Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4141/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/01/2005
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 428.º E 1220.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Na execução da obra o empreiteiro actua se vínculo se subordinação jurídica ao dono da obra, facto que distingue a empreitada do contrato de trabalho, onde, verificando-se aquela subordinação, ao trabalhador apenas cabe fornecer o seu trabalho de harmonia com as suas competências técnicas, sem fixação de escopo.
2. Tendo o autor empreiteiro cumprido defeituosamente o contrato, não poderá receber a totalidade do preço convencionado, mas tão só a parte correspondente aos trabalhos efectuados.

3. A efectivação dos direitos do dono da obra em face do empreiteiro passa pelo percurso das fases a que se reportam os artigos 1220.º e seguintes do Código Civil, sendo certo que a indemnização se apresenta como dos últimos passos na senda da reparação dos danos sofridos pelo dono da obra.

4. Ao dono da obra cabe solicitar previamente, além do mais, a eliminação dos defeitos da obra e a realização dos trabalhos necessários à respectiva conclusão.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal de Relação de Coimbra.
A..., residente em Vasconha, Queirã, veio instaurar a presente acção sob a forma de processo sumário contra B... e mulher C..., residentes em Portela, Couto de Cima, Viseu, pedindo a declaração do incumprimento da parte dos RR. do contratualmente acor-dado, e em consequência que estes sejam condenados a pagar a quantia de esc. 2 184 020$00, acrescida de juros, e por fim que seja declarado o "direito de retenção" do A. sobre a obra que por si executada.
Para tanto alegou em suma, que no exercício da sua actividade tomou de empreitada a construção de uma moradia dos RR., tendo sido acordada uma programação do pagamento das prestações; contudo, só em Fevereiro de 2000 é que os RR. procederam à entrega de esc. 600.000$00; em fins de Março entregaram esc. 150.000$00; em meados de Julho entregaram esc. 500.000$00 e esc. 1.000.000$00, ficando em dívida esc. 1.890.000$00, a que acrescem os respectivos juros.
Os RR. regularmente citados, contestaram, excep-cionando que a quantia que pagaram ao A. foi superior àquela que este invocou, bem como alegaram terem veri-ficado que havia trabalhos por fazer e outros que apre-sentavam defeitos.
Deduziram ainda reconvenção alegando em suma que, os trabalhos a menos e necessários para corrigir os defeituosos montam a esc. 1 052 000$00, valor que pre-tendem ver ressarcido pelo A.
O A. apresentou resposta impugnando a veracidade do aludido montante pago pelos RR., bem como todo o teor da reconvenção e concluiu pela improcedência desta.
Elaborou-se despacho saneador e procedeu-se à selecção da matéria de facto relevante, e por fim rea-lizou-se a audiência de discussão e julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a acção improce-dente por não provada e consequentemente, atento o dis-posto nos artsº 1 207º, 428º nº 2 e 1 222º todos do Código Civil absolveu do pedido os RR. B... e C... dos pedidos formulados pelo A. A....
O mesmo aresto julgou de igual forma improcedente a reconvenção deduzida pelos RR., nos termos do artigo 1 222º nº 1 do Código Civil, absolvendo o Autor dos pedidos contra o mesmo formulados.
Daí os presentes recursos de apelação, principal e subordinado interpostos respectivamente pelo Autor e Réu tendo pedido:
- o primeiro no termo da sua alegação que se revo-gue a sentença apelada na parte em que julgou a acção improcedente e absolveu os RR. dos pedidos formulados pelo Autor, devendo julgar-se a acção procedente por provada e assim condenar-se integralmente aqueles nos pedidos formulados no petitório.
- Por seu turno os Réus que se decida que os mes-mos entregaram ao A., pelo menos, 3 434 000$00, por via do preço da empreitada em causa nos autos, e procedente o pedido reconvencional, condenando-se o A. a indemni-zar os RR. por todos os prejuízos causados pelo incum-primento definitivo daquele contrato, em montante a liquidar em execução de sentença, tudo com as demais consequências legais.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

Recurso principal do Autor

1) Com o presente recurso pretende-se que seja revogada a douta decisão na parte em que julgou impro-cedente por não provada a acção e absolveu os Réus dos pedidos formulados pelo Autor;
2) Da factualidade provada resulta que o Autor tomou de empreitada a construção de uma moradia dos Réus e que o valor a pagar por estes relativamente à fase do tosco da obra era de € 4 840 000$00, ou seja, 24.141,22 euros (factos provados nos pontos 2º, 3º e 4º);
3) Encontra-se também provada a forma e a progra-mação do pagamento das prestações referentes ao preço do contrato de empreitada (facto provado no ponto 5º);
4) De tal empreitada o autor realizou os trabalhos do tosco, referidos nos pontos 9º, 10º e 15º dos factos provados, ou seja, a aplicação da laje da cave, da laje do rés-do-chão e a execução da cobertura;
5) Pelo que, atenta a programação do pagamento dada como provada e anteriormente referida, os Réus deveriam ter pago ao Autor até à execução da cobertura que ocorreu no Verão de 2000, a quantia de esc. 4 141 000$00 ou sejam, 20.520,55 euros;
6) Acontece que conforme também resulta dos factos provados (ponto 7º) os Réus até Julho de 2000 só paga-ram ao autor a importância de esc. 2.950.000$00, ou sejam, 14.714,54 euros;
7) Conclui-se assim e conforme resulta da factua-lidade dada como provada, que os trabalhos efec-tuados pelo Autor não foram pagos de harmonia com o acordado;
8) De harmonia com o disposto nos artigos 406º nº 1 e 762º nº 1 do Código Civil, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, devendo a prestação debitória ser executada de harmonia com o estipulado, abrangendo assim o tempo, o lugar e modo da prestação;
9) Os Réus ao não efectuarem os pagamentos na forma aceite e anteriormente referida criaram uma situação equiparável ao incumprimento definitivo, situação esta que lhes é imputável;
10) Contudo, nos termos do artigo 795º n.º 2 do Código Civil não ficaram os Réus desobrigados da con-traprestação, ou seja, o pagamento do preço, ainda que não recebam a prestação;
11) De facto, o Autor só não executou os trabalhos referidos nos pontos 16º, 17º, 18º e 19º dos factos provados, devido ao incumprimento dos Réus e conse-quente mora no pagamento do preço acordado;
12) Para além disso, também não assiste qualquer razão à sentença recorrida quando refere que “... pro-vados defeitos nos trabalhos efectuados pelo A ... assiste razão aos RR.... em recusar o pagamento estipu-lado enquanto não forem eliminados tais defeitos... ”;
13) Face à existência de defeitos os Réus teriam que observar o disposto nos artigos 1 218º e seguintes do Código Civil;
14) Contudo e conforme resulta dos relatórios de peritagem juntos aos autos, quando foi realizada a perícia a obra estava praticamente concluída e habitada (resposta ao quesito 38º dos quesitos apresentados pelos Réus), o que quer dizer que os Réus entregaram a conclusão da obra a terceiros;
15) Tendo os Réus entregue a obra a terceiros con-sidera-se que desistiram da primeira empreitada, devendo por isso indemnizar o empreiteiro;
16) Para além disso, determina o artigo 1 218º do Código Civil que o dono da obra deve verificar a mesma antes de a aceitar, pois caso não o faça, a obra tem-se por aceite;
17) No caso em apreço não resulta da factualidade provada que os Réus tenham denunciado os defeitos da obra de harmonia com o disposto no artigo 1 220º do Código Civil;
18) Tal situação tem como consequência considerar-se a obra aceite com os defeitos que devendo ser denun-ciados não o foram;
19) Consequentemente, tendo-se como aceite a obra com os defeitos, não podia a sentença recorrida funda-mentar a não condenação dos Réus ao referir tão-somente que tendo ficado provados os defeitos nos tra-balhos efectuados pelo Autor, assiste razão aos Réus em recu-sar o pagamento do preço;
20) A sentença apelada violou entre outros e na parte decisória ora recorrida o disposto nos artigos 406º, 428º nº 2, 762º, 795º nº 2 1 218º, 1 219º e 1 220º do Código Civil.

Recurso subordinado dos RR.

1) O A. confessou, no petitório, que recebeu, pelo menos, dos RR. a qual de esc. 2.950.000$00, relativa ao preço da empreitada (1ª fase);
2) Decorre do contrato em causa que o R. marido pagou no acto da assinatura do mesmo dez por cento (10%) do valor da empreitada (ou seja, com IVA, Esc. 484.000$00)
3) A legitimidade da recusa dos RR. no pagamento da totalidade do preço está no facto de a obra ter “defeitos” e “trabalhos a menos”;
4) Ao deixar a obra, sem mais voltar a ela e/ou dar sinais de que a ela voltaria, o A. incumpriu defi-nitivamente o contrato em causa;
5) Daí que os RR. tiveram pois o direito de dar a terceiros a feitura daqueles trabalhos a menos e a colecção dos aludidos defeitos e de exigirem ao A. o pagamento dos respectivos montantes;
6) Não se tendo apurado estes, deverá o A. ser condenado no pagamento dos valores que se vierem a liquidar em execução de sentença;
7) A sentença recorrida, violou, entre outras, as seguintes disposições legais: artsº 352º, 355º, 1 e 2 e 798º, todos do C.C. e nº 2 do art. 661º do C.P.C.; e, por erro de interpretação e/ou aplicação, o disposto nos artsº 1221º, 1222º e 1223º, todos do C.C.;
Contra-alegaram os apelados pugnando pela confir-mação da sentença.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.
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O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.
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2.1.1. O A., como empreiteiro de construção civil, executa construções e aceita a adjudicação de empreita-das e obras de construção civil.
2.1.2. No exercício dessa actividade, o A. tomou de empreitada a construção de uma moradia dos RR. que estes pretendiam levar a efeito no lugar de Portela, Couto de Baixo, Viseu.
2.1.3. O acordo referido em 2 previa duas fases na respectiva execução, sendo uma respeitante aos toscos e outra referente aos acabamentos.
2.1.4. O valor a pagar pelos RR. ao A., relativa-mente à fase do tosco da obra referida em 2 era de esc. 4 840 000$00, ou sejam 24.141,82 euros.
2.1.5. Entre A. e RR. foi acordada uma programação do pagamento das prestações nos seguintes termos: a) 10% do valor total da obra na data da assinatura do contrato; b) 25% do mesmo valor depois de aplicada a laje do r/c, correspondente ao valor de esc. 1.210.000$00 ou 6035,45 euros; c) 25% do mesmo valor depois de finalizada a cobertura que implica o respec-tivo fecho, correspondente ao valor de 6035,45 euros; d) 15% do mesmo valor quando se considerar finalizada a empreitada e consequentemente o cumprimento integral do contrato, correspondente ao valor de esc. 726.000$00 ou 3621,27 euros.
2.1.6. O A. iniciou a construção dos toscos em Janeiro de 2000.
2.1.7. Até Julho de 2000 os RR. pagaram ao Autor, pelo menos, a importância de esc. 2.950.000$00 ou 1.4714,54 euros.
2.1.8. No âmbito dos autos de providência cautelar não especificada nº 59/2000 apensos, entre o aí reque-rente, ora Autor, e os aí requeridos, ora RR., foi efectuada transacção, homologada judicialmente, cujos termos constam de fls. 139 de tais autos.
2.1.9. O A. aplicou a laje da cave da moradia referida em 2º.
2.1.10. O A. colocou a laje do r/c dessa moradia.
2.1.11. Os RR. em 22/3/2000 pagaram ao A. a quan-tia de 700.000$00 ou 3491,59 euros.
2.1.12. E em fins de Maio os RR. entregaram ao A. 150.000$00 ou 748,20 euros.
2.1.13. Em meados de Julho os RR. entregaram ao A. 1000.000$00 ou 4987,98 euros.
2.1.14. Em fins de Julho os RR. entregaram ao A. 500.000$00 ou 2493,99 euros.
2.1.15. O A. executou a cobertura no Verão de 2000.
2.1.16. Quando o A. executou a cobertura faltava ligar 2 chaminés da placa do r/c à placa da cave.
2.1.17. Quando o A. deixou a obra faltava executar uma parede nas escadas do 1º andar da moradia em causa.
2.1.18. Faltava ainda proceder à junção de todas as paredes às respectivas placas e às escadarias do exterior.
2.1.19. Na generalidade as telhas aplicadas pelo A. estavam assentes de forma deficiente.
2.1.20. Sendo essa uma das causas das infiltrações verificadas.
2.1.21. O A. colocou as telhas dos telheiros sobre vigas e ripas.
2.1.22. O A. aplicou na escadaria interior “ferro de 6” na “distribuição” e ferro de 12” na “força”.
2.1.23. O ferro adequado à “força” era o ferro de 12.
2.1.24. A moradia não tem torça na porta da sala.
2.1.25. A falta de torças pode originar fissuras nas paredes.
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2.2. O Direito.
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Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Os elementos caracterizadores do contrato de empreitada.
- Houve incumprimento do contrato?
- O direito de retenção.
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2.2.1. Os elementos caracterizadores do contrato de empreitada.
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Está em causa a análise de vários aspectos ligados a um "contrato de empreitada" celebrado entre o Autor na qualidade de empreiteiro e os RR. como donos da obra.
Pelo aludido contrato, diz-nos o artigo 1 207º do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão doravante os restantes normativos citados sem menção de origem – "uma das partes obriga-se em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço".
Na execução do contrato o empreiteiro compromete-se a entregar uma obra, o resultado do seu trabalho, nos termos acordados com o outro contraente, sendo certo que na consecução da obra actua sem vínculo de subordinação jurídica a este último, facto que distin-gue a empreitada do contrato de trabalho, onde verifi-cando-se aquela subordinação, ao trabalhador apenas cabe fornecer o seu trabalho de harmonia com as suas competências técnicas, sem fixação de escopo final. A empreitada surge-nos pois ao lado do mandato e do depó-sito como uma modalidade do contrato de prestação de serviço, cujo objecto é o resultado de um trabalho manual ou intelectual – artigos 1 154º ss do Código Civil Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado" II, Coimbra Editora, 4ª Edição, 1997, pags. 782 ss e 863 ss. Para mais alguns desenvolvimentos Cfr. Pedro Romano Martínez "Direito das Obrigações", Parte Especial, Empreitada, Almedina, Coimbra 2000, pags. 333 ss. Na Jurisprudência Cfr. por todos Ac. do S.T.J. de 17-6-1998 (P. 565/98) in Bol. do Min. da Just., 478, 351. .
Trata-se de um contrato sinalagmático, ostentando ainda a natureza de comutativo, oneroso e consensual.
A classificação do contrato como sendo de emprei-tada não vem em si colocada em crise; é pacífico que no exercício da sua actividade o Autor tomou de empreitada a construção de uma moradia dos RR. tendo sido acordada uma programação do pagamento em prestações, tal como vem referido no ponto 2.1.5. dos "Factos provados".
O problema fundamental que se discute na presente acção, prende-se com o incumprimento contratual que ambas as partes assacam reciprocamente e que passamos a abordar.
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2.2.2. Do incumprimento contratual.
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A presente acção trata de um contrato de emprei-tada em que o Autor como dono da obra contratou com os RR. a construção de uma moradia que estes pretendiam levar a cabo no lugar da Portela, Couto de Baixo Viseu, cujo valor a pagar pelos RR. ao Autor relativamente à parte do tosco da obra era de € 24.141,82.
Na tese do Autor, os RR. não efectuaram os pagamen-tos de harmonia com o estipulado, sendo certo que radica naquela falta de pagamento a razão pela qual o Autor não executou os trabalhos referidos nos pontos 16º, 17º 18º e 19º dos factos provados. E a haver defeitos nas obras os RR. deveriam tê-los denunciado com observância do disposto nos artigos 1 218º ss. Por seu turno os RR. devolvem o incumprimento con-tratual ao Autor; a obra apresentava defeitos e o Autor abandonou-a sem razão para tanto. Tal facto justificou, na sua tese, a entrega da obra a terceiros para conclu-são.
Pronunciando-se sobre o pedido do Autor, a sen-tença considerou-o improcedente com o fundamento de que foi lícito aos RR. recusar o pagamento enquanto os RR. não procedessem à eliminação dos defeitos que a obra ostentava.
Quanto ao pedido reconvencional dos RR., traduzia-se na condenação do Autor no pagamento da quantia de esc. 252 000$00 relativa ao excedente da feitura dos trabalhos a menos e reparações sobre os esc. 800 000$00 do restante preço, bem como das quantias que se vierem a apurar relativas à substituição e feitura e ainda desvalorização alegadas na contestação.
Este pedido foi de igual forma julgado improce-dente, em virtude de os RR. não haverem seguido a tra-mitação a que alude o artigo 1 218º ss do Código Civil.
Vejamos:
Apreciando a apelação do Autor, vem provado que os RR. não lhe pagaram a totalidade do preço acordado; nesta conformidade não há dúvida de que incorreram em incumprimento da sua parte no sinalagma contratual.
Só que prova-se igualmente ter havido do próprio Autor por um lado imperfeito cumprimento da empreitada; na verdade faltava proceder à junção de todas as pare-des às respectiva placas e às escadarias do exterior; na generalidade, as telhas aplicadas pelo Autor estavam assentes de forma deficiente, sendo essa uma das causas das infiltrações verificadas. O Autor colocou as telhas dos telheiros sobre vigas e ripas; aplicou na escadaria interior ferro de 6 na distribuição e ferro de 12 na torça; a moradia não tem torça na porta da sala. A falta de torças pode originar fissuras nas paredes. Mas para além de imperfeito cumprimento da empreitada houve incumprimento parcial da mesma, que se traduziu nomea-damente na falta de uma parede nas escadas do 1º andar e bem assim da junção de todas as paredes às respecti-vas placas e às escadarias do exterior.
Estatui o artigo 428º do Código Civil que "Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo". Essencial é que se atente, como refere Almeida Costa, que "Pressuposto expresso no nº 1 do artigo 428º do Código Civil é o de que não existam pra-zos diferentes para o cumprimento das pres-tações. Esta exigência carece de interpretação exacta. Com efeito o seu verdadeiro sentido reconduz-se à impo-sição de que o excepcionante não se encontre obrigado a cumprir antes da contraparte. Assim a diversidade de prazos obsta à invocação da exceptio pela parte que primeiro tenha de efectuar a sua prestação, mas nada impede a outra de opô-la" Cfr. A. citado in RLJ Ano 119, pags. 143. (sublinhado nosso). O campo de aplicação do normativo supracitado é o dos contratos sinalagmáticos; pretende-se aqui não tanto sancionar a contraparte faltosa mas antes conse-guir um ponto de equilíbrio entre as prestações coa-gindo ao cumprimento o sujeito faltoso do sinalagma contratual Mais desenvolvimentos podem encontrar-se em Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado" I, 4ª Edição 1987, pags. 406. .
Esta norma aplica-se ao cumprimento defeituoso, ou seja a chamada exceptio non rite adimpleti contratus, desde que a respectiva invocação não se revista de ofensa grave aos princípios da boa-fé Cfr. para além dos AA. citados ainda José João Abrantes "A excepção de não cumprimento do contrato no direito civil Português", Almedina, Coimbra, 1986, pags. 92 ss. Na Jurisprudência podem ver-se a título de exemplo Ac. do S.T.J. de 3-4-2003 (P. 673/2003) in Col. de Jur., 2003, II, 21; de 11-10-2001 (P. 2571/01) in Col. de Jur., 2001, 3, 65. Desta Relação de 2-2-1999 (R. 773/98) in Col. de Jur., 1999, I, 24; de 14-4-1993 (R. 950/92) in Col. de Jur., 1993, 2, 35 in Col. de Jur., 1993, 2, 35. .
Decidiu a sentença apelada que provados defeitos nos trabalhos efectuados pelo Autor… assiste razão aos RR. em recusar o pagamento estipulado enquanto não forem eliminados tais defeitos… . Contra tal se insurge o Autor apelante, referindo que os mesmos não podem invocar a excepção do não cumprimento do contrato já que não seguiram para tanto o ritualismo a que alude o artigo 1 218º do Código Civil, é a tramitação de denún-cia dos defeitos nos termos ali versados. Entendemos que o apelante não tem razão; nada nos diz na lei que para invocar a citada exceptio, tenham os RR. que haver denunciado previamente os defeitos da obra; as normas acima citadas apenas obrigam o dono da obra a seguir determinadas etapas para se ressarcir dos pre-juízos; contudo e uma vez demandados para o pagamento de alguma importância que reputam dependente de prévia pres-tação da contraparte, podem na verdade recusar tal pagamento caso a aludida prestação não se mostre em conformidade com os termos do contrato Sob este aspecto o incumprimento parcial ou defeituoso equipara-se ao incumprimento total; como refere Antunes Varela in Parecer Colectânea de Jurisprudência Ano XII, 1987, Tomo IV, pags. 33 "o que é justo e o que está conforme com o pensamento subjacente aos contratos bilaterais, espelhado claramente no artigo 428º e noutras disposições mais do Código Civil é que o contraente que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação enquanto não corrigir o defeito da sua prestação". . Nesta medida e como impressi-vamente refere Karl Larenz "Der Beseiti-gung-sanspruch ist also nichts anderes als der Erfül-lung-sanspruch in modifizierter Gestalt“ Cfr. Karl Larenz "Lehrbuch des Schuldrechts Zweiter Band Besonderer Teil" 13ª Auflage C.H. Beck, München 1986, pags. 350., ou seja o direito à supressão (do defeito) nada mais é do que o direito ao cumprimento da parte do empreiteiro embora noutra veste (tradução nossa).
Afastamo-nos assim da posição tomada neste particu-lar por Romano Martínez, para quem a denúncia do contrato funciona como condição prévia para a invocação da exceptio Cfr. A. citado in "Cumprimento Defeituoso Em especial na Compra e Venda e na Empreitada" Teses, pags. 328 ss.
. Neste aspecto a doutrina de Antunes Varela no citado Parecer e o Ac. desta Relação de 6 de Janeiro de 1994, que vão no sentido da posição que tomamos afiguram-se, sem qualquer ofensa ao direito vigente, a que melhor garante o equilíbrio da realiza-ção das prestações, impedindo situações abusivas e de flagrante injustiça.
Nesta conformidade nada há a censurar à sentença apelada quando diz que tendo o Autor cumprido defeituo-samente o contrato, não poderá receber a tota-lidade do preço convencionado, mas tão só a parte cor-respondente aos trabalhos efectuados. Ora a tal corres-ponde preci-samente a quantia de € 14.714,54 até à altura em que colocou a cobertura que correspondia à fase c) do acordo referido em 2.1.5. dos factos prova-dos.
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Sucede que os RR. deduziram reconvenção na qual pediam a condenação do Autor no pagamento da quantia de esc. 252 000$00 (€ 1.256,97) relativa ao excedente da feitura dos trabalhos a menos e reparações sobre os esc. 800 000$00 do restante preço (€ 3.990,38) bem como nas quantias que se viessem a apurar relativas à subs-tituição e feitura e ainda desvalorização alegadas na contestação.
Na presente reconvenção já não está em causa a excepção de não cumprimento do contrato, ao contrário do que sucedia aquando da defesa no recurso do Autor, mas antes uma indemnização por prejuízos com alegadas deficiências que a obra apresenta. Ora a efectivação do direito dos RR. em face do Autor empreiteiro passaria pelo percurso das fases a que se reportam os artigos 1 220º ss do Código Civil, sendo certo que a indemnização se apresenta como dos últimos passos na senda da repa-ração dos danos alegadamente sofridos pelos RR.. Cabia na verdade a estes últimos solicitar previamente além do mais a eliminação dos defeitos da obra e a realiza-ção dos trabalhos necessários à respectiva conclusão. Os RR. não demonstraram haver formulado qualquer pedido nesse sentido, nem tão pouco qualquer recusa da Autora nesse sentido.
Pelo exposto as apelações improcedem, o que dita a confirmação da sentença apelada.

Pode pois concluir-se o seguinte:

1) Na execução do contrato de empreitada o emprei-teiro compromete-se a entregar uma obra, o resultado do seu trabalho, nos termos acordados com o outro con-traente.
2) Na consecução da obra o empreiteiro actua sem vínculo de subordinação jurídica ao dono da obra, facto que distingue a empreitada do contrato de trabalho, onde verificando-se aquela subordinação, ao trabalhador apenas cabe fornecer o seu trabalho de harmonia com as suas competências técnicas, sem fixação de escopo final.
3) A empreitada surge-nos pois ao lado do mandato e do depósito como uma modalidade do contrato de pres-tação de serviço, cujo objecto é o resultado de um tra-balho manual ou intelectual – artigos 1 154º ss do Código Civil.
4) Trata-se de um contrato sinalagmático, osten-tando ainda a natureza de comutativo, oneroso e consen-sual.
5) Em princípio se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das presta-ções, cada um dos contraentes tem a faculdade de recu-sar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo – artigo 428º CC.
6) A diversidade de prazos obsta à invocação da exceptio pela parte que primeiro tenha de efectuar a sua prestação, mas nada impede a outra de opô-la.
7) O campo de aplicação do normativo supracitado é o dos contratos sinalagmáticos; pretende-se aqui não tanto sancionar a contraparte faltosa mas antes conse-guir um ponto de equilíbrio entre as prestações coa-gindo ao cumprimento o sujeito faltoso do sinalagma contratual.
8) Tendo o Autor empreiteiro cumprido defeituosa-mente o contrato, não poderá receber a totalidade do preço convencionado, mas tão só a parte correspondente aos trabalhos efectuados.
9) Improcede a reconvenção deduzida pelos RR. na qual pediam a condenação do Autor no pagamento da quan-tia referente ao excedente da feitura dos trabalhos a menos e reparações bem como nas quantias que se viessem a apurar relativas à substituição e feitura e ainda desvalorização alegadas na contestação.
10) Na verdade, a efectivação do direito dos RR. em face do Autor empreiteiro, passa pelo percurso das fases a que se reportam os artigos 1 220º ss do Código Civil, sendo certo que a indemnização se apresenta como dos último passos na senda da reparação dos danos ale-gadamente sofridos pelos RR..
11) Cabia a estes últimos solicitar previamente além do mais a eliminação dos defeitos da obra e a rea-lização dos trabalhos necessários à respectiva conclu-são. Ora os RR. não demonstraram haver formulado qual-quer pedido nesse sentido, nem tão pouco qualquer recusa do Autor.
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3. DECISÃO.
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Pelo exposto decide-se o seguinte:
- Julgam-se as apelações improcedentes confir-mando-se a sentença apelada.
Custas pelos apelantes.