Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1162/06.9TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: MAPA DO QUADRO DE PESSOAL DAS EMPRESAS
AFIXAÇÃO NO LOCAL DE TRABALHO
PROTECÇÃO DE DADOS
Data do Acordão: 09/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 454º E 456º, Nº 1, DA LEI Nº 35/2004, DE 29/07
Sumário: I – O artº 454º da Lei nº 35/2004, de 9/07, refere que o empregador deve apresentar, em Novembro de cada ano, o mapa de quadro de pessoal devidamente preenchido com os elementos relativos aos respectivos trabalhadores, referentes ao mês de Outubro anterior.

II – O artº 456º, nº 1, dispõe a obrigação para o empregador de afixar esse mapa por um período de 30 dias ou disponibilizar a sua consulta, quando a apresentação ocorra por meio informático.

III – Desse mapa constam dados como os da indicação de todas as pessoas ao serviço do empregador, datas de nascimento, de admissão na empresa, da última promoção, das remunerações referentes ao mês anterior ao da sua apresentação, da categoria profissional, da profissão, do grau de habilitação escolar mais elevado do trabalhador, e da nacionalidade de cada (Portaria nº 785/2000, de 19/09).

IV – A comparação da situação entre trabalhadores, na comunidade de trabalho, por cada um deles, é um meio de fiscalização de alcance público, na medida em que permite a participação activa de cada um no controlo dos seus direitos sociais de expressão constitucional, com acento para os que decorrem do princípio da proibição de não discriminação.

V – Afigura-se que não é inconstitucional o disposto no artº 456º, nº 1, da Lei nº 35/2004, de 29/07, quando permite ao conjunto de trabalhadores do mesmo empregador a consulta do mapa do quadro de pessoal, aí se incluindo os dados que lhe são próprios.

Decisão Texto Integral:

Recorrente: Banco A...

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida, agora recorrente, condenada – pela Inspecção-Geral do Trabalho - na coima única de € 1,157,00 pela prática de duas contra-ordenações previstas e punidas pelos arts. 456 nº 1, 490 nº 1 al. e) da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho (Regulamento do Código do Trabalho) e 620º do Código do Trabalho.
Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Coimbra, o qual veio a ser julgado parcialmente procedente, com a alteração do valor da coima aplicada para o de € 480,00.
É desta decisão que a arguida agora interpõe recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões:
“1- A sentença recorrida não aplicou correctamente o Direito à matéria de facto provada suscitando, cumulativamente, a arguição de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 456º da Lei nº 35/2004 de 29.07 por violação dos artigos 26º e 35º da CRP - inconstitucionalidade que expressamente se invoca.
2- A decisão de aplicação da coima constante da sentença recorrida viola o conteúdo essencial do direito fundamental de reserva da vida privada, o que ocasiona a consequente impossibilidade de produção de efeitos jurídicos do disposto no artigo 456° da Lei nº 35/2004 de 29.07.
3- Não se encontra preenchido o substracto jurídico-factual dos nº 1 e 3 do artigo 456º da Lei n. ° 35/2004, não havendo a Recorrente praticado nenhuma contra-ordenação que possa ser objecto de aplicação de uma coima.
4- Em cúmulo, não se verificou qualquer culpa da Recorrente na comissão da contra­ordenação que lhe é imputada - quer na modalidade de dolo, quer na modalidade de negligência - pelo que não pode a esta, nos termos do nº 1 do artigo 8º do Decreto-­Lei nº 433/82 e do artigo 616º do Código do Trabalho, ser aplicada qualquer sanção contra-ordenacional.
5- Do exposto resulta inequivocamente que nenhuma infracção foi praticada pela Recorrente ou, pelo menos que nenhuma coima poderá ser aplicada à Recorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis,
a) deverá norma constante do artigo 456° da Lei nº 35/2004 de 29.07 ser considerada inconstitucional por violação dos artigos 26º e 35° da CRP, determinando-se, em consequência, a inexistência de qualquer infracção dada a inaplicabilidade da disposição legal em causa;
b) caso assim não ser considere, deverá a sentença recorrida ser revogada por inexistência de uma conduta dolosa ou sequer negligente da Recorrente, absolvendo-se, em consequência a Recorrente.”

Em resposta, o Ministério Público manifesta-se no sentido que o recurso não merece provimento.
Corridos os vistos cumpre decidir.
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II- São os seguintes os factos dados como provados pelo tribunal a quo:
1- O Banco recorrente tem, entre outros, estabelecimentos na Rua Gomes Freire, nº 4 e na Praceta Almirante Gago Coutinho, nº 123, nesta cidade de Coimbra.
2- No dia 19 de Janeiro de 2006, na sequência de visita inspectiva realizada cerca das 17H50 ao estabelecimento da arguida sito na Rua Gomes Freire, n.º 4, em Coimbra, foi verificado que esta mantinha ao seu serviço, sob a sua autoridade e direcção, os trabalhadores Ana Esmeralda de Bernardino Pereira de Jesus Gomes, Subgerente, António Jorge Costa Martins, Gestor de Particulares, Paulo José Matos Falcão, Assistente Comercial e Susana de Jesus Rocha, Assistente Comercial.
3- Após solicitação, foi verificado que o mapa de quadro de pessoal relativo ao ano de 2005 não estava afixado no estabelecimento.
4- Nem aí disponível, para consulta.
5- No dia 19 de Janeiro de 2006, na sequência de visita inspectiva realizada cerca das 17H33 ao estabelecimento da arguida sito na Praceta Almirante Gago Coutinho, n.º 123, em Coimbra, foi verificado que esta mantinha ao seu serviço, sob a sua autoridade e direcção, os trabalhadores Jorge António Ferreira Rodrigues, subdirector de balcão, Sara Patrícia Morais Monteiro, Técnica comercial – gestora de negócios e Nuno Miguel da Silva Neto.
6- Após solicitação, foi verificado que o mapa de quadro de pessoal relativo ao ano de 2005 não estava afixado no estabelecimento.
7- Nem aí disponível, para consulta.
8- A arguida, até ao ano de 2004, disponha nos seus estabelecimentos de Mapa do quadro de pessoal, com possibilidade de consulta imediata, nomeadamente pelos seus trabalhadores.
9- Após essa data, e na sequência de ter tomado conhecimento de dois pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados, decidiu deixar de afixar e disponibilizar o Mapa de quadro de pessoal.
10- Permitindo a consulta individualizada por cada trabalhador e no registo que lhe diz respeito.
11- Consulta que é feita através de uma aplicação informática.
12- Além dos Pareceres supra referidos, a arguida tomou a decisão em causa fundando-se igualmente no facto da generalidade dos trabalhadores se sentirem melindrados ao verem a possibilidade dos seus dados pessoais serem consultados pelos colegas.
13- Tendo manifestado essa oposição.

III- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.
Decorre do exposto que, em face das conclusões do recurso, as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
- a norma constante do artigo 456° da Lei nº 35/2004 de 29.07 é inconstitucional por violação dos artigos 26º e 35° da CRP?
- caso assim não se considere, no caso dos autos observam-se condutas culposas da recorrente consistentes com a condenação decidida pela 1ª instância?

1ª questão:
Como se vê da matéria de facto, a 19 de Janeiro de 2006 a arguida não tinha afixado o mapa do quadro de pessoal no seu estabelecimento sito na Rua Gomes Freire, n.º 4, em Coimbra, relativo ao ano de 2005, e o mesmo sucedia no estabelecimento sito na Praceta Almirante Gago Coutinho, n.º 123, também em Coimbra. Também ali os não tinha para consulta.
Provou-se ainda que, na sequência de ter tomado conhecimento de dois pareceres da Comissão Nacional de Protecção de Dados, decidiu deixar de afixar e disponibilizar o mapa de quadro de pessoal, permitindo a consulta individualizada por cada trabalhador e no registo que lhe diz respeito, através de uma aplicação informática.
Ora, as obrigações relativas à apresentação anual do mapa de quadro de pessoal constam do capítulo XXXVI da Lei 35/2004, de 29 de Julho, diploma que regulamenta o Código do Trabalho.
O artigo 454º da citada Lei refere que o empregador deve apresentar, em Novembro de cada ano, o mapa de quadro de pessoal devidamente preenchido com os elementos relativos aos respectivos trabalhadores, referentes ao mês de Outubro anterior.
O artigo 456º nº1 dispõe a obrigação para o empregador de afixar esse mapa por um período de 30 dias ou disponibizar a sua consulta, quando a apresentação ocorra por meio informático.
Do mapa de quadro de pessoal constam dados como os da indicação de todas as pessoas ao serviço do empregador, datas de nascimento, de admissão na Empresa, da última promoção, das remunerações referentes ao mês anterior ao mês da sua apresentação (remunerações-base, prémios e subsídios regulares, pagamentos por trabalho suplementar, bem como prestações irregulares), da categoria profissional, da profissão, do grau de habilitação escolar mais elevado do trabalhador ou da nacionalidade de cada (Portaria nº 785/2000, de 19/9).
Importa salientar que a Comissão Nacional de Protecção de Dados, no Parecer 7/2001 (consultável em http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/2001/htm/par/par007-01.htm), pronunciou-se pela correcção do procedimento de uma empresa – que lhe solicitou o parecer – que decidiu não afixar mapa de quadro de pessoal, facultando apenas a cada trabalhador os elementos a ele respeitantes que constavam do mapa.
Fê-lo no quadro fixado hoje pelo Dec.Lei 332/93, de 25/09, que antecede (com ligeiras alterações) o regime agora configurado no capítulo XXXVI da Lei 35/2004.
Considerou que os objectivos pretendidos visavam o controlo e eventual fiscalização pelo IDICT (agora, a IGT), bem como fins estatísticos, pelo respectivo Departamento do MESS. E, declarando não ser suficientemente clara a razão do envio dos mapas referidos às entidades representativas dos empregadores e às dos trabalhadores, aceitou, relativamente a ambas, o seu interesse para efeitos de estudo, aplicação e controlo dos vários instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho dos seus filiados e, relativamente às segundas, para controlo das cobranças das quotas respectivas.
Mas já quanto à razão de ser da afixação de cópias dos mapas, nos locais de trabalho ou a consulta em terminal, apenas considerou que ela visa possibilitar a reclamação escrita pelos trabalhadores, directamente ou através do seu sindicato, relativamente a eventuais irregularidades detectadas nos mesmos.
A partir daqui considerou de todo inútil a publicitação dos mapas referidos e, porque violadora da privacidade de cada um dos trabalhadores da empresa, entendeu desproporcionada tal afixação, devendo a mesma ser substituída por comunicação individual, seja em suporte de papel, seja em suporte magnético.
Será assim?
Trata-se de mero parecer de uma entidade administrativa independente, embora com reconhecida autoridade na matéria.
O artigo 35º nº2 da Constituição (CRP), invocado pela recorrente, estabelece que o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização são regulados pela lei. O nº7 estende a protecção dessa lei aos dados pessoais constantes de ficheiros manuais.
É a Lei 67/98, de 26/10 – que procedeu à transposição da Directiva nº 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24/09/95, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados - a lei respeitante à utilização da informática em matéria de direitos, liberdades e garantias pessoais. Esta matéria está conexionada, como refere o recorrente, com o direito à reserva da intimidade da vida privada, objecto do artº 26º nº 1 da CRP. O artº 4º nº 1 da referida Lei estende os seus princípios a quaisquer tratamentos de dados pessoais, sejam levados a cabo por meios automatizados, sejam-no por meios não automatizados, desde que contidos em ficheiros manuais ou a estes destinados.
O artº 2º da Lei 67/98 concretiza que o tratamento de dados pessoais deve processar-se no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais.
O conceito de dados pessoais definido pelo artigo 3º qualifica, enquanto tais, dados como os integrantes do mapa de quadro de pessoal.
Mas o artº 35º da CRP salvaguarda a situação de autorização legal (nº3) como excepção à proibição de tratamento de dados pessoais. E o nº 4 do mesmo preceito garante o direito ao sigilo de tal informação, proibindo o acesso à mesma por terceiros, mas apenas como regra.
No nosso caso, temos uma norma legal, não só a autorizar, como a impor a afixação de um documento com tratamento de dados pessoais, acessível a terceiros.
A questão colocada pelo recorrente estará, então, mais na violação do preceito constitucional do artigo 26º (protecção à reserva da vida privada) do que na violação do art. 35º da CRP. Trata-se no nosso caso, recorde-se, de saber se a norma apontada como infringida (o art. 456 nº 1 da Lei nº 35/2004) é ou não inconstitucional.
Na sua CRP Anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira apontam, como base, um conceito de vida privada que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: o do respeito pelos comportamentos, o do respeito do anonimato e o respeito pela vida em relação. O conceito de reserva da vida privada não é assim irrestrito.
Também o artº 80º nº 2 do Código Civil diz-nos que a extensão da reserva quanto à intimidade da vida privada é definido conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
Ou seja, trata-se aqui de saber se ponderando os interesses públicos (também de ordem constitucional) é ou não adequado e proporcional permitir o acesso a terceiros a dados pessoais, cedendo um direito à reserva a tais interesses. De outro modo, utilizando a formulação do artigo 5º da Lei nº 67/98, citado pelo recorrente, saber se a publicitação a terceiros de dados tratados nos mapas de quadro de pessoal respeita finalidades determinadas, explícitas e legítimas. Ou a do artº 6º, sabendo se tal tratamento e publicitação são necessários para a execução de contrato, em que o titular é parte, para cumprimento de obrigação legal, para execução de uma missão de interesse público ou para prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.
Se a razão de ser da afixação de cópias dos mapas, nos locais de trabalho ou a consulta em terminal, apenas fosse - como considerou a CNPD no parecer acima identificado – a de possibilitar a reclamação escrita pelos trabalhadores, directamente ou através do seu sindicato, relativamente a eventuais irregularidades detectadas nos mesmos, quanto aos dados respeitantes a cada um, poderíamos estar de acordo quanto à inconstitucionalidade da norma em causa (como é defendido no recurso) por violação do artigo 26º nº 1, em conexão com o seu nº2 e com o art. 35º, ambos da CRP.
Mas a 1ª instância, na sentença em crise, identificou – e bem quanto a nós – uma outra razão de ser, ao ser permitida a disponibilização de todo o mapa ao conjunto de trabalhadores da empresa: a da possibilidade de detecção das situações de violação da igualdade dentro da empresa, permitindo saber, por comparação entre trabalhadores, da violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, previsto no art. 59º da CRP.
A comparação da situação entre trabalhadores, na comunidade de trabalho, por cada um deles, é um meio de fiscalização de alcance público, na medida em que permite a participação activa de cada um no controlo dos seus direitos sociais de expressão constitucional (58º e 59º da CRP), com acento para os que decorrem do princípio da proibição de não descriminação. Tem evidente relação com o quadro das obrigações contratuais estabelecidas no domínio laboral e legitima o acesso à informação contida nos mapas de quadro de pessoal.
É certo que este objectivo não é explicitado nas normas legais (o objectivo explicitado é apenas o da reclamação por trabalhador interessado – v. o artigo 456 nº1 em causa). Mas também os objectivos considerados pela CNPD para o acesso às estruturas de empregadores e trabalhadores, não estão explicitados na lei, mas parecem relativamente evidentes.
Deste modo, pelo referido enquadramento teleológico da norma, não se nos afigura inútil, desadequado ou desproporcional, o acesso pela comunidade de trabalho na empresa ao mapa de quadro de pessoal e, por isso, não vemos conflito insanável com as normas dos artigos 26º e 35º da CRP. Desde, naturalmente, que a afixação do mapa ou a sua consulta não permita, irrestritamente, a terceiros alheios à comunidade laboral, ou aos interesses visados, a sua consulta. Com a segurança temporal, quanto à sua exposição, que a lei impõe, ao limitar a 30 dias a sua afixação ou disponibilização para consulta.
Por isso, não consideramos inconstitucional o disposto no artigo 456.º, n.º 1 da Lei 35/2004, de 29 de Julho, quando permite ao conjunto de trabalhadores do mesmo empregador a consulta do mapa do quadro de pessoal, aí incluindo os dados que lhe não são próprios.
Improcedem, assim, nesta parte as conclusões do recurso.

2ª questão:
A 2ª questão colocada prende-se com a alegada inexistência de conduta culposa da recorrente.
Defende o recorrente que não agiu com culpa (com negligência, como foi considerado na 1ª instância), porque agiu na convicção de que agia correctamente na sequência de pareceres no mesmo sentido por parte do CNPD, bem porque sempre permitiu aos trabalhadores o acesso aos dados do mapa aos próprios respeitantes.
Nos termos do artigo 8º do RGCO só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Dos elementos de facto consignados na decisão recorrida não há elementos de facto que estabeleçam uma actuação dolosa.
Mas, nos termos do artigo 2º do diploma que estabelece o regime das contra-ordenações no âmbito dos regimes da segurança social – DL nº 64/89, de 25/2 -, nas contra-ordenações aí previstas a negligência é sempre punível.
Ora, como se sabe, age com negligência quem realiza um facto ilícito por não proceder com o cuidado a que, de acordo com as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz (artº 15º do Código Penal).
Provou-se o comportamento subsumível ao tipo de ilícito.
A negligência é um juízo de censura ao agente por não ter agido de outro modo, conforme podia e devia. O traço fundamental situa-se na omissão de um dever objectivo de cuidado ou diligência (não ter o agente usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento). Necessário ainda se torna que a produção do evento seja previsível (uma previsibilidade determinada de acordo com as regras da experiência dos homens, ou de cada tipo profissional de homens) e só a omissão desse dever impeça a sua previsão ou justa previsão.
Para se determinar se é culposa uma conduta, deve aferir-se a mesma pelo conceito social sobre as condições de razoabilidade em que o agente procedeu, consideradas as circunstâncias da pessoa, do tempo e do lugar.
Ora, a decisão de não cumprir lei expressa baseada num juízo de inconstitucionalidade, ainda que apoiado num parecer de uma autoridade administrativa, só é explicável por uma manifesta falta de cuidado, no caso de empresa com a dimensão organizacional da arguida, na medida em que deveria ter presente que a fiscalização da constitucionalidade está reservada à função jurisdicional.
A conduta da recorrente merece, por isso, uma censura a título de negligência. Neste caso, a previsibilidade e o dever de previsão que sempre, numa apreciação objectiva, limitam a negligência (v. Eduardo Correia, Direito Criminal, pag. 421 e segs.) eram uma realidade, de acordo com as regras de experiência (“tipo profissional de homem”) em contexto empresarial, e o resultado ilícito relaciona-se causalmente com aquelas realidades.
É o que basta, para retirar da matéria de facto a imputação à arguida de uma conduta negligente, como o fez a decisão recorrida. Tratando-se a arguida de pessoa colectiva empregadora, o resultado ilícito alcançado é-lhe imputado em função da actuação ou omissão da sua estrutura de comando, orgânica, nos termos do artigo 7º do RGCO e 617º do Código do Trabalho, no quadro consolidado da negligência acima apontado, em contexto, como se disse, de actuação empresarial.
Pelo que também aqui, improcedem as alegações do recurso.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando-se provimento ao recurso.
Custas a cargo da recorrente, com taxa de justiça que se fixa em cinco UC.
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Coimbra,