Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
317/05.8GBPBL
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: INQUÉRITO
NULIDADE
INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 01/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º,5 CRP,118º,120º, 2 D) CPP
Sumário: 1. Se bem que seja de todo conveniente a audição do arguido sobre os novos factos antes de contra ele ter sido deduzida a acusação, o certo é que a lei, o mesmo é dizer no caso o CPP, não exige nova audição do arguido sempre que surjam factos novos complementares à denúncia inicial e sobre a qual incidiu o interrogatório efectuado.
2. Em lado algum o Código de Processo Penal impõe novo interrogatório e só a omissão de actos de inquérito obrigatórios gera a nulidade por insuficiência de inquérito
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Coimbra:
I- Relatório -
1.1- A...recorre do despacho judicial de fls. 138/140 no qual não lhe foi reconhecida a nulidade de inquérito, por si alegada, por falta do seu interrogatório sobre os factos que na acusação lhe são imputados pelo Ministério Público e que preenchem o tipo de crime previsto no art.º 152º/1 alínea a) e 2 do Código Penal ( maus tratos ao cônjuge e a filhos menores).
1.2- Conclusões do recurso –
a) O arguido invocou nulidade com fundamento na sua não audiência quanto a factos constantes da acusação contra si deduzida.

b) Foi constituído arguido e prestou T.I.R.
c) Ao abrigo do estatuto processual de arguido prestou declarações quanto a factos que podem integrar a pratica dum crime de ofensa à integridade física (art.º 143/1 do CP).
d) O Ministério Público vem deduzir acusação por quatro crimes de maus tratos p. e p. no art.º 152/1 alínea a) e n.º2 do CP.
e) Não sendo inviável a notificação do arguido, deveria o mesmo ser interrogado quanto aos factos que constam da acusação, quantitativa e qualitativamente diferentes daqueles sobre os quais prestou declarações perante entidade policial.
f) Isto é, dando cumprimento ao principio de audiência e primeira defesa no âmbito das garantias do cidadão com assento constitucional (art.32/1 da CRP) e com aforamento no próprio processo penal (entres outros art.ºs 61º/1 e 272/2)
g) Exercício de tal direito que o arguido vê preterido com a omissão de um acto de realização obrigatória.
h) Atendendo à fase processual em que a mesma se verifica, a referida omissão configura uma insuficiência de inquérito (art.º 120/2 alínea d) do CPP) cominada com nulidade relativa.
i) A decisão desrespeita a jurisprudência fixada pelo STJ - Acórdão de Uniformização n.º 1/2006 publicado no D.R. I- A.
j) A decisão viola o art.º 32/1 da C.R.P. e art.ºs 61/1 alínea b), 272/1 e 120/2 alínea d) do Código de Processo Penal.
2- Compulsando o processo retira-se que –
O inquérito iniciou-se com uma participação contra o Carlos Mendes por agressão física à sua esposa no dia 14/7/2005.
O mesmo foi então interrogado no inquérito aberto com tal participação e constituído arguido com sujeição a TIR ( cfr. fls. 16,17 e 18).
Mas com as averiguações nele efectuadas vieram ao conhecimento do Ministério Público outros factos que conjugados com aquele preenchem o tipo de crime de maus tratos a cônjuge e a filhos menores, p. e p. pelo art.º 152º do Código Penal , pelo que encerrado o inquérito sem mais interrogatórios do arguido foi contra ele deduzida acusação pelo indicado crime de maus tratos.
Daqui a alegada nulidade já que ao arguido não foi dada a oportunidade de ser ouvido sobre esses novos factos.
E invoca a favor da sua tese o doutrinado no Acórdão de STJ de 23/11/2005, acórdão uniformizador de jurisprudência publicado no DR. I-A de 2/1/2006 como Acórdão n.º 1/2006. Nele foi doutrinado que « A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no art.º 120º/2 alínea d) do Código de Processo Penal» .
3- Respondeu o magistrado do MP junto do tribunal recorrido pelo infundado do recurso . No mesmo sentido vai o parecer do Ex.mo Procurador - Geral Adjunto .
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II- Apreciação -
1.1- A primeira observação que fazemos é que a finalidade essencial a que se dirige o inquérito é a de investigar a notícia do crime ou crimes em ordem à decisão sobre se deverá ou não promover-se a fase de julgamento.
Não sendo, em geral, obrigatória a prática de quaisquer actos predeterminados de investigação, nem por isso deixa de haver alguns actos obrigatórios no decurso do inquérito – cfr. art.ºs 287/3 e 283/5 ( notificação do despacho de arquivamento ou de acusação); junção obrigatória de memoriais e requerimentos do arguido ou do assistente ( art.ºs 61º, 69º e 98/1); o interrogatório do arguido ( art.º 272º/1).
A falta de interrogatório constitui nulidade prevista no art.º 120º/2 alínea d) do Código de Processo Penal, conforme já o afirmava o Prof. Germano Marques da Silva [ Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, pág. 90] e posteriormente reafirmado no citado acórdão uniformizador do STJ.
Refere o Professor que o interrogatório deve ser feito tão cedo quanto possível, pois pode suceder que o arguido forneça elementos de prova que facilitem o esclarecimento da notícia do crime, nomeadamente apresentando provas que desde logo excluam a sua responsabilidade, desta forma evitando-se um inquérito inútil ob. cit., pág.91.
1.2- A segunda observação é a de que no processo penal vigora o princípio da legalidade ou da tipicidade das nulidades ( cfr. art.º 118º) , i é, só existem nulidades processuais quando expressamente cominadas na lei.
2- O recorrente faz apelo à jurisprudência do acórdão uniformizador n.º 1/2006. Contudo, a situação tratada no acórdão não é a mesma que é versada nos autos.
A situação tratada naquele é a duma total falta de interrogatório na fase do inquérito que correu contra pessoa determinada e relativamente à qual era possível a notificação.
No caso destes autos a situação é a de não realização de novo interrogatório de arguido já interrogado e como tal [ como arguido ] constituído no processo sobre novos factos averiguados posteriormente no decurso do inquérito, integradores dum tipo de crime diverso daquele por que fora feita a participação.
Não pode assim o arguido ver acolhida a sua tese apenas por força do doutrinado no referido acórdão uniformizador .
Como nele se afirma, “ (...) a lei ao estatuir que é obrigatório interrogar como arguido a pessoa contra quem corre o inquérito, está a pressupor que aquela pessoa ainda não foi constituída como arguido , ou seja, que ainda não há arguido”.
3- Sob a epígrafe « Primeiro interrogatório e comunicação ao arguido » o n.º1 do art.º 272º do Código de Processo Penal estatui que « Correndo inquérito contra pessoa determinada , é obrigatório interrogá-la como arguido. Cessa a obrigatoriedade quando não for possível a notificação».
Nos termos em que o preceito se encontra redigido parece não ser obrigatório interrogar mais do que uma vez no inquérito a pessoa contra quem o mesmo corre, independentemente dos crimes que no seu decurso venham a ser contra ele investigados pelo Ministério Público.
Se bem que pelas razões apontadas no dito Ac do STJ fosse de todo conveniente a audição do arguido sobre os novos factos antes de contra ele ter sido deduzida a acusação Refere o acórdão que a obrigatoriedade do interrogatório é o corolário lógico dos fins e do âmbito do inquérito e das finalidades do processo criminal, bem como das garantias de defesa que a CRP proclama no art.º 32º. Mais refere, citando o Prof. Germano Marques da Silva, que o processo penal tem custos morais muito graves para o arguido, importando acautelar que só seja submetido a julgamento aquele sobre quem recaia forte suspeita de responsabilidade criminal. E em nota apelando para o doutrinado pelo Prof. Figueiredo Dias que “o respeito pelo princípio de que o direito de audiência deve ser assegurado perante quaisquer decisões ( nomeadamente do MºPº) , sempre que atinjam directamente a esfera jurídica das pessoas, implica que não basta seja dada a possibilidade ao interessado para se pronunciar antes da decisão final, mas sim antes de qualquer decisão que o possa afectar juridicamente, razão pela qual ali se insurge, face ao regime legal do CPP pré-vigente, da não concessão ao arguido e ao assistente da efectiva possibilidade de se pronunciarem, com pleno conhecimento de causa, imediatamente antes da decisão sobre a acusação ou não acusação. , o certo é que a lei, o mesmo é dizer no caso o CPP, não exige a pretendida nova audição do arguido sempre que surjam factos novos complementares à denúncia inicial e sobre a qual incidiu o interrogatório efectuado.
Em lado algum o Código de Processo Penal impõe novo interrogatório e, como se sabe, só a omissão de actos de inquérito obrigatórios gera a nulidade por insuficiência de inquérito Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal,2ª ed., III, pág. 88. .
Há a ter presente que o inquérito tem estrutura inquisitória, no sentido de secreto e unilateral. O inquérito é unilateral no sentido de que as diligências de investigação a praticar no seu decurso são tão só as que o Ministério Público considerar necessárias ou convenientes ( art.ºs 263º e 267º) São muito poucos os actos de inquérito a que o arguido e o seu defensor têm o direito de assistir e por isso também o direito do arguido intervir no inquérito, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurem necessárias ( art.º 61/1 f) tem escasso alcance prático em razão do desconhecimento do estádio da investigação e dos elementos de prova recolhidos. Acresce que este direito do arguido tem natureza exortativa e não vinculante do MºPº , a quem compete decidir em exclusivo do interesse das diligências requeridas ( Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar , 1990,178 e Curso de Processo Penal , 2000, III, pág.100) .
Como flui do art.º 32º/5 da CRP, ao princípio do contraditório estão subordinados, por imposição deste diploma, a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar.
E como se afirma no Ac do TC de 4/11/87, daqui não decorre que tenha de haver sempre uma instrução ou sequer que seja obrigatória a existência de uma fase de instrução. O que se pretende tão só é que o processo criminal , encarado no seu todo seja um processo equitativo onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender , em perfeita igualdade com o Ministério Público Neste sentido ver também o Ac do TC de 6/5/93, ambos em anotação ao art.º 61º no Código de Processo Penal anotado de Maia Gonçalves. .
No processo preliminar o direito de audiência do arguido é, pois, um direito limitado, tendo o contraditório campo de eleição nas fases judiciais do processo ( cfr. art.º 32º/5 da CRP ), mormente na fase do julgamento, de recurso, mas também de certo modo na fase da instrução.
O processo penal só se torna verdadeiramente equitativo a partir da acusação, ou seja, nas suas fases judiciais.
III- Decisão –
Termos em que se tem o recurso por improcedente.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs .