Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
405/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CONDOMÍNIO
LITISCONSÓRCIO
PARTE COMUM
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 04/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 334.º ; 342.º, N.º 1; 1057.º ; 1422.º, N.º 2, A); 1425.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Existe litisconsórcio necessário activo entre os condóminos, com excepção dos demandados, quando a decisão a proferir ou vale para todos ou não resolve, definitivamente, a controvérsia existente entre as partes, como acontece no caso em que se pede a eliminação de inovações, em partes comuns, com o consequente retorno à situação anterior.
2. Não são de considerar obras de inovação as divisórias interiores dos sótãos de fracções autónomas, nem a substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, para aumentar a iluminação natural, no seu interior, ao contrário do que acontece com a abertura das janelas laterais, ao nível dos alçados dos sótãos, e de clarabóias no telhado, que são de qualificar como obras de inovação, embora de natureza não modificativa.

3. Quando as várias fracções autónomas do prédio pertencem à mesma pessoa, em virtude de nenhuma delas ter sido alienada, após a constituição do condomínio, por acto unilateral do proprietário do imóvel, as modificações podem ocorrer, independentemente da observância de qualquer formalidade especial, por mera declaração negocial isolada do único proprietário, porquanto, até então, ainda não estão criados os respectivos órgãos de administração próprios.

4. Sendo os autores e réus titulares de fracções autónomas, adquiridas em 1987, a daqueles antes da destes, o exercício do direito de demolição das inovações registadas, após o decurso de um prazo dilatado, de cerca de quinze anos, em que a confiança destes se firmou em expectativas alicerçadas pela consolidação do tempo, prenunciadoras da neutralização do seu eventual direito, consubstancia uma situação de inequívoco abuso de direito.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A... e mulher, B... propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra a Herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de C..., representada pelos seus herdeiros, D..., E..., F... e G..., todos residentes na Av. Mendes Silva, nº 605, em Coimbra, e H... e mulher, I..., residentes na Rua Eduardo Viana, nº13, 1º Esq., em Almada, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a eliminar as obras que, ilicitamente, efectuaram nas partes comuns, nomeadamente, as janelas abertas nos alçados laterais e as janelas basculantes instaladas no telhado, repondo a situação anterior, a eliminar as obras efectuadas nos sótãos que permitem uma ocupação das fracções contrária ao consentido pelo título constitutivo, que são ilegais e não licenciáveis, por forma a que tais dependências assumam a configuração que consta do projecto aprovado pela Câmara Municipal de Coimbra (CMC), alegando, para tanto, e, em síntese, que são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma, designada pela letra “L”, do prédio constituído em propriedade horizontal, infra-discriminado, e os réus são proprietários das fracções, designadas pelas letras “P” e “Q” do mesmo prédio, sendo certo que consta da escritura de constituição da propriedade horizontal que as mesmas são constituídas, por “um sótão amplo em toda a largura das fracções”.
Porém, continuam os autores, sucede que os réus transformaram os sótãos daquelas fracções, em habitações independentes, rasgando a placa do telhado, para aí colocarem telhas de vidro, e abriram vãos nos alçados laterais, colocando janelas, realizando ainda obras no interior dos sótãos, que passaram a ter uma divisão central, quatro quartos e uma casa de banho, tendo sido abertas entre quatro e seis janelas basculantes, alterações estas a que procederam, logo após a vistoria da CMC, sem qualquer projecto, nem licença municipal.
Muito embora os sótãos façam parte integrante das fracções que constituem o quarto andar, as aludidas obras alteraram, substancialmente, o telhado e as paredes laterais, que são partes comuns do edifício, e, também, a estética deste, tratando-se de inovações que dependem da aprovação da maioria qualificada dos condóminos, mas cuja autorização nunca foi concedida.
Por outro lado, essas obras, ao permitirem que os sótãos sejam habitados por um número de pessoas que ronda as dezasseis ou mais, causam prejuízos a todos os condóminos, porquanto tais pessoas provocam um uso e desgaste nos equipamentos e partes comuns que não ocorreriam se os réus as não tivessem efectuado.
A isto acresce que a referência realizada pelo título constitutivo de que as fracções são compostas por despensa e sótão amplo, a toda a largura da fracção, prescreve uma ocupação ou destino, somente, compatível com aqueles que são dados aos arrumos, pelo que tais obras só poderiam ser efectuadas se aquele título tivesse sido modificado, o que não aconteceu.
Na contestação, os réus H... e mulher concluem pela improcedência da acção, invocando, para tanto, e, em suma, que, quando o prédio foi submetido ao regime da propriedade horizontal, já o sótão se encontrava dividido, tendo-a os anteriores proprietários da fracção “Q”, hoje dos réus contestantes, adquirido ao construtor, no estado de nova, sendo certo que, desde a data da compra até à actualidade, nunca nela foram feitas quaisquer obras, encontrando-se o sótão, exactamente, como foi vendido, em 1987, e tal como foi construído, desde 1985/86.
Por outro lado, prosseguem estes réus, as paredes existentes no sótão destinam-se a suportar a estrutura do telhado e a dividir as fracções, pelo que a sua demolição colocaria em risco a estrutura do prédio e do telhado.
E que do título constitutivo nada consta sobre o destino da fracção “Q”, sendo que, no projecto de licenciamento municipal, todas as fracções foram destinadas à habitação, com excepção das fracções constituídas pelas garagens, tendo as obras internas de divisão dos sótãos sido efectuadas pelo construtor e enquanto único proprietário de todo o edifício.
A isto acresce que não há qualquer prejuízo para os demais condóminos com a utilização que vem sendo dada ao sótão, onde, apenas, dorme uma pessoa, para além de que já passaram, desde a data das alegadas obras, mais de dezasseis anos, o que importaria a prescrição ou caducidade do eventual direito dos autores.
Na contestação da ré Herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de C..., diz-se que o sótão é parte integrante da fracção “P”, sendo omisso o título constitutivo da propriedade horizontal, quanto ao destino da fracção “P” ou das demais fracções, ainda que no projecto de licenciamento municipal de construção do prédio todas as fracções tenham sido destinadas à habitação.
Por seu turno, quando adquiriu a fracção, em 13 de Julho de 1987, o sótão já se encontrava dividido, tendo as respectivas obras sido efectuadas pelo construtor e proprietário do prédio, sendo certo que a sua compartimentação deixou de estar sujeita a prévio licenciamento municipal, a partir da publicação do DL nº 250/94, de 15 de Outubro, enquanto que, por outro lado, tais obras não alteraram, substancialmente, a forma do telhado, as fachadas, as cérceas, o número de pisos, as paredes laterais do edifício, nem a sua linha arquitectónica.
Por seu turno, as obras de substituição das telhas foram autorizadas pela assembleia de condóminos e as demais obras foram efectuadas pelo construtor e vendedor do prédio, há mais de quinze anos, verificando-se, também, há mais de quinze anos, ininterruptamente, o destino para habitação que vem sendo dado ao sótão.
Que cada quarto da fracção “P”, incluindo aqueles que se situam no sótão, é destinado a uma só pessoa, e que as obras em causa não foram efectuadas, em partes comuns do edifício, não dependendo da aprovação dos demais condóminos.
Na resposta à contestação, os autores mantêm, no essencial, a posição assumida na petição inicial.
A sentença julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido.
Desta sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com uma série de conclusões donde se destacam as seguintes questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC):
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da legitimidade.
III – A questão da natureza das obras realizadas.
IV – A questão do abuso de direito.
Nas suas contra-alegações, que apenas a ré Herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de C..., apresentou, esta sustenta que a sentença recorrida não merece qualquer reparo.
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

I

DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Pretendem os autores que os pontos da base instrutória com os nºs 10º [as obras internas de divisão dos sótãos foram todas executadas pelo construtor?], 11º [antes de ter vendido qualquer das fracções e enquanto dono único de todo o prédio?], 12º [mantendo-se o prédio sem quaisquer alterações desde o ano de 1985/86, ano da construção, com excepção da substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, referida na resposta ao ponto 3], 18º [aquando das vendas referidas em H) e no ponto 17, os respectivos sótãos encontravam-se tal como hoje se apresentam, com excepção das telhas de vidro actualmente existentes no tecto do sala do sótão do 4º Esq. (fracção “P”)] e 7º [tais obras não foram autorizadas pelos restantes condóminos] deveriam, ao contrário do que aconteceu, conhecer a resposta de “não provado”, os pontos com os nºs 1º [a divisão do sótão referida em E) resultou de alterações efectuadas pelos 1ºs réus?], 5º [tais alterações foram feitas depois da vistoria da CM?], e 6º [sem qualquer projecto e subsequente licença municipal?] deveriam merecer a resposta de “provado”, o ponto com o nº 2º [a divisão do sótão referida em F) resultou de alterações efectuadas pelos 2ºs réus?], a resposta de “provado apenas que tal divisão resultou de obras efectuadas pelos anteproprietários dos 2ºs réus”, o ponto com o 3º [para tal, rasgaram a placa do telhado para aí colocarem telhas de vidro?], a resposta de “provado apenas que a placa do telhado foi rasgada para a colocação de clarabóias quer do lado da fracção P quer do lado da fracção Q”, o ponto com o nº 4º [e abriram vãos nos alçados laterais colocando janelas?], a resposta deveria ser a de “provado”, ou, em alternativa, “provado que os vãos de janelas foram abertos por alturas de finais de 1987 ou princípio de 1998, por referência às respostas aos pontos 1 e 2”, e o ponto com o nº 21º [as obras de substituição das telhas foram comunicadas e autorizadas pela assembleia de condomínio que teve lugar no dia 17.12.88?], a resposta de “provado apenas que a deliberação que aprovou a autorização só foi assinada por 3 condóminos”.
Resulta da audição da prova objecto de gravação, e bem assim como do complemento reduzido a escrito do depoimento da testemunha Libório Marques, no que contende com os pontos da matéria de facto em que os autores suscitaram a respectiva alteração, que a testemunha Olga Marques, que residiu na fracção da ré Herança, desde Outubro de 1987 até 1992, como a primeira hóspede do sótão do 4º andar esquerdo, disse que “o sótão estava dividido, em quatro quartos…que nunca viu o sótão amplo, e que sempre o conheceu mobilado e pronto a habitar”.
Por sua vez, a testemunha Helena Maria Coelho, que morou no 1º andar esquerdo do prédio, entre Fevereiro de 1997 e Agosto de 2004, disse que “os sótãos tinham porta independente dos 4ºs andares e que não havia interligação entre uns e outros”.
Por outro lado, a testemunha Armando Figo, fiscal da CMC, que foi aos sótãos, em 1998, disse que “se inclina para a hipótese…presume…que as obras foram feitas depois da vistoria…mas que não sabe quem foi o engenheiro que fez a vistoria para a emissão da licença de habitabilidade”.
Quanto à testemunha Paulo Pires, filho do autor, que foi viver para o 2º andar, em Abril de 1987, disse que “então, ainda não existiam as janelas de cima…e que constatou, em fins de 1987 ou 1988, deslocação de materiais para o sótão”.
E a testemunha Gabriel Miguel, genro do autor, que frequentava a casa do cunhado, a testemunha anterior, Paulo Pires, disse que “não tem ideia de ver janelas no sótão, dos lados, quando o cunhado Paulo Pires foi viver para o prédio”.
Por seu turno, a testemunha Libório Marques, construtor e vendedor das fracções do imóvel, disse que “os sótãos eram amplos e que depois foi ele quem os dividiu aquando da construção...e que quando foram comprados e, na altura da realização das escrituras, já estavam divididos”. Referiu ainda que “os sótãos estavam ligados aos 4ºs andares, com escadas interiores e exteriores, e que quando fez as alterações nos sótãos era ainda o dono todo do prédio…e que quando a vistoria lá foi já as obras no sótão estavam feitas…e que fez a escada interior para o sótão, no 4º andar esquerdo, e que, no 4º andar direito, foi feita depois da vistoria e por outrem…e que as janelas dos alçados laterais dos sótãos foi ele quem as construiu de raiz, mas que não estavam ainda abertas quando lá foi a vistoria, e que não foi a testemunha que as abriu”.
Por sua vez, a testemunha Rui Batista, condómino do 3º andar direito, disse que “viu o 4º andar esquerdo e sótão, este já dividido em quatro quartos, cozinha, sala, quarto de banho, e que já tinha telhas de vidro ou clarabóias e luz natural, acabando por comprar o 3º andar direito, por ser mais barato”.
E a testemunha Isabel Gaspar, condómina do r/c esquerdo, disse que “fez a escritura, a 13 de Maio de 1987, e, nessa altura, já as obras do sótão do 4º esquerdo estavam feitas e o sótão todo dividido com janelas laterais para fora, no enfiamento das janelas dos andares inferiores, com a mesma dimensão e os mesmos caixilhos destas”.
Por outro lado, a testemunha Luís Caetano, que foi condómino do 1º esquerdo, onde começou a viver, ainda em 1985, disse que “viu o 4º esquerdo, que era igual e tinha sótão como sua parte integrante, já dividido e com um buraco para por a escada interior, posteriormente tapado, por causa da vistoria, tendo a sua interligação desaparecido antes desta. Que ainda viu a abertura interior para o sótão, mas sem escada interior, e que tinha iluminação natural, já existindo janelas laterais”.
Quanto à testemunha Fernando Cardoso, que foi o anterior proprietário do 4º andar direito, disse “que o comprou ao construtor, que o sótão fazia parte do 4º andar direito e que já estava compartimentado com quatro quartos, sala e casa de banho, que as janelas e clarabóias já existiam, que as escadas interiores já estavam feitas e que o vendedor lhe disse que, caso quisesse ficar independente, tirava as escadas interiores e o acesso só ficava por fora”.
Por seu turno, a testemunha Carla Cardoso, filha do anterior proprietário do 4º andar direito, onde viveu, disse que “o sótão tinha quatro quartos, sala e copa, mas que o pai nunca lá fez obras e que nele já havia janelas e que, há três ou quatro anos, voltou ao local e viu os sótãos e que estava tudo igual”.
Finalmente, a testemunha Eduardo Couceiro, cuja esposa foi condómina do r/c esquerdo, disse “que foi para lá viver, em 1987, que viu o sótão do 4º esquerdo, como um salão amplo, com quatro quartos, casa de banho, perfeitamente dividido, porventura por pintar, onde existiam clarabóias, e que só o não comprou, por falta de dinheiro”.
Assim sendo, exceptuando os depoimentos das testemunhas Paulo Pires e Gabriel Miguel, filho e genro do autor, respectivamente, que salientaram, de importante, e não mais que isto, que, então, ainda não existiam as janelas de cima no sótão, e o primeiro, igualmente, que constatou, em fins de 1987 ou 1988, uma deslocação de materiais para o sótão, através da análise crítica dos depoimentos das restantes testemunhas supra-mencionadas, é possível registar, como fio condutor, que os sótãos dos 4ºs andares, esquerdo e direito, estavam divididos, cada qual, em quatro quartos, cozinha, sala, quarto de banho, já dotados de clarabóias, ao tempo da realização da vistoria, mas com as janelas dos alçados laterais dos sótãos ainda por abrir, embora já construídos os respectivos espaços, nessa ocasião, tendo o 4º esquerdo um buraco para colocar a escada interior, posteriormente tapado, por causa da vistoria, cuja interligação desapareceu antes desta, com escadas exteriores, sendo certo que, quando as alterações nos sótãos foram efectuadas, o construtor era ainda era o dono de todas as fracções do prédio.
Nesta sequência, importa proceder à alteração das respostas proferidas, em relação aos pontos nºs 5º, 7º, 12º e 21º, e bem assim como, por arrastamento, da resposta ao ponto nº 18.
Quanto ao ponto nº 5, em vez da resposta “não provado”, passará a constar que “provado apenas que as alterações respeitantes à substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, na parte correspondente à sala do sótão da fracção “P”, referidas na resposta ao ponto nº 3, e à abertura das janelas dos alçados laterais dos sótãos, embora com os espaços já construídos, foram realizadas depois da vistoria da Câmara Municipal”.
Em relação ao ponto nº 7, constando do despacho que respondeu à base instrutória que “as obras referidas em e) e f) e a abertura das janelas referidas na resposta ao ponto 4, não foram sujeitas à autorização prévia de quaisquer condóminos, tendo sido efectuadas pelo construtor antes de o mesmo ter constituído tal imóvel em propriedade horizontal e antes de ter procedido à venda das fracções que o constituem”, passará a ficar registado que “as obras referidas em e) e f) e a abertura das janelas referidas nas respostas aos pontos 4 e 5, não foram sujeitas à autorização prévia de quaisquer condóminos”.
No que se refere ao ponto nº 12, tendo o Tribunal «a quo» considerado que se demonstrou “mantendo-se o prédio sem quaisquer alterações desde o ano de 1985/86, ano da construção, com excepção da substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, referida na resposta ao ponto 3”, deve passar a constar ”mantendo-se o prédio sem quaisquer alterações, desde o ano de 1985/86, ano da construção, com excepção da substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, referida na resposta ao ponto 3, e da abertura das janelas referidas nas respostas aos pontos 4 e 5”.
Por fim, no que se reporta ao ponto nº 21, que foi considerado provado, na sua totalidade, ou seja, que “as obras de substituição das telhas foram comunicadas e autorizadas pela assembleia de condomínio que teve lugar no dia 17.12.88”, deve acrescentar-se “cuja deliberação se mostra assinada por três condóminos, mas estando presentes ou representados cinco, tendo um sexto justificado a ausência, pronunciando-se por correspondência”.
Face às alterações acabadas de introduzir, o ponto nº 18 passará, com o aditamento de “e da abertura das janelas referidas nas respostas aos pontos 4 e 5”, a compreender que “aquando das vendas, referidas em H) e no ponto 17, os respectivos sótãos encontravam-se tal como hoje se apresentam, com excepção das telhas de vidro actualmente existentes no tecto do sala do sótão do 4º Esq. (fracção “P”) e da abertura das janelas referidas nas respostas aos pontos 4 e 5”.
Assim sendo, este Tribunal da Relação entende que se devem declarar como demonstrados os seguintes factos:
Os autores são proprietários da fracção autónoma, designada pela letra “L”, do prédio nº 605 da Avenida Mendes Silva - A).
Tal prédio foi constituído, em regime de propriedade horizontal, por escritura pública, realizada no dia 18 de Fevereiro de 1987 - B).
A ré Herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de C..., é proprietária da fracção “P” do referido prédio, fracção que, segundo escritura de constituição da propriedade horizontal, é composta por sala, três quartos, cozinha, duas casas de banho, despensa e sótão amplo, a toda a largura da fracção - C).
Os réus H... e mulher são proprietários da fracção “Q” do referido prédio, fracção que, segundo a escritura de constituição da propriedade horizontal, é composta por sala, três quartos, cozinha, duas casas de banho, despensa e sótão amplo, a toda a largura da fracção - D).
O sótão da fracção “P” apresenta uma divisão central, quatro quartos e uma casa de banho, bem como seis clarabóias na cobertura do edifício - E).
O sótão da fracção “Q” apresenta uma divisão central, quatro quartos e uma casa de banho, bem como quatro clarabóias na cobertura do edifício - F).
A licença de habitabilidade do imóvel foi emitida, a 23 de Janeiro de 1987 - G).
A fracção “P” foi adquirida, por C..., ao construtor, Libório Joaquim Ferreira Marques, por escritura de 13 de Julho de 1987 - H).
A ré Herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de C..., substituiu algumas telhas de barro por telhas de vidro, na parte correspondente à sala do sótão da fracção “P” (4º esq.) – 3º.
Nos alçados laterais e ao nível dos sótãos das fracções “P” e “Q” existem duas janelas – 4º.
As alterações respeitantes à substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, na parte correspondente à sala do sótão da fracção “P”, referidas na resposta ao ponto nº 3, e à abertura das janelas dos alçados laterais dos sótãos, embora com os espaços já construídos, foram realizadas depois da vistoria da Câmara Municipal – 5º.
As obras, referidas em e) e f), as janelas, referidas na resposta ao ponto 4, e as telhas de vidro existentes no sótão da fracção “P”, não se encontram previstas no projecto aprovado e licenciado pela CM – 6º.
As obras, referidas em e) e f), e a abertura das janelas, referidas nas respostas aos pontos 4 e 5, não foram sujeitas à autorização prévia de quaisquer condóminos – 7º.
Tais obras permitem que cada um dos sótãos seja habitado, no máximo, por quatro pessoas – 8º.
A utilização do sótão para a habitação provocará um uso e desgaste superior nos equipamentos e partes comuns do que ocorreria se os sótãos fossem destinados a arrumos, em conformidade com o número de pessoas que os habitem – 9º.
As obras internas de divisão dos sótãos foram todas executadas pelo construtor – 10º.
Antes de ter vendido qualquer das fracções e enquanto dono único de todo o prédio – 11º.
Mantendo-se o prédio sem quaisquer alterações, desde o ano de 1985/86, ano da construção, com excepção da substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, referida na resposta ao ponto 3, e da abertura das janelas, referidas nas respostas aos pontos 4 e 5 – 12º.
A fracção “Q” foi vendida pelo construtor, no estado de nova, no ano de 1987 – 17º.
Aquando das vendas, referidas em H) e no ponto 17, os respectivos sótãos encontravam-se tal como hoje se apresentam, com excepção das telhas de vidro, actualmente existentes no tecto da sala do sótão do 4º esq. (fracção “P”) e da abertura das janelas, referidas nas respostas aos pontos 4 e 5 – 18º.
No telhado do sótão do 4º esq., na parte correspondente à sala, foram substituídas algumas telhas de barro por telhas de vidro – 19º.
Para a sua substituição não foi necessário alterar o travamento do telhado – 20º.
As obras de substituição das telhas foram comunicadas e autorizadas pela assembleia de condóminos, que teve lugar no dia 17.12.88, cuja deliberação se mostra assinada por três condóminos, mas estando presentes ou representados cinco, tendo um sexto justificado a ausência, pronunciando-se por correspondência – 21º.
Cada quarto do sótão da fracção “P” nunca foi utilizado por mais de uma pessoa – 22º.

II

A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE

A presente acção foi instaurada por um dos condóminos, alegadamente lesado com a compartimentação dos sótãos em divisões, com a abertura de duas janelas laterais, ao nível dos alçados dos sótãos das fracções, de dez clarabóias na cobertura do edifício e com a substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, contra os condóminos beneficiários da aludida situação de favor, com exclusão de quaisquer outros.
No regime da propriedade horizontal, verifica-se a conjunção incindível dos direitos individuais e exclusivos de cada condómino, à fracção autónoma de que é titular, com os limites da compropriedade de todos eles, relativamente às partes comuns do edifício onde se integram , o que significa, no que respeita às partes comuns, que os condóminos exercerão, em conjunto, direitos idênticos aos do proprietário singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1414º, 1420º, 1421º e 1422º, nº 1, todos do Código Civil (CC).
Contudo, desta conjunção não resulta que a totalidade dos condóminos constitua uma pessoa colectiva com personalidade diferenciada da dos seus componentes , sendo os condóminos, no seu conjunto, e não qualquer outra entidade que, daí resultante, se lhes sobreponha, os verdadeiros titulares do direito, quanto às fracções ou partes comuns.
O condomínio não constitui um ente jurídico autónomo, dotado de personalidade jurídica própria, nem, tão pouco, a lei lhe reconhece personalidade judiciária, ou seja, não o dotou da possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em nome próprio, qualquer uma das providências de tutela jurisdicional reconhecidas por lei .
A questão que aqui se coloca e que foi suscitada pelos réus H... e mulher, na sua contestação, mas que, condensado o processo com julgamento tabelar da legitimidade das partes, sem reclamações, nem interposição de recurso, não forma, em consequência, caso julgado formal, e, portanto, se mantém em aberto, consiste em saber se um dos condóminos tem legitimidade para, por si só, desacompanhado dos demais, pleitear em juízo, nomeadamente, exigir a eliminação de obras realizadas em bem comum integrado na propriedade horizontal, contra outro condómino, ou se é necessária a intervenção de todos os condóminos do prédio para assegurar a legitimidade.
A regra geral nas acções que tenham por objecto relações substantivas com pluralidade de sujeitos é a do litisconsórcio voluntário, como decorre do preceituado pelo artigo 27º, nº 1, do CPC.
Porém, a parte final deste normativo, onde se diz que ”mas, se a lei ou o negócio for omisso, a acção pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, neste caso, conhecer apenas da respectiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade”, em articulação com a última parte do artigo 28º, nº 2, do mesmo diploma legal, segundo o qual “a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado”, admite, manifestamente, a possibilidade de, acerca da mesma relação jurídica, se formarem casos julgados contraditórios respeitantes a diferentes sujeitos da mesma relação.
Ora, perante o interesse de não criar dificuldades acrescidas ao sujeito de uma relação plural em defender em juízo os seus direitos e o interesse em obter a solução coincidente e harmónica, válida para todos os sujeitos, o legislador optou pelo primeiro termo da alternativa, reconduzindo, portanto, o litisconsórcio necessário a figura de excepção, ainda que com sacrifício e consequente desprestígio da lei e dos julgados.
De facto, a letra da lei não contém, neste instituto da propriedade horizontal, qualquer situação em que se exija a intervenção de todos os condóminos.
É de afastar, desde logo, a hipótese do artigo 1437º, nº 1, do CC, que se refere ao administrador das partes comuns, qualidade em que os autores não intervêm, pois que propõem a acção na veste de condóminos, isto é, de proprietários da fracção “L” e de comproprietários das partes comuns do prédio.
Mas, também, é de excluir a hipótese do artigo 1405º, nº 2, do CC, onde se diz que “cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro”, sendo certo que nada justifica que um dos condóminos possa reivindicar de terceiro as partes comuns do prédio, desacompanhado dos demais, e não o possa fazer de um dos condóminos que se aproprie, com exclusão dos restantes, de parte comum.
De igual modo, tal não acontece com a situação contemplada pelo artigo 1405º, nº 1, do CC, quando dispõe que “os comproprietários exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular;…”, pois que o sentido desta disposição é a de declarar a licitude do exercício em conjunto, por todos os comproprietários, dos direitos que pertencem ao proprietário singular, seja ou não necessária a participação conjunta .
E ainda não se trata do caso excepcional em que a intervenção dos diversos interessados é necessária para assegurar a legitimidade, por exigência do respectivo negócio, porquanto tal não resulta do título constitutivo da propriedade horizontal, certificado a folhas 11 e seguintes.
Com efeito, só é necessária a intervenção de todos os interessados, para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, atenta a própria natureza da relação jurídica, ainda de acordo com o estipulado pelo artigo 28º, nº 2, do CPC, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular, em definitivo, a situação concreta das partes, relativamente ao pedido formulado.
Quer isto dizer que, para haver litisconsórcio necessário, em virtude da natureza da relação jurídica, não basta que a eventual futura decisão a proferir, em acção com idêntico pedido formulado contra os réus por outro condómino, possa vir a ser, teórica ou tecnicamente, divergente da que se declare nesta acção, sendo ainda imperiosa a sua contradição ou incompatibilidade pratica, isto é, que as eventuais decisões se excluam, mutuamente, de modo a que a execução de uma exclua a execução da outra.
Ora é, exactamente, esta a situação que ocorre quanto aos pedidos de eliminação das obras efectuadas nas partes comuns, que permitem uma ocupação das fracções contrária ao consentido no título constitutivo, pois que se a decisão proferida neste processo der ganho de causa aos réus, poderia vir a mostrar-se incompatível com outra que, proposta por outro condómino, viesse, por hipótese, a obter vencimento, denegando, então, aos réus o direito de manter a ocupação dos sótãos, nas circunstâncias actuais.
Existe, pois, nesta situação, um caso de litisconsórcio necessário activo, porquanto a decisão a proferir ou vale para todos ou não resolve, definitivamente, a controvérsia existente entre as partes .
Assim sendo, tendo a acção sido instaurada, apenas por um dos condóminos, e não por todos, com excepção, como é óbvio, dos demandados, está-se perante uma hipótese de litisconsórcio necessário activo, cuja preterição gera a ilegitimidade dos autores.
Pelo exposto, a ilegitimidade activa dos demandantes constitui uma excepção dilatória que obsta à apreciação do mérito da causa e determina a absolvição dos réus da instância, nos termos das disposições combinadas dos artigos 493, nºs 1 e 2, 494º, nº 1, e) e 495º, todos do CPC.
Assim sendo, não pode proceder a pretensão dos autores em verem retornadas, ao seu estado originário, as inovações verificadas, objecto da presente apelação.

III

DA NATUREZA DAS OBRAS

Relativamente à restante matéria do recurso que, não obstante, também, se analisará, para que se não diga que o Tribunal da Relação se refugia em questões de índole processual, o objecto da apelação, com base nas alegações dos autores, reconduz-se, fundamentalmente, à questão da legalidade da construção efectuada no prédio, constituído segundo o regime da propriedade horizontal, que os apelantes, também seus condóminos, pretendem ver eliminada, com o consequente retorno à situação inicial.
Sustentam os autores, para tanto, que os réus efectuaram as aludidas obras nas partes comuns, com a consequente ocupação das fracções, em sentido contrário ao consentido pelo título constitutivo.
Encontra-se provado que as fracções “P” e “Q”, em apreço, eram compostas, segundo a escritura de constituição da propriedade horizontal, por sala, três quartos, cozinha, duas casas de banho, despensa e sótão amplo, a toda a largura da fracção, sendo certo que o sótão da fracção “P” apresenta uma divisão central, quatro quartos e uma casa de banho, seis clarabóias na cobertura do edifício, bem como algumas telhas de barro substituídas por telhas de vidro, e o sótão da fracção “Q” apresenta uma divisão central, quatro quartos e uma casa de banho, bem como quatro clarabóias na mesma cobertura, ou seja, no telhado, existindo ainda, em ambas, duas janelas, ao nível dos alçados laterais dos sótãos, obras estas não previstas no projecto aprovado e licenciado pela CMC.
O sótão de um edifício, em regime de condomínio, materialmente afectado, à data da constituição da propriedade horizontal, ao uso exclusivo de determinado condómino, constitui parte privativa do mesmo .
Por outro lado, as paredes mestras constituem a estrutura ou o esqueleto do prédio, embora, de acordo com as modernas técnicas de construção, a estrutura e segurança dos edifícios tenha deixado de assentar em paredes mestras, mas antes numa estrutura constituída, fundamentalmente, por vigas e colunas ou pilares de ferro e cimento.
Assim, sendo as paredes mestras partes comuns do edifício do condomínio, outrotanto acontecendo com o telhado, que faz parte da ossatura do prédio, a abertura de duas janelas laterais, ao nível dos alçados dos sótãos daquelas fracções, e de seis clarabóias, na cobertura do edifício, na parte respeitante à fracção “P”, e de quatro clarabóias, na cobertura relativa à fracção “Q”, representam um inequívoco acto de inovação , que a lei nacional consagrou, através de um conceito abrangente, onde cabem as alterações introduzidas na substância ou na forma da coisa e bem assim como as modificações estabelecidas na afectação ou destino da mesma, sendo certo que não são permitidas aquelas que forem capazes de prejudicar a utilização, por parte de qualquer um dos condóminos, tanto das coisas próprias, como das comuns, em conformidade com o disposto pelos artigos 1421º, nº 1, a) e b), e 1425º, nº 2, do CC .
Porém, fora do enquadramento no conceito de obras de inovação, situam-se as paredes divisórias interiores dos compartimentos, criados nos sótãos de ambas as fracções, que não constituem paredes mestras ou muros comuns , e as telhas, enquanto realidade atomística do telhado, para efeitos de se poder vir a considerar como tal a sua substituição, em consequência da destruição proveniente de um temporal, da queda de uma antena ou de qualquer outro objecto.
Não são, assim, de considerar como obras de inovação as divisórias interiores dos sótãos de ambas as fracções, nem a substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, para aumentar a iluminação natural, no interior da fracção “P”.
Efectivamente, a realização das obras que constituam inovações, «in casu», a abertura das janelas laterais, ao nível dos alçados dos sótãos, e das clarabóias no telhado, está sujeita à aprovação, por uma maioria de condóminos, especialmente qualificada, porquanto é necessário que sejam aprovadas pela maioria absoluta dos condóminos – maioria pessoal -, mas, também, que esta maioria numérica represente dois terços do valor total do prédio – maioria real ou do valor das quotas -, nos termos do estipulado pelo artigo 1425º, nº 1, do CC, independentemente ou contra a vontade da minoria.
Porém, o artigo 1425º, nº 2, do CC, apenas proíbe as inovações que possam prejudicar qualquer dos condóminos na utilização, quer das coisas próprias, quer das coisas comuns , circunstância esta insuprível, mesmo com o voto da maioria qualificada de dois terços do valor total do prédio.
Na hipótese em apreço, as inovações operadas não retiraram aos espaços do prédio em que se localizam a natureza de partes comuns, não implicando, outrossim, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, hipótese em que se exigiria o acordo de todos os condóminos, formalizado por escritura pública, nos termos do disposto pelos artigos 1419º, nº 1, do CC, e 60º, do Código do Notariado, e registado, em conformidade com o estipulado pelo artigo 2º, nº 1, b), do Código do Registo Predial.
E, não se tratando de inovação modificativa, como aconteceria, por exemplo, na hipótese de diminuição de uma zona comum ou de aumento da área de uma fracção autónoma, à custa de um espaço comum, com as consequentes alterações dos valores relativos ao todo das várias fracções autónomas, em que se exigiria uma deliberação tomada por unanimidade, impunha-se que as inovações em análise fossem aprovadas por uma maioria dos condóminos, representativa de dois terços do valor total do prédio.
Aliás, as aberturas que se rasguem em paredes mestras e, por identidade de razão, em telhados, ou neles se apoiem, pertencentes ao dono da respectiva fracção autónoma, ficando esvaziado o correspondente direito de propriedade sobre as fracções, em grande parte do seu conteúdo material, devem, não obstante implantadas em partes comuns, na hipótese em apreço, essas janelas e clarabóias, com tudo o que as integra, porque de elementos destinados a uso exclusivo do condómino a cuja fracção respeitam, sujeitas apenas a um uso contínuo, por parte dos utentes da mesma, dependendo o seu estado do modo como cada um deles se sirva e os conserve, revestir natureza privativa .
Trata-se da doutrina que concebe a comunhão dos condóminos na propriedade horizontal como um nexo funcional, segundo o qual o uso das coisas comuns faz-se sempre em proveito da propriedade exclusiva que recai sobre cada fracção autónoma, sem que o gozo delas, por cada um dos condóminos ou pelo conjunto deles, constitua um fim autónomo .
Por seu turno, não se demonstrou que as aludidas inovações fossem susceptíveis de prejudicar a utilização, por parte dos autores, quer das coisas comuns, quer da fracção autónoma destes.
A isto acresce que não ficou provado que os actos inovatórios praticados sejam susceptíveis de prejudicar a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, a que alude o artigo 1422º, nº 2, a), pois que estes factos não se provaram, directamente, nem sequer resultam de quaisquer outros, como muito bem se patenteia dos recortes fotográficos constantes de folhas 362 a 365, para além de que este normativo, ao contrário do que sucede com o disposto no artigo 1425º, nº 1, ambos do CC, que contempla a situação das inovações a introduzir nas partes comuns, se reporta, tão-só, às inovações ocorridas nas fracções autónomas .
Com efeito, não se demonstrou existir qualquer alteração na base original ou no aspecto exterior do edifício, independentemente da alteração, para melhor ou para pior, mas que não é suficiente para permitir concluir, sem mais, e como consequência automática e imediata, que tal implicou um prejuízo efectivo para a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, e para daí fazer decorrer a aplicabilidade do disposto no artigo 1422º, nº 2, a), do CC .
Igualmente, as inovações verificadas não foram aprovadas por uma maioria de condóminos, representativa de dois terços do valor total do prédio, em conformidade com a exigência decorrente do disposto pelo artigo 1425º, nº 1, do CC, uma vez que ficou demonstrado que não foram sujeitas à autorização prévia de quaisquer condóminos.
Porém, todas as obras internas de divisão dos sótãos foram executadas pelo construtor, antes ainda deste ter vendido qualquer uma das fracções, enquanto dono único de todo o prédio, mantendo-se o mesmo, sem quaisquer alterações, desde o ano da sua construção, por volta de 1985/86, com excepção, na parte que agora interessa considerar, por ser despicienda a substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, como já se disse, da abertura das janelas laterais, ao nível dos alçados dos sótãos.
Contudo, quando as várias fracções autónomas do prédio pertencem à mesma pessoa, em virtude de nenhuma delas ter sido alienada após a constituição do condomínio, por acto unilateral do proprietário do imóvel, a modificação pode ocorrer, independentemente da observância de qualquer formalidade especial, por mera declaração negocial isolada do proprietário único, porquanto, até então, ainda não haviam sido criados os respectivos órgãos de administração próprios.
E, muito embora o dono e proprietário do prédio, no acto de constituição da propriedade horizontal, realizada em 18 de Fevereiro de 1987, nada tenha declarado em contrário, em relação ao teor licença de habitabilidade do imóvel, que foi emitida a 23 de Janeiro anterior, provou-se, como já se disse, que todas as paredes divisórias interiores dos sótãos foram executadas pelo construtor, antes ainda deste ter vendido qualquer uma das fracções, enquanto dono único de todo o prédio, e que a abertura das janelas dos alçados laterais dos sótãos, embora com os espaços já construídos, antes da vistoria da Câmara Municipal, foi executada depois desta, sendo certo, também, que os autores não provaram, como lhes competia, atento o disposto pelo artigo 342º, nº 1, do CC, que as alterações tenham sido realizadas, posteriormente à formação do título constitutivo da propriedade horizontal, porquanto só após este se podem qualificar, verdadeiramente, como inovações, sendo certo que, antes dele, inexiste condomínio e, consequentemente, maioria ou minoria.
Como assim, não podem os autores opor-se a tais inovações, invocando a falta de correspondência entre o título constitutivo da propriedade horizontal e a realidade de facto existente, à data da aquisição da respectiva fracção .
A isto acresce que, sendo a realização das obras inovadoras anteriores à data da aquisição das fracções autónomas de que os réus são titulares, nunca os autores se poderiam opor à sobredita inovação, com fundamento na falta de correspondência entre o título constitutivo da propriedade horizontal e a realidade de facto existente à data de aquisição dessas fracções, por inexistir, «in casu», qualquer similitude com a situação decorrente do princípio do “emptio non tollit locatum”, consagrada pelo artigo 1057º, do CC.
Por outro lado, estas duas inovações não se encontravam previstas no projecto aprovado e licenciado pela entidade municipal competente.
Porém, o condómino é, relativamente à falta de licenciamento destas inovações, e os autores, por maioria de razão, como já foi exposto, terceiro, completamente alheio aos factos e à relação jurídica pública subsistente, carecendo de legitimidade para accionar, através da via dos tribunais judiciais, qualquer providência relacionada com o caso em análise, pois que o mais que poderiam fazer, como já aconteceu, é denunciar o facto à autoridade administrativa que, em consequência, providenciou no sentido da resolução do conflito.
De igual modo, os condóminos não dispõem de legitimidade para pedir ao Tribunal Judicial, como o fizeram os autores, a demolição de quaisquer obras levadas a efeito, sem as devidas licenças administrativas, porquanto, neste particular, o Tribunal comum só pode agir, a solicitação da autarquia local, em conformidade com o estipulado pelos artigos 62º, nº 2, g), da Lei 79/77, de 25 de Outubro, 102º e 106º, do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, que instituiu o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, sendo apenas a Câmara Municipal a entidade competente para “embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações iniciadas por particulares…, sem licença ou com inobservância das condições desta…”.
Mas, também, a aprovação de uma obra pela Câmara Municipal competente não impede o exercício de direitos de terceiro cuja propriedade seja por ela ameaçada ou lesada, independentemente da prévia anulação da deliberação que concedeu a respectiva licença , porquanto a autorização camarária só revela a consonância com as normas administrativas aplicáveis, nada tendo a ver com os direitos substantivos, a definir, exclusivamente, pelos Tribunais Judiciais .
Por fim, a hipótese da acção popular não tem aqui cabimento, já que esta se destina a manter, reivindicar ou reaver bens ou direitos do corpo administrativo que hajam sido usurpados ou, de qualquer modo, lesados, atento o estatuído pelos artigos 369º, do Código Administrativo, e 2º, nºs 1 e 2, da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que dispõe sobre o Direito de Acção Popular, ou a recorrer, contenciosamente, “contra quaisquer actos administrativos lesivos dos mesmos interesses”, nos termos do preceituado pelo artigo 12º, nº 1, da referida Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, e nada disto está em causa, além de que não foram alegados e provados factos que consubstanciem as qualidades que conferem ao cidadão legitimidade para exercer este tipo de acções.

IV

DO ABUSO DE DIREITO

Insurgem-se, finalmente, os autores contra a improcedência da acção, também com base na consideração do abuso de direito.
Efectivamente, nos termos do preceituado pelo artigo 334º, do CC, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda, manifestamente, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso de direito representa a fórmula mais geral de concretização do princípio da boa fé, constituindo um excelente remédio para garantir a supremacia do sistema jurídico e da Ciência do Direito sobre os infortúnios do legislador e as habilidades das partes, mas com aplicação subsidiária, desde que não haja solução adequada de Direito estrito que se imponha ao intérprete aplicar .
O abuso de direito desdobra-se em quatro casos tipo de aplicação do princípio da boa fé, ou seja, a proibição de consubstanciar, dolosamente, posições processuais, a proibição de «venire contra factum propprium», a proibição de abuso de poderes processuais e a neutralização ou «suppresio».
A «suppresio» vem a ser a situação do direito ou a situação em que ocorre a pessoa que, tendo suscitado noutra, por força de um não exercício prolongado, a confiança de que a posição em causa não seria actuada, não pode mais fazê-lo, por imposição da boa fé, implicando a demonstração, ainda que mínima, que da inactividade do lesado resultou uma expectativa fundada de que o direito não seria exercido .
Está aqui em causa o exercício do poder formal de pedir a eliminação das obras efectuadas nas partes comuns que permitem uma ocupação das fracções contrária ao consentido no título constitutivo, com regresso do prédio á situação anterior, sendo este exercício ilegítimo se estiver “em aberta contradição…com o condicionalismo ético-jurídico que envolve o seu reconhecimento” ou com os limites normativos do fim específico visado pelo direito subjectivo .
Revertendo ao caso dos autos, sendo os autores e réus titulares de fracções autónomas, adquiridas em 1987, a daqueles antes da destes, o exercício do direito de demolição das inovações registadas, após o decurso de um tão dilatado prazo, de cerca de quinze anos, em que a confiança dos réus se firmou em expectativas alicerçadas no consolidar do tempo, prenunciadoras da neutralização do seu eventual direito, consubstancia uma situação de inequívoco abuso de direito.
E nem se diga, como o fazem os autores, que o Tribunal, ao conhecer, oficiosamente, da excepção do abuso de direito, violou o princípio do dispositivo, porquanto, como bem decorre do estipulado pelos artigos 660º, nº 2 e 664º, já citados, o Juiz só deve ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, se a lei não lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, sendo certo que não depende de invocação do interessado e, como excepção peremptória atípica que é, deve ser apreciada pelo Tribunal, nos termos do disposto pelo artigo 496º, todos do CPC.

CONCLUSÕES:

I – Existe litisconsórcio necessário activo entre os condóminos, com excepção dos demandados, quando a decisão a proferir ou vale para todos ou não resolve, definitivamente, a controvérsia existente entre as partes, como acontece no caso em que se pede a eliminação de inovações, em partes comuns, com o consequente retorno à situação anterior.
II - Não são de considerar obras de inovação as divisórias interiores dos sótãos de fracções autónomas, nem a substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, para aumentar a iluminação natural, no seu interior, ao contrário do que acontece com a abertura das janelas laterais, ao nível dos alçados dos sótãos, e de clarabóias no telhado, que são de qualificar como obras de inovação, embora de natureza não modificativa.
III - Quando as várias fracções autónomas do prédio pertencem à mesma pessoa, em virtude de nenhuma delas ter sido alienada, após a constituição do condomínio, por acto unilateral do proprietário do imóvel, as modificações podem ocorrer, independentemente da observância de qualquer formalidade especial, por mera declaração negocial isolada do único proprietário, porquanto, até então, ainda não estão criados os respectivos órgãos de administração próprios.
IV – Sendo os autores e réus titulares de fracções autónomas, adquiridas em 1987, a daqueles antes da destes, o exercício do direito de demolição das inovações registadas, após o decurso de um prazo dilatado, de cerca de quinze anos, em que a confiança destes se firmou em expectativas alicerçadas pela consolidação do tempo, prenunciadoras da neutralização do seu eventual direito, consubstancia uma situação de inequívoco abuso de direito.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar a apelação, parcialmente, procedente, apenas no que respeita á decisão sobre a matéria de facto, mas sem influência decisiva sobre o êxito do recurso, julgando-a improcedente, quanto a tudo mais e, em consequência, confirmam a douta sentença recorrida.

Custas da apelação, a cargo dos autores e dos réus, na percentagem de 4/5 de 1/5, respectivamente.

Notifique.