Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1185/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. TOMÁS BARATEIRO
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
RESPONSABILIDADE DO FIADOR
Data do Acordão: 09/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTºS 627º, Nº 1 ; 654º E 655º, TODOS DO C. CIV.
Sumário: I – Goza de um regime especial de tutela, no que respeita à sua duração, a fiança do locatário, frequentíssima na vida prática, presumindo-se que na falta de estipulação em contrário a fiança abrange apenas o período inicial de duração do contrato .
II – Nos casos em que o fiador se tenha obrigado pelos períodos de renovação da locação, mas sem se fixar o número de períodos de renovação que a fiança abrange, esta extinguir-se-á ( salvo estipulação em contrário ) logo que haja alteração ( legal ou voluntária ) da renda ou logo que decorra o prazo de 5 anos sobre a data do começo da 1ª prorrogação .
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
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I - A... e mulher B... intentaram esta acção sumária, contra C... e D... (todos melhor identificados nos autos).
1 - Os Autores alegam que são donos e legítimos proprietários da fracção em propriedade horizontal, destinada a habitação, designada pela letra “F”, correspondente ao 2º andar esquerdo, do prédio urbano sito em Urbanização da Avenida, lote 12, em Pombal, prédio esse inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Pombal sob o artº nº 6848, composto por hall de entrada, 1 sala, 3 quartos, 1 cozinha, 1 despensa e 2 casas de banho, com a área de 90 m2, 2 varandas com a área de 7 m2, tendo ainda um aparcamento na cave com 15 m2, a que corresponde o nº 4 e 1 arrumo no sótão com o nº 7, com a área de 27 m2 (referido no artº 1º da p.i.).
Por contrato celebrado por escrito particular, aos 11/07/1989, o Autor marido, devidamente representado pelo seu procurador, Sr. Manuel Ferreira Salgueiro, deu de arrendamento à 1ª Ré aquele imóvel. O Autor marido, como senhorio, e a 1ª Ré, como inquilina, convencionaram que o arrendamento teria a duração de 1 ano, iniciando-se no dia 01/08/1989 e terminando em 31/07/1990, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, enquanto qualquer das partes o não denunciasse. A renda anual acordada era de Esc. 420 000$00, a pagar em duodécimos mensais. Convencionaram ainda que a renda deveria ser paga na Agência Imobiliária T-Dois, Lda., sediada na Av. Heróis do Ultramar, nº 60-r/c, em Pombal, no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar. O Autor marido participou, aos 17/07/1989, junto da Repartição de Finanças de Pombal, o Contrato de Arrendamento celebrado com os Réus. Com as consequentes actualizações legais, que foram comunicadas à Ré, a renda em 01/01/1993 era de 46.786$00, em 01/01/1994 era de 49.945$00, em 01/01/1995 era de 52.193$00, e em Agosto de 1996 era de 54.124$00. Na altura da celebração do contrato de arrendamento atrás referido, a 1ª Ré apresentou como fiador o 2º Réu, que assumiu a posição de fiador assumindo solidariamente, a obrigação de pagamento das rendas. Venceram e não foram pagas as rendas relativas aos meses de Agosto de 1994, Setembro a Dezembro de 1995 e as vencidas até Julho de 1996.
Os Autores pedem que, na procedência da acção:
a) Seja decretada a resolução do contrato de arrendamento, celebrado entre Autor e RR., em 11/7/89, relativo ao imóvel referido no artigo 1º da petição inicial.
b) Seja a 1ª Ré condenada a restituir imediatamente aos AA. a fracção que lhe fora arrendada, no estado em que a recebeu, livre e desocupada de pessoas e coisas que lhe pertençam.
c) Sejam os Réus condenados ao pagamento das rendas vencidas, não pagas, que perfazem 691.709$00, quantia a que acrescem juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
d) Sejam os Réus condenados no pagamento das rendas vincendas até à efectiva desocupação do referido imóvel, acrescidas dos juros à taxa legal, sobre o valor de cada uma das rendas que se vierem a vencer, desde a respectiva data de vencimento até efectivo e integral pagamento.
2 – Apenas contestou o Réu Alberto da Silva Marques Padeiro, afirmando que não se obrigou relativamente aos períodos de renovação.
Mesmo a entender-se que a tal se obrigou, a fiança extingue-se logo que haja alteração da renda.
Pede a sua absolvição do pedido.
3 – Na resposta, os Autores entendem que deve ser julgada improcedente a excepção invocada pelo Réu, concluindo como na petição inicial.
4 – Foi proferido o despacho saneador, e organizaram-se a especificação e o questionário, de que não houve reclamação.
5 – Oportunamente, teve lugar o julgamento, respondendo-se ao questionário nos termos que constam de folhas 63.
6 – Por sentença de 2/4/02, julgou-se parcialmente procedente, por provada. a presente acção, e, em consequência, determinou-se:
a) a resolução do contrato de arrendamento a que se faz referência em B);
b) a entrega pela 1ª Ré do arrendado aos Autores, livre de pessoas e bens e no estado em que o receberam;
c) condenou-se a 1ª Ré a pagar aos Autores a quantia de 637.585$00 e as rendas posteriores a Julho de 1996 que se vencerem até efectiva entrega do arrendado.
d) absolveu-se o 2º Réu do pedido contra si formulado.
II – De tal sentença recorreram os Autores, que concluem nas suas alegações:
1ª - O tribunal a quo, ao condenar a 1ª Ré a pagar aos Autores apenas a quantia de 637.585$00 e as rendas posteriores a Julho de 96 que se vencerem até efectiva entrega do arrendado, sem fazer qualquer referência aos juros moratórios devidos e sem condenar a 1ª Ré ao seu pagamento, deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar, pelo que a sentença recorrida, nos termos do disposto no artº 668-nº1 al. d) do CPC, é nula.
2ª - As disposições contidas no artº 655 do C.C. são supletivas, logo é admissível a cláusula do contrato sub judice que estabeleceu que o fiador nele interveniente se obrigava como fiador e principal pagador do arrendatário “por todas as condições inerentes ao contrato e suas prorrogações”.
3ª - Ao estipularem a fiança pelas prorrogações do contrato de arrendamento, as partes quiseram postergar a aplicação do nº1 do artigo 655 do C.C..
4ª - Não obstante a alteração da renda, fruto da primeira actualização legal, ocorrida em 1 de Janeiro de 1993, a fiança manteve-se válida.
5ª - A nova convenção referida no nº2 do artigo 655 do C.C. não tem de ser posterior à celebração do contrato de arrendamento nem tem de ser contemporânea da alteração legal ou contratual da renda, há-de é ser específica da obrigação que se pretende assumir, figurando, nessa medida, quando aposta no próprio contrato celebrado inicialmente, como fiança de obrigações futuras (artº 654 do C.C.).
6ª - A fiança do arrendatário não é nula, nos termos do consignado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/01, uma vez que, à partida, está determinado ou é determinável o objecto da fiança: esta garante o exacto cumprimento de todas as condições inerentes ao contrato de arrendamento e suas prorrogações, obrigações perfeitamente expressas no artº 1038 do C.C..
7ª - No caso ora em análise, ao constar do contrato celebrado que o fiador garante o exacto cumprimento de todas as condições inerentes ao contrato e suas prorrogações, é óbvio que o fiador assumiu o cumprimento das obrigações contratuais do período inicial do contrato com a renda nele convencionada, tal como assumiu as obrigações contratuais resultantes das renovações do contrato com a renda advinda das actualizações legais permitidas.
8ª - Existe, pois, no contrato sub judice uma nova convenção que afasta o regime supletivo legal plasmado no nº2 do artº 655 do C.C..
9ª - Quando em 1989 um fiador normalmente prudente garante um contrato sem limite de prorrogações sabe, ou deve saber, que a lei permite aumentos anuais de renda - aliás, isso mesmo estava previsto na cláusula 3ª do contrato sub judice.
10ª - Temos, assim, por seguro que a fiança não se extingue com a alteração da renda, devendo o 2º Réu ser, pelo menos, e sem prescindir no que tange às restantes rendas em dívida, condenado ao pagamento da renda do mês de Agosto de 1994, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
11ª - Temos, igualmente, por certo que a fiança em causa não se extingue pelo decurso do prazo de cinco anos sobre a primeira prorrogação do contrato de arrendamento, já que, ao constar do contrato celebrado que o fiador garante o exacto cumprimento de todas as condições inerentes ao contrato e suas prorrogações, estamos perante aquilo a que o artº 655-nº2 do C.C. se refere como nova convenção, na medida em que a nova convenção não tem de ser posterior à celebração do contrato de arrendamento, mas específica da obrigação que se pretende assumir, surgindo, quando aposta no contrato celebrado inicialmente, como fiança de obrigações futuras (... e “suas prorrogações”).
12ª - A referida cláusula do contrato de arrendamento é de interpretar no sentido de que as partes quiseram estabelecer uma fiança que acompanhasse o arrendamento até ao fim, com exclusão, portanto, do prazo de cinco anos, o qual reveste natureza supletiva.
13ª - Admitir-se, por acordo das partes, o afastamento do limite de 5 anos, sem qualquer outra limitação, não torna a obrigação incerta, indeterminada e ilimitada, uma vez que a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor (art. 627-nº2 do C.C.), sendo, no entanto, no caso sub judtce, solidária, já que o fiador assumiu a obrigação de principal pagador, e que, para além do mais, a extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança, existindo assim critérios que permitem definir e determinar tal obrigação.
14ª - Acresce que, sendo a ratio da fiança fornecer maiores garantias e segurança ao senhorio, no que concerne ao pagamento das rendas devidas, se este exige um fiador e ao fim de determinado período curto de tempo vê a fiança extinguir-se, quando pretendia que ela se estendesse a todas as prorrogações do contrato, e sem poder por isso denunciar o contrato, entra em crise um dos pressupostos que o determinaram à contratação.
15ª - Assim sendo, deverão ambos os Réus ser condenados ao pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas, relativas aos meses de Agosto de 94, Setembro a Dezembro de 95 e Janeiro a Setembro de 1997, data da entrega efectiva do arrendado, acrescidas de juros moratórios, à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
Não foram apresentadas contra alegações.
III – Na primeira instância, consideraram-se os seguintes factos:
Dos factos assentes
A) Os Autores são donos e legítimos proprietários da fracção em propriedade horizontal, destinada a habitação, designada pela letra “F”, correspondente ao 2º andar esquerdo, do prédio urbano sito em Urbanização da Avenida, lote 12, em Pombal, prédio esse inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Pombal sob o artº nº 6848, composto por hall de entrada, 1 sala, 3 quartos, 1 cozinha, 1 despensa e 2 casas de banho, com a área de 90 m2, 2 varandas com a área de 7 m2, tendo ainda um aparcamento na cave com 15 m2, a que corresponde o nº 4 e 1 arrumo no sótão com o nº 7, com a área de 27 m2.
B) Por contrato celebrado por escrito particular, aos 11/07/1989, o Autor marido, devidamente representado pelo seu procurador, Sr. Manuel Ferreira Salgueiro, conforme procuração por ele outorgada, no Consulado de Portugal em Nogent-Sur-Marne em 27/01/87, deu de arrendamento à 1ª Ré, que por sua vez tomou de arrendamento o imóvel referido em A).
C) O Autor marido, como senhorio, e a 1ª Ré, como inquilina, convencionaram que o arrendamento teria a duração de 1 ano, iniciando-se no dia 01/08/1989 e terminando em 31/07/1990, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais, e nas mesmas condições, enquanto, por qualquer das partes o não denunciasse.
D) A renda anual acordada era de Esc. 420.000$00, a pagar em duodécimos mensais.
E) Convencionaram ainda que a renda deveria ser paga na Agência Imobiliária T-Dois, Lda., sediada na Av. Heróis do Ultramar, nº 60-r/c, em Pombal, no primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar.
F) O Autor marido participou, aos 17/07/1989, junto da Repartição de Finanças de Pombal, o Contrato de Arrendamento celebrado com os Réus.
G) Com as consequentes actualizações legais, que foram comunicadas à Ré a renda em 01/01/1993 era de 46.786$00, em 01/01/1994 era de 49.945$00, em 01/01/1995 era de 52.193$00, e em Agosto de 1996 era de 54.124$00.
H) Na altura da celebração do contrato de arrendamento referido em B), a 1ª Ré apresentou como fiador o 2º Réu, que assumiu a posição de fiador assumindo solidariamente, a obrigação de pagamento das rendas.
Da base instrutória
Quesito 1º: - provado que venceram-se e não foram pagas as rendas relativas aos meses de Agosto de 1994, Setembro a Dezembro de 1995 e as vencidas até Julho de 1996, com o esclarecimento de que o arrendado foi entregue aos autores em Setembro de 1997.
IV – Deverá ter-se presente que a decisão recorrida só poderá ser alterada na parte impugnada pelo recurso, e o âmbito deste se determina em face das conclusões das respectivas alegações, abrangendo as questões aí contidas (artigos 684-nº3 e 690-nº1 do C.P.C.).
1 – Não foi interposto recurso pela 1ª Ré, pelo que não pode ser alterada a parte da sentença que lhe foi desfavorável, referida supra I – nº6 a), b) e c), como resulta do disposto no artigo 684-nº4 do C.P.C..
No que respeita à condenação da 1ª Ré no pagamento de rendas, os Autores apenas impugnam a parte da sentença que não se pronunciou sobre os juros pedidos.
Nesta acção (proposta em 11/7/96), pedia-se a condenação dos Réus no pagamento das rendas vencidas, com juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; e das rendas vincendas até à efectiva desocupação do referido imóvel, acrescidas dos juros à taxa legal, sobre o valor de cada uma das rendas que se vierem a vencer, desde a respectiva data de vencimento até efectivo e integral pagamento, como se refere supra I – nº1 c) e d).
Ora, como se vê da sentença recorrida, não houve qualquer condenação em juros, nem se decidiu se os Autores tinham ou não direito a eles. Deixou de se pronunciar sobre os juros pedidos, sobre uma questão de que o Senhor Juiz devia conhecer, pelo que nesta parte a sentença é nula nos termos do artigo 668-nº1 d) do C.P.C..
Trata-se de nulidade que se traduz no incumprimento do dever prescrito no artigo 660-nº2 do mesmo Código, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Tal nulidade podia ser arguida no presente recurso, havendo agora que dela tomar conhecimento, nada obstando a que se conheça de qualquer dos fundamentos da apelação (artigos 668-nº3 e 715 do C.P.C.).
E, assim, há a considerar que os juros pedidos são devidos sobre a quantia de 637.585$00, desde a citação da Ré (em 3/10/96) até integral pagamento, face ao disposto nos artigos 804, 805-nº1 e 806 - nºs 1 e 2 do Código Civil. Tais juros são de liquidar às seguintes taxas anuais: - de 10% até 16/4/99, de 7% desde 17/4/99 até 30/4/03, e de 4% desde 1/5/03 (artigo 559-nº1 do C.C.; e Portarias 1171/95 de 25/9, 263/99 de 12/4, e 291/03 de 8/4).
Quanto às rendas vincendas, posteriores a Julho de 1996 até efectiva entrega do arrendado (entrega feita em Setembro de 1997 - resposta ao quesito 1º), incidirão juros às taxas atrás referidas desde o vencimento de cada uma delas, ou seja, desde o primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar (alínea E) dos factos assentes), como resulta do disposto no artigo 805-nº2 a) do Código Civil.
Assim se aceita o afirmado na conclusão 1ª das alegações dos apelantes.
2 - Os Autores impugnam também a parte da sentença que absolveu do pedido o 2º Réu (Alfredo da Silva Marques Padeiro), sendo certo que, na altura da celebração do contrato de arrendamento referido em B), a 1ª Ré apresentou como fiador o 2º Réu, que assumiu a posição de fiador assumindo, solidariamente, a obrigação de pagamento das rendas ( H) dos factos assentes).
A fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (o fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor (artigo 627-nº1 do Código Civil). O fiador responde pela obrigação do devedor.
Como se diz na sentença recorrida, goza de um regime especial de tutela, no que respeita à sua duração, a fiança do locatário, frequentíssima na vida prática (artº 655 do Cód. Civil); em primeiro lugar, presume-se na falta de estipulação em contrário que a fiança abrange apenas o período inicial de duração do contrato; em segundo lugar, nos casos em que o fiador se tenha obrigado pelos períodos de renovação da locação, mas sem fixar o número de períodos de renovação que a fiança abrange, esta extinguir-se-á (salvo estipulação em contrário) logo que haja alteração (legal ou voluntária) da renda ou logo que decorra o prazo de cinco anos sobre a data do começo da primeira prorrogação; neste último caso não há necessidade, para que a extinção se opere, de qualquer notificação do fiador ao senhorio, porque como resulta do próprio texto da lei, a cessação se verifica imediatamente com o mero decurso do prazo.
Referiu-se também na sentença recorrida, quanto ao caso dos autos, que no contrato se estabeleceu que “fica por fiador e principal pagador do arrendatário, pelo exacto cumprimento de todas as condições inerentes a este contrato e suas prorrogações o Sr. Alberto da Silva Marques Padeiro.”
Acrescentou-se que o presente contrato é de Agosto de 1989 e foi celebrado pelo período de um ano, renovou-se em Agosto de 1990 por mais um ano ou seja até Agosto de 1991; significa isto e de acordo com o que acima se deixou dito em 1 de Janeiro de 1993 (data da primeira alteração da renda) ou em Agosto de 1995 (5 anos após o início da primeira prorrogação) a fiança extinguiu-se.
Como as rendas em dívida não se reportam a esta período, considerando que a fiança se extinguiu em 1/1/93, entendeu-se ser devedora tão somente a primeira Ré.
3 – Ora, prescreve o já citado artigo 655 do Código Civil: 1- “A fiança pelas obrigações do locatário abrange apenas, salvo estipulação em contrário, o período inicial de duração do contrato”; 2- “Obrigando-se o fiador relativamente aos períodos de renovação, sem se limitar o número destes, a fiança extingue-se, na falta de convenção, logo que haja alteração da renda ou decorra o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação”.
Em anotação a este artigo, no Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, escreveu-se: - “As disposições que se contêm neste artigo são supletivas. Nada obstará a que se estabeleçam no contrato regras diferentes das legais, e se obrigue o fiador em termos mais ou menos gravosos” ...... “Só pode deixar de se aplicar o princípio do nº1, quando do contrato resulte uma vontade diferente, e pode ser um elemento, em alguma medida atendível, mas não decisivo, para a interpretação da vontade, a circunstância de a lei impor ao senhorio a renovação do contrato”.
Mais adiante, quanto ao nº2 (na hipótese de o fiador se ter obrigado relativamente aos períodos de renovação, sem limitar o número destes), refere-se: - “Em princípio, a regra deste número aplica-se, quer se trate de renovação legal, quer contratual. Deve presumir-se que é indiferente para o fiador tratar-se de um caso ou de outro. Mas, é claro que esta presunção pode falhar; tudo depende da interpretação que se encontrar para o negócio jurídico”. “A lei também não distingue entre alteração contratual da renda e alteração legal resultante de actualização imposta ao arrendatário. Em qualquer dos casos, salvo convenção em contrário, a garantia caduca”.
Resulta do acabado de referir, que as regras do artigo 655 do Código Civil têm natureza supletiva, podendo depender a sua aplicação de existir ou não convenção em contrário, que pode constar do contrato de arrendamento ou ser posterior.
Como se vê do contrato de arrendamento junto a folhas 12 (mencionado na B) dos factos assentes), na sua cláusula 3ª consta: a) “A renda inicial anual acordada é de Esc. 420.000$00 (...) durante o 1º ano deste contrato. b) A renda das renovações subsequentes será aquela que resultar da actualização legal ...”.
Como se transcreveu supra nº2, e consta a folhas 12 vº do contrato de arrendamento, nele se consignou que “fica por fiador e principal pagador do arrendatário, pelo exacto cumprimento de todas as condições inerentes a este contrato e suas prorrogações o Sr. Alberto da Silva Marques Padeiro...”.
Assim, no próprio contrato de arrendamento, o fiador garantiu o cumprimento de obrigações contratuais do período inicial do contrato com a renda nele convencionada, tal como assumiu as obrigações contratuais resultantes das renovações do contrato mesmo com a respectiva actualização legal da respectiva renda.
Assim, quanto às rendas, está afastado o regime supletivo do artigo 655-nº2 do Código Civil, não se tendo extinguido a fiança por motivo de “alteração da renda”.
Ora, considerando o que consta da alínea C) dos factos assentes, em 1/8/95, havia decorrido o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação, pelo que, antes do fim desse prazo, só estava em dívida a renda respeitante a Agosto de 1994, da quantia de 49.945$00 (al. G) dos factos assentes e resposta ao quesito 1º).
Como em Agosto de 1994 não estava extinta a fiança, o Réu fiador é também responsável pelo pagamento daquela quantia, como a 1ª Ré (artigos 627 e 640 a) do Código Civil) acrescida dos juros legais nos termos referidos supra nº1.
Nesta parte e na medida em que não contraria o exposto neste número, aceita-se o afirmado nas conclusões 2ª a 10ª das alegações dos apelantes.
4 – No entanto, a responsabilidade do 2º Réu (fiador) não se mantém quanto às outras rendas em dívida, que são posteriores a 1/8/95, que se reportam a períodos em que já tinha decorrido “o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação”, referido na parte final do nº2 do artigo 655 do Código Civil.
Como resulta do artigo 655 do Código Civil, a fiança dirige-se apenas ao período inicial de duração do contrato, podendo, por convenção entre as partes, estender-se aos períodos de renovação, desde que se fixe o número desses períodos.
Ficando indeterminado esse número (como sucede no caso destes autos), a fiança extingue-se decorrido o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação (nº2 deste artigo).
Também, do princípio geral do artigo 654 do Código Civil, resulta que, não havendo prazo fixado pelas partes, a fiança extingue-se decorridos cinco anos sobre a sua prestação.
Como consta de folhas 12 vº, no contrato de arrendamento em causa nestes autos (na parte que se transcreveu no número anterior), o fiador obrigou-se também em períodos de prorrogação do contrato, mas não se fez qualquer referência quanto ao número de prorrogações, nem ao período ou períodos de renovação do contrato.
Assim, a fiança extinguiu-se decorrido “o prazo de cinco anos sobre o início da primeira prorrogação” (artigo 655-nº2 do C.C.), ou seja em 1/8/95, pelo que o 2º Réu (fiador) não é responsável pelas rendas posteriores a tal data.
Assim, improcede o que em contrário se pretende com as restantes conclusões (11ª a 15ª) das alegações dos apelantes.
V – Em função do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação nos termos atrás referidos, nessa parte (quanto às rendas e juros), se revogando a sentença recorrida, e, por conseguinte:
a) Condena-se a Ré Maria Manuela de Brito Sequeira Domingues a pagar aos Autores a quantia de € 3.180,26 (correspondente a 637.585$00), acrescida de juros legais desde 3/10/96 até integral pagamento, juros que são de liquidar às seguintes taxas anuais:- de 10% até 16/4/99, de 7% desde 17/4/99 até 30/4/03, e de 4% desde 1/5/03.
b) Condena-se a mesma Ré a pagar aos Autores as rendas em dívida, posteriores a Julho de 1996 (até entrega do arrendado – em Setembro de 1997), acrescidas de juros desde o vencimento de cada uma delas (ou seja, desde o primeiro dia útil do mês anterior a que respeitar) até integral pagamento, juros que são os legais (às taxas referidas na alínea anterior).
c) Condena-se o Réu Alberto da Silva Marques Padeiro a pagar aos Autores a quantia de € 249,12 (correspondente a 49.945$00), acrescida dos juros legais nos termos referidos supra a), quantia esta e respectivos juros em que é co-responsável com a 1ª Ré (e que já estão incluídos naquela alínea).
Em tudo o mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, por Autores e Réus, na proporção do respectivo vencimento
Coimbra, 21/9/04