Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2557/06.3TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: ASSISTENTE
INSTRUÇÃO CRIMINAL
REQUERIMENTO
Data do Acordão: 01/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 69º,283º,B) E C),287º CPP
Sumário: 1. O reconhecimento do assistente como sujeito processual bem como o seu estatuto processual não despublicizam, o processo penal.
2. O processo penal tem essencialmente natureza pública, pois é ao Estado que cabe o exercício da acção penal (note-se que mesmo nos crimes particulares é o Ministério Público que dirige a investigação).
3. Tanto o requerimento de acusação, do Ministério Público ou do assistente, como o requerimento para abertura da instrução, hão-de conter os elementos cingidos e confinados em que o juiz de instrução vai orientar e direccionar a actividade comprovatória, que permitirá concluir por um juízo de verificação dos pressupostos de que hão-de depender a aplicação da pena ou medida de segurança, do mesmo passo que haverão de permitir arguido colimar a sua defesa de modo a aduzir as causas de justificação que contraminem as razões de facto e de direito que o requerente lhe antepõe.
4. Não pode o tribunal diluir a sua actividade e a sua capacidade de indagação num “pântano” factual onde não é possível escandir com o mínimo de certeza e objectividade quais os factos que, em concreto, um sujeito processual imputa a outrem. O thema probandum quedaria de tal modo incerto e impreciso que permitiria a evanescência do sentido e arrimo probatório, ocasionando uma dispersão incompatível com um agir finalístico do processo penal, qual seja o de comprovar, através de um procedimento concatenado e direccionado, a existência, ou não, da verificação de um ilícito de natureza penal.
5. Agir no interior de um quadro factual arrumado e dirigido à conformação processual de uma actividade investigativa é o que se requesta de um requerimento em que um sujeito processual impetra a um órgão formal de controlo uma actividade investigativa destinada a comprovar ou a infirmar a ocorrência da factualidade elencada. Deixar ao alvedrio e errático alinhamento factual, ou de meras suposições e indicação suspeitosas, de um requerimento a actividade investigativa de um tribunal suscitaria um nível de insegurança e indefinição inconciliáveis como o rigor e arrimo à certeza que devem nortear e orientar a actividade de qualquer órgão jurisdicional.
6. O objecto da instrução tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Decisão Texto Integral: Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.
I. – Relatório.
Porque o Senhor Juiz do 2º Juízo do tribunal criminal da comarca de Leiria decidiu “por inadmissibilidade legal, [rejeitar] o requerimento de abertura de instrução (artigo 287º nº 3 do C.P.P.)”, recorre o assistente A...., tendo rematado a motivação com a síntese conclusiva que se apresenta transcrita em seguida.
“1. O assistente não se conformando com o despacho de arquivamento proferido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, requereu a abertura da Instrução.
2. No requerimento que apresentou, o assistente, arguiu em primeiro lugar a incompetência territorial do Tribunal de Leiria.
3. O despacho recorrido não se pronunciou quanto a arguida excepção.
4. Considerou como questão prévia a da admissibilidade legal da instrução.
5. Acabando por decidir pela rejeição do requerimento de abertura de instrução.
6. Salvo o devido respeito, impunha-se em primeiro lugar a decisão sobre a competência territorial do Tribunal. Essa sim a questão prévia a analisar!
7. A decisão sobre a admissibilidade legal da instrução, tem de ser proferida pelo Tribunal territorialmente competente.
8. O assistente suscitou a questão atempadamente – artigo 32º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
9. Aliás, a incompetência do Tribunal é por este conhecida e declarada oficiosamente – artigo 32º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
10. E sendo, como foi no caso, deduzida, não pode deixar de ser conhecida.
11. A omissão de pronúncia sobre questões que o Tribunal devesse apreciar, importa a nulidade da sentença – artigo 379º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal .
I 2. Mostrando, por conseguinte, nulo o despacho ora recorrido.
13. Por outro lado, a excepção de incompetência invocada, deveria proceder.
14.Nos termos do artigo 288º, n.º 2 do Código de Processo Penal, as regras de competência relativas ao Tribunal são correspondentemente aplicáveis ao Juiz de instrução.
15.É competente para conhecer de um crime o Tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação – artigo 19º, nº 1 do Código de Processo Penal.
16.Está em “casa” (sic) – querer-se-ia dizer “causa” – nos presentes autos um eventual crime de abuso de confiança, consubstanciado no facto das Companhias de Seguros Tranquilidade e Zurich, para as quais o assistente prestou serviços como mediador de seguros, se terem apoderado de diversos valores pertença do assistente.
17.Facto que, de resto, as referidas companhias admitem a fls. 76 e 82 dos autos, embora considerem legitima a recusa de entrega.
18.A existir o alegado crime, o mesmo consuma-se no momento em que as referidas Companhias de Seguro, decidem recusar a entrega dos valores.
19. Tal decisão por parte dos responsáveis das Companhias de Seguro, é tomada em Lisboa, local onde as referidas Companhias têm a sua sede e administração.
20.Assim, sendo, mostra-se competente o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.
21.E é a este Tribunal que cumpre proferir despacho sobre o requerimento de abertura de instrução.
22.0 Juiz de Instrução de Leiria, ao proferir decisão sobre o requerimento de abertura de instrução, fê-lo em violação das regras de competência do tribunal, mostrando-se tal decisão nula nos termos do disposto no artigo 119º, al. e) do Código de Processo Penal.
23. Sem prescindir, a decisão de rejeição do requerimento de abertura da instrução viola os artigos 286º e nº 2 e 3 do artigo 287º do Código de Processo Penal.
24.Considera-se naquela decisão que o assistente não identificou os arguidos, não fez uma narração sintética e precisa dos factos constitutivos do crime ou crimes nas suas circunstâncias de tempo, espaço e modo, não caracterizando o elemento subjectivo do crime ou crimes em causa.
25. Antes de mais, é forçoso concordar que o requerimento de abertura de instrução se apresenta defeituoso.
26. Contudo, entendemos, que ainda assim, não é de rejeitar.
27. Os arguidos, responsáveis pelas Companhias de seguro em causa, são perfeitamente identificáveis.
28. O assistente na queixa que apresentou faz referência ao período a que respeita a retenção e não pagamento.
29. Por outro lado, no requerimento de instrução, alegam-se factos susceptíveis de enquadrar o crime de abuso de confiança.
30. Com efeito, ali se diz que as Companhias de Seguro não entregaram ao assistente os valores que lhe pertenciam. O que terá de ser entendido com referência aos valores denunciados na queixa.
31.E que se locupletaram com tais valores, integrando-os no seu património.
32.Mais alegou que não colhia o argumento plasmado no despacho de arquivamento de que as Companhias exerceram um direito de retenção, já que, pelo menos a Companhia de Seguros Zurich tinha contratado com o assistente um seguro de responsabilidade civil de mediadores garantido pela apólice 002318180.
33.Assim, no seu requerimento para a abertura da instrução, o assistente observou o disposto no artigo 287º, nº 2 do C.P.P.
34. Inexistindo fundamento para a sua rejeição”.
Da resposta produzida pelo digno agente do Ministério Público junto do tribunal a quo respigamos as passagens interessantes para a problemática que nos ocupará a decisão do thema que nos foi submetido a apreciação.
“Não concordando com este despacho o Assistente recorreu do mesmo, assentando a sua argumentação em dois argumentos essenciais:
- o despacho recorrido não se pronunciou, em primeiro lugar, sobre a invocada incompetência territorial deste Tribunal para conhecer dos factos denunciados, antes optando por apreciar o requerimento de abertura de instrução.
- o requerimento de abertura de instrução contém os elementos necessários e suficientes em ordem a permitir a realização de um juízo sobre a existência ou não de crimes de abuso de confiança, sendo certo que o sentido de inadmissibilidade legal apenas abrange casos de falta de procedibilidade ou perseguibilidade penal.
Na verdade, os elementos constantes do requerimento de abertura de instrução apresentam-se algo indefinidos e imprecisos relativamente ao tipo de crime que naquele se tem como preenchido e indiciado.
Tal como é referido no despacho objecto de recurso, não é feita a concretização dos factos constitutivos do crime, não se concretiza o tempo e o modo da verificação do crime, não se identificam os autores dos factos em concreto.
Ora, ao Juiz de Instrução não cabe o papel de detalhar os autores do crime, nem as circunstâncias objectivas e/ou subjectivas em que o mesmo foi praticado. Quer isto dizer que, no requerimento de abertura de instrução, deve vir especificada, de forma minimamente concretizada a matéria que se tem como constitutiva da prática do crime, bem como a identidade dos seus autores, não bastando a sua indicação genérica ou a simples remissão para dados existentes no inquérito.
Veja-se que o requerimento para a abertura de instrução formulado pelo Assistente, na sequência de despacho de arquivamento do Ministério Público, equivale a uma acusação e, tal como esta delimita o objecto do processo, sendo que a falta de descrição, no requerimento dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena determinará a sua rejeição.
Acórdão da Relação do Porto de 23-5-2001, in CJ, ano 2001, Tomo III, pág. 238; Acórdãos da Relação de Lisboa de 5-12-2002 e 4-3-2004, in CJ, ano de 2002, tomo V, pág. 142 e CJ, ano 2004, tomo II, pág. 124 respectivamente.
CONCLUSÕES:
1º - Apresentado um requerimento de abertura da fase de instrução, após arquivamento do inquérito pelo Ministério Público, deverá o Juiz de Instrução, em primeiro lugar, avaliar se existe qualquer dos motivos que determinam a sua rejeição, constantes do artigo. 287° nº 3 do Código de Processo Penal.
2º- A invocação da excepção de incompetência territorial feita no requerimento de abertura da fase de Instrução não determina que o Juiz de Instrução conheça da sua existência, a titulo de questão prévia, antes de apreciar os motivos que obrigam a rejeitar aquele constantes do artigo acima indicado.
3º - Caso entenda que, por inadmissibilidade legal, deve rejeitar o requerimento de abertura da fase de instrução, o Juiz de Instrução não deverá conhecer de qualquer excepção – como a incompetência territorial – que tenha sido suscitada naquele requerimento.
4º - A inexistência de concretização dos elementos, objectivos e subjectivos, constitutivos do tipo de crime e do seus autores, no mencionado requerimento, ainda que aqueles dados constem do inquérito, determina que o pedido de abertura da fase de Instrução seja indeferida por inadmissibilidade legal”.
Já nesta instância, em munificente parecer, a distinta Procurador-geral Adjunto é de opinião que: “Como é sabido a instrução visa, no caso que nos ocupa, a comprovação judicial da decisão do Ministério Público de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286º, n.º 1, do Código de Processo Penal). Efectivamente, quando o Ministério Público não acusa, tratando-se de crime público ou semi-público, o assistente pode apresentar um requerimento para abertura da instrução que corresponde à dedução de acusação que, se for recebida, poderá levar à pronúncia de quem na mesma for identificado como arguido. O mesmo é dizer que, em tais casos, o assistente formula uma acusação alternativa à do Ministério Público.
Por isso que, em caso de ser aberta a instrução, a decisão instrutória a proferir só poderá recair sobre os factos que constem do requerimento para a respectiva abertura –, ficando o objecto do processo delimitado por esses factos, que não por quaisquer outros. É, aliás, o corolário lógico do princípio da “vinculação temática”, característico do acusatório, e bem assim da aludida finalidade da instrução.
Examinada pois, a esta luz, a questão controvertida, caberá então perguntar se o requerimento em apreço, tal como está formulado, satisfaz ou não as apontadas exigências de forma.
Como ensina a Prof. Teresa Beleza, in “Apontamentos de Direito Processual Penal”. AAFDL. 1995, III vol.. pág. 90, «a partir da acusação ou do requerimento para abertura da instrução, o objecto do processo fixa-se nos seus limites máximos. O Juiz de Instrução Criminal ou o Tribunal de Julgamento só poderão decidir dentro desses limites…».
Também Sou to Moura, in “Jornadas de Direito Processual Penal”. CEJ. Pág.126, escreve que «…0 Juiz de Instrução Criminal estará limitado à partida pela (actualidade relativamente à qual se pediu instrução (cfr. Arts. 287º, nºs 1 e 2 e 288.º n.º 4 do N.C.P.P.)>>.
Examinada pois, a esta luz, a questão controvertida, caberá então perguntar se o requerimento em apreço, tal como está formulado I satisfaz ou não as apontadas exigências de forma.
Pela nossa parte, diga-se que se nos afigura que a resposta não pode deixar de ser negativa. A nosso ver, e como bem salienta o despacho recorrido, o assistente não delimitou minimamente o objecto da instrução – formulando requerimento sujeito ao formalismo enunciado no n.º 3, alíneas. b) e c), do artigo 283.º, aplicável “ex vi” do artigo 281º, n.º 2, parte final, ambos do Código de Processo Penal – (Para além do mais, e como é sabido, não pode o arguido ser colocado na posição de ter de descobrir por si, dentro de uma amálgama de afirmações genéricas e meramente conclusivas, quais as condutas com relevância criminal que lhes são concretamente imputadas, em que circunstâncias as mesmas se verificaram e quais as respectivas consequências jurídico-penais). E a apontada omissão insere-se, cremos, no conceito de inadmissibilidade legal da instrução consagrado, nos termos do n.º 3 do referido artigo 287.º do Código de Processo Penal, como causa de rejeição do respectivo requerimento. É que, e como escreve Souto Moura «se o assistente requer instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será a todos os títulos inexequível. O Juiz ficará sem saber que factos é que o assistente gostaria de ver acusados. […] O Juiz de instrução “não prossegue” uma investigação, nem se limitará a apreciar o arquivamento do Ministério Público, a partir da matéria indiciária do inquérito. O Juiz de instrução responde ou não a uma pretensão. Aliás, um requerimento de instrução sem factos, subsequente a um despacho de arquivamento. Libertaria o Juiz de instrução de qualquer vinculação temático. Teríamos um processo já na fase de instrução sem qualquer delimitação do seu objecto, por mais imperfeita que fosse, o que se não compaginará com uma fase que em primeira linha não é de investigação, antes dominada pelo contraditório. […]. Do que dito fica, resultará que um dos casos de inadmissibilidade legal de instrução será a falta de legitimidade para a requerer mesmo por parte de quem em princípio deteria tal legitimidade. Ou seja, o arguido e o assistente. Isto porque, é pressuposto processual da instrução que ela seja requerida por quem para tanto tenha legitimidade, mas além disso, que ela tenha um certo objecto. Ora o que o artigo 287.º do Código de Processo Penal fez, foi fazer depender uma coisa da outra. A legitimidade para requerer depende do que se requer. E aquilo que se requer será atendido consoante quem o requereu».
Bem terá decidido pois, a esta luz, o Ex.mo Juiz ao proferir decisão de rejeição, por inadmissibilidade legal da instrução. É que, como se decidiu também, entre outros, no Acórdão desta Relação de Lisboa, de 12-05-98, «não tendo o Ministério Público deduzido acusação, pode o assistente pedir a instrução, em requerimento sujeito ao formalismo da acusação, previsto no n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal. É juridicamente inexistente o pedido de abertura de instrução feito pelo assistente sem indicação dos factos que integram o ilícito penal que permita a aplicação de uma pena a alguém e sem indicação das normas violadas».
Por outro lado, caberá ainda referir que temos por inteiramente aplicável ao caso em apreço a jurisprudência firmada no Acórdão de 902-2000, no sentido de que «no caso de abstenção, o requerimento de abertura de instrução equivale a acusação, devendo por isso nele descreverem-se os factos concretos susceptíveis de integrar o crime imputado ao arguido. Quando se considere que alguns pontos da matéria de facto não se acham devidamente esclarecidos, ou que a valoração de prova indiciária, obtida através do inquérito, não foi devidamente valorada, ou que o mesmo enferma de insuficiência, os meios próprios para reagir a tais vícios são a reclamação hierárquica e a arguição da respectiva nulidade”.
Atenta a orientação normativa firmada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/05, publicado no DR, I – A, de 4-01-05, cabe ainda dizer que, verificado a existência da apontada omissão no requerimento de abertura da instrução, não poderia o senhor Juiz convidar ainda o requerente a proceder ao seu aperfeiçoamento e, assim, suprir aquela anomalia. De resto, um tal convite sempre contenderia com princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico-processual-penal, como sejam os princípios constitucionais das “garantias de defesa do arguido” e bem assim o do “acusatório”, consagrados ambos no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República (assim, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 27/2001, publicado no D.R., II Série, de 23-03-01).
No que respeita á questão prévia levantada sobre a incompetência territorial do TIC de Leiria, temos nós também como indiscutível que ela só teria cabimento se porventura tivesse sido aberta a fase processual pretendida de instrução. Uma vez que tal não aconteceu, ficou a mesma prejudicada, como se refere a fls. 241 do despacho impugnado.
Certo é que o recorrente invoca o preceituado no nº 2 do artigo 288º do Código de Processo Penal, onde se manda aplicar ao Juiz de instrução as regras de competência relativas ao Tribunal, o que quer dizer: á fase de instrução. Mas a posição sistemática de tal normativo, já inserido após a apreciação do requerimento para abertura de instrução, aponta para o que nos parece óbvio: só em caso de abertura de instrução é que tem cabimento apreciar o Tribunal competente. Alias, a questão da competência está subtraída á vontade das “partes”, que apenas a podem suscitar nos termos do artigo 35º, nº 2 e 32º do Código de Processo Penal, sendo decidida internamente – artigo 36ºdeste Código.
PELO EXPOSTO, e sem necessidade de mais desenvolvidos considerandos, é nosso parecer que o presente recurso não merece provimento, sendo antes de confirmar o despacho impugnado”.
Os fundamentos com que o recorrente pretende vingar e alancear a argumentação aduzida no despacho recorrido apresentam-se de escasso valimento jurídica pelo que, como deixamos exarado no exame a que procedemos, nos termos do artigo 417º do Código de Processo Penal, não deverá, o alor recursivo, obter outra sorte que não a rejeição, por manifesta improcedência.
II. – Fundamentação.
II.A. – Elementos Pertinentes para a decisão a proferir.
- Despacho de arquivamento, datado de 13.02.2007, que se deixa transcrito na íntegra.
“A..... veio apresentar queixa contra desconhecidos, responsáveis das Companhias de Seguros Tranquilidade e Zurich e da Administração de Finanças de Leiria pelos factos mencionados no auto de denúncia de fls. 2.
A denúncia apresentada assenta no facto de A.... considerar que as Companhias de Seguros acima indicadas ter-se-ão apoderado de diversos valores de sua pertença, referentes aos anos de 2001 a 2005, nos montantes referidos na queixa.
Adianta ainda que as citadas Companhias estarão a simular a feitura de pagamentos ao denunciante, fazendo as respectivas retenções na fonte, quando, na realidade não entregaram nem entregam 05 valores devidos por elas ao queixoso, determinando assim a existência de diferenças relativamente ao que é declarado e aquilo que o denunciante efectivamente auferiu.
A denúncia apresentada pelo arguido prende-se com a actividade de mediador de seguros que o mesmo, desde 1996, desenvolveu e o relacionamento que o mesmo manteve com as citadas Companhias de Seguros.
Mercê de actos praticados pelo arguido foi deduzida acusação contra ele pela prática de três crimes de abuso de confiança, relativos a valores devidos a Zurich – Comp. de Seg. Sa, - processo 3172/05.4 TALRA do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Leiria, não tendo ainda ocorrido o respectivo julgamento, o qual, esteve marcado para 1 5-1- 2007 e, segundo sei, não se realizou – e pela prática de um crime de abuso de confiança, na forma continuada, á Companhia Tranquilidade processo 465/01.3 TALRA, 1º Juízo Criminal do tribunal de Leiria, o qual, ainda não transitou em julgado, encontrando-se no Tribunal Constitucional, para decisão.
No âmbito desses processos ao arguido é imputada a pratica de apropriação de valores, no ano de 2000, que seriam, na óptica da acusação deduzida, pertença das Companhias de Seguro mencionadas.
Pretende o arguido que terá a haver daquelas diversas importâncias, relativas aos anos de 2001 a 2005, mercê de seguros por si mediados e que elas não lhe disponibilizam os valores em divida.
As seguradoras em causa esclareceram que, na verdade, quanto aos anos de 2001 a 2005 existem diversos valores a disponibilizar ao queixoso, porém, não procederam ao pagamento dos mesmos em virtude de A.... se encontrar em divida para com elas, face à apropriação de quantias protagonizada por ele. Cfr. fls. 76 e 82 dos autos.
Verifica-se portanto que as Companhias de seguro admitem a existência de valores devidos ao queixoso, sendo que os mesmos não lhe foram entregues devido ao exercício de um direito de retenção dos mesmos, baseado no facto deste, segundo alegam e consta de acusações formuladas pelo Ministério Público, se ter apoderado de valores que lhes pertenciam.
Verifica-se pois que não é possível qualificar o facto das Companhias de Seguros Tranquilidade e Zurich não pagarem ao queixoso valores que este reivindica, como sendo consubstanciadoras da prática de crimes de abuso de confiança.
Com efeito, para que exista tal crime, deverá o agente ter a intenção de se apoderar de algo que sabia ser alheio, o que, no caso dos autos, não é patente, pois, tudo parece indicar que as Seguradoras exerceram um direito de retenção relativamente a várias quantias, não demonstraram a vontade de se apoderarem de algo que sabiam pertencer, incondicionalmente ao queixoso.
A circunstância de tais valores serem manifestados ás Finanças como rendimento do queixoso e, na verdade não lhe serem disponibilizados, não indicia o cometimento de qualquer infracção criminal.
Quaisquer incorrecções que derivem de tal comportamento deverão ser objecto de tratamento junto das Companhias de Seguros e da Administração Fiscal, procedendo-se, caso se justifique, ás necessárias correcções.
Estranha-se a circunstância do queixoso pretender procedimento criminal contra os serviços das Finanças de Leiria, sendo certo que os mesmos não se mostram como protagonistas de qualquer conduta alvo de denuncia, limitando-se a receber e a processar informação veiculada por outrem, no exercício de uma função que lhe está cometida, sem que, aparentemente, tenha sido praticado algum acta susceptível de dúvida.
Em resumo creio que a matéria denunciada pelo queixoso não ilustra qualquer situação de apropriação, intencional e consciente, injustificada ou indevida de qualquer valor pertença do queixoso.
Entendo que, caso o queixoso pretenda que lhe sejam entregues os valores que pensa serem-lhe devidos pelas Seguradoras, deverá peticionar tal pagamento através da interposição da competente acção civil, local onde se esclarecerá se o queixoso é credor daquelas, em que termos, sobre que montantes e se existe razão para que aquelas retenham o pagamento.
Concluindo creio não se indiciar que as Companhias de Seguro Zurich e Tranquilidade tenham incorrido na apropriação indevida e injustificada de valores que sabiam pertencer ao queixoso e, por outro lado, as alegadas irregularidades verificadas com os termos em que aquelas declararam á Administração Fiscal rendimentos proporcionados a A.... não assumem contornos de infracção penal, devendo qualquer correcção que deva ocorrer, ou esclarecimento a prestar, ser accionada junto da Administração Fiscal.
Face ao exposto, não se justificando a realização de outras diligências, determino o arquivamento dos autos. Cfr. artigo 277º nº 2 do C.P.P.”.
- Acórdão proferido no processo nº 465/01. 3TALRA – 1º Juízo da comarca de Leiria – cfr. fls. 143 a 169 donde consta ter o arguido sido condenado, como autor material, de um crime de abuso confiança previsto e punido pelo artigo 205º do Código Penal na pena de nove de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de dois anos, bem como a pagar a Companhia de Seguros Tranquilidade a quantia de € 8.817,30.
- Despacho de inadmissibilidade da instrução proferido a fls.240 a 249 que se deixa transcrito na parte interessante para a decisão a proferir.
“Rejeição do requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução.
O DM do Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, a fls. 173 segs., sustentando não reunirem os autos de inquérito indícios da prática de qualquer crime designadamente do crime de Abuso de Confiança previsto e punido pelo artigo 205º do Código de Processo Penal.
Inconformado com tal despacho veio o assistente, a fls. 203 requerer a abertura da instrução contra as companhias Seguradoras Zurich e Tranquilidade e legais representantes;
- pugna pela incompetência territorial de Leiria para conhecer da matéria dos presentes autos, em virtude da decisão por parte dos responsáveis das companhias de seguros Tranquilidade e Zurich ter sido tomada em Lisboa onde têm a sua sede e administração.
Conclui pela competência do Tribunal Criminal de Lisboa;
- Subsidiariamente, alega que as seguradoras em causa não entregaram ao assistente o valor que lhe pertencia, tendo integrado tais valores no seu património; deveriam ter entregue ao requerente, pelo menos, o valor equivalente ao salário mínimo nacional, já que não dispõe de quaisquer outros rendimentos.
Por outro lado, a companhia Zurich – Companhia de Seguros, S.A tinha contratado com o requerente um seguro de responsabilidade civil de mediadores que veio a ser anulado em 2-04-2001, querendo com isso significar que, pelo menos, estaria em vigor até à data.
Conclui requerendo a pronúncia dos legais representantes das seguradoras referidas.
Em primeira linha, há que indagar pela questão prévia da admissibilidade legal da instrução, designadamente se a factualidade alegada permite com suficiência concluir pela imputação de um concreto crime, bem como pelos seus autores.
[…] No caso de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, o requerimento de abertura de instrução constitui formalmente uma acusação com as exigências elencadas no artigo 283º, nº 3 do Código de Processo Penal.
Salvo o devido respeito pelo subscritor do requerimento de abertura de instrução verifica-se que tal requerimento não procede à narração sintética e precisa dos factos constitutivos do crime ou crimes nas suas circunstâncias de tempo, espaço e modo, não caracterizando o elemento subjectivo do crime ou crimes em causa, e daí a dificuldade em concluir pela pronúncia de um concreto crime.
Também não identifica os concretos arguidos, já que a menção genérica a legais representantes das Companhias Seguradoras Zurich e Tranquilidade não permite identificar os mesmos, uma vez que não foi alegada a data da prática dos actos, consabido que no âmbito do C. Penal a responsabilidade penal estende-se apenas às pessoas singulares em face do disposto no artigo 11º do CPenal.
Aliás, já na queixa apresentada a mesma foi dirigida contra desconhecidos, responsáveis das Companhias de Seguros Tranquilidade e Zurich – fls. 2.
Desde logo cumpre referir que não é admissível a abertura da fase da instrução contra desconhecidos, já que em face de não ter sido alegado um concreto período do tempo dos factos não é possível saber dos legais representantes das companhias em causa que como é das regras da experiência se vêm sucedendo nos respectivos cargos de administração. Também não se identifica os responsáveis concretos que levaram a cabo a prática dos actos que terão prejudicado os requerentes, designadamente de retenção e não pagamento das quantias (que igualmente não são identificadas); Assim e concordando inteiramente com o já citado, douto Acórdão da Relação de Évora de 16-5-98 relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Dr. Orlando Afonso, in Col. Jurisp, t. III. P. 282, ano 1998 : “(…) A instrução não é um novo inquérito(ou um inquérito dirigido pelo juiz) porque não tem as características nem prossegue as finalidade da instrução preparatória do Código de 1929, não pode ser requerida nos casos em que o arquivamento do inquérito se fez por força do artigo 277º, nº 2 do Código de Processo Penal. A instrução pressupõe a existência de arguido(s) contra quem foi formulada uma acusação (e então pode a sua abertura ser requerida pelo arguido, relativamente aos factos pelos quais tiver sido deduzida acusação) – artigo 287º, n.º 1 a) do Código de Processo Penal; ou pressupõe que contra determinado arguido(s) não foi deduzida acusação e consequentemente foram mandados arquivar os autos (podendo neste caso a abertura ser requerida pelo assistente, relativamente a factos a factos pelos quais o Ministério Público não tiver formulado libelo acusatório – artigo 287º, n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal”.
No caso dos autos, o requerimento formulado pelo assistente foi dirigido contra desconhecidos, não existindo um indivíduo concreto que identifique como arguido a quem impute responsabilidade no imputado crime de abuso de confiança.
A investigação com vista à identificação dos agentes dum crime, bem como da existência do mesmo opera-se, segundo a lei processual, através de inquérito e não no âmbito da instrução, e isto uma vez que caso existam fundamentos que ponham em causa os constantes do despacho de arquivamento a lei permite a reabertura do inquérito.
Por outro lado, e como já referido, o requerimento de abertura de instrução não obedece ao estabelecido no artigo 287º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Ora dispõe este preceito que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre quer disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283º nº 3 b) e c).
Ora, no caso concreto, existe uma ausência de factos que permitam enquadrar objectiva e subjectivamente os mesmos no concreto tipo legal de crime, dificuldade a que não é alheio, como já se referiu, o facto de o próprio assistente em tal requerimento não identificar os concretos arguidos e faltando uma construção fáctica e sequencial, narrativamente orientada dos factos que imputa na sua contextualização de tempo e espaço. Não se faz referência aos valores em causa e que terão sido retidos indevidamente. Como se poderá defender qualquer arguido contra o alegado no requerimento de abertura de instrução, designadamente qual a possibilidade de invocação da sua prescrição ao não se encontrarem datados?
Acresce que crime de abuso de confiança só e punível a título de dolo, pelo que em face da completa alegação fáctica dos elementos subjectivos de tal ilícito, poderá estar apenas uma conduta negligente e como tal não punível.
Três soluções possíveis se colocam:
- o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, e não se verificando, terá o juiz que abrir sempre a instrução e depois será no debate instrutório onde não pronunciará (cfr. Ac. RL. de 12-6-2001, rec. 3437/01);
- o Juiz de lnstrução deverá convidar o requerente a aperfeiçoar o seu requerimento (cfr. Ac. R.E. de 16-12-1997, Boletim do Ministério da Justiça nº 472, p. 585, Ac. RL de 20-6-2000, C.J., 3°, p. 153);
- não há base legal para o aperfeiçoamento, cfr. Ac. RL de 9-2-2000, C.J., t. 1°, p. 154, Ac. RL de 11-4-2002, C.J., t. 2º, p.147; Ac. STJ de 20-06-2002, proferido no processo 7084/01 – 5ª Secção, não publicado; Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 11-04-2002, proferido no processo n.º 471102-53 Secção;
1. A figura do aperfeiçoamento encontra-se prevista no artigo 508º do Código Processo Civil mas não têm aplicação «ex vi» do artigo 4º no Código de Processo Penal, pois trata-se de um acto perfeitamente anómalo em face de regras procedimentais do processo penal as quais são claras e transparentes mercê dos direitos em causa no âmbito do processo criminal.
O anómalo aperfeiçoamento a existir teria de ser concedido a tudo e a todos, o que implicava a existência de aperfeiçoamentos de acusações. O processo penal português tem, como refere o Prof. Figueiredo Dias (Princípios estruturantes do processo penal, in Código de Processo Penal, vol. II, t. II, p. 22 e 24, Assembleia da República), uma “estrutura acusatória integrada por um princípio de investigação oficial”, estabelecendo-se por força do princípio da acusação que a entidade julgadora não pode ter funções de investigação e de acusação no processo antes da fase de julgamento, podendo apenas investigar dentro dos limites da acusação fundamentada e apresentada pelo Ministério Público ou pelo ofendido (lato sensu), onde se inclui o requerimento de abertura de instrução.
Ou, nas considerações de juristas, não menos eminentes – Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 38 edição, p. 206 “… A estrutura acusatória do processo penal implica, além do mais, a proibição de acumulações orgânicas a montante do processo. Daqui resulta que o juiz de lnstrução não pode intrometer-se na delimitação do objecto da acusação no sentido de o alterar ou completar, directamente ou por convite ao assistente requerente da abertura de instrução…»;
A admitir o anómalo aperfeiçoamento da acusação ou do requerimento da abertura de instrução, constituiria uma violação do princípio do acusatório, ao ver a entidade julgadora a ter funções de investigação antes do julgamento, o que certamente, o actual C.P.P. não pretende. Por outro lado, como assinala o Ac. da Relação Lisboa nº 10685/2001, rel. Dr. Trigo Mesquita, “(…) o convite dirigido às partes, pelo juiz, para a correcção de peças processuais, implica uma cognoscibilidade prévia, ainda que perfunctória, da solução do pleito, interfere nas funções atribuídas às partes e seus mandatários e pode criar falsas convicções. Quanto aos caminhos a seguir por forma a obter uma decisão favorável da causa”.
2. Não tem aplicação, no caso a reparação oficiosa da irregularidade processual prevista no artigo 123º, n.º 2 do C.P, já que tal insuficiência não é susceptível de reparação oficiosa em virtude da violação do princípio do acusatório.
3. Não pode, no caso, ter aplicação o disposto no artigo 288º, nº 4 do Código de Processo Penal que refere que incumbe ao juiz investigar autonomamente os factos que constituem objecto da instrução, já que, o que está verdadeiramente em causa é a falta de factos (os factos integradores objectiva e subjectivamente do crime);
O Supremo Tribunal de Justiça veio a tomar posição quanto à questão no Ac. STJ de 7/2005 de fixação de jurisprudência entendendo que «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287º, nº 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso em relação à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido», publicado no DR I-A Série, de 4 de Novembro de 2005.
Em situação semelhante à dos autos o douto Acórdão da Relação de Lisboa de 19-09-2006, relatado pelo Exmo. Juiz desembargador Dr. Vieira Lamim decidiu acessível in Internet www.dgsi.pt:
«I – Na instrução, a estrutura acusatória do processo e o inerente princípio da. Acusação, limitam a liberdade de investigação do juiz ao próprio objecto do processo. II – Por isso, no requerimento de abertura da instrução, o assistente tem de identificar as pessoas que quer ver submetidas a julgamento, não sendo admissível instrução contra incertos e tem de descrever factos concretos que permitam fundamentar a aplicação de uma pena. III – Não é de admitir um requerimento de abertura de instrução dirigido pelo assistente contra os proprietários de todos os estabelecimentos farmacêuticos existentes em determinada comarca, sem os identificar e em que se limita a descrever um procedimento genérico desses estabelecimentos, sem concretizar os actos concretos, com indicação dos seus intervenientes, lugar e tempo em que ocorreram».
Também no sentido da não admissibilidade legal da instrução, com rejeição do requerimento de abertura da instrução em situação idêntica à dos autos – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 18-3-2003, relatado pelo Exmo. Juiz desembargador, Dr. Santos Rita, acessível na Internet, www.de:si.pt: «Imputando a assistente à arguida, no requerimento de abertura de instrução a prática de um crime de abuso de confiança, sem mencionar quais as verbas que a arguida recebeu e gastou em proveito próprio provenientes de pagamentos de clientes da empresa, sem mencionar a localização no tempo e sem mencionar o conhecimento da ilicitude de tal comportamento, tal requerimento é de rejeitar liminarmente. Por inadmissibilidade legal da instrução».
Em suma, a “falta de indicação de factos pode gerar a inexistência do processo e consequente inadmissibilidade do requerimento por falta de objecto ”(Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, verbo, vol. 3º, 2ª ed., p. 144, nota 3), como é o caso.
Assim, por inadmissibilidade legal, rejeito o requerimento de abertura de instrução (artigo. 287º nº 3 do C.P.P.) nos termos expostos”.
II.B. – De Direito.
II.B.1. – Manifesta improcedência.
“A manifesta improcedência constitui fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial (e não formal), visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, como é o caso em que o recorrente (versando o recurso sobre questão de direito) a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples e evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento.” Neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Abril de 2005, proferido no proc. 4313/04, 3ª Secção
A manifesta improcedência constitui fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, e impõe-se como terapia para as situações em que o tribunal considera não existir razão fundada e consistente para apreciação do recurso.” Neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Abril de 2005, proferido no proc. 4313/04, 3ª Secção, onde se escreveu, lapidarmente, “A manifesta improcedência constitui fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial (e não formal), visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, como é o recurso para o Supremo Tribunal em que o recorrente discute a matéria de facto e o modo como as instâncias decidiram sobre a matéria de facto, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada, ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de respeitar unicamente à medida da pena e não existir razão válida para alterar a que foi fixada pela decisão recorrida”.
"A manifesta improcedência verifica-se quanto, atendendo à factualidade apurada, á letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores é patente a sem razão do recorrente, sem necessidade de ulterior e mais detalhada discussão jurídica em sede de alegações escritas ou alegações orais". Neste sentido Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, Editora Reis dos Livros, 3ª Edição, pag.76.
Explicitando, escrevem os autores acabados de citar, que O Supremo tribunal de Justiça tem vindo a elencar situações justificantes de rejeição. Assim: “a) – Quando o recurso respeite a matéria de facto, e a invocação do erro notório na apreciação da prova, de contradição entre os fundamentos e a decisão, ou a insuficiência da matéria provada para a decisão, se traduza unicamente numa visão pessoal do recorrente a respeito dos factos que, em seu entender, deveriam ter sido dados como provados pelo colectivo, por em qualquer destes casos, se verificar inobservância do preceito do art. 410º,nº2 do CPP, que exige que os apontados vícios só possam ser invocados quando a deficiência em que eles se traduzem resulte do texto da própria decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras de experiência comum; b) – Quando o recurso verse sobre matéria de direito e se baseie em interpretação da lei contra a letra desta ou dos seus sentidos possíveis, quando estes existam, nomeadamente, quando o arguido peça para lhe ser aplicado um regime mais gravoso do que aquele que lhe foi imposto; c) – quando o recurso verse também sobre matéria de direito, respeite unicamente à medida da pena, e se não configure haver razão para alterar a que foi fixada pela decisão”.
Como adjectivo o termo “manifesto” significa algo “que não pode ser contestado na sua natureza, existência; flagrante, indiscutível, inegável, declarado, notório, claro, patente, evidente”. Ver Dicionário Houassis da Língua Portuguesa.
Evidência significa a configuração de um facto ou de uma representação conceptual imediatamente apreensível e inteligível, deserta de esforços analíticos ou de operações dedutivas, indutivas ou abdutivas que exijam ou conlevem réstia de reserva ou de averiguação detalhada. Em sentido cartesiano, evidência significa a constatação de uma verdade que não suscita dúvida, em decorrência do grau de clareza e distinção com que se apresenta ao espírito.
Como se deixou expresso no despacho proferido aquando do exame preliminar os fundamentos alentados pelo recorrente para desfeitear a justeza do despacho impugnando não são supríveis, pelo que o recurso irá ser rejeitado, por manifesta improcedência não sem que antes se alinhem algumas considerações sobre as questões sobre que versou o despacho em crise.
A questão da inadmissibilidade da instrução e/ou da possibilidade de convite ao aperfeiçoamento já mereceu tratamento em outro aresto por nós relatado pelo que pedimos vénia para transcrever o que a esse propósito deixamos escrito no acórdão proferido no processo nº 252/03.4GBSVV. Escreveu-se no dito aresto: “porque atinam inextrincavelmente com o núcleo da questão que nos foi requestado decidir, pedimos vénia para deixar transcritos os troços dos arestos, do Supremo Tribunal de Justiça Tribunal e do Constitucional (por observância da hierarquia estatutária) em que se dirimiu um assunto parelho.
“Esta importante cooperação-intersubjectiva de que fala o Prof. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Código Civil Ed. Lex, 1997, 62, destina-se a transformar o processo civil numa autêntica "comunidade de trabalho " (na expressiva formulação de Wassermann, in Der Soziale Zivilprocess , 97 e segs.) e implica importantes consequências quer quanto à posição processual das partes operante o tribunal , deste órgão perante aquelas e entre todos os sujeitos processuais , em comum, particularmente para as partes a de " honeste procedere”.
Esse dever de cooperação campeia, sobremodo, na importante área da prova, apreciando o tribunal, em certos casos, livremente, a recusa de tal dever de cooperação, em se tratando de recusa ostensiva desse dever (art. 519º, nº2,1ª parte, do CPC) ou de a parte ter tornado culposamente impossível a prova à contraparte onerada, caso em que o ónus se inverte (art. 519º, nº 2, in fine, citado e 344º, nº 2, do CC).
Mas este figurino do processo civil, de cooperação entre as partes não se harmoniza com o processo penal, onde não se reconhece como seu princípio programático, como sua linha mestra, já que o processo penal se não identifica com um processo de partes, de disponibilidade de interesses privados, antes vocacionado à realização da paz pública, segurança social e paz jurídica entre os cidadãos (cfr. pontoII.5, do relatório preambular do CPP); aquela natureza dificilmente combateria disfuncionalidades, desvios e abusos que o legislador reputou e detectou como responsáveis pela frustração eficaz (cfr. ponto I, 4, daquele relatório).
Vale por dizer que a transposição desse dever de cooperação para o processo penal (que conhece, no entanto, parcimonioso afloramento, por ex.., no art. 312º, nº4, do CPP, ao impõe que o tribunal diligencie por obter acordo na marcação de dia para o julgamento com os defensores oficiosos e constituídos), se mostra pouco compaginável, não podendo servir como pedra de toque na resolução da questão, com aquela ideia de celeridade na justiça penal, apelidada na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 157/VII, que precedeu a Lei nº59/98, de 25/8, alterando o CPP, como" lenta e, e muitos casos, ineficaz” no ponto 5.
O preenchimento das lacunas em processo penal pelo recurso ao processo civil, ao princípio a cooperação, conhece um intransponível limite: o da não harmonização das finalidades descritas quanto ao último ramo de direito aqueloutro, por força do art. 4º, do CPP.)
Integrando o requerimento de instrução razões de perseguibilidade penal, aquele requerimento contém uma verdadeira acusação; não há lugar a uma nova acusação; o requerimento funciona como acusação em alternativa, respeitando-se, assim, " formal e materialmente a acusatoriedade do processo", delimitando e condicionando a actividade de investigação do juiz e a decisão de pronúncia ou não pronúncia – cfr. Prof. Germano Marques da Silva, op. cit. 125.
A falta de narração de factos na acusação sua nulidade e respectiva rejeição por se reputar manifestamente infundada, nos termos dos arts. 283º,nº3, al. b) e 311º, nº2 e 3, al.b), do CPP.
A manifesta analogia entre a acusação e o requerimento de instrução pelo assistente postularia, em termos de consequências endoprocessuais, já que se não prevê o convite á correcção de uma acusação estruturada de forma deficiente, quer factualmente quer por carência de indicação dos termos legais infringidos, dada a peremptoriedade da consequência legal desencadeada: o ser manifestamente infundada, igual proibição à correcção do requerimento de instrução, que deve, identicamente, ser afastado °
O recurso à analogia" legis", de resto, só não é de admitir, sendo vedado em processo penal quando, pelo recurso a ele, derive um enfraquecimento da posição ou diminuição dos direitos processuais do arguido, desfavorecimento do arguido analogia " in malam partem "( cfr. Prof. Figueiredo Dias , Direito Processual Penal, I, 96-97 ) , este não sendo o resul1ado negativo a que a rejeição
A faculdade de, pelo convite à correcção, o assistente apresentar no requerimento colidiria com a peremptoriedade do prazo previsto no art. 287º,nº 1 do CPP.
Essa dilação de prazo sequente àquele convite pelo juiz de instrução, que não se inscreve no âmbito de comprovação judicial, atribuído à função da instrução, no art. 286º, nº 1, do CPP, atentaria, assim, contra direitos de defesa do arguido, porque a peremptoriedade do prazo funciona, claramente, em favor do arguido e dos seus direitos de defesa.
" A possibilidade de, após a apresentação de m requerimento de abertura de instrução, que veio a ser julgado nulo, se por repetir, de novo um tal requerimento para além do prazo legalmente fixado é, sem dúvida violador da garantias de defesa do arguido ou acusado", sentenciou o TC no seu Ac. nº 27/2001, de 30/1/2001, publicado no DR, II Série, de 23/3/2001.
O convite à correcção encerraria, isso sim, uma injustificada e desmedida, por desproporcionada, compressão dos seus direito fundamentais, em ofensa ao estatuído no art. 18º nº 2 e 3, da CRP, que importa não sancionar.
Sem acusação formal o juiz está impedido, escreve o Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, ed. 1994, 175, de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objecto e, mercê da estrutura acusatória em que repousa o processo penal • substituindo-se o juiz ao assistente no colmatar da falta de narração dos factos enraizaria em si uma função deles indagatória investigatório, que poderia ser acoimado de não isento, imparcial e objectivo, m ais próprio de um tipo processual de feição inquisitória, já ultrapassado, consequenciando, como, com proficiência, salienta a ilustre Procuradora-Geral Adjunta neste ST J, "uma necessária e desproporcionada diminuição das i garantias de defesa do arguido", importando violação das regras dos arts 18.º e 32º, nº 1 e 5, da CRP, colocando, ao fim e ao cabo, nas mãos do juiz o estatuto de acusado do arguido, deferindo-se-Ihe, " contra – legem" a titularidade do exercício da acção penal.
Uma ilimitada investigação levada a cabo pelo juiz de instrução buliria com o principio da acusação, pois seria ele a delimitar o objecto do processo contra os peremptórios termos do artº 311º nº 3 b), do CPP, não sendo curial, sublinhe­-se, o tribunal substituir-se aos profissionais do foro, mandatários judiciais do assistente, necessariamente por aqueles assistido, nos termos do art. 70º nº1 e 287º, nº 1, al.b), do CPP, suprindo-lhes carências o desempenho técnico – profissional que lhes incumbe.
O convite à correcção dilataria o termo final do desfecho da instrução, com a emissão de pronúncia ou não pronúncia, brigando com a celeridade de uma fase intercalar do processo, cogitada para ser breve, privilegiando-se o assistente em detrimento do arguido, que não usufrui de igual direito, em ofensa chocante do principio da igualdade de armas.
A renovação, pelo convite à apresentação de m novo requerimento, obstaria ao trânsito do despacho de não pronúncia e exporia o arguido à possibilidade de ver renovada a acusação, quando ela acusação o arguido adquire a garantia de ser julgado pelos factos dela constantes, por forma irrepetível e definitiva.
Significante, ainda, estar vedado ao juiz do julgamento direccionar convite ao MºPº para completar o elenco factual acusatório, ante e com apoio nos peremptórios termos do citado art. 311º, nº 3 b).
IX. Invocar-se-á, ainda, que o requerimento abertura de instrução nenhuma similitude apresenta com a petição inicial em de processo cível em termos de merecer correcção, enfermando de deficiências, nos termos do art. 508º, nº 1 b), do CPC, por, se com, aquela se introduz, inicia, o pleito em juízo, é com a queixa que se inicia o processo, cabendo ao requerimento, de abertura de instrução uma exposição dos factos que, comprovados, com maior probabilidade, tal como sucede com os vertidos na acusação, sugerem que o arguido, mais do que absolvido, será condenado, numa óptica de probabilidade em alto grau de razoabilidade, inconfundível com uma certeza absoluta, aquela excludente de as coisas terem acontecido de dada forma prevalente, e detrimento de outra.
X. O horizonte contextual ao nível da jurisprudência oferece-nos como maioritária a orientação que veda o convite ao aperfeiçoamento do requerimento e abertura de instrução enfermando de défice factual.
Assim, entre outros, os Acs. da Relação de Lisboa, de 9.2.2000 , in CJ , Ano XXV, I, 154, de 11.10.2001, in CJ, Ano XXVI, IV, 142, de 5.12 2002, in CJ, Ano XXVII, 2002, V, 143, este citando, no mesmo sentido, o da mesma Relação de 1.10.2003 e do TC nº 27/01, DR, II Série, de 1.3.2003, os prolatados nos Recs. Nº 99/2203 e 3.437 /2001, ambos da 3ª Secção e 11.138, da 9ª – Secção, daquela Relação, de 13.3.2003, in CJ, Ano XXVII, 11, 124, de 10.10.2002, in CJ, Ano XXVII, IV, 133, de 11.4.2002, in CJ, Ano XXVII, n , 147 e o de 25.11.2004, in CJ, Ano XXIX, V, 134 , na esteira do proferido no Proc. da mesma Relação, nº 7327/04, de 23.11.2004.
Em sentido contrário os da Rei. Lisboa, de 1.3.2001, in CJ, Ano XXVI, n, 132, de 21.11.2001, in CJ, Ano XXVI, V, 226, este último citando o da Rel. do Porto, de 5.5.93, in CJ, Ano XVIII, III, 243, Rel. Coimbra, de 17.11.93, in CJ, Ano XVIII, V, 59, da Rei. Évora, de 16.1.97. Cfr. ainda, BMJ 472,585.
(Pedido formulado no aresto do TC- em que era pedida a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 283º do CPP.) “Termos em que se requer a VV. Ex.ª o que considerem procedente o presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade da inter­pretação e aplicação feitas, tanto no despacho de rejeição do reque­rimento para abertura de instrução como no acórdão recorrido:
Dos artigos 283º, nº) 3, alíneas b) e c), e 287º, nº 2 e 3, do CPP, no sentido de que é de rejeitar o requerimento para abertura de instrução com base na sua inadmissibilidade legal fora dos casos previstos na lei, isto é, quando seja for­mulado no âmbito de um processo especial ou por quem não tenha legitimidade;
Dos artigos 283º nº 3, alíneas b) e c), e 287º, nº 2 e 3, do CPP, no sentido de que é de rejeitar o requerimento para abertura de instrução com base na sua inadmissibilidade legal, em virtude de nulidade insanável do mesmo, pela pre­terição dos requisitos formais constantes destas normas;
Dos artigos 283º, nº 3, alíneas b) e c), e 287º, nº 2 e 3, do CPP, no sentido de que não é permitido no requerimento para abertura de instrução fazer-se remissão da identificação do arguido e narração dos factos para a denúncia e restantes elementos constantes do inquérito;
Artigos 105º, nº 1, e 287º, nº 3, do CPP, segundo o sentido de que o despacho de rejeição da instrução pode ser proferido para além do prazo de 10 dias legalmente fixado;
Bem como, declarando-se a inconstitucionalidade da aplica­ção, no acórdão recorrido, dos artigos 419º, nº 4, alínea a), e 420º do CPP, no sentido de que é rejeitado, em conferência, o recurso, mesmo que devidamente fundamentado do ponto de vista legal e constitucional”.
B) Questão de constitucionalidade da norma do artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal. - 5 - Nos presentes autos é submetida à apreciação do. Tribunal Constitucional a norma do artigo 283º, nº, alíneas b) e c), do Código de Processo. Penal, interpretada no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente os elementos mencionados nessas alíneas.
A questão de constitucionalidade suscitada implica, pois, uma breve análise do estatuto processual do assistente.
6 - O ofendido tem o direito de intervir no processo nos termos da lei (artigo 32º, nº 7, da Constituição).
O assistente tem, em geral, no processo penal português, a posição de colaborador do Ministério Público (artigo 69º do Código de Pro­cesso Penal), a quem compete exercer a acção penal (artigo 219º, nº 1, da Constituição).
Trata-se de uma solução que, por um lado, potencia a eficácia da investigação, já que admite a participar no processo um sujeito envolvido no conflito social inerente ã prática do crime (e, nesta medida, contribui para a boa aplicação do direito), e, por outro, é uma solução que ria condições de pacificação social, dado reconhecer o estatuto do sujeito processual à vítima do crime, que tem assim a possibilidade de intervir, através de actuação própria, na realização da justiça penal.
O estatuto do assistente encontra-se, genericamente, definido no artigo 69º do Código de Processo Penal. Integra esse estatuto a facul­dade de requerer a abertura da instrução (artigo 287º do Código Penal).
O reconhecimento do assistente como sujeito processual bem como o seu estatuto processual não despublicizam, no entanto, o processo penal. Com efeito, o processo penal tem essencialmente natureza pública, pois é ao Estado que cabe o exercício da acção penal (note-se que mesmo nos crimes particulares é o Ministério Público que dirige a investigação).
Por outro lado, cabe sublinhar que o processo penal português tem como vertente fundamental a tutela das garantias de defesa. Desse modo, o estatuto do assistente não é equiparável ao do arguido.
A apreciação da questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos remete, pois, para a ponderação dos valores e princípios, por vezes conflituantes, que conformam a estrutura processual bem como as várias soluções no plano infraconstitucional.
7 - O assistente, já se referiu, tem a faculdade de requerer a aber­tura da instrução. Tal faculdade, no caso concreto, foi exercida na sequência da prolação do despacho de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público.
Esse requerimento consubstancia, materialmente, uma acusação, na medida em que por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento por factos geradores de responsabilidade criminal.
A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em deter­minados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.
Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa.
Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indi­cação das disposições legais aplicáveis.
Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe, como se deixou mencionado, uma semelhança subs­tancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287º, nº 2, remeta para o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução.
Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no nº 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre, como se deixou demonstrado, de princípios fun­damentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. E, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legitimada.
Será, porém, aceitável a exigência de que tal menção seja feita por remissão para elementos dos autos ou, pelo contrário, será incons­titucional, por violação do direito ao acesso aos tribunais, que seja vedada a possibilidade de tal indicação ser feita por remissão para elementos dos autos?
A resposta é negativa.
Com efeito, a exigência de rigor na delimitação do objecto do pro­cesso (recorde-se, num processo em que o Ministério Público não acusou), sendo uma concretização das garantias de defesa, não con­substancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos tribunais, pois tal direito não é incompatível com a con­sagração de ónus ou de deveres processuais que visam uma adequada e harmoniosa tramitação do processo.
De resto, a exigência feita agora ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.
Cabe também sublinhar que não é sustentável que o juiz de instrução criminal deva proceder à identificação dos factos a apurar, pois uma pretensão séria de submeter um determinado arguido a julgamento assenta necessariamente no conhecimento de uma base factual cuja narração não constitui encargo exagerado ou excessivo.
Verifica-se, em face do que se deixa dito, que a exigência de indi­cação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no reque­rimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente não constitui uma limitação efectiva do acesso do direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito.
8 - Conclui-se, portanto, pela não inconstitucionalidade da norma em apreciação”.
Preceitua o n.º2 do art. 287.º do CPP que: “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios d prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no artigo 283.º,n.º 3, alíneas b) e c).” E rezam as alíneas b) e c) do artigo 283.º do mesmo livro de leis que “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo, e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada” – al. b) – e “a indicação das disposições legais aplicáveis” – al.c).
Com este vector normativo de orientação, é difícil sustentar que o requerente da infirmação de uma decisão de não acusação – onde, naturalmente, não foi estruturado um requerimento contentor de um quadro factual referente a uma conduta jurídico penalmente relevante – não tenha o dever legal de, de uma forma sintética, alinhar a soma de factos que considera, na sua perspectiva, terem sido perpetrados pelo arguido, como e em que circunstâncias esses factos terão ocorrido – neste caso o acidente que envolveu a vitima – e todos os demais elementos que importam para que quem tem o dever, primeiro de emitir uma decisão instrutória – que porque não houve acusação tem de delinear um quadro factual concernente à imputação jurídico-penal alocada, no caso o sentido da decisão vir a ser de feição positiva – e, correlatamente possa fornecer ao julgador o referente espácio-temporal donde possa ditar uma decisão consistente e vinculada ao objecto factual dado. Trata-se, afinal, mutatis mutandis, da exigência constitucionalmente caucionada, de o juiz no primeiro interrogatório – cfr. art. 141.º, n.º4 do CPP – dever confrontar e informar o arguido dos factos que lhe são imputados na averiguação que conduziu à sua indiciação por uma determinada e concreta facticidade. Tanto num caso como noutro, emerge e soleva um dever constitucional de o arguido saber quais, concretamente os factos que lhe são imputados e para os quais terá de engendrar e aparelhar a sua defesa. Não pode o arguido ser confrontado com alusões vagas e indeterminadas que não induzem ou enuclearizam comportamentos naturais, intelectualmente assumidos e pelos quais possam ser responsabilizados juridico-penalmente.
Não seria possível imputar com precisão todos os factos que constituem o núcleo fundante da responsabilidade dos arguidos. Como imputar factos se do inquérito não logrou um resultado líquido e minimamente assertivo quanto a uma conduta que se pretende imputar a um determinado sujeito? Não serve a instrução para indagar desses factos e só depois de averiguada uma factualidade concreta é que deveria ser dada ao requerente deveria a possibilidade de deduzir ou não uma acusação?
Pensamos que a resposta, em face dos fins a que o legislador destinou a fase de instrução, não poderá deixar de ser negativa.
São fins infranqueáveis da instrução: 1º) – a comprovação ou infirmação judicial, de, respectivamente: a) - do acto final assumido no inquérito (por parte do Ministério Público ou do assistente) de deduzir acusação; b) – do acto final assumido no final do inquérito de arquivamento (por parte do Ministério Público) do inquérito; 2º) – [a comprovação judicial] tem como finalidade submeter ou não a causa a julgamento – tendo por base uma acusação, e com base nela emitir decisão de pronúncia ou não pronúncia, ou, no caso de ausência de acusação, a decisão de manutenção da decisão de arquivamento do inquérito ou a emissão de pronúncia. Se o requerente da instrução, por ter ocorrido uma decisão de arquivamento do inquérito, pretender obter uma decisão de sentido adverso ao ditado no despacho de arquivamento de uma base de imputabilidade factual e de culpabilidade do arguido, que, contrariando a primeva decisão, afirme, pela positiva, a existência de base fundante, terá que formatar, no requerimento em que pretende ver coonestada a sua tese, uma base factual concreta de onde seja possível extrair ou enuclearizar o objecto formal que será, comprovada a sua viabilidade, na fase instrutória, o módulo cardeal por que o julgador se imbricará no apuramento da culpabilidade suficientemente materializada.
Dir-se-á que é uma questão de forma. Mas onde acaba a forma e começa a substância? Não emoldura a forma o conteúdo e nesta delimitação orgânico-funcional se representa a nominação qualificativa que permite a distinção dos objectos performativos? É a denotação que informa quanto à conotação e é a representação que exprime a substância e manifesta a apreensão perceptiva que o indivíduo adquire como existência material e realmente configurada. “A forma é a maneira como estamos directamente conscientes do atributo”. Cfr. D. Kelly, “The evidence of the sens”, citado por Fernando Gil, in “Tratado da Evidência”, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, p.67.
Sem indicação que possa conduzir a uma conotação exterior das condutas é impossível imputar acções individualizadas que possibilitem a responsabilização jurídico-penal de um qualquer sujeito.
Reafirmamos o já adiantado supra, de que o requerimento apresentado pelo assistente não conforta, por carência de requisitos, jurídico-processuais, mínimos, o requerimento que é mister estar contido num requerimento em que se pretenda requestar a comprovação da existência de indícios que não ficaram apurados durante a fase de inquérito.
O requerimento para abertura da instrução tem que conter alguns requisitos atinentes com uma estrutura formal e assimilável à de um requerimento em que se deduz o acervo factual indutor da introdução do “feito em juízo”, como os tratadistas de antanho usavam dizer. Só a dedução do requerimento para abertura da instrução com enunciação dos factos, donde conste o tempo, o lugar, o modo como os agentes procederem para conduzir o processo executório é possível individualizar e suscitar confrontos pontuais donde possa inferir-se uma denotação diversa da factualidade descrita e que permita ao juiz de instrução operar a destrinça necessária indicativa na norma citada. Não se encontrando individualizados e arrumados os factos pela ordem e alinhamento que possibilitem esse exercício de joeiramento não será possível ao juiz cumprir este desígnio normativo. Impõe-se, pois, em nosso juízo, que o requerimento para abertura da instrução contenha um alinhamento factual susceptível de sobre ele poder ser produzida prova.
Não cumpre esse exigência o requerimento em que, o assistente, requereu a instrução, pelas razões que se procuraram elencar supra.
Intimamente conectada com esta exigência está o regime de nulidades inserto no artigo 309.º, n.º 1 do CPP ao taxar de nula a decisão instrutória “na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”. Parece-nos que mais uma vez o legislador quis conferir ao requerimento para abertura da instrução uma feição e estrutura similar ao de um requerimento em que o Ministério Público ou o assistente requerem ao tribunal a introdução de um feito que eles reputam de revestir natureza criminosa ou que contem os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança. A acusação, do Ministério Público ou do assistente, constituem-se, na sua estrutura e função, como petições dirigidas ao tribunal onde se impetra, que segundo os pressupostos jurídico-materiais alinhados no requerimento, a aplicação ao arguido uma pena ou uma medida de segurança. Daí que o requerimento para abertura da instrução, embora não exigindo a mesma estrutura descritiva e expositiva não possa deixar de conter o mínimo de individualização dos factos que possibilitem ao juiz destrinçar neles a indicação factual e jurídica que permita colimar a pressuposição de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança.
Tanto o requerimento de acusação, do Ministério Público ou do assistente, como o requerimento para abertura da instrução, hão-de conter os elementos cingidos e confinados em que o juiz de instrução vai orientar e direccionar a actividade comprovatória, que permitirá concluir por um juízo de verificação dos pressupostos de que hão-de depender a aplicação da pena ou medida de segurança, do mesmo passo que haverão de permitir arguido colimar a sua defesa de modo a aduzir as causas de justificação que contraminem as razões de facto e de direito que o requerente lhe antepõe. Não pode o tribunal diluir a sua actividade e a sua capacidade de indagação num “pântano” – para utilizar um termo muito em voga num determinado momento politico – factual onde não é possível escandir com o mínimo de certeza e objectividade quais os factos que, em concreto, um sujeito processual imputa a outrem. O thema probandum quedaria de tal modo incerto e impreciso que permitiria a evanescência do sentido e arrimo probatório, ocasionando uma dispersão incompatível com um agir finalístico do processo penal, qual seja o de comprovar, através de um procedimento concatenado e direccionado, a existência, ou não, da verificação de um ilícito de natureza penal. Agir no interior de um quadro factual arrumado e dirigido à conformação processual de uma actividade investigativa é o que se requesta de um requerimento em que um sujeito processual impetra a um órgão formal de controlo uma actividade investigativa destinada a comprovar ou a infirmar a ocorrência da factualidade elencada. Deixar ao alvedrio e errático alinhamento factual, ou de meras suposições e indicação suspeitosas, de um requerimento a actividade investigativa de um tribunal suscitaria um nível de insegurança e indefinição inconciliáveis como o rigor e arrimo à certeza que devem nortear e orientar a actividade de qualquer órgão jurisdicional.
O objecto da instrução tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Preceitua, ainda, o n.º 2 da citada norma do artigo 287.º que o requerimento de instrução não está sujeito a formalidades especiais mas, no caso do assistente, é ainda aplicável o disposto no artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, segundo o qual «a acusação contém, sob pena de nulidade: (...) a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível o lugar o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada (...) as disposições legais aplicáveis.».
O citado n.º 2 do artigo 287º, do Código de Processo Penal estabelece as condições de admissibilidade do requerimento (as condições de ocorrência de instrução). E só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal de instrução (n.º 3 da norma aludida no parágrafo que precede). Não estando em causa a extemporaneidade ou a incompetência, mas pretendendo a assistente neutralizar o despacho de arquivamento do Ministério Público há que verificar da fundamentação do seu requerimento.
Tanto o nosso mais Alto Tribunal, como o tribunal constitucional, têm vindo a decidir que não é compaginável e compatível com a função e fim do requerimento de instrução a prolação de despacho de convite ao requerente de aperfeiçoamento dos termos em que o requerimento se encontra formulado, por se traduzir numa insustentável intrusão do juiz na esfera de modelação e formulação de um requerimento de que pode depender a aplicação de uma sanção penal. Ao Juiz, como árbitro e fiel da realização de um processo justo e equitativo está vedado socorrer qualquer das partes quando o que pode estar em causa é a aplicação de uma sanção penal ou de uma medida de segurança. – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.1995 «Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2. do Código de Processo Penal quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.» (cfr. Acórdão n.º7/2005, publicado no DR I série - A, de 04.11.2005); publicado no DR; Iª Série, de 10.01.1996» e do Tribunal Constitucional de 19.05.2004. Neste último aresto escreveu-se, designadamente que: «O requerimento para abertura da instrução consubstancia, materialmente, uma acusação, na medida em que, por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento por factos geradores de responsabilidade criminal.
“A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor a e precisão adequados em determinados momentos processuais entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.
Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito/ o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa». (publicado in Publicado in DR n.º 150, II série, de 28.06.2004)./ Cfr. ainda no apontado sentido o ac. do tribunal constitucional nº 358/2004, onde se escreveu que a exigência de organização do requerimento de abertura de instrução segundo os cânones estipulados no artigo 283º com referência ao 287º do Código de Processo Penal “decorre (…) de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. É, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legítima”. Também, no Ac. do TC nº 674/99, DR II de 25/2/2000, se realça que “a necessidade de uma narração de factos penalmente censuráveis [pode ser vista] como uma decorrência lógica do princípio da vinculação temática, já que, só deste modo a acusação pode conter os limites fácticos a que fica adstrito o tribunal no decurso do processo (cfr. António Barreiros, Manual de Processo Penal, Universidade Lusíada, 1989, pág. 424). Ou seja, a narração dos factos, que constituem elementos do crime, deve ser suficientemente clara e perceptível não apenas, por um lado, para que o arguido possa saber, com precisão, do que vem acusado, mas igualmente, por outro lado, para que o objecto do processo fique claramente definido e fixado. É, assim, imperativo que a acusação e a pronuncia contenham a descrição, de forma clara e inequívoca, de todos os factos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas”).
Consagrando este entendimento o tribunal constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 287.º e 283,º do Código de Processo Penal, segundo a qual não é obrigatória a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelos assistentes, que não contenha uma descrição dos factos imputados ao arguido (cfr. Acórdão n.º 389/2005, de 14.07.2005, publicado no DR II série, de 10.10.2005).
Queda, por aquilo que se deixou exposto, ilaqueada a possibilidade de convite ao aperfeiçoamento, como vem defendendo a jurisprudência, una voce, propendemos para confirmar o acerto da decisão proferida”.
Para o recorrente o despacho impugnando está elaborado em contravenção às regras que regem para a escorreita forma de estruturar de uma decisão judicial, pois que deixou de se pronunciar sobre uma questão que lhe foi expressamente colocada no pórtico do requerimento para abertura da instrução, qual fosse a incompetência territorial do Tribunal de Leiria para conhecer dos crimes denunciados. Em consequência estaria ferida de nulidade, nos termos do artigo 379º, mº1, alínea c) do Código de Processo Penal (sic).
O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao principio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento. O tribunal tem por obrigação emitir um juízo de apreciação e valoração sobre todas as questões que os sujeitos processuais reputem pertinentes para a decisão de um pleito que submetam à sua decisão. Independentemente da bondade ou inocuidade das questões, sob o ponto de vista jurídico, e da sua atinência ou não para a solução do conflito que é mister o tribunal ter que decidir, exige a lei que o tribunal emita pronúncia sobre todos elas, formulando um juízo de apreciação jurídico e de valoração para o objecto do processo ou para a resolução da questão material controvertida I – A nulidade resultante de omissão de pronúncia, prevista na primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, verifica-se quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar. – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14.03.2007, proferido no proc. nº 06P3188
I – A nulidade por omissão de pronúncia «é a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre “questões” a decidir e “argumentos” produzidos na defesa das teses em presença. Deve evitar-se esse erro»; por outro lado, «também não integra o apontado vício a omissão de pronúncia sobre questões efectivamente suscitadas pelas partes quando a sua apreciação se encontre prejudicada pela solução encontrada para alguma ou algumas delas.» (cf. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 1972, III, pág. 247). -Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 8.XI. 2006; proferido no proc. nº 06P967..

A ausência ou omissão de pronúncia importa nulidade da decisão em que a falta foi praticada.
A nulidade alanceada ao despacho sob impugnação não se mostra procedente a vários títulos. Em primeiro lugar a questão suscitada pelo requerente só deveria merecer apreciação pelo tribunal a quo se o requerimento que formulou para abertura da instrução contivesse elementos donde o tribunal pudesse extrair o locus delicti. A lei penal define como regra axial para aferição da competência de um tribunal para conhecer de um facto criminalmente punível o local onde o crime foi cometido. Para aferição deste espaço jurisdicional é mister que esteja definido, no requerimento inicial ou por averiguações posteriores, onde e como se desenvolveu um determinado iter criminoso. Assim é preciso para que um tribunal se atribua a si ou a outro a competência para conhecer de um determinado ilicito criminal que lhe seja dado conhecimento ou ele venha averiguar: 1º) em que actos materiais se consubstancia o facto criminalmente relevante e punível; 2º) de que modo o crime foi cometido; 3º) por que forma o agente consumou a acção delitiva; 4º) quando é que essa acção delitiva teve lugar. Outros itens necessários para apurar da existência de um facto punível não serão aqui atendidos por manifesta falta de interesse para o caso.
Para que o tribunal recorrido pudesse colher os elementos referenciados teria sido necessário que o recorrente cumprisse os requisitos de estruturação e elaboração do requerimento de acordo com o preceituado nas normas adrede. Como se procurou demonstrar o requerimento ensaiado pelo recorrente para requerer a abertura da instrução não contém o mínimo de elementos que permitam ao tribunal estabelecer em que comarca ocorreram os factos delitivos ou sequer se ocorreram factos passíveis de ser reconduzidos à tutela criminal. Desde logo não estabelece nem identifica quem são os autores de uma actividade criminalmente censurável, como bem se anota no despacho sob impugnação e depois não indica como e de que forma terão decorrido as operações que reputa terem lesado o seu património.
À míngua destes elementos não era viável ao tribunal reportar e aferir, localmente, onde decorreram os factos que o recorrente crisma de penalmente puníveis. Falecendo estes pressupostos por absoluta carência de elementos de facto que permitissem habilitar o tribunal a emitir um juízo de validade da pretensão, melhor diria da falta dela, do recorrente não era exigível que viesse a emitir pronúncia sobre qual o tribunal onde, eventualmente, se tivessem desenrolado os factos que pretende ver perseguidos.
Os fundamentos em que alicerça o recurso não denotam consistência para alçapremar uma pretensão de procedência, configurando-se, ao invés, destituído de fundamento em vista de todo o argumentado.
III. – Decisão.
Na convergência com o exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em.
- Rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso interposto pelo assistente A.....
- Condenar o assistente nas custas, fixando taxa de justiça em oito (8) Uc’s.