Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
309/07.2TTTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: CADUCIDADE DA ACÇÃO
PRESTAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
Data do Acordão: 06/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 32º, Nº 1, DA LAT (LEI Nº 100/97, DE 13/09), E D. L. Nº 143/99, DE 30/04.
Sumário: I – Prescreve o nº 1 do artº 32º da LAT que o direito de acção respeitante às prestações fixadas nessa lei (prestações infortunísticas por acidente de trabalho) caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultar a morte a contar desta.

II - A contagem do prazo de caducidade previsto no artº 32º da LAT inicia-se com a notificação ao sinistrado da data da alta ou da cura clínica.

III – A comunicação da cura clínica tem natureza formal – artºs 32º, nº 2, e 63º, nº 1, do D.L. nº 143/99, de 30/04 -, devendo o médico assistente emitir um boletim de alta, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões.

IV – A inobservância dos referidos requisitos equivale à falta desse documento, como dispõe o nº 2 do artº 63º do D.L. nº 143/99.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Frustrada a conciliação veio A... , residente em ...., patrocinada pelo MºPº propor a presente acção emergente de acidente de trabalho contra:

- B....COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, com sede em .... e;

- C... , com sede em ... pedindo a condenação:

Da R. seguradora:

a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 347,54 €,devida desde o dia imediato ao da alta;

b) A indemnização de 133,23 €, relativa aos períodos de incapacidade temporária;

c) Os juros de mora legais até integral pagamento.

Da R. entidade patronal:

a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 230,54 €, devida desde o dia imediato ao da alta;

b) A indemnização de 610,43 €, relativa aos períodos de incapacidade temporária;

c) Os juros de mora legais até integral pagamento.

Alegou, em resumo, que: sofreu um acidente de trabalho no dia 13.06.2004 quando trabalhava sob as ordens e direcção da R. “C...”; auferia o salário anual de 8.513,74 €, estando transferidos para a R. seguradora apenas o salário anual de 5.118,40 €.


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Contestaram as rés alegando, em resumo:

A seguradora:

Invocou a caducidade do exercício do direito pela A., visto que esta foi considerada curada sem qualquer desvalorização em 30 de Maio de 2005, conforme boletim de alta e não aceitou a desvalorização invocada pela A..

A entidade patronal:

Invocou a caducidade do exercício do da autora à reparação na medida em que esta foi considerada curada sem qualquer desvalorização em 30 de Maio de 2005, conforme boletim de alta;

Não aceitou a desvalorização invocada pela A..


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II - No despacho saneador decidiu-se pela improcedência da excepção peremptória de caducidade do direito de accionar suscitada pela R. seguradora, tendo sido seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória,

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Não se conformando com o decidido neste despacho dele interpôs recurso a seguradora o que, recebido como de apelação, foi mandado subir a final.

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Nas suas alegações concluiu:

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Respondeu o autor alegando em conclusão:

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III – No normal prosseguimento dos autos veio, a final, a ser proferida sentença na qual foi decidido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência foram as rés condenadas:

1. A Ré seguradora a pagar à Autora:

a) O capital de remição correspondente à pensão devida desde 31/05/05, no montante de 382,25 € (trezentos e oitenta e dois euros e, vinte e cinco cêntimos);

b) a quantia de 220,23 € (duzentos e vinte euros e, vinte e três cêntimos) a título de diferenças pelos períodos de incapacidade temporária

3) Juros de mora à taxa legal (4%), sobre as prestações pecuniárias em atraso – cfr. art. 135.º do Cód. Proc. de Trabalho.

2) A Ré entidade patronal a pagar à Autora:

a) O capital de remição correspondente à pensão devida desde 31/05/05, no montante de 195,83 € (cento e noventa e cinco euros e, oitenta e três cêntimos);

b) Mais se condena a pagar a título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária a quantia de – 520,86 € (quinhentos e vinte euros e, oitenta e seis cêntimos);

3) Juros de mora à taxa legal (4%), sobre as prestações pecuniárias em atraso – cfr. art. 135.º do Cód. Proc. de Trabalho.


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Inconformada veio a ré seguradora apelar, alegando e concluindo:

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Respondeu o autor pugnando pela integral confirmação do julgado.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

IVDos factos:

Da 1ª instância vem assente a seguinte matéria de facto, que se fixa:

(……………………………………………………………………………….)


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V - Do direito:

Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso (artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), a questão que importa resolver é a seguinte:

Se caducou ou não o direito de acção da autora relativamente às prestações fixadas na LAT (Lei 100/97 de 13/09).

A propósito desta questão escreveu-se no despacho recorrido:

Veio a R. Seguradora -, em sede de articulado de defesa, arguir a excepção peremptória de caducidade do direito de accionar, argumentando o seguinte:

A A. participou o acidente a este Tribunal em 03 de Março de 2007;

Quando lhe havia sido atribuída alta clínica, curada sem qualquer desvalorização em 30 de Maio de 2005, conforme Boletim de Alta, de cujo teor a A. tomou conhecimento, nessa data;

A A. tomou efectivamente conhecimento da sua alta clínica nessa data, tendo em conta nomeadamente a sua assinatura aposta no documento;

Mostrando-se assim precludido o prazo de um ano para o exercício do direito de acção, previsto no art. 32 da LAT.

Prescreve o n 1 do art. 32 da LAT o seguinte: "O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultar a morte a contar desta".

O evento que limita a contagem do prazo de caducidade é a alta clínica ou a morte do sinistrado. É a partir da data de ocorrência de uma ou de outra que se inicia a contagem do prazo de caducidade (o cômputo do termo faz-se segundo a regra do art. 279.°, al. c), do Código Civil).

Só com a entrega do boletim de alta as partes - designadamente ao próprio sinistrado - se toma conhecimento directo e efectivo de que o sinistrado foi considerado clinicamente curado (vide, Carlos Alegre, in Regime Jurídico Anotado Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.a Edi., pág. 152).

Sendo o acto impeditivo da caducidade a participação do acidente ao tribunal de trabalho competente. A referida participação a tribunal implica o exercício oficioso do direito de acção, pondo termo à contagem do prazo de caducidade que se vem fazendo desde a notificação da cura clínica (boletim de alta).

Com efeito, nos termos do art. 99° n. 1 do Cód. Proc. de Trabalho: "O processo inicia-se por uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e tem por base a participação do acidente".

No caso em apreço, a seguradora escuda-se no documento de fls. 02.° e, de fls. 58.° para alicerçar a sua tese de caducidade ao exercício da acção.

Nesse documento, emitido pelos serviços clínicos da seguradora, constam os seguintes dizeres, sob a epígrafe "situação do sinistrado": - "Comunica-se que o sinistrado -A..., teve alta em 2005.05.30, curado sem desvalorização, podendo retomar o trabalho".

No referido documento, em baixo, constam as assinaturas quer da sinistrada, quer do seu médico assistente.

Configurará tal documento, o boletim de alta exigido por lei?

Como se sabe, nos termos do nº 2 do art. 32º do Dec. Regulamentar (DL nº 143/99 de 30/04) “Quando terminar o tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emitirá um boletim de alta, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões",

Por seu turno, prescreve o art. 63° nº 1 do citado diploma legal, o seguinte: "As participações, os boletins de exame e alta e os outros formulários referidos neste diploma, que poderão ser impressos por meios informáticos, obedecem aos modelos aprovados oficialmente, devendo ser rigorosa e integralmente preenchidos e assinados, de forma indelével e facilmente legível". E, nos termos do nº 2: "O não cumprimento do disposto no número anterior equivale à falta de tais documentos, podendo ainda o tribunal ordenar a sua substituição".

Ora, tendo em apreço as citadas disposições legais, temos como seguro que, o referido documento de fls. 02.° e 58°, não consubstancia o boletim de alta.

Aliás, a própria R. seguradora ainda no decurso da fase conciliatória, veio juntar o boletim de alta da sinistrada (vide, fls. 49° aqui dado por integralmente reproduzido), sem qualquer outra indicação ou prova de que, o mesmo foi enviado ou entregue á sinistrada”.

Na apreciação desta questão há a considerar que se encontra assente que:

a) Com data de 30/05/2005, a ré seguradora entregou à autora o doc. que faz fls. 2 e 58 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual fixou a data da alta da sinistrada em 30 de Maio de 2005.

b) A presente acção deu entrada em Tribunal no dia 23/03/07.

c) Só no decurso da acção é que a seguradora veio juntar o boletim de alta – fls. 49.

É ponto assente que a contagem do prazo de caducidade previsto no artº 32º da LAT se inicia com a notificação ao sinistrado da data da alta ou cura clínica.

No caso, há que saber se o documento que faz fls. 2 e 58 dos autos, emitido pela ré seguradora, pode valer como comunicação à autora da data da cura clínica, ou seja, se pode validamente ser considerada como boletim de alta

Do dito documento intitulado “situação do sinistrado” constam os seguintes elementos: nº da apólice, nome da sinistrada, data da alta, data da emissão do documento e assinaturas da sinistrada e do médico.

Como é sabido a comunicação da cura clínica tem natureza formal.

Isso mesmo resulta expressamente do disposto nos artºs 32ºnº 2 e 63º nº 1 do Dec. Lei nº 13/99 de 30/04.

Ora, o documento emitido pela seguradora no qual se fez constar como data da alta o dia 30 de Maio de 2005, não satisfaz minimamente o exigido pelo citado artº 32º nº2 dele não constando a causa da cessação do tratamento, o grau de incapacidade permanente, não se fazendo alusão a quaisquer razões justificativas da cura clínica.

Por isso, a inobservância dos referidos requisitos equivale à falta do documento tal como dispõe o nº 2 do artº 63º do citado Dec. Lei .

Já no domínio da legislação anterior (Lei 2.1127 e Dec. Lei nº 360/71) era este o entendimento jurisprudencial de que são exemplos os acórdãos desta Relação de 22/02/01, processo 3.625-2000[1] e de 20/10/05, processo nº 1.830/05[2].

Entendimento este que se mantém actual considerando que a nova LAT, no que à questão concerne, nada trouxe de novo.

Assim sendo, aquando da participação do acidente a Tribunal que, como se sabe, funciona como acto impeditivo da caducidade, ainda nem sequer o prazo de caducidade se havia iniciado por não ter sido emitido validamente boletim de alta.

Consequentemente não merece qualquer censura o decidido no despacho saneador e na sentença.


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VI Termos em que se delibera julgar improcedentes as apelações com integralmente confirmação das decisões recorridas.

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Custas pela recorrente.

[1] “II - O prazo inicia-se com a entrega ao sinistrado do 'boletim de alta', obrigatoriamente passado pelo médico assistente, no termo do respectivo tratamento, o qual deverá conter os elementos discriminados no nº2 do art.35° do Dec .n° 360/71, de 21 de Agosto. III -  Não satisfaz essa exigência legal um documento emitido pelos serviços administrativos da Seguradora, como o constante dos autos, a fls. 78, pois o único conhecimento juridicamente vinculante, para o efeito, é o que resulta da entrega do 'boletim de alta', emitido em conformidade com identificada norma do Dec. Regulamentar da LAT, obrigatoriedade de emissão e entrega essas que têm por alcance, não só dar conhecimento ao sinistrado da sua cura e das consequências das lesões sofreu, também permitir-lhe um fundamentado que mas exercício dos direitos que a Lei lhe concede na situação que o boletim descreve”

[2]II – É entendimento doutrinal e jurisprudencial unânime o de que o prazo de caducidade do direito de acção só começa a correr depois da efectiva entrega ao sinistrado do boletim da alta, não bastando o mero conhecimento por parte deste de que lhe foi conferida a alta.III – Correspondendo a cura clínica à situação em que as lesões desapareceram totalmente ou se apresentam como insusceptíveis de modificação com terapêutica adequada, só pelo boletim de alta, a entregar ao sinistrado, e naturalmente pela data nele aposta como sendo a da cura clínica, se poderá, válida e eficazmente, aferir o início do decurso do prazo de caducidade”.