Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
918/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Data do Acordão: 03/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALBERGARIA-A-VELHA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: Nº 4 DO ARTº 865º DO CÓD. PROC. CIVIL
Sumário: I – A alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, ao nº 4 do artº 865º do Cód. Proc. Civil, só se aplica nos ou relativamente aos processos instaurados a partir de 15 de Setembro de 2003, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 21º daquele diploma.
II – Por isso, não é aplicável o disposto no citado nº 4 do artº 865º à reclamação de um credor com privilégio creditório geral em relação à penhora de um veículo automóvel numa execução instaurada em 2002.
Decisão Texto Integral:

O Instituto de Segurança Social, I.P., que compreende o Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, veio, em 12/10/2004, por apenso à execução comum que, sob o nº 379-B/2002, corre pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Albergaria-A-Velha, em que é exequente o MºPº e executada A..., reclamar o crédito de 28.960,21 €, e respectivos juros de mora, proveniente de contribuições em dívida referentes aos meses de Junho/00 e Setembro/00 a Setembro/01, invocando privilégio mobiliário geral e imobiliário (artºs 10º e 11º do Dec. Lei nº 103/80, de 9 de Maio e 1º e 2º do Dec. Lei nº 512/76, de 3 de Julho.

Por despacho de 02/11/2004 (fls. 13), foi a reclamação rejeitada liminarmente, com o fundamento de que, encontrando-se apenas penhorado um veículo automóvel, nos termos do artº 865º, nº 4, do CPC, e por estar em causa um credor com privilégio creditório geral, é inadmissível a reclamação de créditos.
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Inconformado, interpôs o reclamante recurso de agravo - recebido com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo -, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1. O Dec-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, veio dar nova redacção ao artº 865º do CPC, nomeadamente ao nº 4.
2. Nos autos encontra-se penhorado um veículo pesado de mercadorias, matrícula 18-48-AP.
3. O artº 21º do Dec.-Lei nº 38/2003 diz que “1 – As alterações ao Código de Processo Civil (…) só se aplicam nos ou aos processos instaurados a partir de 15 de Setembro de 2003”, expressando o legislador, no nº 2 algumas excepções, nas quais não está previsto o artº 865º.
4. Segundo o princípio da não retroactividade das leis, a lei nova, em regra, apenas dispõe para o futuro, só se aplica a factos novos, assim não sucedendo quando o legislador atribui efeitos retroactivos à nova regulamentação.
5. Não é o caso concreto em que o legislador expressamente diz que as alterações ao Código de Processo Civil (com excepção do disposto no nº 2 do artº 21º) apenas se aplicam nos ou relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor.
6. Sem mais delongas, devia ser aplicado o artº 865º na sua anterior redacção e não o 865º com a redacção dada pelo Dec.-Lei nº 38/2003.
7. Assim sendo, foram violados o artº 12º do Código Civil e o artº 31º do D.L. nº 38/2003.
8. Propugnado o Mmº Juiz “ a quo” por uma errónea aplicação da lei, ao indeferir liminarmente a reclamação de créditos apresentada pelo agravante, com fundamento (invoca-se no douto despacho de indeferimento), nos termos do artº 865º, nº 4, do CPC, e por estar em causa um credor com privilégio creditório geral” julgou ser inadmissível a reclamação de créditos.
9. Pelo que, deve o despacho de indeferimento ser substituído por outro em que se admita a reclamação de créditos efectuada pelo ISS, IP, Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, uma vez que não se aplica no presente caso, o Dec.-Lei nº 38/2003.
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O Sr. Juiz sustentou, tabelarmente, o despacho recorrido.
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Cumpre decidir, nos termos do disposto no artº 705º do Código de Processo Civil, dada a simplicidade da questão apresentada.
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Além do que consta do relatório que antecede, importa ter em consideração mais o seguinte (cfr. docs. fls. 29/35):

Na execução a que estes autos estão apensos foi penhorado, em 23/09/2003, o veículo automóvel de marca Toyota e matrícula 18-48-AP, pertencente à executada, tendo a penhora sido registada na Conservatória do Registo de Automóveis do Porto em 11/06/2004.
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No processo executivo, à fase da penhora segue-se a fase da convocação dos credores e verificação dos créditos (artºs 864º a 871º do Código de Processo Civil).
Nesta fase, o artº 865º regula a reclamação dos créditos.
Embora as reclamações sejam autuadas por apenso ao processo de execução (nº 4 do artº 865º), no entanto elas fazem parte deste mesmo processo.
A autuação por apenso tem apenas em vista permitir o prosseguimento simultâneo da execução propriamente dita e do concurso de credores, sem paralisar, portanto, o andamento da execução (cfr. Cons. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de processo civil, IV, pág. 99, e Cons. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág. 512).
Esse artigo foi alterado pelo artº 1º do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, passando o nº 4 a estabelecer que não é admitida a reclamação do credor com privilégio creditório geral, mobiliário ou imobiliário quando a penhora tenha incidido, entre outros casos que não têm interesse para o presente recurso, sobre veículo automóvel.
O Sr. Juiz, face ao teor do despacho recorrido, terá considerado que esta alteração era de aplicação imediata, rejeitando liminarmente a reclamação.
No entanto, há que tomar em consideração o disposto no nº 1 do artº 21º daquele diploma (Dec.-Lei nº 38/2003), segundo o qual as alterações ao Código de Processo Civil (…) só se aplicam nos ou relativamente aos processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2003.
Ora, tendo a execução sido instaurada em 2002, a alteração introduzida pelo Dec. Lei nº 38/2003 ao nº 4 do artº 865º, e acima referida, não tem aplicação ao presente caso, pelo que não deveria ter sido rejeitada liminarmente a reclamação com esse fundamento.
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Pelo exposto, decide-se dar provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, para que seja substituído por outro que, se não houver outro impedimento, admita a reclamação do recorrente.
Sem custas.