2 ( dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

b) e pela prática de um crime de roubo consumado, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 2 (dois) anos de prisão

Em cúmulo jurídico, considerando os factores indicados na decisão, condena-se o arguido na pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão. 

3. - O co-arguido D..., foi condenado pela prática em concurso real:

a) de um crime de roubo simples, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação-II- na pessoa do ofendido A...):

b) de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...), na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, considerando os factores de determinação da pena única que ditaram a pena em 1ª instância, condena-se o arguido na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão sujeito ao regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50.º, 53.º e 54.º do C.Penal.
4. - O co-arguido F..., foi condenado pela prática em concurso real:
a) de um crime de roubo simples, na forma consumada p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P.  (situação-II- na pessoa do ofendido A...) na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
b) de um crime de roubo consumado p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C.P. (situação -II- na pessoa do ofendido B...) a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão
Em cúmulo jurídico, considerando os factores de determinação da pena única que ditaram a pena em 1ª instância, condena-se o arguido na pena de dois (2) ano de prisão sujeito ao regime de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50.º, 53.º e 54.º do C.Penal.
D) – Por haverem decaído parcialmente nos recursos que interpuseram condenam-se os recorrentes E...e C... nas respectivas custas fixando a taxa de justiça, para cada um, em quatro (4) UC’s.



                                               Coimbra, 4 de Março de 2009



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(Gabriel Catarino, relator)



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(Barreto do Carmo)



 
 

   

[1] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; WWW.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).

[2] No original “[…]diretto a convicere I’organo che giudica sui fatti dell’opportunità di assumem come attendibile una certa versione dei fafti relevanti per la decisione; e a prova como strumento dimonstrativo, finalizzato aliá conoscenza “scientifica” della verità dei fatti rilevanti per la decisione
[3] Taruffo, Michelle, “Modelli di Prova e di Procedimento Probatorio”, in Revista di Diritto Processuale, vol. 45, pag. 420.
[4] Com proveito para um maior desenvolvimento deste tema pode consultar-se a obra de Marina Gascón Abellán, “Los Hechos en el Derecho – Bases Argumentales para la Prueba”, 2ª edición, Marcial Pons, Madrid, 2004, págs. 47 e segs.
[5] Nicolas Rescher, in “Verdad como coherencia Ideal”, in Juan António Nicolas e Maria José Frapolli “Teorias de la Verdade en el Siglo XX”, Editorial Tecnos, Madrid, 1997, pág. 500.
[6] Cfr. op. loc. cit. pág. 66 e segs.
[7] Cfr. Abellán, Marina Gascón, in op. loc. cit. pag. 83 e segs.
[8] Cfr. Gascón Abellán, Marina, in op. loc. cit. pag. 101 e segs.
[9] Gascón Abellán, Marina, in op. loc. Cit. pág. 151 a 156
[10] Cfr. Michele Taruffo, “La Prueba”; Marcial Pons, Colección Filosofia y Derecho; 2008, pág. 138 e 273.
[11] Cfr. Jescheck, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol. II, Bosch, 1981, pág. 1011. 
[12] Cfr, op. loc. cit. pág. 1024.
[13] Cfr. Op. Loc. cit. págs. 1035 a 1038.
[14] Cfr. neste sentido o A. do Supremo Tribunal de Justiça de 5.12.2007, proferido no processo n.º 07P3864, disponível in www.stj.pt, onde se escreveu que: “I - O crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º do CP, é um crime complexivo, porque nele convergem elementos de índole patrimonial e eminentemente de natureza pessoal, consolidando-se a subtracção ou constrangimento à entrega através de uso de violência ou ameaça de perigo iminente para a vida ou integridade física, relativamente à pessoa da vítima, colocando esta na impossibilidade de resistir, que imprimem, por isso, um plus agravativo à apropriação. II - O crime de roubo pode, em vista da sua consumação, comportar, enquanto elemento típico da sua realização, uma limitação da liberdade de movimento para a vítima – bem jurídico que se tutela no crime de sequestro (art. 158.º do CP) –, ou seja, a capacidade de cada um se fixar ou deslocar livremente num espaço físico, substanciada no direito a não ser aprisionado, encarcerado, confinado a certo espaço físico não querido, que há-de perdurar por certo tempo, não podendo cingir-se a uma tão diminuta duração que deixe praticamente intacta aquela liberdade. III -No crime de roubo, o âmbito da limitação à liberdade ambulatória pode trazer problemas de concurso – aparente ou real – entre o sequestro e o roubo. IV -Este STJ, com geral uniformidade, firmou jurisprudência no sentido de que, sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade – cf. Ac. de 16-11-2006, Proc. n.º 2546/06 - 5.ª, e Comentário Conimbricense do Código Penal, I, págs. 415-416. V - Sempre que tal privação se englobe num desígnio de roubo, apresentando-se proporcionada e necessária a limitação, a conduta do agente actualiza somente um crime de roubo. VI -Resultando da matéria de facto assente que os arguidos, através de constrangimento e ameaça com objecto que o ofendido pensou ser uma arma de fogo, lograram retirar a este € 30 e 2 cartões de débito e respectivos códigos, obrigando-o, sob ameaça de morte, a conduzir o seu veículo até, pelo menos, 7 postos Multibanco, mais do que privar da liberdade o ofendido, os arguidos, ao apoderarem-se dos cartões de crédito, agiram na esperança de lograrem obter dinheiro da conta da vítima, levando-a a seguir um percurso, tentando as caixas Multibanco, em obediência àquela resolução criminosa de, pela via da violência, da ameaça e do constrangimento, se apoderarem de dinheiro que lhes não pertencia, pelo que essa privação, grave, de liberdade surge como meio de alcançarem a subtracção e não autonomizada dela, antes com ela se fundindo. VII – O crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º do CP, destina-se à protecção do bem jurídico liberdade de locomoção ou liberdade ambulatória. Trata-se de um crime de execução permanente, continuada, que se inicia com a privação da liberdade ambulatória e só cessa quando o ofendido alcança a liberdade de que foi privado. VIII – Este ilícito entra numa relação de concurso efectivo, real, com o crime de roubo quando a privação daquela liberdade se prolonga para além da medida do necessário à consumação do roubo, ganhando, neste caso, autonomia incriminatória, sustentada já por um outro desígnio criminoso, preenchendo um distinto tipo de violação de valores jurídicos.

[15] Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3.10.2007, proferido no processo n.º 2567/07 – 3ª Secção; in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, onde a propósito da comparticipação no caso de crimes de roubo se escreveu: “III – O crime de roubo é um crime complexo, pluriofensivo, em que os valores jurídicos tutelados são de ordem patrimonial (direito de propriedade e de detenção de coisas móveis), abrangendo bens jurídicos eminentemente pessoais, como a liberdade individual de decisão e acção, a integridade física e até a própria vida. IV – Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que se estar perante vários actos, entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas. V – Como exemplo de circunstâncias exteriores que arrastam o agente para a repetição do crime, Eduardo Correia (Unidade e Pluralidade de Infracções, pág. 338) identifica as seguintes situações: voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta; perdurar o meio apto para a realização do crime, que se criou ou adquiriu com vista a realização da primeira conduta, verificar o agente, depois de executar a resolução que tomara, que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa. VI – Verifica-se um crime continuado quando se provem plúrimas violações da mesma norma pelo agente, proximidade temporal das respectivas condutas parcelares e também a manutenção da mesma situação exterior, a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir uma menor censurabilidade. VII – Se a conduta criminosa coloca em causa, não apenas valores patrimoniais, mas também valores eminentemente pessoais, havendo pluralidade de ofendidos [v.g., assalto efectuado a três senhoras, dentro de uma residência, tendo todas sido vítimas de constrangimento, coacção e intimidação exercida pelos arguidos, que apontaram e encostaram às suas cabeças pistolas de que eram portadores, e sendo as três despojadas de objectos e valores próprios], haverá tantos crimes quantos forem esses ofendidos, como tem decidido a jurisprudência deste Supremo Tribunal de forma uniforme – cf., entre outros, Acs. de 01- 03-2000, Proc. n.º 17/2000 - 3.ª, in www.stj.pt (jurisprudência/sumários de acórdãos), de 19-04-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 168, e de 02-05-2007, Proc. n.º 1027/07 - 3.ª. VIII - Os casos de comparticipação só são configuráveis mediante acordo prévio dos comparticipantes, os quais traçam um plano criminoso que visam pôr em prática. IX - O co-autor executa o facto, toma parte directa na sua realização, por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou determina outrem à prática do mesmo. X - Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta. XI - No que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado. 
[16] A propósito da situação de actuação comparticipada escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2007, disponível em www.stj.pt que” (…) Na verdade, face ao dispositivo do art. 26.º do C. Penal (é punível como autor quem tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros), como vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, são autores do crime aqueles que tomam parte directa, na execução do crime, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador; aquele que, mediante acordo prévio com outros agentes, pratica acto de execução destinado a executá-la é co-autor material dessa mesma infracção, não sendo necessário que tome parte na execução de todos esses actos, desde que seja incriminada a actuação total dos agentes (no mesmo sentido o AcSTJ de 12.7.2005, proc. n.º 2315/05-5, com o mesmo Relator)
Verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum (cfr., por todos, os Acs. de 11.4.02, proc. n.º 485/02-5, de 24.10.2002, proc. 3211/02-5, e de 21.10.2004, Acs STJ XII, 3, 202, do mesmo Relator).
O arguido, com plena consciência e aceitação do resultado da sua conduta, comparticipou em dois crimes de roubo agravado, um consumado e um tentado.
Na verdade, é co-autor quem executar o facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros (art. 26.º do C. Penal) que é exactamente o que vem provado ter o recorrente feito.”