Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
196/07.TAVGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO ANTÓNIO MIRA
Descritores: RECURSO
LEGITIMIDADE DO ASSISTENTE
INTERESSE EM AGIR
Data do Acordão: 01/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 69º NºS 1 E 2 AL.C) DO CPP
Sumário: I. - A legitimidade pressupõe por parte do recorrente um interesse directo na impugnação do acto, concebendo-se tal pressuposto processual como uma posição de um sujeito processual relativamente a determinada decisão proferida em processo penal que justifica que ele possa impugnar tal decisão através da via recursória.
II. - O interesse em agir (também conhecido por interesse processual) consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. O recorrente tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra necessita da intervenção dos meios judiciários para assegurar um direito em crise.
III. – É prevalente a concepção de que as questões atinentes à medida da pena fazem parte do núcleo punitivo do Estado, do jus puniendi, cuja defesa não cabe aos particulares, mas sim ao Ministério Público
IV. – Ainda que se trate de crime de natureza particular, as finalidades da punição, traduzidas na espécie e medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime, ou, pelo menos, não será essa a sua finalidade imediata, devendo considerar-se que o assistente não é afectado pela decisão.
V. - Não têm, no específico domínio em causa, necessidade de tutela dos tribunais para defenderem um direito que lhes assiste, carecendo, assim, de interesse em agir.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, as arguidas:
- …, casada, empregada fabril, filha de … e de …, natural da freguesia de Covão do Lobo, concelho de Vagos e residente em Vagos;
- …, casada, doméstica, filha de …, natural da freguesia de Ponte de Vagos, concelho de Vagos e residente em Vagos;
- …, casada, desempregada, filha de … e de …, natural da freguesia de Covão do Lobo, concelho de Vagos e residente em Vagos;
- …, casada, desempregada, filha de … e de …, natural da freguesia e concelho de Vagos ; e
- …, casada, filha de … e de …, natural da freguesia da Ponte de Vagos, concelho de Vagos e residente em Vagos,

acusadas da prática, em autoria material, e em concurso real e efectivo, de dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.

2. As assistentes … e … deduziram pedido de indemnização cível, impetrando a condenação de cada uma das arguidas a pagar a cada uma das demandantes a quantia de € 350 (trezentos e cinquenta euros), para ressarcimento de danos não patrimoniais que invocam ter sofrido, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.

3. Por sentença de 30 de Junho de 2008, o tribunal julgou parcialmente procedente a acusação particular e o pedido de indemnização civil e, em consequência:

- Absolveu as arguidas …, …, … e … da prática do crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal.

- Condenou a arguida …, como autora material de um crime de injúrias, p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

- Absolveu as demandadas …, …, … e … dos pedidos contra si formulados pelas demandantes.

- Condenou a demandada … a pagar à demandante … a quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros).

2. Inconformada, as assistentes/demandantes civis interpuseram recurso da sentença, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª – A douta sentença enferma de erro notório na apreciação da prova, uma vez que não justificando a desconsideração do depoimento das várias testemunhas, conjugado, que demonstram de forma cabal que as arguidas praticaram, nas diversas circunstâncias relatadas e segundo as imputações acima feitas, crime de difamação e injúria, acaba por não dar como provada tal matéria.

2.ª – Impugna-se assim a decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.

3.ª – É nosso entendimento que pelo depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pelas assistentes, conjugado com as testemunhas ouvidas, arroladas pela acusação e pela defesa, deveria ser dada por provada a totalidade dos factos que constam da acusação particular. Até porque a douta sentença sob recurso não fundamenta, suficientemente, a desvalorização de tais depoimentos, razão pela qual terão de ser considerados e valorados nos precisos termos em que foram prestados.

4.ª – A douta sentença sob recurso incorreu na violação do artigo 71.º do Código Penal, designadamente na parte da condenação da arguida …, já que não teve em conta os antecedentes criminais nem a gravidade dos factos em causa e a repercussão que os mesmos tiveram na localidade onde todos residem.

5.ª – A pena aplicada à arguida deveria ser necessariamente superior, até por causa do alarme social que este tipo de ilícito provoca e pelo facto de a vítima ser uma menor e o acto ter sido praticado por um adulto.

6.ª – Deveria o Tribunal aplicar-lhe uma pena de multa nunca inferior a 90 dias, à taxa de € 5,50/dia e bem assim como condenar a arguida no pagamento de uma indemnização à assistente no valor de € 350,00, solicitado, procedendo assim a totalidade do pedido de indemnização civil.

7.ª – Na procedência do recurso, deverão ainda todas as arguidas ser condenadas pela prática dos crimes de injúria e difamação, tal como supra já ficou dito, em multa e indemnização a favor das assistentes.

Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso interposto, total ou parcial, em qualquer das soluções preconizadas, quer condenando as demais arguidas pela prática dos crimes de difamação e injúria, em multa e indemnização a favor das assistentes, quer no agravamento da indemnização por parte da arguida ........., quer ainda no agravamento da pena.
5.1. As arguidas/demandadas …, …, … e … concluíram as respostas que apresentaram ao recurso nestes termos:
1. As recorrentes não deram cumprimento ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 412.º do CPP, pelo que não pode ser conhecido o recurso no que se refere à matéria de facto;
2. A decisão recorrida, no que tange à absolvição das arguidas … e …, encontra-se devida e correctamente fundamentada, uma vez que não se provaram factos que configurem a prática, pelas mesmas, de um crime de difamação;
3. Também em relação à arguida … não ficou provado que a mesma tivesse espalhado a notícia do alegado roubo das couves na fábrica;
4. Ou que tivesse sido ela a imputar tais factos à assistente no enquadramento espacio-temporal identificado na acusação;
5. A douta sentença não violou quaisquer disposições legais, designadamente as enumeradas pelas assistentes, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
5.2. Por sua vez, o Ministério Público manifestou o entendimento de não se mostrar cumprido o disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP. Em qualquer caso, preconiza a improcedência do recurso.
5.3. Idêntica posição assumiu a arguida ….
6. No douto parecer que emitiu, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação, para além de entender que, no caso, não está cumprida a referida norma (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP), suscita a questão da falta de legitimidade das assistentes para recorrerem da sentença no que respeita à medida da pena imposta à arguida ….
Notificadas nos termos e para os efeitos do art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, as assistentes não exerceram o seu direito de resposta.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

III. Fundamentação:

1. Delimitação do objecto do recurso e poderes cognitivos do tribunal ad quem:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
Assim, no caso sub judicio, importa indagar:
- Se a sentença recorrida padece do vício de erro notório na apreciação da prova;
- Se, uma vez alterada a matéria de facto em consonância com os desígnios das recorrentes, as arguidas …, …, … e … cometeram crimes de difamação e injúria;
- Da medida da pena;
- Se ocorre fundamento para a condenação das arguidas no pagamento às demandantes dos valores reclamados no pedido de indemnização civil.

2. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 27 de Abril de 2007, por volta das 16.20 horas, quando a assistente … chegava de autocarro proveniente do Colégio de Calvâo, a arguida … se ter dirigido a ela nestes termos: “és da raça dos ladrões”, “andas em Calvâo a roubar”, “cabra”, “puta”, “eu pego na tua cabeça e mando-ta contra a parede, se tu te metes mais com a minha filha eu mato-te”.

2. Estas expressões foram proferidas pela arguida …, em plena via pública, na presença de uma colega do colégio.

3. No dia 3 de Maio de 2007, por volta das 18.30, em casa da arguida …, esta disse a …, marido e pai das assistentes, que tinha ouvido na feira que ele, a mulher e a filha tinham sido apanhados a roubar couves em Calvâo e que tinha saído no jornal.

4. Nesse mesmo dia o … dirigiu-se com a Assistente …  casa da arguida … para a interpelar sobre o alegado jornal que referia que a sua família foi apanhada a roubar couves, em Calvâo.

5. A arguida … respondeu não possuir o jornal, mas referiu que era verdade que corria a notícia, reproduzindo ainda que a mulher que possuía o jornal lhe tinha dito a ela … que o … e as Assistentes tinham sido apanhados a roubar couves em Calvâo.

6. No mês de Maio de 2007, pelas 9.30, em casa do Sr. …, a arguida … dirigiu-se à Sra. D. …, esposa do Sr. … e perguntou a esta: “a Senhora é que é a dona da casa? O …  e a … vieram roubar as suas estufas?

7. A esta questão respondeu a Senhora negativamente, dizendo que era uma mentira.

8. Estas afirmações foram proferidas em voz alta, de modo a que a assistente … pudesse ouvir, já que se encontrava presente no local, pese embora a arguida … não a tivesse visto, no momento em que as proferiu.

9. Ao agir da forma descrita, a arguida … sabia que proferia expressões atentatórias da honra e consideração das assistentes.

10. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

11. As arguidas …, …, … e … não têm antecedentes criminais.

12. A arguida … praticou em 20.10.2000 um crime de ameaça, tendo sido condenada na pena de 100 dias de multa, por sentença transitada em julgado em 02.05.2002.

13. A arguida … aufere 400 € mensais.

14. O marido é pedreiro e aufere 600 € mensais.

15.Vive em casa própria.

16. Tem dois filhos, uma menina com 15 anos e um menino com 5 anos.

17. A arguida … á doméstica.

18. O marido aufere 1.000 € mensais.

19. Vive em casa arrendada.

20. O marido está em França a trabalhar, pagando 500 € de renda de casa.

21. Tem 4 filhos, estando todos a viver em sua casa, mas ganhando para si próprios.

22. A arguida … é operária e aufere 426 € mensais.

23. O marido é operário e aufere 450 € mensais.

24. Tem um filho, de 2 anos e meio.

25. Vive em casa dos pais, contribuindo com género alimentares.

26. A arguida … está desempregada há cerca de um ano.

27. O marido é pedreiro, por conta própria, e aufere 450 € mensais.

28. Tem 3 filhos, de 8, 2 anos e 5 meses de idade.

29. Vive em casa da mãe, a quem ajuda no que pode.

30. Arguida … é emigrante no Canadá.

31. É tida e considerada como pessoa respeitável e respeitadora pela comunidade em que se insere.

32. A assistente … recusou-se a ir às aulas.

33. Sentiram-se tristes e inquietas com o sucedido.

3. Quanto aos factos não provados, ficou consignado na sentença:

Não se provou que:

• As expressões proferidas pela arguida … o foram em altos berros e na presença de diversas pessoas e de várias colegas do colégio da assistente..........

• As palavras proferidas pela arguida … puderam ser claramente escutadas e entendidas por todas as pessoas que se encontravam nas redondezas, tal era o volume de voz utilizado pela arguida.

• A assistente fugiu aterrorizada, ante a perseguição que a arguida lhe moveu.

• A arguida … disse que tinha visto no jornal a notícia de que as assistentes tinham sido apanhadas a roubar couves.

• A arguida … tenha dito que viu a notícia no jornal.

• Entre o dia 3 e 9 dia 18 de Maio de 2007, na Fábrica onde a Assistente … trabalha, a arguida … disse em voz alta, na hora do pequeno-almoço e na presença de várias colegas: querem saber a novidade? Vi no jornal a …, o … e a … e a matrícula da camioneta deles, a roubarem em Calvão.

• Esta afirmação foi proferida pela arguida …, na presença das colegas de trabalho. Tendo sido claramente escutadas por todas quantas estavam presentes, e eram várias, já que se encontravam na pausa do pequeno-almoço.

• A arguida … disse: “mas a matrícula da camioneta e o nome deles estava no jornal.”

• Ao agir da forma descrita, as arguidas …, …, … e … sabiam que proferiam, perante terceiros, expressões atentatórias da honra e consideração das assistentes.

• Agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

3. Relativamente à fundamentação da decisão de facto, consta na sentença:

Factos Provados:

Da conduta da arguida …:

Para fundar a sua convicção quanto aos factos imputados a esta arguida, o Tribunal considerou as declarações da arguida, que admitiu que nesse dia falou com a assistente … à saída do autocarro que trazia esta a última casa, por causa de um desentendimento desta última com a sua filha …, na escola.

Embora tendo negado que lhe tivesse chamado nomes, as declarações da assistente … mereceram a nossa credibilidade quanto aos mesmos, aliadas ao depoimento da testemunha ….

Muito embora ambas viessem com os depoimentos decorados quanto à data e ao tempo dos mesmos, mereceram a nossa credibilidade no que toca às expressões imputadas à arguida, tendo em conta não só o depoimento da testemunha … e as declarações da assistente …, designadamente no tocante aos desentendimentos entre ambas e ao facto de se chamarem “puta” reciprocamente no colégio que frequentam, aliados às regras da experiência comum, que demonstram que é o que habitualmente acontece em situações semelhantes.

Não nos mereceram qualquer credibilidade, no entanto, as declarações da assistente …, que disse ter presenciado, em frente à sua casa, o sucedido, ter ouvido bem o que se dizia. Não nos mereceu credibilidade não só pela distância que todas as testemunhas referiram existir entre a paragem do autocarro e a sua casa (como do Tribunal ao posto da GNR aqui em Vagos), o que torna inverosímil que tal fosse verdade. Nesta parte, de igual forma, não nos mereceram igualmente credibilidade as declarações da assistente … e da testemunhas … quando referiram que a assistente … assistiu a tudo.

De facto, atentando nas declarações da assistente …, resulta que, no início, começa por referir que se dirige para casa, para emendar e dizer que não precisou de entrar para contar à mãe, que se encontrava na rua a assistir, acrescendo ainda que tanto ela como a testemunha …, de forma pouco convincente e de alguma forma estudada, afirmaram várias vezes que a … estava traumatizada com o sucedido e que nem conseguia falar, mas que também não foi preciso contar, pois a mãe, a assistente …, tinha assistido a tudo.

Muito embora a testemunha … tenha dito que se encontrava a trabalhar a terra quando a arguida …, sua filha, se dirigiu à …, tendo referido que a mesma só chamou a atenção para a mesma e que não ia admitir que tratasse mal a sua filha, sem que lhe chamasse nomes, tal não merece a nossa credibilidade pelas regras da experiência já enunciadas e as declarações, nesta parte, proferidas pela assistente … e a testemunha ….

Quanto às condições pessoais da arguida, o Tribunal considerou as suas declarações.

Mais foi considerado o CRC junto aos autos.

Da conduta da arguida …:

O Tribunal atendeu às declarações da arguida, que mereceram a nossa credibilidade, referindo que de facto o …o, marido da assistente …, foi falar consigo, a respeito dos boatos que se ouviam, tendo-lhe dito que tinha ouvido comentários na feira, de que tinham sido apanhados a roubar couves em Calvão e que a fotografia deles e a matrícula da carrinha saiu no jornal, mas que não disse que tinha visto tal notícia no jornal. Apenas lhe contou o que se comentava e a seu pedido.

Mais foram consideradas as suas declarações quanto às suas condições sócio-económicas e o CRC junto aos autos.

Da conduta da arguida …:

O Tribunal considerou as declarações da arguida …, aliadas às da testemunha …, que mereceram a credibilidade do Tribunal.

Com efeito, ambas referiram que de facto o marido da assistente …, o …, se dirigiu a sua casa por causa do que se comentava, perguntando pelo jornal. Foi a testemunha … quem o recebeu e quem lhe contou o que ouviu na feira, relativamente a ele e à família terem sido apanhados a roubar couves, mas que não sabia de jornal nenhum. Entretanto chegou a arguida …, que confirmou ao … os boatos que ouviu, mas não lhe referindo a existência de qualquer jornal.

Foram consideradas as declarações da arguida no que toca às suas condições sócio-económicas e o CRC junto aos autos.

Da conduta da arguida …:

O Tribunal considerou as declarações da mesma quanto à prova das suas condições sócio-económicas e ao certificado de registo criminal junto aos autos.

Da conduta da arguida …:

O Tribunal considerou as declarações da assistente …, no tocante, apenas, aos factos de se encontrar presente no local, quando a arguida se dirigiu a casa de …. Não nos mereceram credibilidade as suas declarações no demais, pela evidente incompatibilidade da assistente com a arguida, sua prima.

No mais, atendeu o Tribunal às declarações da testemunha …, que, de forma espontânea, começou por dizer que a arguida … se dirigiu ao local para perguntar se foi ali que foi apanhada a assistente … e a sua família a roubar estufas, referindo, após insistência, de que para além de perguntar, afirmava que tal tinha saído no jornal.

Ora, considerando o que de espontâneo foi dito pela testemunhas, sendo certo que a mesma afirmou que trocou impressões com a assistente … sobre o assunto, durante a hora do almoço, ou seja entre a primeira sessão de julgamento e a segunda, não nos merece credibilidade a parte do seu depoimento incriminatório da arguida …, repita-se, após ter sido insistentemente perguntado.

O Tribunal considerou ainda o depoimento da testemunha … quanto às condições sócio-económicas da arguida … e o CRC junto aos autos.

Factos Não Provados:

Quanto à arguida …: A assistente … referiu que a arguida …, depois de ter proferido as expressões, veio atrás dela, perseguiu-a, mas tal não nos mereceu credibilidade. Primeiro porque só ela e a sua mãe, a assistente …, o referiram, sendo certo que a credibilidade das declarações desta assistente já foi por nós afastada pelos motivos supra expostos; por outro porque não se compreende que a arguida ............ o tivesse feito, na versão das assistentes, estando … à porta, a assistir ao que se passava.

Acresce ainda que a testemunha … referiu que continuaram normalmente para casa, depois do sucedido, sem realçar qualquer pressa ou qualquer perseguição encetada pela arguida ..........

Quanto aos altos berros com que a arguida terá proferido as expressões referenciadas em 1. dos factos provados, não nos merece credibilidade o depoimento da ......... nem as declarações de ambas as assistentes, considerando o Tribunal que tal é evidenciado para que fosse credível que a assistente Eneida ouvisse o sucedido, o que de forma alguma merece a credibilidade do Tribunal.

No tocante à conduta da arguida …: como já foi referido, o Tribunal atendeu às suas declarações. Não obstante a testemunha … dizer que a mesma lhe referiu que viu o jornal, certo é que não foi isso que referiu no início do seu depoimento, referindo que a mesma apenas teria ouvido tal na feira, tendo, posteriormente, repetido esta afirmação no seu depoimento. Acresce ainda que a testemunha é parte visada nos autos, por ser marido da assistente … e pai da assistente ….

Quanto às declarações prestadas pela assistente … nesta parte, as mesmas não mereceram a nossa credibilidade pela forma pouco espontânea e muito estudada, decorada até, com que foram prestadas.

O mesmo se diga quanto à conduta da arguida …. Pelas razões já supra explanadas, não nos mereceram credibilidade as declarações prestadas pela testemunha … e as declarações da assistente ….

Relativamente à conduta da arguida … nenhuma prova se fez quanto à mesma.

A arguida negou a prática dos factos. As assistentes a nada assistiram. A testemunha …, que no dizer da assistente … foi quem assistiu aos factos, referiu que nada ouviu da boca da arguida .........directamente. Referiu ainda que eram muitas as pessoas que na fábrica comentavam o alegado furto das couves cometido pelas assistentes e o marido, não podendo dizer que a notícia chegasse à fábrica através da arguida ........., porquanto não assistiu a comentários directos por parte dela nem que fosse ela a dar a tão falada novidade.

Acresce que não passa em branco ao Tribunal, o que foi referido pela testemunha, no sentido de a assistente lhe ter dado um papel para as mãos, para que soubesse o que dizer em Tribunal, o que muito afecta a credibilidade das testemunhas que com a assistente têm proximidade de relacionamento.

Acresce que as testemunhas … e …, testemunhas arroladas pela arguida … não só em pouco a ajudaram como pouco esclareceram para a descoberta da verdade. De facto, e resumindo o depoimento de ambas, resulta que correu aquele boato pela fábrica, que foi comentado por muitas colegas, entre as quais a arguida …, mas não referindo que foi a mesma quem imputou os factos à assistente … e à sua família e que tivesse sido ela a levar os comentários para a fábrica.

  No tocante à arguida …, remetemos para a fundamentação dada quanto aos factos provados relativos a esta arguida.

4. Do mérito do recurso:

4.1. Da questão da alterabilidade da matéria de facto:
Pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, há-de cumprir o ónus de impugnação especificada imposto no art. 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de factos que reputa incorrectamente provados e de alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida e às provas que devem ser renovadas - als. a), b) e c) do n.º 3 do referido artigo -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4 do citado art. 412.º).
A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença.
Por outro lado, a exigência legal de especificação das “concretas provas” impõe a indicação do conteúdo específico do meio de prova. Tratando-se de prova gravada, oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação.
«Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado»[i].

No caso em apreciação, cotejando a motivação do recurso e as respectivas conclusões, nelas não estão devidamente individualizados quer os factos que as recorrentes têm por indevidamente julgados quer as passagens da gravação áudio relativas à prova testemunhal produzida no decurso da audiência de discussão e julgamento.

E como reiteradamente vem acentuando o Supremo Tribunal de Justiça, o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido. Daí que o artigo 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal imponha o dever de convite tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”.

Se o recorrente não faz, como no caso dos autos, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.

Como adverte o Tribunal Constitucional, em considerações que, se devidamente adaptadas, se mostram actuais, não obstante se reportaram à antiga redacção do artigo 412.º do CPP, «(...) não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo (...) recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso - falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correcção dos vícios formais detectados, constitui exigência desproporcionada.

Antes a indicação exigida pela al. b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP - repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos - é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto.

Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do T.C. não pode retirar-se (...) uma exigência constitucional de convite ao aperfeiçoamento sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual  pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado. Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412.º, n.ºs 3, alínea b) e 4, do CPP, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. Aliás, o modo de especificação por referência aos suportes técnicos é deixado em aberto pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP (...)»[ii].

O despacho de aperfeiçoamento neste caso «equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso»[iii].
Como assim, não pode este tribunal de recurso sindicar, fora do quadro dos vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, a decisão proferida sobre matéria de facto.
4.2. Do erro notório na apreciação da prova:
Preceitua o art. 410.º, n.º 2 do CPP:
«Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
«c) Erro notório na apreciação da prova».
Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece”.
O erro notório na apreciação da prova é prefigurável quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.
Percorrendo a motivação de recurso, e as próprias conclusões naquela formuladas, facilmente se vislumbra que as recorrentes questionam, não o texto da decisão recorrida, mas sim o modo como o tribunal a quo procedeu à apreciação da prova que foi produzida.
Assim, o que verdadeiramente está questionado é apenas o processo de valoração da prova por parte do tribunal a quo, quanto a determinados pontos de facto, que as recorrentes entendem estarem indevidamente julgados, mas que este Tribunal da Relação não pode reapreciar.

4.3. Resulta dos fundamentos do recurso, supra reproduzidos, que a pretensão das recorrentes no sentido de as arguidas ........., ........., .........e .........serem condenadas pela prática de crimes de difamação e injúria, assenta apenas na sugerida, e não aceite, alteração da matéria de facto provada[iv].

Pelo que, mantendo-se inalterados os pressupostos de facto que determinaram a absolvição daquelas arguidas, a decisão da 1.ª instância tornou-se, nesta parte, definitiva.
4.4. Da medida da pena relativa ao crime de injúria pelo qual a arguida ................ foi condenada em 1.ª instância:
A arguida … foi condenada, pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 5,50.
No recurso que interpuseram, pugnam as recorrentes pela elevação da pena ao quantum de 90 dias de multa, à dita razão diária.

Antes de mais, há que decidir a questão prévia suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, traduzida em saber se as assistentes dispõem (ou não) de legitimidade para recorrer da matéria penal da sentença do tribunal a quo, nos termos em que o fizeram, ou seja, debatendo-se pela agravação, nos referidos termos, da pena imposta à arguida ….

«Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvo as excepções da lei.

Compete em especial aos assistentes:

(…)

Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito» (artigo 69.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Penal).

De acordo com o disposto no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do citado diploma legal, «têm legitimidade para recorrer o arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas».

O Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no seguinte sentido:

«O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir»[v].

Em sede de recursos, e com excepção dos interpostos pelo Ministério Público, a legitimidade pressupõe por parte do recorrente um interesse directo na impugnação do acto, concebendo-se tal pressuposto processual como uma posição de um sujeito processual relativamente a determinada decisão proferida em processo penal que justifica que ele possa impugnar tal decisão através da via recursória. O interesse em agir (também conhecido por interesse processual) consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção. O recorrente tem interesse processual quando a situação de carência em que se encontra necessita da intervenção dos meios judiciários para assegurar um direito em crise.

Ressalvado o caso do Ministério Público (face ao seu estatuto e extensão dos seus deveres), a legitimidade e o interesse em agir do assistente para a interposição de recurso tem de ser aferido perante as circunstâncias de cada caso.

Desde há muito, prevalece a concepção de que as questões atinentes à medida da pena fazem parte do núcleo punitivo do Estado, do jus puniendi, cuja defesa não cabe aos particulares, mas sim ao Ministério Público [[vi]].

No fundo, as restrições ao direito ao recurso neste domínio radicam essencialmente na circunstância de o assistente poder ser movido por paixão ou por um sentimento de vingança, não se podendo aceitar que num sistema de justiça pública, cujo promotor é o Ministério Público, aquele possa subverter o sistema pugnando pela aplicação de uma pena que este entende ser justa.

No caso dos autos, as assistentes apenas discordam da pena aplicada à arguida …, sem que se vislumbre que visem extrair da impugnação da sentença, nesta área, qualquer efeito que lhes seja útil.

Ainda que a situação dos autos diga respeito a um crime de natureza particular, à semelhança do que acontece nos casos de crime público e semi-público, as finalidades da punição, que hão-de traduzir-se na espécie e medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime, pelo menos não é essa a sua finalidade imediata, e por isso que não possam os assistentes considerar-se afectados pela decisão [[vii]].

Em suma, as assistentes … e …, por não terem, no específico domínio em causa, necessidade de tutela dos tribunais para defenderem um direito que lhes assista, carecem de interesse em agir.

4.5. Do pedido de indemnização civil:

No que concerne às demandadas …, …, … e … é patente a falta dos pressupostos enunciados no artigo 483.º do Código Civil, desde logo a conduta dolosa ou meramente culposa geradora da obrigação de indemnizar.

No mais, o valor (global) do pedido de indemnização civil formulado pelas demandantes é de € 1.750,00 (apenas de € 350,00, relativamente à demandada ...........).

A referida demandada foi condenada a pagar à demandante … a quantia de € 250,00.

Na data da dedução do pedido, a alçada do tribunal recorrido era de € 3740,98 – cfr. art. 24.º da Lei n.º 3/99 – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ).

Nestes termos, por força do disposto no n.º 2 do art. 400.º do Código de Processo Penal, não é admissível o recurso da sentença relativo à indemnização civil.

«A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior» (art. 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

Em conformidade, há que rejeitar o recurso, nos termos do disposto pelo art. 414.º, n.º 2, do CPP, na parte em que versa estritamente questões correlacionadas com o pedido de indemnização civil deduzido contra a demandada ...............
III. Dispositivo:
Posto o que precede, decide-se:
1. Rejeitar o recurso no que tange ao pedido de indemnização civil deduzido contra a demandada …, dada a sua inadmissibilidade;

2. Quanto ao mais, ne

[i] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1134/1135.
[ii] Ac. n.º 140/2004, de 10-03-2004 (proc. n.º 565/2003) - DR, II Série de 17-04-2004.
[iii] Ac. n.º 259/2002, de 18-06-2002 (proc. n.º 101/02) - DR, II Série de 13-12-2002.
[iv] «As arguidas ......... e .........cometeram, cada uma delas, um crime de injúria, uma vez que (…) proferiram as expressões injuriosas na presença da assistente........., conforme se pode ver da matéria que, em nosso entender, deveria ter sido dada por provada, em face (…). Cometeram ainda todas as arguidas (…), o crime de difamação, uma vez que a sua conduta, tal como ocorreu e deve ser dada como provada, em face (…)» - cfr. fls. 8/9 da motivação do recurso.
[v] Ac. de 30/10/2007, DR, IS-A, de 10/08/1999.
[vi] Cfr, entre outros, os Acórdãos do STJ de 07/04/1999, 01/07/1999, 16/05/2002, 16/10/2002 e 25/06/2003, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 1488/98 - 3.ª Secção; 394/99 - 5.ª Secção; 1672/02 - 5.ª Secção; 2536/02 - 3.ª Secção e 3263/01 - 3.ª Secção, todos com sumário publicado no Boletim Interno do STJ. 
[vii] Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo – 2000, pág. 332.