Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
642/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. ISAÍAS PÁDUA
Descritores: PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/04/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTº 489º CPC
Sumário:

I – Resulta do preceituado no artº 489º do CPC e do chamado princípio da preclusão processual que , salvo os casos excepcionais previstos na parte final do seu nº 1 e no seu nº 2, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, sob pena de o réu ver precludido o seu direito ou a possibilidade de o voltar a fazer .
II – A prescrição de direitos não é de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia – artºs 303º do CC e 496º do CPC .
III – A invocação da excepção da prescrição do direito de crédito da autora feita apenas depois de proferido o despacho saneador da acção é manifestamente extemporânea .
Decisão Texto Integral:
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Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1- A autora, AA, , intentou contra os réus, BB e sua mulher CC, todos com os demais sinais dos autos, a presente acção declarativa, com forma de processo sumário, pedindo que os últimos sejam condenados a pagarem-lhe quantia total de esc. 2.839.653$00 (sendo esc. 1.416.950$00 de capital, e esc. 1.422.703$00 de juros de mora), bem como nos juros de mora vincendos até ao seu integral pagamento, à taxa legal de 12%.

2- Citados para o efeito, os réus vieram contestar, defendendo-se por excepção e por impugnação.
No que concerne àquela 1ª defesa, os réus invocaram a incompetência territorial do tribunal da comarca de Aveiro (onde a acção foi inicialmente instaurada) para conhecer da causa; a ilegitimidade da ré mulher para ser demandada, a falta ou irregularidade do patrocínio judiciário por banda da autora, a prescrição dos juros de mora peticionados para além de cinco anos, e ainda a compensação de parte de créditos.
No que concerne àquela 2ª defesa, alegaram, ainda em síntese, que os preços dos serviços não correspondem, em grande parte, àqueles que foram contratados.
Para além disso, alegaram, por fim, existir litigância de má fé, por parte da autora e do seu gerente.
Desse modo, terminaram os réus pedindo a procedência das sobreditas excepções, com o réu a ser absolvido dos pedidos, ou, no caso de assim não se entender, que seja (por força da referida compensação de créditos) apenas condenado a pagar à autora a quantia de esc. 148.747$00, e, por fim, ainda a condenação solidária desta e do seu gerente, como litigantes de má fé, em multa e numa indemnização a favor dos réus, num montante não inferior a esc. 300.0000$00.

3- No seu articulado de resposta, a autora providenciou aí (com a junção dos respectivos documentos) pela reconhecida irregularidade inicial do mandato do subscritor da pi, tendo, para a além disso, pugnado pela improcedência das demais excepções aduzidas pelos réus (se bem que de forma expressa não se tenha pronunciado concretamente sobre a invocada prescrição dos juros) e pela procedência da acção, declinando ainda estar a litigar com má fé.

4- Por despacho entretanto proferido foi julgada procedente a excepção (dilatória) de incompetência territorial do tribunal judicial da comarca de Aveiro para conhecer da causa, tendo, em consequência, os autos sido remetidos, por ser o competente ao tribunal judicial da comarca de Cantanhede.

5- Foi nesse novo tribunal elaborado o despacho saneador, tendo sido aí julgada improcedente a invocada excepção (dilatória) de ilegitimidade da ré-mulher, e relegado para final o conhecimento das restantes excepções.
5-1- Passou-se depois à organização da selecção da matéria de facto, a qual não foi objecto de qualquer censura.

6- Entretanto, através de requerimento junto a fls. 160, apresentado após a elaboração do despacho saneador, vieram os réus invocar, para além do mais, que por lapso não invocaram na contestação a prescrição dos créditos, constantes das facturas que serviram de fundamento ao pedido da autora, por se enquadrarem na alínea g) do artigo 310º do C. Civil, invocando, assim, também a prescrição de tais créditos.
6-1 No despacho proferido a fls. 164, foi a apreciação de tal requerimento relegada para a sentença final.

7- Procedeu-se, mais tarde, à realização do julgamento – com a gravação da audiência.
7-1 A resposta aos diversos pontos (quesitos) da base instrutória não foi objecto de qualquer reclamação

8- Seguiu-se depois a prolação da sentença, junta a fls. 198/206, na qual, com base nos fundamentos aí aduzidos, se acabou, a final, por decidir nos seguintes termos:
“Face a tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condeno os réus BB e mulher CC a pagar à autora " AA" a quantia de esc. 1.416.950$00 - € 7.067,70 (sete mil e sessenta e sete euros e setenta cêntimos) - acrescida de juros de mora contados desde a data do trânsito em julgado da presente decisão, à taxa legal supletiva de 12%, até integral e efectivo pagamento.
Absolvo os réus do mais peticionado na acção.
Por não se vislumbrar a existência de litigância de má fé por banda da autora absolvo-a do pedido a tal título formulado pelos réus.
Custas da acção pela autora e réus na proporção do respectivo decaimento.”

8- Não se tendo conformado com tal sentença, dela interpuseram recurso, os réus, a título principal, e a autora, esta subordinadamente.
8-1 Recursos esses que foram admitidos como apelação.

9- Nas suas correspondentes alegações de recurso, apresentadas a fls. 234/236, os réus concluíram as mesmas nos seguintes termos:
“I- A Prescrição pode ser invocada em qualquer altura do processo e o tribunal devia ter conhecido de tal questão.
II- Os Réus invocaram uma presunção de cumprimento, que não foi ilidida pela Apelada, pelo que devia verificar-se a Prescrição dos pedidos, por se tratarem de serviços prestados, enquadrando-se no artº 310º, alínea g) do Código Civil.
III- É à Autora que compete provar o proveito comum da Ré da actividade comercial do Réu marido, não se presumindo tal proveito, isto é, que a Ré vivesse dos rendimentos auferidos pelo Réu marido na sua actividade de comerciante, o que não fez.
IV- Da prova produzida nos Autos, resulta claramente que a dívida foi contraída no âmbito da actividade comercial do Réu marido, e que a Ré mulher tem uma actividade totalmente independente.
V- Conjugando-se a falta de prova do proveito comum da Ré Apelante com a prova produzida acerca da actividade de cada um dos Apelantes, o resultado não poderá deixar de ser a absolvição da Ré Apelante.
VI- Em consequência, há Erro na Apreciação da Prova, e Erro na Interpretação e aplicação do Direito.
VII- Indicam-se como violadas as normas constantes dos artigos 303º e seguintes, 343º, 1691º, todos do Código Civil, entre outros.
VIII- Nestes termos .... deve dar-se provimento a este recurso e proferir-se Douto Acordão, que revogue a Douta decisão na parte recorrida nos termos supra expostos, e julgue verificada a Excepção de Prescrição dos serviços prestados ao Apelante, ou então que mantenha a condenação do Apelante e absolva a Ré Apelante...”.

10- Por sua vez, nas suas correspondentes alegações de recurso, apresentadas a fls. 222/224, a autora concluiu as mesmas nos seguintes termos:
1)- Os Juros de mora são uma dívida que renasce, dia a dia, não se enquadrando nas previsões do artº 307º do Cód. Civil.
2)- Os juros vencidos nos últimos cinco anos imediatamente anteriores ao pagamento ou à interpelação judicial para cumprimento, ainda não prescreveram e o credor tem direito aos mesmos.
3)- Proposta a presente acção em 14 de Setembro de 2000, a autora tem direito aos juros vencidos nos últimos cinco (5) anos imediatamente precedentes à data da sua propositura.
4)- NO caso concreto, são devidos juros de mora, desde 14 de Setembro de 1995, que ascendem ao montante de € 4997,55 (quatro mil novecentos e noventa e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos), à data da propositura da acção, que se continuarão a vencer, dia a dia, a partir dessa data e até integral pagamento.
5)- Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre os juros seriam devidos desde a citação dos réus para a presente acção.
6)- Não decidindo assim, a douta sentença fez errada interpretação, entre outras, das disposições dos artigos 310º, al. d), 804º, 805º, nº 1 e 806 do Cód. Civil e violou o estatuído no art. 659º, nº 2, do Cód. Proc. Civil.
Nestes termos.......deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, serem os réus condenados a pagar juros desde 14 de Setembro de 1995, na quantia de € 4997,55 (quatro mil novecentos e noventa e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos), contados à data da propositura da acção, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 12%, ou, se assim não for entendido, pelo menos desde a citação, revogando-se a sentença recorrida nessa parte...”.

11- Apenas a autora apresentou, a fls. 242/244, contra-alegações ao recurso dos réus, pugnando pela improcedência do mesmo.

12- Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1- Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se que se define o objecto e delimita o âmbito dos recursos, isto é, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC, bem ainda, a esse propósito, entre muitos outros, Acs da RC de 5/11/2002; do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80, e da RP de 25/11/93, respectivamente, in “CJ, Ano XXVII, T5, pág 15; CJ; Acs. do STJ, Ano II, T3 – 77; Act. Jur. Ano III, nº 17, pag. 3; BMJ nº 359-522 e CJ, Ano XVIII, T5 –232”).
É também sabido, que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, não podendo tratar-se neles, salvo aqueles casos de conhecimento oficioso, de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido (vidé ainda, por todos, Ac. do S.T.J. de 31/01/1991 in “BMJ 403-382”).
Também vem sendo dominantemente entendido, que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Entendendo-se, assim, por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões pareceres ou doutrinas expendidos pelas partes no esgrimir das teses em presença (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 da 2ª Sec.”; Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 da 7ª Sec”; Ac. do STJ de 11/11/87, in “BMJ 371 – 374” e Prof. Alb. dos Reis, in “ Código do Processo Civil, vol. 5º, pág. 145”).
2- Ora calcorreando as conclusões de ambos os recursos (o principal – instaurado pelos réus – e o subordinado – instaurado pela autora) verifica-se que as questões que importa aqui apreciar e decidir são as seguintes:
a) Da prescrição, ou não, do direito de crédito (no que concerne ao capital) da autora - questão referente ao recurso dos réus.
b) Da prescrição, ou não, de todos os juros (reclamados pela autora) - questão referente ao recurso da autora.
c) Da responsabilização, ou não, da ré-mulher, pelo pagamento da dívida reclamada pela autora - questão referente ao recurso dos réus.
Diremos ainda, e em jeito de remate, que muito embora na conclusão VI das suas alegações os réus se refiram que há erro na apreciação da prova (para além de erro na interpretação e aplicação do direito), todavia, tal afirmação afigura-se-nos que é totalmente inócua e desprovida de qualquer sentido.
Desde logo porque compulsando as alegações (para além das restantes conclusões) não se vislumbra, além dessa afirmação, que tenha sido posta em crise, ou seja, concretamente impugnada a decisão sobre a matéria de facto. E depois, porque, mesmo que por hipótese assim não se considerasse, então sempre o recurso teria que, quanto essa parte ou questão, ser rejeitado, por total omissão das exigências estatuídas, a tal propósito, no nºs 1, als. a) e b), e 2 do artº 690-A do CPC.

2- Os Factos.
Da discussão da causa foram dados, pela 1ª instância, assentes, por provados, os seguintes factos:
2-1. A Autora é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de contabilidade, fiscalidade, auditorias, pessoal, gestão, consultadoria e técnicos oficiais de contas às empresas. (alínea A) dos factos assentes da selecção da matéria de facto, e a cuja peça pertencerão as restantes alíneas indicadas a seguir).
2-2. O R beneficiou da dedução de IVA constante das facturas que A lhe enviou e deduziu ao Estado nas suas declarações periódicas de IVA., como dos respectivos custos na contabilidade de montante igual às importâncias antes do valor do IVA. (alínea B)
2-3. Em 99.11.29, a A enviou ao R a carta junta a fls. 32, solicitando o pagamento do débito. (alínea C))
2-4. O réu é comerciante. (alínea D))
2-5. A A. recusou o recebimento da carta enviada pelo R em 26.05.94. (alínea E)).
2-6. No âmbito do seu objecto social referido em 2.1 a A. prestou ao réu marido, vários serviços de contabilidade, no âmbito da actividade comercial deste - constantes das facturas juntas aos autos como docs. 1 a 20, cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido -, no montante total de esc. 1.416.950$00. (resposta aos quesito 1º, 2º e 3º da Base instrutória, e a cuja peça pertencerão os restantes pontos ou quesitos indicadas a seguir)
2.7. Com as datas de vencimento mencionadas nas facturas. (resposta ao quesito 4º)
2.8. O réu contratou a firma da A. para lhe prestar serviços como técnico de contas. (resposta ao quesito 7º)
2.9. Serviços esses prestados inicialmente por avença mensal, a qual no ano de 1991 era no valor de esc. 12.500$/mês, mais IVA.. (resposta ao quesito 8º)
2.10. A partir do mês de Janeiro de 1992 a autora aumentou a avença para 15.000$00/mês mais IVA.. (resposta ao quesito 9º)
2.11. Em Agosto de 2002 a autora processou a factura junta como doc. 18, junto a fls. 22 dos autos, na qual a avença, a partir de Janeiro de 2003, era de esc. 17.500$00, mais IVA.(resposta ao quesito 11º)
2.12. Dá-se aqui por reproduzido o teor da factura junta a fls. 23 dos autos, documento n/19. (resposta ao quesito 12º).
2.13. Os réus são casados entre si.
2.14. A esposa do réu é professora, agora reformada, nada tendo a ver com a actividade comercial do réu marido. (resposta ao quesito 5º)
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3- O Direito
3.1. Apreciação da 1ª questão
Da prescrição, ou não, do direito de crédito (no que concerne ao capital) da autora.
É sabido que a invocação da prescrição de direitos (neste caso de um direito de crédito) constitui um excepção peremptória, cuja procedência importa a absolvição total ao parcial do pedido - conforme a situação em apreço -, já que o seu beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opôr, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (cfr. artº 493, nºs 1 e 3, do CPC e artº 304, nº 1, do CC).
É igualmente sabido que a prescrição não é de conhecimento oficioso, sendo necessário, para que o tribunal dela conheça, a sua invocação pela parte que dela beneficia (cfr. artºs 303 do CC, e 496 do CPC).
Por sua vez, preceitua o artº 489 do CPC que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado” (nº 1) e que “depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou que se deva conhecer oficiosamente.”(nº 2)
Dispositivo esse que é aplicável às acções que seguem a forma de processo sumário, como sucede no caso em apreço (cfr. artº 463, nº 1, do CPC).
Consagra-se naquele normativo o princípio da preclusão.
Significa tal, e como escreve o prof. Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2º Vol. Pág. 295), que “o réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou peremptória (com a única excepção das que forem supervenientes) e deduzir as excepções não previstas no artº 289, nº 2. Se o não fizer, preclude a possibilidade de o fazer” (sublinhado nosso).
Resulta de tal dispositivo e do aludido princípio que como regra, e salvo os casos excepcionais previstos na parte final do seu nº 1 e no seu nº 2, toda a defesa deve ser deduzida na contestação, sob pena de o réu ver precludido o seu direito ou a possibilidade de o voltar a fazer (cfr. ainda a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 18/5/1995, in “ADSTA, 401- 621” e Ac. do STJ de 25/2/1993, in “Ac, STJ, Ano I, T1 – 150”).
Postas esta considerações, de cariz teórico-técnico, compulsando os autos verifica-se, como resulta do atrás exarado, que os réus na sua contestação deduziram uma série de defesa por excepção (incluindo a prescrição dos juros de mora reclamados pela autora), mas na qual não se inclui a supra aludida excepção da invocação da prescrição do direito de crédito da autora no que concerne ao montante do capital reclamado (relacionado com o alegado preço dos serviços prestados ao réu).
Invocação essa que, como também atrás ficou exarado, os réus vieram fazer mais tarde, ou seja , já depois de ter sido proferido o despacho saneador, através do seu requerimento de fls. 160.
Porém, tal invocação é manifestamente extemporânea, e tanto mais que não ocorre, no caso, nenhuma das situações de excepção de que atrás falámos e que se encontram previstas no citado artº 489 do CPC.
E nessa medida, e não se tratando de uma situação em que o tribunal dela possa conhecer oficiosamente, bem andou a srª juíza do tribunal a quo ao ter considerado tal defesa extemporânea – tal como justificou na abordagem da questão prévia, antes da entrada no conhecimento do mérito da causa – e, consequentemente, ao não a ter tomado em consideração (no que concerne ao conhecimento da excepção de prescrição do aludido direito de crédito da autora).
E nessa medida ter-se-á, desde logo, de julgar improcedente, quanto a essa questão, o recurso dos réus.
Todavia, mesmo que assim não se entendesse, sempre se teria de concluir pela improcedência da aludida excepção.
Na verdade, e como bem defendeu aquela srª juíza na sua sentença, estando nós no domínio das chamadas presunções presuntivas (cfr. artºs 312 a 317 do CC), baseadas na presunção de cumprimento, não poderiam os réus prevalecer-se de tal alegada prescrição, já que praticaram em juízo actos incompatíveis com a presunção de tal cumprimento (e isto, partindo do pressuposto que o réu beneficiava desse regime, já que sendo o mesmo comerciante, não é de todo líquido que o mesmo se lhe aplique).
Na verdade dispõe o artº 314 do CC que “considera-se confessada a dívida se o devedor....praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento”.
Como escrevem os profs. Pires de Lima e A. Varela “in “Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 2ª ed., Vol. 1º, pág. 281, nota 1”), “é incompatível com a presunção de cumprimento ter o devedor negado, por ex., a existência da dívida, ter discutido o seu montante, ter invocado uma compensação, ....etc.”. (vidé ainda, em idêntico sentido e entre outros, Ac. RC de 17/11/98, in “CJ, Ano XXIII, T3 – 121”).
Ora compulsando a contestação dos réus, e como se extrai daquilo que no início se deixou exarado, os réus defenderam-se, além do mais, quer impugnando o seu montante, quer invocando a compensação, de parte, dessa dívida., actos esses manifestamente incompatíveis com a respectiva presunção de cumprimento.
Pelo que, e concluindo, também por esta via sempre, nesta parte, teria sempre de naufragar o recurso dos réus.

3-2 Quanto à 2ª questão
Da prescrição, ou não, dos juros de mora reclamados pela autora.
Como se viu, do que ficou exarado logo no início, a autora reclamou também o pagamento de juros de mora, vencidos e vincendos sobre o capital em dívida, e que então totalizavam, à data da instauração da acção o montante total de esc. 1.422.703$00.
Na sua contestação, os réus invocaram a prescrição dos juros que ultrapassem os últimos cinco anos.
Na sentença final a srª juíza do tribunal a quo julgou procedente tal excepção, considerando prescritos todos os juros de mora vencidos antes da data da citação dos réus (ocorrida em 16/10/2000), e que tais juros só seriam devidos a contar da data do trânsito em julgado da presente acção.
A autora, ora também apelante, insurgiu-se contra tal decisão, defendendo, em primeira linha, que os juros de mora vencidos nos últimos cinco anos, que imediatamente precedem a entrada da acção em juízo (14/9/2000), ainda não prescreveram, sendo, por isso, devidos e que, em último caso, pelo menos sempre seriam devidos desde a data da citação dos réus.
Apreciemos.
Preceitua o artigo 310 al. d) do CC que “prescrevem no prazo de 5 anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos...”.
Comentando tal normativo, escrevem, a esse propósito, os profs. Pires de Lima e A. Varela (in “Ob. cit. pág. 278, nota 22”) “o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306, a partir da exigibilidade da obrigação. Pode acontecer, nas dívidas dos juros, que não haja prazo estabelecido para o seu pagamento. É o que acontece quanto aos juros legais. Neste caso, os juros vão-se vencendo dia a dia, pelo que devem considerar-se prescritos os que se tiverem vencido para além dos últimos cinco anos”(sublinhado nosso).
Ora considerando que estão aqui em causa apenas os juros de mora legais, em relação aos quais não foi estabelecido qualquer prazo para o seu pagamento, estamos, portanto, na presença de uma dívida que renasce dia a dia, ou seja, no final de cada dia vence-se uma nova divida ou obrigação relativa a juros, ou melhor, por cada dia que passa vencem-se novos juros (e enquanto perdurar a mora), já que no caso dos juros não existe um direito unitário ou complexivo.
Assim, e considerando que no caso em apreço eram inicialmente pedidos juros de mora que se estendiam por um período de tempo muito para além dos últimos cincos (cfr. datas das facturas juntas a fls. 4 a 24 – sendo que primeira delas data de 1/5/1991 -, correspondentes aos documentos juntos sob os nºs 1 a 20, e os nºs 2.6 e 2.7 dos factos acima descritos como assentes), tal significa que apenas são devidos os juros de mora relativos aos últimos cinco anos, dado que os referentes a período de tempo superior já prescreveram. Logo ter-se-á de concluir que os juros de mora relativos ao período de tempo compreendido nos últimos cinco anos ainda não prescreveram (vidé ainda, neste sentido e para maior desenvolvimento, para além dos Mestres atrás citados, Correia da Neves in “Manual dos Juros, Livraria Almedina, 3ª ed., págs. 187 a 195”).
E sendo assim, e nessa medida, assiste razão à autora-apelante (tendo em conta a posição agora assumida no seu recurso), não se compreendendo, à luz do direito, a tese defendida, a esse propósito, pela srª juíza do tribunal a quo (sendo que o disposto nos artºs 311 e 327, nº 1, do CC não é aplicável ao caso sub judíce).
Porém, coloca-se a questão de saber a data limite a partir da qual se deve contar o período dos últimos 5 anos?
Defende a autora-apelante que tal data deve coincidir com a data da instauração da acção (em 14/9/2000), ou seja, com os cinco anos que imediatamente precederam a instauração da acção.
Todavia, afigura-se-nos que a referida data limite deve coincidir com a data da citação dos réus para a acção (ocorrida em 16/10/2000), já que, abrangendo o pedido inicial o pagamento de juros em que uma parte deles não é devida por se encontrar prescrita, é com a citação dos réus que, no caso, se interrompe tal prescrição, nos termos do disposto no artigo 326, nº 1, do CC. Logo, os juros de mora vencidos e ainda não prescritos abrangem o período dos últimos cinco anos que imediatamente precedem a data citação dos réus (ocorrida em 16/10/2000), ou seja, o período de tempo compreendido entre 16/10/1995 (e não 14/9/1995, como pretendia a autora) e 16/10/2000, às taxas legais então em vigor, sendo que daí em diante, ou seja, após a aludida data de citação dos réus continuam a vencer-se juros, à taxas legais em vigor, sobre o capital em divida, e até ao seu integral pagamento.
Assim, e nesses termos, julga-se parcialmente procedente o recurso da autora-apelante, revogando-se, nessa parte e medida, a sentença da 1ª instância.

3-3 Quanto à 3ª questão
Da responsabilização, ou não, da ré-mulher, pelo pagamento da dívida reclamada pela autora.
Insurgem os réus ainda quanto ao facto de a sentença da 1ª instância ter responsabilizado a ré-mulher pelo pagamento da dívida reclamada pela autora, defendendo a sua absolvição do pedido, mas quanto nós, adiantamos já, sem razão.
Sem entrarmos em grandes considerações teórico-técnicas, que julgamos o caso não merecer – dada a relativa simplicidade com que a questão se apresenta -, diremos o seguinte:
Preceitua o artº 1691, nº 1 al. d), do CC, que “são da responsabilidade de ambos os cônjuges, as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens”.
Por sua vez, estatui ainda o artº 15 do Cód. Com. que “as dívidas comerciais do cônjuge comerciante presumem-se contraídas no exercício do comércio”.
De tais normativos, como escreve o prof. A. Varela (in “Direito de Família, 3ª ed., págs. 399 a 401”), resulta uma “dupla e articulada presunção: as dívidas comerciais de qualquer dos cônjuges, desde que comerciante, presumem-se realizadas no exercício da sua actividade comercial; e, desde que presuntivamente realizadas no exercício do comércio do devedor, presumem-se contraídas em proveito comum do casal”.
Resulta, assim, de tais normativos – que estabelecem presunções “iuris tantum”, ou seja, ilidíveis mediante prova em contrário -, que se o credor de um comerciante fizer a prova de que a dívida é comercial e o devedor é comerciante presume-se que a dívida foi contraída no exercício por este do comércio e, portanto, a dívida é da responsabilidade de ambos os cônjuges. Para afastar esse regime necessário se torna que o cônjuge do comerciante, ou mesmo este, ilida a presunção do artº 15 do C. Com., provando que a dívida do comerciante, apesar de ser comercial, não foi contraída no exercício da actividade comercial daquele, ou, em todo o caso, ilida a presunção implícita na al. d) do nº 1 do artº 1691 do CC, provando que a dívida não foi contraída em proveito comum do casal (cfr. M. J. A. Pupo Correia, in “Direito Comercial, 1987/88, págs. 97 e 98”).
Ora compulsando a matéria factual dada como assente (cfr. nº 2.1, 2.4 e 2.6) verifica-se, por um lado, que estamos perante uma dívida comercial, e que foi contraída por um comerciante no exercício do seu comércio, e, por outro lado, que não foi ilidida pelos réus – tal como lhe competia, nos termos do disposto na 2ª parte da citada al. d) do nº 1 do artº 1691, e dos artigos 342, nº 2, e 351, à contrário, do CC - nenhuma das sobreditas presunções, e muito especialmente aquela que presume que a dívida foi contraída em proveito comum do casal, sendo certo ainda que sendo os réus casados entre si, nenhuma prova também fizeram que se encontram casados segundo o regime de separação de bens. O facto de ter ficado provado que a ré é professora e nada tendo a ver com a actividade comercial do réu-marido (cfr. resposta ao quesito 5º e nº 2.14), tal nada significa em termos de ilidir tais presunções, e particularmente em termos de demonstrar que a divida contraída pelo seu marido não o foi em proveito comum do casal.
Desse modo, ao abrigo de tais normativos legais, também a ré terá de ser responsabilizada pelo pagamento da dívida, pelo que, nessa parte, bem andou a srª juíza do tribunal a quo ao condenar igualmente a mesma no pedido.
Termos em que, também quanto a essa questão, deve improceder o recurso dos réus.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se:
a) Em negar provimento ao recurso interposto pelos réus.
b) Em conceder parcial provimento ao recurso (subordinado) interposto pela autora, revogando-se parcialmente a sentença da 1ª instância, pelo que, em consequência, se decide condenar os réus, BB e mulher CC, a pagar à autora, AA, a quantia de esc. esc. 1.416.950$00 - € 7.067,70 (sete mil e sessenta e sete euros e setenta cêntimos) - acrescida de juros de mora vencidos - desde 16/10/95 – e vincendos, à taxas legais em vigor, e até ao seu integral e efectivo pagamento.
c) Em manter, quanto ao demais, a sentença da 1ª instancia.
Custas da acção e dos recursos pela autora e pelos réus na proporção dos respectivos decaímentos.

Coimbra, 2004/05/04