Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
401/04.5 TAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: FOTOGRAFIAS ILÍCITAS
REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA
Data do Acordão: 07/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º, 1 CRP.79º,1 CC, 199.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA A) CP
Sumário: 1. As “exigências de justiça”, designadamente de busca da verdade material, não justificam que se tirem fotografias para se apresentar como prova ,sem o consentimento do visado.
2. O direito à imagem não tem de ceder perante o interesse na realização da justiça .
Decisão Texto Integral: I – Relatório.
1.1. Após pronúncia, o arguido M... (conjuntamente com a arguida E...), mais identificado nos autos, foi submetido a julgamento porquanto indiciado pela prática, em co-autoria material, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal [doravante CP e/ou diploma de que serão os preceitos a citar, sem menção expressa da origem], em concurso real com dois crimes de fotografias ilícitas, estes previstos e punidos pelo artigo 199.º, n.ºs 1 e 2, alínea a).
J... e L..., também mais identificados, arvorando-se a qualidade de lesados civis, deduziram oportuno pedido para ressarcimento dos danos alegadamente sobrevindos por virtude daquela conduta delitiva, sucedendo porém que, através de despacho entretanto transitado em julgado, se mostra extinta a instância relativamente a tal pretensão (fls. 473 e segs).
Findo o contraditório, proferiu-se sentença determinando ao ora relevante a absolvição do dito arguido relativamente ao assacado crime de dano. Pelo contrário, impondo-se a respectiva condenação por cada um dos dois demais crimes, foi o mesmo sentenciado nas penas parcelares de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, e a que em cúmulo jurídico logo operado, se fez corresponder a pena única de 140 dias de multa, à aludida taxa diária, seja, a pena global não detentiva de € 840,00.
1.2. Irresignado com o veredicto assim emitido, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação oferecida as conclusões seguintes:
1.2.1. O tribunal a quo deveria ter dado como provado na sentença recorrida, porque com relevo para a decisão, que:
- No processo n.º 153/04.9GBPBL os ora queixosos, aí arguidos, foram condenados, cada um deles, como autores materiais de dois crimes de ameaças e injúrias, por factos ocorridos no dia 5 de Abril de 2.004, pelas 8,00 horas;
- A queixosa empunhava um machado;
- O queixoso J... na ocasião trazia na mão uma arma caçadeira;
- As ameaças (de morte) eram dirigidas aos arguidos;
- Entre outras expressões os queixosos diziam para o arguido: “Venham para aqui seus filhos da puta, eu mato-vos”.
1.2.2. Tais factos resultam dos depoimentos dos arguidos prestados em sede de julgamento e não foram contrariados pelos queixosos – declarações registadas em CD, sendo as do arguido M... sob o registo 00:03:31 a 00.33:12 e as da arguida E... sob o registo 00:33:13 a 01:00:40.
1.2.3. De tal decisão recorreram os então arguidos, ora queixosos, para o Tribunal da Relação de Coimbra que, através de Acórdão proferido com data de 7 de Novembro de 2007, confirmou essa decisão.
1.2.4. O arguido viu nas fotografias por ele tiradas o seu único meio de defesa disponível para evitar ou demover os queixosos da prática de outros factos ainda mais danosos, temendo inclusive pela própria integridade física.
1.2.5. As fotografias foram um auxiliar precioso para o tribunal bem decidir sobre a existência de factos consubstanciadores do crime de dano, mas sobretudo para os arguidos serem absolvidos de tal crime, porque não sendo as mesmas utilizadas fica-se na incerteza de saber até que ponto o arguido não seria também condenado por tal crime (de dano) caso o recorrente não tivesse tirado as fotografias dos autos.
1.2.6. As fotografias foram essenciais para dissipar quaisquer dúvidas no julgador, apesar de todas as testemunhas da acusação terem afirmado, sem excepção, que a estufa existia, que nela cresciam plantações de couves, cenouras e alface.
1.2.7. A obtenção do consentimento para tirar as fotografias no contexto em análise é querer o impossível, mas também não se diga que foram os queixosos que informaram o arguido que não queriam que lhes fossem tiradas fotografias.
1.2.8. Na situação de conflito que havia sido despoletado, dificilmente alguém (os queixosos) poderia ter a calma e a serenidade de informar o arguido que não queriam ou consentiam que lhes fossem tiradas fotografias.
1.2.9. Assim, como os queixosos e as testemunhas (P... - filho dos queixosos: depoimento gravado no sistema de gravação Habilus Media Studio, durante 00H:28M:40S) mentiram em relação à existência da estufa, mentiram também em relação a este facto (consentimento), ao referirem que os queixosos tinham informado o arguido que não permitiam que lhes tirassem fotografias.
1.2.10. Nunca foi propósito do arguido tirar fotografias aos queixosos ou sequer de as utilizar posteriormente.
1.2.11. Todavia, as fotografias mostraram-se cruciais e imprescindíveis para os presentes autos, na demonstração de que a estufa era uma mera miragem e que a mesma nunca existiu, como afinal se veio a provar.
1.2.12. Achou o arguido que, naquele momento, este seria o meio necessário, adequado e menos gravoso para dissuadir os queixosos de cometerem outro tipo de crimes.
1.2.13. Para além disso, não podemos esquecer que se estava numa espiral de um conflito em que a própria resolução criminosa se encontrava afectada pela exaltação do momento, pelo que seria inexigível do arguido um comportamento diferente.
1.2.14. O valor trazido pelas fotografias aos dois processos é sensivelmente superior ao valor a proteger e que por elas supostamente teria sido suportado (prejuízo ou afectação do direito à imagem).
1.2.15. Da ponderação global dos interesses em conflito não pode deixar de se considerar que este direito à imagem (que não foi minimamente beliscado) tem de ceder perante o interesse na realização da justiça.
1.2.16. A feitura e a utilização das fotografias no processo não ultrapassam “a linha da privacidade” dos queixosos e estão justificadas.
1.2.17. Decidindo na forma em que o fez, o Tribunal recorrido questionou o disposto nos artigos 199.º; 34.º e 35.º.
Terminou pedindo que no provimento da impugnação, seja decretada a sua absolvição.
1.3. Notificados para tanto, responderam os sujeitos processuais visados, propugnando o improvimento do recurso.
Admitido, foram os autos remetidos a esta instância.
1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.
Cumpriu-se com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [CPP].
No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.
Como assim, ordenada e cumprida a recolha dos vistos devidos, seguiram os autos para submissão á presente conferência.
Urge, então, ponderar e decidir.
*
II – Fundamentação de facto.
2.1. Na decisão recorrida tiveram-se por provados os factos seguintes:
a) No dia 5 de Abril de 2004, cerca das 8h30, na Rua P…, em A…, Almagreira, área da comarca de Pombal, por questões relacionadas com conflitos existentes quanto a propriedades, o que originou uma troca de palavras concretamente não apuradas, o arguido M... tirou várias fotografias à pessoa dos ofendidos, as quais foram juntas ao Processo Comum Singular n.º 153/04.9 GBPBL, sem o seu consentimento e contra a sua vontade.
b) O arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que não estava legitimado a tirar as referidas fotografias aos ofendidos e que, com tal conduta, actuava contra a vontade dos mesmos.
c) Sabia o arguido que os descritos comportamentos eram proibidos e punidos por lei.
d) A conduta do arguido supra descrita causou sofrimento aos ofendidos J... e L..., que ficaram perturbados e angustiados com tal actuação.
g) O arguido M... não tem antecedentes criminais.
(…)
i) Os arguidos M... e E… residem juntos, em casa arrendada, pela qual pagam a renda mensal de 250,00 euros. A arguida é doméstica e está reformada auferindo a pensão mensal de 200,00 euros e o arguido é militar da GNR e está reformado auferindo a pensão mensal de 368,00 euros. Os arguidos fazem face às suas despesas mensais com recurso ás respectivas pensões de reforma e recorrendo á ajuda dos filhos. A arguida tem a 3.ª classe e o arguido o antigo 5.º ano de escolaridade.
2.2. Na mesma decisão, mas relativamente a factos não provados, consignou-se que:
Com interesse para a decisão da causa não se provaram quaisquer factos para além dos supra descritos, constantes da acusação e pedido cível deduzido, nomeadamente: que tenham ocorrido outros factos para além dos provados, que os factos que ocorreram tenham tido outras motivações ou outro circunstancialismo que não o que se dá como provado; que os danos sofridos pelos demandantes cíveis tenham tido outra origem ou extensão que não as que se dão como provadas; designadamente não se provou que:
1. No dia 4 de Abril de 2004, pelas 8h35, os arguidos se tenham dirigido a um prédio rústico da propriedade de A..., sito na Assanha da Paz, Amagreira, Pombal, local onde estava implantada uma estufa e ali plantados diversos vegetais, propriedade dos ofendidos J... e L....
2. Ali chegados e munidos e machados os arguidos procederam de comum acordo e em conjugação de esforços à destruição da estufa, rasgando o plástico, partindo a madeira e destruindo as plantações, causando deste modo, um prejuízo orçado em 2.500,00 euros.
3. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, com intenção de deitar abaixo e romper toda a estrutura da estufa, bem como destruir as plantações ali existentes, da propriedade dos ofendidos, sabendo que actuavam contra a sua vontade, o que pretenderam.”
2.3. Por fim, a motivação probatória inserta na dita decisão determina:
O Tribunal formou a sua convicção conjugando e entrecruzando os vários meios de prova, designadamente, as declarações prestadas em sede de audiência pelos arguidos e ofendidos/demandantes cíveis, o depoimento das testemunhas ouvidas na medida em que as estas revelaram conhecimento pessoal e directo quanto aos quais declararam e os seus depoimentos se afiguraram credíveis, na prova documental junta aos autos e ainda nos certificados do registo criminal dos arguidos juntos aos autos.
Todos os elementos de prova supra referidos foram apreciados à luz do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou seja, segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, já que o julgador é livre de decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, claro está, tendo em mente a capacidade crítica e ao distanciamento e ponderação que se impõem.
Assim, a formação da convicção do Tribunal dependeu essencialmente de duas operações: de um lado a actividade cognitiva de filtragem de informações dadas e sua relevância ético-jurídica; de outro lado, elementos racionalmente não explicáveis – ou pelo menos de explicação menos linear – como a credibilidade que se concede a um certo de meio de prova em detrimento de outro, já que não é quantidade de prova produzida que releva, mas antes a qualidade de tal prova, ou seja, o juízo que é feito quanto á veracidade e autenticidade de um depoimento – juízo este que depende, desde logo, do contacto oral directo com os declarantes e da forma como estes transmitem a sua versão dos factos – postura e comportamento, características de personalidade reveladas, carácter e probidade (neste sentido, vide Acórdão da Relação de Coimbra, n.º 308/2004, Processo n.º 4116/04-5.ª).
Acresce que, e não pode o Tribunal deixar de frisar, se via de regra um depoimento surge ao olhos do julgador de forma incíndivel – conferindo-se-lhe credibilidade ou não in totum – circunstâncias há em que, atenta a dinâmica da factualidade em apreço e o contexto em que os factos ocorrem, um depoimento pode revelar-se parcialmente credível – permitindo ao Tribunal, desde logo conjugando tal depoimento com os demais meios de prova, formar uma convicção de veracidade apenas quanto a parte de tal testemunho.
Concretizando.
Dizer desde logo que quanto aos factos cuja prática lhes é imputada como tendo ocorrido a 4 de Abril de 2004, ambos os arguidos os negaram peremptoriamente afirmando que nesse dia abandonaram a sua residência antes das 8h30 (cerca das 8h20) da manhã em direcção a Pombal onde se encontraram com familiares com quem foram a Fátima, de onde apenas regressaram durante a tarde. Mais afirmaram que não existia no local nenhuma estufa e o arguido referiu que apenas aí estavam uns paus (cerca de 5) espetados e que no dia 5 de Abril ainda lá estavam – e que haviam aí sido colocados pelos demandantes no sábado, dia 3 de Abril, dizendo o arguido que nunca aí houve plásticos e hortas.
Já o demandante J... relatou que no dia 4 de manhã – era domingo de Ramos – ficou em casa e não foi á missa de manhã com a família porque estava indisposto e estava deitado quando ouviu barulho na rua e cerca das 8h30/9h00 viu os arguidos a “escavacarem a estufa” cada um com um machado e quando os viu e lhes chamou a atenção eles deram conta que ele lá estava em casa e não tinha ido á missa e comentaram isso. Mais referiu que logo após ligou à GNR que demorou cerca de meia hora e telefonou á família no fim da missa, cerca das 9h30 para virem para casa contando o sucedido.
Quanto ás características da estufa referiu que esta tinha no seu interior couves, nabos, cenouras e alfaces – algumas culturas já tinham crescimento completo, estava na altura de colher – e tinha sido ele e o filho a construir, por etapas, em estacas de madeira tratada (paus de 2 metros de altura) e tapada com plástico, com ferragens e cavilhas e com cerca de 32 m2, “espatifaram tudo” e “não ficou um único pau em pé”. A estufa já estava feita há cerca de 2 ou 3 meses e custou cerca de 2.000 e muitos euros.
Mais referiu que quando chegou a GNR ainda estava lá tudo no local destruído, e os arguidos tinham atirado as coisas para um fundo, mas a GNR deve ter tirado notas.
De referir que quanto ao sucedido em 4 de Abril nenhum dos demais ouvidos referiu ter qualquer conhecimento pessoal e directo por a tal não terem assistido. Ainda assim, tanto a demandante como o filho dos demandantes descreveram não apenas o que terão visto quando chegaram da missa mas também o estado anterior da estufa.
A demandante referiu que quando chegaram a casa, viram tudo destruído e não tinham afastado os restos para lá nenhum, estavam no local os paus e os plásticos. A estufa custou cerca de “500 contos” tinha cerca de 32 m2, era feita de paus tratados com cerca de 3 metros, plásticos, pregos e arames e estava lá desde o início do ano e foram eles que foram fazendo a estufa e tinha alfaces, couves, nabos, cenouras e as alfaces e os nabos estavam bons para colher.
Referiu ainda que quando chegou a GNR estava tudo como estava quando ela chegou a casa (havia paus e plásticos no fundão) e na 2.ª feira estava tudo no mesmo sítio.
Confrontada com as fotografias de fls. 24 e 25 a demandante confirmou que as mesmas respeitam ao dia 5 de Abril de 2004 e quando questionada quando á ausência de restos visíveis da estufa em tais fotos não soube explicar porque é que aí nada se via, aludindo á existência de um declive...
A testemunha R... – ex-funcionário na empresa dos demandantes – referiu que no domingo dia 4 de Abril, próximo do meio-dia, esteve no local e viu a estufa destruída (de madeira e plástico), tudo partido e os restos num fundão e viu lá vegetais destruídos; mais referindo ter conhecimento de que no dia seguinte ouve lá “alguma coisa” mas não sabe nada sobre isso. Confrontado com as fotografias de fls. 256 a 258, mormente de fls. 256 referiu que tem a impressão que foram tiradas durante a construção da estufa (fls. 256, doc. A) mas só lá esteve no dia 4 de Abril (“só lá foi esta vez”) e viu um monte de resíduos da estufa num buraco.
Do decurso da inquirição testemunha e observados os formalismos legais foram lidas as declarações da testemunha prestadas em sede de inquérito (fls. 47), e nas quais, de forma contraditória com o por si relatado em audiência, referiu que foi de manhã a casa do demandante para falarem de trabalho, como outras vezes, e viu lá a GNR e ainda em contradição com o que referiu relativamente ao dia 5, aí declarou que nesse dia pelas 8h00 passou em frente do terreno onde esteve construída a estufa e viu lá uma máquina restro-escavadora e viu o arguido a tirar fotos ao demandante e não se aproximou do local.
Depois de confrontado com tais declarações limitou-se a dizer que se lá está escrito é porque foi o que disse mas não se recorda.
A testemunha A... referiu que a estufa era em paus curados/madeira tratada (30 ou 40 paus), armada com plástico e tinha cerca de 6 metros e tinha nabos, salada, couves e cenouras no interior e alguns estavam “granditos” e ele no dia 4 de Abril recebeu um telefonema do J... a dizer que a estufa estava destruída e foi lá ter e estava lá a GNR, viu tudo calcado, os paus pelo chão e o plástico caído numa barreira (não reconhecendo o doc. 4 de fls. 257) e no dia seguinte estava tudo no mesmo sítio.
Mais referiu que os demandantes ficaram muito tristes quando viram a estufa destruída que começaram em Janeiro e custou cerca de 400 contos (os paus são muito caros). A estufa devia ter uns 8 metros de comprido por 3 de largo e bastantes paus e o plástico era preto.
A testemunha F... – tio da demandante e que referiu estar de más relações com os arguidos há 7 ou 8 anos – declarou que viu construir a estufa e viu-a destruída a 4 de Abril, porque lhe disseram e ele foi lá ver. Mais referiu que a estufa era em plástico branco e paus de madeira tratados e com cerca de 20 ou 30 m2 e viu uns 20 ou 30 paus no chão e o plástico numa barreira e tinha cenouras, couves e saladas. Declarou ainda que a estufa estava a construir a estufa em Janeiro e no domingo de Ramos o pai não foi á missa porque estava doente e depois ligou a dizer (cerca das 9h30) que os arguidos tinham destruído a estufa.
Descreveu a dita estufa como tendo custado cerca de 2000,00 euros e tendo cerca de 10 paus, plásticos e vergas (para fazer o arco) e no seu interior havia nabos, cenouras, couves e alfaces e ficou tudo destruído, alguns paus com restos de plásticos e com 4 paus em pé e partidos e o plástico ficou ao fundo de uma barreira.
Confrontado com as fotos de fls. 256 disse que os pais não estavam assim vestidos e tais fotos foram tiradas antes da construção e não depois da destruição.
Já a testemunha B... – filha da testemunha F..., indicada pelos arguidos – limitou-se a aludir a uma conversa que teve com a arguida no dia 23 de Abril e referiu que não viu nenhuma estufa no local.
A testemunha C... – indicada pelos arguidos e de más relações com os demandantes e residente como arguidos e demandantes na Assanha da Paz – referiu que nunca viu nenhuma estufa no local e apenas há cerca de um ano atrás viu lá umas estacas (com cerca de 2 metros de altura) e nunca lá viu hortas ou plásticos e passava ali muitas vezes e confrontada com as fotos de fls. 256 e ss disse que este corresponde ao local onde viu os paus.
A testemunha N... – indicada pelos arguidos e vizinha dos arguidos e demandantes – referiu que no dia 24 de Abril (não tem dúvidas do dia!) de há cerca de 4 anos foi a casa dos arguidos e eles não estavam lá e viu o filho dos demandantes e a L... chamou-a dizendo-lhe para ela ir ver o que a amiga dela tinha feito e viu lá uns paus no chão e outros direitos, não viu quaisquer vegetais, nem plásticos (mas não vê bem e estava a cerca de 50 metros) e nunca lá tinha visto nenhuma estufa e passa lá de vez em quando.
Já a testemunha S... – cunhado dos arguidos – referiu que costuma ir a casa dos cunhados e no dia 3 de Abril de 2004 tinha um assunto a tratar com o cunhado porque no dia seguinte iam a Fátima e foi lá pelas 18h30 (acabou por não os encontrar em casa) e viu uns paus (4 ou 5) no terreno, uns no chão e outros de esguelha e não havia lá nenhuns plásticos. Confrontado com fls. 256 e 257 disse que os paus eram os que se mostram visíveis nas fotos (mormente doc. 2). Mais referiu que no dia seguintes os arguidos foram ter a casa dele de manhã para irem para Fátima.
Também a testemunha D... – irmã da arguida e esposa da testemunha S...– referiu que no dia 3 de Abril foi, pelas 18h00 ou 18h30, com o marido a casa da irmã para combinarem a ida no dia seguinte a Fátima (acabaram por não os encontrar em casa) e viram lá uns paus de pinho no terreno, uns direitos (4 ou 5) e outros no chão (3 ou 4) e o chão estava mexido e no dia seguinte foram com os arguidos a Fátima. Confrontada com fls. 256 (mormente doc. 1 e 2) confirmou que corresponde ao que viu no local no dia 3.
Foram ainda ouvidos, por determinação oficiosa do Tribunal, as testemunhas G... e H... – os soldados da GNR que compareceram junto á residência dos demandantes no dia 4 de Abril de 2004.
O soldado G... referiu que foram chamados ao local para tomar conta de uma ocorrência e aí o demandante referiu que os vizinhos tinham danificado uma estufa que estava em construção, tinha cerca de 15 estacas de madeira de eucalipto e havia umas verduras no chão pisadas mas não sabe se eram culturas e via-se que a terra estava mexida e com aspecto de andarem a fazer plantações e as estacas tinham cordas e pensa que viu uns plásticos.
Já o soldado H... referiu que quando chegaram ao local viram entre o terreno do demandante e a casa do arguido uns paus que o arguido disse que eram de uma estufa que estava construída ou a ser construída, eram mais ou menos cinco paus de eucalipto e alguns estavam tombados e outros espetados com cordas e não se recorda se viu algum plástico e via-se que o terreno tinha sido “arranjado”, a terra movimentada, mas não se recorda de algo cultivado.
Atentou-se ainda e na sequência do depoimento dos militares da GNR no teor do auto de ocorrência de fls. 310, assinado pelo demandante e no qual este refere que nesse dia o arguido danificou uma estufa que se encontrava em fase de construção, que estava a ser construída no seu terreno, tendo ainda a esposa do denunciado também ajudado a cometer o dano. Aí mais se fez constar que no local foram detectadas como vestígios cerca de 15 estacas de eucalipto armadas e cordas presas nestas.
Ora, dizer neste particular que saltam desde logo á vista a existência essencialmente de duas versões absolutamente contraditórias quanto á existência da estufa no local – bem como de patentes contradições existentes nos depoimentos das testemunhas – uma pela qual propugnam os demandantes e testemunhas por estes indicadas e a outra a relatada pelos demandantes e pelas testemunhas por estes indicadas.
Com efeito e perante as aludidas contradições e as fotografias que se encontram juntas aos autos – sobre as quais os ouvidos se pronunciaram nos termos sintetizados supra – o Tribunal procurou ouvir testemunhas que se apresentassem com diferente postura, isenção e serenidade e por isso convocou os soldados da GNR que compareceram no local.
Ora os aludidos militares depuseram da forma que supra se descreveu e o auto de ocorrência, contrariamente ao descrito pelos demandantes e testemunhas por estes indicadas (e que se mostra subscrito pelo próprio demandante) não alude á existência de uma estufa, mas antes de uma “estufa em construção”, o que é uma realidade bem distinta e não faz qualquer alusão á existência no local de plásticos ou de culturas que, a serem visíveis, dizem-nos as regras da experiência comum não só não deixariam de ser documentadas pelos militares (tanto mais segundo os demandantes e algumas das testemunhas algumas espécies até estava prontas a colher!) como não deixariam de ser referidas pelo demandante que, inclusive, assinou o auto de ocorrência.
E é aqui que se avolumam as dúvidas e enfraquece a credibilidade do declarado quanto á existência da estufa e actuação dos arguidos – é que, se não existia estufa construída mas apenas em construção e se o que existia no local eram apenas as estacas, mal se entende que os demandantes e as testemunhas que a tal depuseram falem em prejuízos de 2500,00 euros que, diz-nos o mais elementar bom senso, não custam 15 estacas. Mais, 15 estacas não são 30 ou 40 como se ouviu referir em sede de julgamento e uma estufa já construída (há vários meses e com as características descritas de dimensão e composição) mesmo que completamente destruída não deixa apenas os vestígios que as fotos (confirmadas pela própria demandante como correspondendo ao local depois da destruição) retractam, e mesmo que os plásticos tivessem sido atirados para uma barreira, sempre teriam que ficar vestígios destes no solo e igualmente das ditas culturas que já estavam prontas a colher e esses não são minimamente visíveis e segundo os demandantes não foram por si retirados do local...
Por outro lado os arguidos não só negam a sua actuação como afirmam que á data e hora em causa nos autos estavam noutro local e duas das testemunhas ouvidas que declararam de forma serena e espontânea (sem que outro motivo que não a sua relação com os arguidos implicasse algumas cautelas na valoração dos seus depoimentos) confirmaram que os arguidos não estavam naquele local á hora em que o demandante alega que os viu a destruir a estufa...
Ficou pois, em face das particularidades da prova produzida, o Tribunal pelo menos com dúvidas – sérias e não dissipáveis – quando há existência de uma estufa no local e sua destruição pelos arguidos – atenta a globalidade da prova produzida e analisada em sede de audiência...
Ora, o princípio da livre valoração da prova encontra um limite absolutamente intransponível que é o do princípio in dúbio pro reo; princípio de prova que se identifica com o princípio da presunção de inocência do arguido (constitucionalmente consagrado, no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e que impõe que o julgador valore sempre a favor do arguido um non liquet na decisão de factos incertos; ou seja, a dúvida favorece o arguido, ainda que em processo penal não seja admitida a inversão do ónus da prova, já que tendo a convicção que ser sempre racionalmente objectivável e motivável e portanto capaz de convencer os outros, esta apenas existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.
É precisamente o aludido juízo racionalmente objectivável e motivável de convencimento com o grau de certeza exigível que não se consegue formular nos presentes autos quanto á factualidade que nestes importava apurar no que concerne á destruição de uma estufa pelos arguidos, mormente mercê da diluição da credibilidade dos depoimentos/testemunhas que se foi verificando ao longo do julgamento e no confronto, conjugação e entrecruzamento entre os vários relatos apresentados.
Assim, á míngua de qualquer outra prova que, de forma credível, permitisse confirmar qualquer das versões apresentadas, fica o Tribunal colocado perante a dúvida, insanável com recurso à demais prova produzida, quanto ao que efectivamente ocorreu no dia 4 de Abril de 2004, não logrando pois credibilizando qualquer das versões apresentadas dar uma delas como provada.
Por outro lado e relativamente ao descrito pelos demandantes em sede de pedido cível – no que concerne ao ocorrido em 4 de Abril de 2004 – de referir, desde logo que, mercê da ausência de prova da autoria por parte dos arguidos dos factos cuja prática lhe foi imputada, prejudicada fica a prova do demais alegado, sendo certo que quanto ao alegado valor da “estufa” os mesmos motivos que prejudicaram a ausência de prova quanto á sua existência, obstaculizem á prova de qualquer valor.
Apreciemos ora a prova produzida no que respeita aos factos alegadamente ocorridos em 5 de Abril de 2004.
No que concerne ás fotografias o arguido M... começou por declarar que como os demandantes tinham estado a colocar os paus ele contratou uma máquina para limpar a terra (que diz que é da Rodritur e incluía o sítio dos paus) e tirou fotografias e no dia 5 de Abril de 2004 pouco depois de chegarem ao local começou a tirar fotos aos paus e apareceram a demandante com um machado e uma enxada e o demandante com uma caçadeira e aproximaram-se a insultá-lo e ele continuou a tirar as fotos e pensa que eles ficaram em duas ou outros, mais afirmando que durante a “escaramuça” a demandante com palavras de desafio até lhe ia dizendo para tirar fotos e o demandante não dizia nada, tudo terminando porque abandonou o local e mandou a máquina embora (para não haver confusão). Referiu ainda que o que queria era fotografar os paus e não a eles e eles é que se meteram á frente e não eliminou porque até lhe deram jeito para o processo para provar que foi ameaçado com armas. Declarou ainda que no local estavam ainda o I..., o A..., e o filho dos demandantes (que nada disse).
Já a arguida E... referiu que contrataram a máquina para ir limpar o terreno e por isso se deslocaram ao terreno (que diz ser seu e do marido) no dia 5 de manhã (cerca das 8h00) e ela só nesse dia é que viu os paus (cerca de 6) e o marido tinha levado a máquina porque costuma andar com ela para mandar fotos aos filhos que estão em Moçambique dos “trabalhos” que faz e neste caso o arguido guardou-as para ter uma prova porque os demandantes teriam ameaçado o condutor da máquina para não vir dizer nada em Tribunal (o que os demandantes negam). Mais referiu que ainda não estava a máquina a trabalhar quando apareceram a demandante com um machado e o demandante com uma caçadeira, insultando-os e ameaçando e nesse dia não fizeram mais nada. Declarou ainda que no local estavam o A..., o pai da demandante I... (que correu atrás dela e de quem teve que fugir) e o filho dos demandantes, Pedro, que também tinha uma máquina e estava a tirar fotos.
Igualmente aludiu a arguida ao facto de a demandante de forma provocatória dizer ao arguido para tirar fotos.
Quanto ao dia 5 de Abril o demandante J... referiu que o arguido apareceu no terreno dele pelas 8h00 a tirar fotos (costumava andar sempre com uma máquina fotográfica) a ele e á esposa e na altura eles andavam a tirar coisas de dentro de casa (por andava lá um pintor) e disse ao arguido que não o autorizava a tirar as fotos e pouco depois a arguida e a máquina restro-escavadora no terreno deles e andou a limpar silvas e não ouviu a esposa (demandante) a falar. Na altura estava ainda no local o filho P...(que não trazia nenhuma máquina) e mais tarde apareceram o A... (com quem os arguidos ainda trocaram “galhardetes”) e o sogro I....
Ele andava com uma caçadeira na mão porque o pintor é que lhe disse que ele tinha que a limpar para não se estragar e por isso ele trazia-a para a rua para isso.
Mais referiu que quando chegaram ao local o F...e o I... o arguido já tinha tirado as fotos.
Já a demandante L... referiu que no dia seguinte pelas 8h30 apareceram ao mesmo tempo os arguidos e um senhor com uma máquina e o arguido começou a tirar fotos, a máquina andava a roçar ervas com a pá e a arguida não fazia nada e ela – que andava a mexer na lenha com um machadito – disse ao arguido mais de uma vez para não tirar fotos e ele riu-se. Mais referiu que no local estavam ainda o demandante – que tinha ido buscar um desperdício para limpar a arma que tinha na mão (porque o pintor lhe disse que a tinha mal estimada) e que também disse ao arguido para não tirar fotos – e o filho deles – no terreno a olhar e que os ouviu a dizer para não tirarem as fotos – e mais tarde, depois de tirarem as fotos veio o Sr. A... e este não teve nenhum “conflito” com o arguido.
No que concerne ao sucedido no dia 5 a testemunha A... referiu que esteve no local – “porque aquilo é dele” e foi “confirmar os estragos” e o J... o chamou para ver o que se tinha passado – e estavam lá os arguidos, os demandantes e o filho destes (Pedro) e o I..., e estava uma máquina a empurrar terras e a puxar uma barraca com uma corda e o J... a ver se a máquina não ocupava o terreno. Não viu o J... com nenhuma arma, nem viu ninguém a tirar fotos.
Do decurso da inquirição testemunha e observados os formalismos legais foram lidas as declarações da testemunha A... prestadas em sede de inquérito (fls. 48), e nas quais, de forma contraditória com o por si declarado em sede de audiência, referiu ter visto pelas 8h00 da manhã no terreno do arguido uma máquina restro-escavadora e viu o arguido a tirar fotografias aos demandante, desconhecendo a sua finalidade.
Mais referiu, em sede de audiência, que viu a restro-escavadora cerca das 10h00 ou 11h00 e estavam no local os demandantes, os arguidos o filhos dos demandantes (Pedra) e o pai da demandante L... (I...) e o arguido não tinha nada na mão.
Já a testemunha K... referiu que no dia 5 de Abril, pelas 9h00, apareceu uma máquina a roçar a terra e o arguido começou a tirar fotos ao pai dele, J..., e o pai disse que não deixava e o arguido riu-se e a mãe não a ouviu a dizer nada. O pai andava a limpar a arma (porque o pintor lhe disse que estava a enferrujar) e a mãe andava de volta da casa. Não se recorda de mais alguém lá ter estado, mas talvez lá tenha ido o A... e mais á frente referiu que é provável que lá tenha estado o avô.
Mais referiu que os arguidos andavam a orientar a máquina (que roçava a estrema e tentou mexer um contentor) e eles aproximaram-se para ver porque como tinham destruído a estufa podiam ir destruir um marco que lá havia.
Ora, dizer desde logo que não restam quaisquer dúvidas de que o arguido M... no dia 5 de Abril de 2004, cerca da 8h30, na Rua Principal (onde tanto ele como os demandantes residem) tirou várias fotografias aos ofendidos, o que o próprio arguido confessou.
Dúvidas também não restam, em face dos depoimentos dos demandantes e da testemunha K...– que neste particular se afiguraram credíveis – conjugadas até com as declarações do arguido e da arguida E... que os ofendidos não consentiram na obtenção de tais fotografias, não se afigurando sequer verosímil a explicação dada pelo arguido de que queria era fotografar os paus e os ofendidos é que se puseram á frente... é que se queria fotografar apenas os paus podia tê-lo feito e aliás fez, conforme mostram as demais fotos juntas aos autos e que segundo o próprio confirmou integram a mesma sequência e se não queria, como alega, ter tirado as outras fotos, apagava-as. Mais, igualmente inverosímil se nos afigura a explicação dada pela arguida E... de que o marido queria era fotografar os “trabalhos” para depois enviar aos filhos… até porque o próprio arguido admitiu que não foi essa a intencionalidade!
Por outro lado, o próprio arguido declarou que quando tirou as fotos não o fez para documentar quaisquer ameaças (mas antes porque queria tirar fotos ao terreno e aos paus e os ofendidos é que “se puseram á frente”) e avançou mesmo que acabou por não eliminar as fotos porque até lhe “deram jeito” para o processo (aquele a que foram juntas) para provar que foi ameaçado com armas...
Ora, de salientar ainda que o arguido é militar da GNR (embora reformado) e por isso naturalmente conhecer até de forma qualificada – por referência ao comum dos cidadãos – da proibição legal de actuar como actuou e das consequências daí decorrentes.
Assim, conjugando a prova produzida em sede de audiência com a prova documental junta aos autos, dúvidas não restam quanto á prova da factualidade vertida em a), b) e c).
No que concerne ao vertido em d) valoraram-se as declarações conjugadas dos demandantes, da testemunha Pedro, que neste particular foram feitas de forma serena, espontânea e coerente e que analisadas à luz das regras de experiência comum e por via disso se afiguraram credíveis.
No que concerne aos antecedentes criminais dos arguidos valoraram-se os C.R.C.' s juntos aos autos e quanto à sua situação pessoal, familiar e profissional valoraram-se as declarações prestadas pelos próprios em sede de audiência de julgamento e que, atenta a forma coerente, espontânea e serena como foram prestadas, lograram convencer o Tribunal da sua veracidade.
Finalmente e no que concerne aos factos não provados remetemos para as considerações supra já tecidas por aqui valerem mutatis mutandis. Cumpre apenas referir, em jeito de síntese, que se não produziu em audiência de julgamento – nem foi junta aos autos – qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram, desde logo mercê de as declarações prestadas quanto a estes pelos inquiridos não terem logrado convencer o Tribunal da sua veracidade, ou de quanto a tais factos não terem estes revelado conhecimento pessoal directo.”
*
III – Fundamentação de Direito.
3.1. Como é consabido, o âmbito do recurso define-se através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, mas sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, ainda que não invocados (as) ou arguidos (as) pelos sujeitos processuais Artigos 412.º, n.º 1; 403.º, n.º 1 e 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), todos do CPP, bem como Acs. do STJ n.ºs 7/95 e 1/94, ambos publicados no Diário da República, I.ª Série-A, de 28/12 e de 11/02, respectivamente. .
In casu, lendo-se as conclusões apresentadas pelo recorrente (e porque não intercede um qualquer dos vícios mencionados – afirmação que infra cabalmente se compreenderá - e/ou uma das ditas nulidades, adiantamos), decorre que a questão suscitada se reconduz a ponderarmos se ocorre causa que determine a não punibilidade da conduta do recorrente relativamente aos ilícitos por cuja autoria vem sentenciado.
A aparente “restrição” que assim fazemos do recurso interposto tem uma justificação simples.
O impugnante começa por invocar a “insuficiência para a decisão da matéria de facto”, consabidamente um dos vícios elencados no citado artigo 410.º, n.º 2, concretamente sua alínea a).
Este vício refere-se à insuficiência que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados pela acusação e pela defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão da causa. Em outras palavras, ocorre este vício quando, da factualidade vertida na discussão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.
Compulsando-se os autos, constata-se que a pendência do aludido processo n.º 153/04.9 GBPBL foi totalmente omitida na contestação apresentada pelo arguido (cfr. fls. 228/230), sendo embora certo que havia sido referida no requerimento para abertura da instrução (cfr. agora fls. 93/100). Tais circunstâncias não impunham assim que o tribunal tivesse de se pronunciar, positiva, negativa ou restritivamente sobre os factos dele constantes e tais como alegados pelo recorrente. Isto, ressalvada a hipótese de os mesmos se mostrarem relevantes para a decisão da causa e haverem resultado da discussão da causa. Omitindo-os poderia eventualmente emergir o vício em causa.
Ora, sucede ser exactamente nesta vertente que se nos afigura igualmente despicienda a respectiva consideração.
Compreende-se a precedência relativa entre um pretenso vício do artigo 410.º, n.º 2, do CPP – questão formal – e a não punibilidade de uma determinada conduta (questão de fundo).
Abstractamente, a primeira precederá a segunda. A existência, na sentença recorrida, dos vícios do citado artigo 410.º, n.º 2, determina o reenvio do processo para novo julgamento, sempre que não for possível decidir da causa no tribunal superior.
No caso vertente, entendemos mostrar-se ociosa a primeira alegação do recorrente, e, logo, da ponderação do assacado “vício”, isto no ponto em que mesmo concedendo-se a prova dos factos elencados e reportados aos ditos autos de recurso n.º 153/04.9 GBPBL De que, coincidentemente, o ora Relator foi, igualmente, Relator., sempre a solução da questão material (de fundo) será a mesma.
Vejamos, então:
3.2. O artigo 26.º, n.º 1, da CRP, a par de outros direitos de personalidade, protege o direito à imagem como um direito autónomo (distinto da privacidade), enquanto abrangendo, além do direito de cada um a não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em público sem seu consentimento, ainda o direito de não se ver apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida ou infiel Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição de República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 181..
Por seu turno, atento o disposto no artigo 79.º, n.º 1, do Código Civil [CC], o retrato de uma pessoa não pode ser exposto ou publicado sem o seu consentimento.
Aí se consigna, sob a epígrafe:
(Direito à imagem)
«1 – O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.
2 – Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifique a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3 – O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada
Atenta a letra da lei, o ordenamento jus civilista apenas considera ilegítima a exposição, reprodução ou comercialização do retrato, mas não a simples fixação da imagem num retrato.
São subtraídas da protecção absoluta estabelecida no n.º 1 do artigo citado as pessoas revestidas de notoriedade, aquelas a cujo interesse individual na não exposição ou reprodução do seu retrato se sobreponham interesses colectivos de realização da justiça, de satisfação de necessidades de polícia, científicos, didácticos ou culturais. E ainda aquelas cuja reprodução da imagem esteja ligada a factos, acontecimentos ou cerimónias de interesse público ou realizadas em público Cfr. Adriano De cupis, Os Direitos da Personalidade, tradução de Adriano Vera Jardim e António Miguel Caeiro, Livraria Morais Editora, Lisboa, 1961, págs. 138 e segs. citado no Ac. da RL, de 2401/2007, relatado pelo Ex.mo Desembargador Ricardo Silva, e de que respigaremos notas, a propósito..
No que respeita a pessoas revestidas de notoriedade, a lei entendeu satisfazer o interesse do público em conhecer a sua imagem. O interesse da sociedade estende-se sobre todos os que desempenham uma função pública de notável importância e que são rodeados, a tal título, de notoriedade. As necessidades da justiça ou de polícia, os fins científicos, didácticos ou culturais, constituem outras tantas hipóteses especificamente determinadas, nas quais o sentido da individualidade deve ceder em face de exigências opostas de carácter geral. O mesmo sentido da individualidade deve, do mesmo modo, ceder quando a reprodução esteja ligada a factos, acontecimentos ou cerimónias de interesse público ou realizadas em público.
A estas pessoas a lei estendeu, porém, a protecção estabelecida no n.º 3, do artigo em referência.
Penalmente, o direito à imagem mostra-se a coberto de tutela legal no Capítulo VIII (Dos crimes contra outros bens jurídicos) do Título I (Dos crimes contra as pessoas) do Livro II (Parte especial) do Código Penal.
Dispõe, a este respeito, o seu artigo 199.º epigrafado:
(Gravações e fotografias ilícitas)
«1 – Quem, sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou,
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 – Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou,
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 – É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º
No âmbito dos trabalhos preparatórios Reforma do Código Penal – Trabalhos Preparatórios, volume IV, (Outras audições Parlamentares), Assembleia da República, Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Lisboa, 1995, pág. 228. e discussão parlamentar que antecedeu a concessão ao Governo de autorização legislativa para rever o Código Penal, o Deputado Costa Andrade (PSD), intervindo na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias com representantes do Sindicato de Jornalistas, que teve lugar em 25 de Maio de 1994 e em 14 de Junho seguinte, afirmou:
« (...) não podemos esquecer aqui o Código Civil, que alarga as justificações, designadamente em relação às fotografias e filmes, porque diz que não são ilícitas as fotografias feitas de pessoas notáveis, para fins didácticos e científicos, em lugares e eventos públicos. Ora, é óbvio que todas essas justificações do Código Civil, valem, por força do princípio da subsidiariedade do direito penal e, portanto, não pode ser penalmente ilícito aquilo que é lícito segundo outro ramo do direito.
«Assim, digamos relativamente ao crime de fotografias ilícitas, se conjugarmos o artigo do Código Penal com o do Código Civil, a incriminação estreita, quase tendencialmente, até à fotografia íntima. Se projectarmos bem o regime do Código Civil sobre o universo de casos em abstracto típicos segundo a incriminação do Código Penal, aquele deixa uma margem extremamente escassa de fotografia ilícita, porque exclui a incriminação quando se fotografa com fins científicos, didácticos, em lugares e manifestações pública, etc.
«Penso, portanto, que um jornalista pode fotografar tudo o que diz respeito ao público, mas já tenho dúvidas que outras instâncias, que não os jornalistas, o possam fazer ou, pelo menos, que o possam fazer individualizando pessoas.»
E, mais adiante Ibidem, págs. 241/242., prosseguiu:
«...quanto às fotografias ilícitas, as alterações ao Código Penal, na medida em que existem – e são poucas – resultam em estreitar o âmbito punível. Quer dizer, a fotografia resultará menos punível com estas alterações do que com o direito vigente. Porque se faz depender a licitude ou ilicitude da fotografia de ser contra a vontade da pessoa enquanto que, actualmente, é “sem consentimento de quem de direito”. Uma coisa é fazer algo sem consentimento, outra, é ir contra a vontade, o que significa que a pessoa em causa se pronunciou.
« (…)
«O Direito Penal não pode declarar ilícito aquilo que qualquer ramo do Direito declara lícito – para as fotografias penalmente ilícitas, como tal, sobra relativamente pouco.
«No fundo, resultará criminalizável a fotografia que já o seria em nome da intimidade e não da imagem.»
Em sede distinta e na linha da mesma ideia, afirma Costa Andrade In Comentário Conimbricense do Código Penal, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias, Parte Especial, Tomo I, artigos 131.º a 201.º, Coimbra Editora, 1999, págs. 833/834.:
«Na determinação da área de tutela típica do direito à imagem deve ainda ter-se presente o disposto no n.º 2 do artigo 79.º do Código Civil. Que, pelo menos em algumas constelações previstas, se projecta em sede de tipicidade e não apenas de ilicitude/justificação. Deve ser assim em relação a dois grupos de casos: a) Em primeiro lugar (...), quando a “imagem vier enquadrada na de lugares públicos ou na de factos de interesse público ou hajam decorrido publicamente”. Isto na medida em que a imagem da pessoa resulte inequivocamente integrada na “imagem” daqueles espaços ou eventos e neles se dissolva (...); b) Em segundo lugar, quando seja relevante a “notoriedade ou o cargo desempenhado”. Num caso e noutro a exclusão da responsabilidade criminal actualiza-se logo em sede de tipicidade».
Considerando tudo o que se vem de expor e citar, temos de concluir com a sentença recorrida que não ocorre fundamento de justificação da conduta do recorrente.
Na verdade, e como bem nela se exarou, não resulta apurada a existência de qualquer consentimento justificante já que se houvesse consentimento deixaria desde logo de se mostrar preenchido o próprio tipo. Igualmente se não descortina qualquer situação de legítima defesa ou conflito de deveres. Restariam o direito de necessidade e a legalmente não consagrada de forma expressa mas por alguma doutrina admitida ponderação de interesses de bens ou interesses conflituantes (tese sustentada pelo recorrente, aliás).
Vendo-se os pressupostos exigíveis ao emergir daquele, manifestamente que não confluem nos autos.
Cabe quedar-nos assim pela pretensa ponderação de interesses conflituantes traduzidos no caso presente entre as exigências de justiça – entendidas na sua vertente de obtenção de prova em sede de processo penal com vista á descoberta da verdade material Com relevo o Ac. da RP, disponível no site www.dgsi.pt sob o n.º convencional JTRP00036913. – e o direito fundamental à imagem,
Na ponderação que em tais casos é reclamada, critério norteador é o da compressão dos direitos conflituantes adstritos a regras de necessidade, adequação e proporcionalidade Artigo 18.º, da CRP..
O legislador teve oportunidade de fazer essa ponderação admitindo a recolha de imagens, por forma lícita, em casos contados, insusceptíveis de aplicação analógica, através da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro, justificados mercê das especificidades da natureza e gravidade de determinado tipo de criminalidade. Se as “exigências de justiça”, designadamente de busca da verdade material por si só “justificassem” uma actuação ilícita como a do arguido em causa nos autos, não haveria qualquer necessidade de limitar os meios de prova legalmente admissíveis – tudo valeria porque apontado a um designo maior: a descoberta da verdade material! E não é assim precisamente porque desde logo o próprio legislador constitucional entendeu que pese embora a busca da verdade material constitua um indiscutível dever ético e jurídico, certo é que tal desiderato não pode lograr alcançar-se por todos os meios. Como bem se anota na decisão recorrida.
O que tudo se traduz, concluindo, na não emergência de um qualquer bem ou interesse susceptível de excluir a ilicitude objectiva da conduta do arguido e do carácter despiciendo da matéria de facto que alegadamente se pretendia trazer ao debate do caso sub judice.
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IV – Decisão.
São pois termos em que pelos fundamentos expostos, se nega provimento ao recurso interposto.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UCs.
Notifique.
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Coimbra, 1 de Julho de 2009