Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
835/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: DISTRIBUIÇÃO
VÍCIOS DA SENTENÇA
Data do Acordão: 07/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 209º, N.º 1 E 210º DO CPC E ARTIGOS 4º E 410º, N.º 2, DO CPP
Sumário: I- O critério da competência funcional prende-se com a espécie e hierarquia do tribunal. Sendo o tribunal competente, violadas as regras da distribuição, não se pode suscitar a questão da incompetência funcional.
II- Não cura a nossa lei adjectiva penal do instituto da distribuição, daí que, face ao art.º 4º do CPP, se deva recorrer às normas do CPC, concretamente aos artigos 209º e seguintes.

III- A falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum acto do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado e ser suprida oficiosamente até à decisão final.

IV- Se não se considerar relevante determinado meio de prova não se pode levar à matéria de facto provada o conjunto desses factos tidos por irrelevantes e neles fundamentar, depois, contraditoriamente, a qualificação juridco-criminal dos factos.

Decisão Texto Integral:

No Processo comum colectivo n. 42/02 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, após audiência de discussão e julgamento foi proferido acórdão que condenou os arguidos:

1. A..., como autor material, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25 a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;

2. B..., como autor material, pela prática um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25 a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

3. C..., como autor material, pela prática um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25 a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão;

4. D..., enquanto autora material, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25° a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 4 anos, condicionada, ainda à sua sujeição a regime de prova, mediante plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços da reinserção social;

5. E..., enquanto autor material, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25º a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 4 anos condicionada, ainda à sua sujeição a regime de prova, mediante plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços da reinserção social;

6. F..., enquanto autor material, pela prática de um crime de tráfico de, menor gravidade, p. p. pelo artigo 25 a) do Dec. Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 2 anos de prisão;

7. G..., enquanto autor material, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º a) do Dec. Lei 15/93, na pena de 3 anos de prisão;

8. H..., enquanto autor material, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º a) do Dec. Lei 15/93, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 3 anos.

E absolveu o arguido I.....

Inconformados com a decisão interpõem recurso os arguidos C... (fls. 2209 ), B... ( fls. 2217 ) e A... ( fls. 2322).

O arguido C... formula as seguintes conclusões:
1.- Estão reunidos os pressupostos ( formal e material ) para concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para o afastar da criminalidade;
2.- Não pode o tribunal sentenciar de forma mais severa o recorrente do que a co-arguida D..., quando no aresto recorrido aquele é considerado um subalterno desta.
3.- Tendo presente que o recorrente esteve mais de dezoito meses em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, essa circunstância não podia deixar de revelar para a conclusão da desnecessidade de cumprimento efectivo do remanescente da pena;
4. – O tribunal recorrido infligiu um sacrifício inadequado e desproporcionado a que urge por cobro.


O arguido B... apresenta a seguintes conclusões:

1.- Foi considerado como provada a seguinte matéria de facto:
“o arguido B... :
Em algumas daquelas viagens, o arguido A... foi acompanhado por K... que ali ia comprar droga para consumo e numa das ocasiões, o arguido B... foi com eles e comprou estupefacientes para vender depois ."
2 - em audiência de discussão e julgamento todos com excepção da K... afirmaram que tinha sido pressionados, a dizer o que os senhores Inspectores da Policia Judiciaria pretendiam ouvir.
3 - Esta testemunha mentiu ao Tribunal quanto à sua motivação para testemunhar contra o ora Recorrente e no entanto o seu depoimento foi considerado como estando dotado de total e aparente credibilidade.
4 - Veja-se o depoimento de L...
5- Sendo que o depoimento de K... é o único depoimento que incrimina o ora Recorrente, devendo o seu depoimento ser julgado de modo diferente do que foi efectuado pelo Tribunal a quo.
6- Nenhuma outra testemunha refere em audiência que alguma vez tenha comprado ou vendido heroína cocaína ou outro produto estupefaciente ao ora Recorrente.
7 - Nem sequer a K... refere ter alguma vez adquirido produtos estupefacientes ao recorrente.
8 - Todas as restantes testemunhas denunciaram métodos brutais e violadores dos direitos humanos utilizados para os obrigar a declarar no sentido em que o fizeram no inquérito.
9- Tal matéria de facto provada está incorrectamente julgada e deve ser considerada e valorada tendo em conta a motivação que levou tal testemunha a mentir.
10- Ainda que assim não se entenda sempre deveria considerar-se que o testemunho da K... não possui suficiente credibilidade para poder servir de base á condenação de um homem a um ano e seis meses de prisão
Em face do supra exposto os seguintes pontos de facto foram incorrectamente julgados e devem ser reapreciados a luz das conclusões e alegações que supra se produziram :
Que o Recorrente tenha ido a Espanha na companhia do Arguido A... e da testemunha .
Que o Recorrente tenha adquirido aí droga para vender.
12- Para além de que foram violados os art. 129° e art. 130° do Código de Processo Penal como resultado de o Tribunal a quo atribuir validade ao depoimento indirecto e conclusivo de uma Testemunha, considerando como provados factos em violação daqueles dois preceitos legais.
13- Tal violação configura uma nulidade de tais depoimentos e consequentemente devem os mesmos ser anulados.
14- A medida da pena é demasiado dura se confrontada com a matéria dada como provada.
15- Onde nada resulta sobre a qualidade, quantidade, meios utilizados, organização e sofisticação, e ilicitude da conduta do arguido de molde a poder ser-Ihe aplicada uma pena de prisão .
16- Assim não estão aqui reunidos os pressupostos e requisitos que baseiam e tipificam a conduta do recorrente como sendo Tráfico de Menor Gravidade, como previsto no art. 25° do Decreto Lei 15/93 de 22 de Janeiro.
17- Dos factos provados nada mais resulta do que a prova de uma viagem para Espanha e da eventual aquisição de droga para venda.
18- Aliás em face da matéria dada como provada e não provada resulta que não deve sequer existir condenação para o arguido ora Recorrente, em obediência ao Principio in dubio pro reo .
19- Cujo crime se devidamente tipificado sempre seria antes uma contra ordenação como prevista no decreto lei 30/2000 de 29 de Novembro.
20- Por outro lado está todo o processo enfermo de nulidade insanável, nos termos do disposto no art ° 119 do Código de Processo Penal, mais precisamente da alínea a) do referido artigo.
21 – O Tribunal da Covilhã é um tribunal de competência genérica de primeira instância e de comarca, nos termos do artigo 77° e 62° da lei 3/99 de 13 de Janeiro.
22- Nos termos do n. 1 do art. 72 da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, nos Tribunais com mais o que um juízo há um juiz de turno, que preside à distribuição e decide as questões com elas relacionadas ;
23 - Em 10 de Novembro de 1994, antes da entrada em vigor da Lei 3/99 de 13 de Janeiro, foi proferido e lavrado provimento pelos senhores Juízes, através do qual foi decidido que:
" a intervenção de cada juiz em processo de inquérito pendente será em função do respectivo Delegado do Procurador da República com quem trabalha" .
24 - A Constituição da República Portuguesa consigna no n. 9 do art. 32 o principio do Juiz Natural e /ou legal; artigo de oportuna aplicação ao presente processo.
25 - Para mais a própria constituição assegura no n°1 do art. 32° da CRP, que no processo penal assegura todas as garantias de defesa.
26- Donde resulta que o princípio de que não se pode escolher um juiz para decidir uma causa ou sequer retirar a um juiz essa mesma causa é um princípio básico de defesa.
27- Para além de que é também uma garantia fundamental com expressão constitucional desde logo mencionada no n. 1 e 9° do artigo 32 da CRP.
28- Somente nos termos do que dispõe o artigo 72 e 73 da Lei 3/99 de 13/1 é possível a organização de turnos para efeito de distribuição.
29- A distribuição faz-se de harmonia com as regras estabelecidas nos art. 209 e seguintes do código de Processo Civil. Sendo que tais normas não foram ainda aplicadas.
30- O juiz não foi ainda encontrado, o processo não está distribuindo.
31- Todo o processo enferma, ab initio, de nulidade insanável por ainda não ter sido encontrado o juiz com jurisdição sobre ele com observância das normas legais aplicáveis e que são as relativas á distribuição.
32.- A sentença contém em si ainda uma contradição insanável entre a matéria dada como provada e não provada .
34- Assim em face de todo o exposto deve decisão de que se recorre ser declarada nula e deve ser substituída por outra que coordenando a fundamentação com a decisão absolva o recorrente do crime de Tráfico de Menor Gravidade por total ausência de provas.


O arguido A... apresenta as seguintes conclusões:

1. O processo sub judice nunca foi submetido às regras de distribuição, atenta a prática existente no Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã "desde há décadas"
2. Os autos são distribuídos no Tribunal Judicial de Comarca da Covilhã de acordo com um sistema de rotatividade de juízes. Sendo que tal é contrário á lei e o provimento no qual se escudam também não pode ter apoio legal
3. A distribuição faz-se de harmonia com as regras estabelecidas nos art. 209 e seguintes do código de Processo Civil.
4. Sendo que tais normas não foram aplicadas no presente processo.
5. E por isso, o “Juiz Natural” não foi ainda encontrado, e o processo não está distribuído.
6. Dispõe o art. 119 alínea a) do Código de Processo Penal que constitui nulidade insanável a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição do tribunal.
7. Ou seja, todo processo enferma, ab initio, de nulidade insanável por não ter sido encontrado o juiz com jurisdição sobre ele, na estrita observância das normas legais aplicáveis e que são as relativas à distribuição.
8. Por outro lado, confrontando a matéria factual provada e não provada verifica-sse que, incompreensivelmente, existem factos que são comuns.
9. Tal é, para além de, absolutamente, inaceitável, uma contradição insanável no que respeita à prova produzida.
10. Sendo inconcebível que coexistam em ambos os parâmetros que servem à fundamentação factual da decisão recorrida.
11. Existindo inequivocamente uma contradição insanável na fundamentação da decisão e que resulta, expressamente, do texto da mesma.
12. Tal é vício, gerador de nulidade da decisão, é previsto no artigo 410°, n. 2, alínea b) do Cód. Processo Penal.
13. Do mesmo modo, é patente que a matéria considerada como não provada é inconciliável com a decisão proferida pelo Meritíssimo Colectivo de Juízes e que resulta, expressamente, do texto da mesma.
14. Verifica-se assim que as conclusões que alicerçaram a decisão são contraditórias em si mesmo.
15. Por um lado, e no que ao recorrente concerne, é concluído que este cedeu heroína que foi recebida pelo arguido I... "LILO";
16. Por outro, afirma-se que, e citamos: "(...)no caso dos autos nunca aconteceu, não existe uma qualquer apreensão, detenção ou de vigilância, onde se dê conta de uma qualquer entrega de estupefaciente(. . . ) "
17. Tal é igualmente vício, gerador de nulidade da decisão, é previsto no artigo 410°, n. 2, alínea b) do Cód. Processo Penal.
18. No que respeita à prova produzida, resulta que, em audiência de discussão e julgamento, todas as testemunhas negaram ter adquirido qualquer estupefaciente ao arguido, ora recorrente.
19. Pelo que, em sede de audiência e julgamento nada, mas absolutamente nada, foi provado - como aliás consta da própria motivação constante da decisão - que pudesse levar às conclusões contidas na decisão.
20. Nenhuma testemunha inquirida na audiência de julgamento, afirmou confirmou ou declarou ter adquirido qualquer estupefaciente ao ora recorrente!
21. E nenhuma outra prova documental, pericial ou outra, foi carreada para os autos que permitisse aquelas conclusões.
22. O depoimento de J... - cujo depoimento se encontra gravado em fita magnética com o nº 4 desde o n. 1285 até ao final do lado A e do n. 0000 até ao n. 0339 do fado B - no qual nega qualquer aquisição ou cedência por parte do recorrente, é contraditório com o depoimento da testemunha K... - cujo depoimento se encontra gravado em fita magnética com o n. 5, desde o n. 380 até ao final do lado B e da fita magnética com o n. 6 desde o n. 0000 até ao n. 0239 do Lado A - em que o Tribunal se baseou para condenar o Recorrente
23. O arguido I...também conhecido pelo LILO, não quis e não prestou declarações.
24. A testemunha K... declara que sempre que o Recorrente se deslocava a casa quer do "Lilo", quer do J..., esperava pelo Recorrente no carro
25. Por tal facto, é manifestamente impossível que esta tivesse constatado qualquer transacção ou cedência de estupefacientes
26 .Não é admissível que se considere que o recorrente comprou para revenda qualquer estupefaciente, quando dos factos não provados consta precisamente o inverso.
27. Não é admissível considerar-se que o Recorrente tenha cedido ou vendido estupefacientes quando nenhuma prova produzida em sede de julgamento consubstancia tal conclusão
28. Por contraditórios entre si e incoerentes com a decisão proferida deverão ser renovados os depoimentos da referida testemunha K... e consequentemente, por contradizer directamente tal depoimento, o da testemunha J....
29. No que respeita à alteração não substancial dos factos, verifica-se que a decisão recorrida não condenou o recorrente pelos factos que vinha acusado -- a venda de produtos a vários consumidores - mas sim em relação a factos que, em sede de produção de prova, julgou terem sido provados, designadamente, a cedência de produtos estupefacientes a um co-arguido
30. Tal é, nos termos do disposto no artigo 358° do CPPenal, alteração não substancial dos factos descritos na acusação.
31. Sendo que a referida alteração foi realizada apenas aquando da elaboração da decisão, ou seja, depois da audiência de discussão e julgamento, pelo que não foi dada oportunidade ao defensor e/ou ao recorrente de se pronunciar sobre tal alteração, dado que tal apenas foi possível constatar tal alteração aquando da leitura da decisão em causa, o que a afecta, irremediavelmente, na sua validade!
32. Efectivamente, da acta da audiência de julgamento nada consta acerca de tal alteração.
33. Tal é uma violação clara e grosseira dos direitos de defesa do recorrente e que implica a necessária anulação do julgamento e a nulidade da sentença na parte em que condenou o recorrente pela cedência de estupefacientes - vide neste sentido, por todos, Ac. ST J, 19/02/1998, in BMJ 474, 351.
34. Por outro lado e no que respeita à medida da pena:
35. Está provado que o arguido ia uma vez por mês a Espanha buscar 10 gramas de Heroína, e era consumidor toxicodependente. Tendo aliás efectuado uma tratamento muito bem sucedido facto que está também provado e não foi provado que o Recorrente vendeu qualquer estupefaciente, nem que destinava os produtos que adquiria à venda
36. Pelo que, atento o lapso de tempo que mediava entre as compras claramente temos que concluir que o arguido apenas era consumidor de estupefacientes.
37. E tal não é criminalmente punível, quando muito seria punível nos termos do disposto no artigo 26° do Dec.-Lei n. 15/93 de 22 de Janeiro.
38.O Recorrente trabalha como taxista, profissão que já tinha exercido antes de ser detido, o Recorrente é casado e pai de filhos como já estava alegado em sede de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça (habeas corpus) e perante o Tribunal da Relação de Coimbra.
39. O Tribunal a quo não teve em devida conta todos os elementos necessários à determinação da medida da pena, designadamente, a efectiva culpa do agente e às medidas de prevenção que ao caso importariam.
40. O Tribunal a quo nem sequer se pronunciou concretamente à culpabilidade concreta de cada arguido, limitando-se a tecer considerações vagas e abstractas acerca de todos eles, sem se preocupar com aquilo a que efectiva e legalmente estava obrigado, ou seja, a determinação concreta da culpabilidade de cada um dos arguidos
41. O Tribunal limitou-se meter todos os arguidos no mesmo "saco" e daí inferiu uma culpabilidade calculada, quase em termos aritméticos, pela média apurada das diversas culpabilidades de cada um dos arguidos!
42. Ainda assim, deveria o Tribunal aplicar ao recorrente uma pena que se aproxime do limite mínimo previsto para o crime em causa e que é a pena de 1 ano de prisão - como, aliás, fez para todos os outros arguidos.
43.O Tribunal não justificou nem invocou qualquer circunstancialismo agravante - pelo menos tal não está expresso na douta decisão recorrida - que determinasse a aplicação de tão gravosa sanção.
44. O Recorrente recuperou da sua doença e está totalmente reabilitado da sua toxicodependência.
45. Tal facto aliado a que o Recorrente se encontra perfeitamente reinserido na sociedade, trabalhando e sustentando os seus, será suficiente para que se perceba que o recorrente se reintegrou na vida em sociedade e que pretende prosseguir com a sua vida alheado do mundo da droga.
46. Assim, a ser aplicada qualquer pena de prisão - no que não se concede e por mera cautela de patrocínio se refere -, a mesma deverá a sua execução ser suspensa, nos termos do disposto no artigo 50° e seguintes do Cód. Penal, atenta personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.

O Ministério Público contra alega em resposta conjunta ( fls. 2414 e seguintes ), separando as questões formuladas, nos seguintes termos:

- Sobre a nulidade por falta de distribuição:

I. O acto da distribuição não se integra nem constitui uma extensão do princípio fundamental do juiz natural ou do juiz legal, expressamente consagrado nas garantias de defesa do arguido, nos termos do disposto no art. 32, n. 9, da Constituição da República Portuguesa;
2. A distribuição constitui hoje um meio aleatório de divisão interna do trabalho pela qual se determina qual o juiz e o juízo em que o processo há-de correr (cfr. art. 209. do C PC);
3. Mas a sua regulamentação não tem consagração na lei processual penal, pelo que, supletivamente, tem de se fazer uso do disposto no art. 4 do Código Processo Penal.
4. Concretamente, encontra-se regulada no Código de Processo Civil no seu art. 209 e seguintes e, segundo este artigo, a distribuição visa a repartição igualitária do serviço do tribunal, designando a secção, vara ou juízo em que o processo há-de correr ou o juiz que há-se exercer as funções de relator;
5. Com a introdução do art. 209-A, pelo Dec. Lei n. 180/96, de 25.09, permitiu-se o uso de meios informáticos na distribuição, se o tribunal dispuser de sistema informático, o qual fará o tratamento automático, que garantirá o mesmo grau de aleatoriedade no resultado e de igualdade na distribuição de serviço;
6. Anteriormente, a distribuição de serviço, visava, apenas, a igualdade de distribuição de serviço;
9. Agora, segundo estas disposições a distribuição visa também garantir a aleatoriedade na determinação do juiz;
7. A falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum acto do processo podendo ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até decisão final (art. 210º do C PC);
8. Nos tribunais com mais de um juiz, há um juiz de turno que preside à distribuição e decide as questões com ela relacionadas, nos termos do art. 72 da LOFTJ , sendo a distribuição feita às segundas feiras e quintas-feiras, pelas 14 horas, sob a presidência do juiz da comarca ou de turno, e abrange unicamente os papéis entrados até às 10 horas desses dias, nas comarcas de Lisboa e Porto, ou até às 12 horas, nas restantes comarcas, sendo o distribuidor auxiliado pelos funcionário da secretaria que o juiz designar (art. 214 do C PC);
9. Mas a aleatoriedade não é um princípio absoluto, já que nas comarcas de um só juiz não é possível e onde haja mais de um juiz há excepções em caso de doença, impedimento, licença, transferência, comissão de serviço, suspensão, demissão, aposentação, jubilação, e, nas comarcas onde não haja tribunal de instrução criminal, o Conselho Superior da Magistratura, sempre que o movimento processual o justifique, pode determinar a afectação de juízes de direito, em regime de exclusividade, à instrução criminal (art. 131, n.1 da LOFTJ);
10. A instrução criminal nos tribunais de competência genérica é da competência desses tribunais competindo-lhe proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, onde não houver tribunal ou juiz de instrução criminal (art. 77, n.1, alínea b), da LOFTJ);
11. A Comarca da Covilhã não tem tribunal de competência especializada de instrução criminal e o Conselho Superior da Magistratura nunca determinou a afectação de juízes de direito, em regime de exclusividade, à instrução criminal;
12. A Comarca da Covilhã é de competência genérica, tem 3 juízos, com um quadro de um juiz por juízo, e não tendo tribunal ou juiz de instrução criminal, compete-lhe, por isso, proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, nos termos do art. 77, n.1, alínea b), da LOFTJ;
13. Não tendo havido instrução no processo, todos os actos jurisdicionais praticados na fase de inquérito pelo juiz do 3º juízo, foram praticados pelo tribunal competente e por juiz competente para o efeito e o processo não foi subtraído ao tribunal natural e ao juiz natural competente por lei anterior para a prática de tais actos, sendo claro não ter sido violado o disposto no art. 32. n. 9 da Constituição da República Portuguesa;
14. O tribunal, o juízo e o juiz eram e são os competentes para a prática de actos jurisdicionais na fase de inquérito, simplesmente o processo não foi distribuído de acordo com as normas legais referidas - podendo dizer-se que houve falta de distribuição;
15. Não foi a Procuradoria que escolheu o juiz com quem queria trabalhar, como dizem os recorrentes, pois de acordo com os citados provimentos, emanados pelos senhores juízes, os juízes é que distribuíram este tipo de serviço desta forma, com conhecimento do Conselho Superior da Magistratura, que nunca fez qualquer reparo, no seu próprio interesse de distribuição equitativo do serviço, não tendo qualquer sentido o argumento, invocado no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (cfr. fls. 996), quando refere: "Repare-se que a aplicação do princípio de igualdade de armas levaria a que os processos pudessem também ser afectos a determinado juiz em função do advogado que neles tem intervenção. ",.
16. Até Janeiro de 2000 a distribuição dos processos era feita manualmente, e só com a introdução do programa informático "Habilus", aplicado nos tribunais por determinação da Direcção Geral da Administração da Justiça, é que passou a haver possibilidade de ser operada informaticamente a distribuição dos processos nos tribunais;
17. Mas, tal programa, implementado administrativamente, na parte crime, instrução criminal, só contém, genericamente, a espécie "Inquérito (Actos Jurisdicionais) ";
18. Nesta espécie, incluem-se todos os actos jurisdicionais do inquérito, que tem sofrido contestação por parte dos juízes dos tribunais de competência genérica, uma vez que, é gerador de desigualdade na distribuição do serviço, pois entendem que o primeiro interrogatório judicial de arguido preso dá muito mais trabalho que um despacho de admissão de assistente, ou de sancionamento de falta a acto de inquérito, ou à autorização de intercepção e gravação de escuta telefónica;
19. Por isso, continuaram, renitentemente, os juízes dos tribunais de competência genérica, a fazer a "distribuição" dos actos jurisdicionais a praticar no inquérito, de acordo com as práticas antigas, permitindo-lhe um maior controlo da sua agenda e uma distribuição mais equitativa deste tipo de serviço, pois há a hipótese de a um juiz serem distribuídos muitos mais interrogatórios judiciais do que aos outros, que são muito morosos e trabalhosos, em prejuízo da aleatoriedade da distribuição;
20. Isto é a demonstração que a problemática da distribuição em matéria penal não está encerrada e que, seguramente, terá, a breve trecho, desenvolvimentos de aperfeiçoamento do sistema;
21. De qualquer modo, aceitando ter existido falta na distribuição para os actos jurisdicionais do inquérito, com o devido respeito, discorda-se que o processo enferme "ab initio" de nulidade insanável prevista no art.119. alínea a) do Código de Processo Penal por ainda não ter sido encontrado o juiz com jurisdição sobre ele, como decidiu o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.11.2004, no recurso n. 1245/04-4 no Processo n. 63/03.7JAGRD, do Tribunal Judicial da Covilhã, citado pelos recorrentes e inspirador da arguição desta nulidade nos presentes autos;
22. A distribuição posta em causa pelos recorrentes reporta-se, por certo, apenas, relativamente à distribuição feita ao juiz singular, funcionando como juiz de instrução, já que, encerrado o inquérito com a acusação, foi, depois, regularmente distribuído como processo comum colectivo e a composição do tribunal colectivo foi feito de forma regular, e nem, sequer, foi posta em causa pelos recorrentes;
23. A ser assim, no processo, houve falta de distribuição na fase de inquérito relativamente aos actos jurisdicionais. Que não produz nulidade de nenhum acto do processo, como dispõe, no caso supletivamente, o art.210 n.1 do Código de Processo Civil, por força do art. 4. do Código de Processo Penal, tendo-se tal irregularidade já sanado há muito tempo, por não ter sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não assistiram, nos três dias seguintes a contar daquele em que foram notificados para qualquer termo do processo ou acto que nele tenham tido intervenção ou nele praticado, conforme dispõe o art. 123º. n.1. do C. P. Penal;
24. Assim, não tendo ocorrido a nulidade referida por estes recorrentes, nem qualquer outra, nem estando em causa a validade de qualquer acto jurisdicional praticado no inquérito, nem qualquer outro acto jurisdicional praticado posteriormente até agora, nem tendo sido violada nenhuma das normas legais invocadas (a não ser as dos artigos 209, 209-A e 210 do C PC), deverá ser indeferida a pretensão dos recorrentes quanto a esta matéria.

Sobre as demais questões suscitadas pelo arguido A...:
1. É verdade que existe contradição entre os factos dados por provados e os factos dados por não provados, em relação ao arguido A..., mas que não é insanável já que ao proceder à qualificação jurídica dos factos sumaria a materialidade apurada referente a este arguido, tal com em relação aos restantes arguidos;
2. Para se verificar contradição insanável de fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso;
3. No caso, julgamos poder considerar-se ultrapassada, já que ao fazer a qualificação jurídico-penal dos factos, claramente diz qual a materialidade dada por provada em relação ao arguido, e depois, é com base nela que fundamenta toda a decisão de forma lógica e de harmonia com essa prova que sumariou como provada ao fazer a qualificação jurídico-penal;
4. Diz o recorrente que nenhuma das testemunhas inquiridas na audiência de julgamento afirmou, confirmou ou declarou ter adquirido qualquer estupefaciente ao ora recorrente, nem nenhuma outra prova documental, pericial ou outra foi produzida nesse sentido;
5. Isso não é verdade, pois como resulta da motivação e convicção do tribunal fundamentou-se no depoimento da testemunha K..., que nesse sentido depôs em julgamento;
6. Este depoimento, como se pode ver da gravação áudio, foi prestado de forma serena, além de lógico e pormenorizado quanto possível, estribado no seu próprio conhecimento por ter lidado muito proximamente, durante algum tempo, com o arguido A..., por motivo de aquisição de heroína pela própria testemunha;
7. Forneceu ao tribunal pormenores pessoais e familiares, identificou o local de aquisição e o nome do fornecedor, as quantidades, as vezes, e o estupefaciente adquirido por cada um, e contou a tentativa da véspera do julgamento do B..., através de terceira pessoa, no sentido de negar o seu envolvimento e do arguido A... a troco de dinheiro;
8. Foi, certamente, atentando em tudo isto, e perante a imediação da prova, que o tribunal, apreciando, em sua livre convicção a prova produzida em julgamento, segundo as regras da experiência, credibilizou o depoimento desta testemunha dando por provada tal factualidade, conjugando-o com o depoimento da testemunha M..., inspector da PJ, que foi o responsável pela investigação na fase de inquérito (que referiu ter recebido denúncias anónimas que implicavam o A... e o B... no tráfico de estupefacientes);
9. Estes depoimentos foram correctamente apreciados e valorados, motivando os factos que em relação ao arguido foram dados como provados que conduziram à condenação do arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade;
10. Pretender, enquadrar o arguido como consumidor -toxicodependente ou como traficante-consumidor, não tem qualquer apoio factual na materialidade dada por provada pelo douto acórdão. Esta apenas refere que "consumia estupefacientes" e que nos últimos tempos, antes da sua detenção a 14.11.2004, fez algumas viagens a Espanha "para comprar estupefacientes para vender depois". Em lado nenhum refere ser apenas para seu consumo próprio, ou que adquirisse a heroína para vender com exclusiva finalidade de conseguir estupefacientes para uso pessoal;
11. Aliás, o arguido que não quis prestar declarações em julgamento, nem apresentou contestação nem testemunhas, não pode ter a pretensão de ver provado o que nem sequer alegou, nem sequer tentou provar na audiência de julgamento;
12. A acusação imputava ao arguido factos indiciários que qualificou como integrantes da prática da autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21 do Dec. Lei n. 15/93;
13. Em julgamento, foram, apenas, dados como provados alguns desses factos pelos quais estava acusado, tendo sido condenado como autor material da prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25, alínea a), do mesmo diploma legal;
14. No caso dos autos os factos dados por provados todos eles constavam da acusação contra o arguido A... e foi condenado pela prática do mesmo crime de tráfico, p. e p. pelo art. 21, especialmente atenuado, face ao disposto no art. 25, por a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída;
15. Neste caso, não era necessária a comunicação ao arguido, referida no art. 358, n.1 do C. P. Penal, porque os factos pelos quais foi condenado constavam da acusação e a qualificação jurídica feita pelo acórdão do Tribunal Colectivo representar um minus relativamente à acusação, relativamente à qual lhe foram dadas todas as garantias de defesa;
16. Passou-se de um mais (um crime de tráfico) para um menos (um crime de tráfico de menor gravidade);
17. A matéria de facto provada constitui um simples "minus" relativamente à acusada, o problema é de simples qualificação jurídica, e, nem, sequer, se muda de crime, pois o declarado, a final, pelo juiz, já estava contido na previsão da norma incriminatória correspondente aos factos indicados na acusação;
18. De facto, não se pode olvidar que, o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.25, pressupõe que se tenha preenchido a prática do crime de tráfico, p. pelo art. 21, em que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída;
19. Não se verificando, no caso, alteração de factos da acusação -quer substancial quer não substancial - tendo havido apenas convolação para o crime de tráfico de menor gravidade, não implicando qualquer surpresa para o arguido nem para a estratégia da sua defesa, não existe a invocada nulidade do art. 379, n.1, alínea b ), do C. P. Penal;
20. O acórdão deu como provado ter o arguido A... adquirido heroína em Espanha para depois vender;
21. Tal estupefaciente não foi apreendido nem examinado, mas tal não obsta a que se tenha dado como provado o crime de tráfico de menor gravidade;
22. Para a verificação do crime de tráfico de estupefacientes essencial a determinação da quantidade exacta, que apenas tem relevância para determinação do grau de ilicitude;
23. A simples detenção, já integra este crime de perigo comum abstracto, quando destinada para cedência a outrem por venda, mesmo que não se tenha apurado a quem foi vendida, nem em que quantidades, nem quantas vezes, desde que o arguido tenha agido livre e conscientemente e com conhecimento de que a sua conduta é proibida por lei;
24. Afastado está, sem qualquer margem para dúvida o alegado enquadramento no crime ou contra-ordenação de consumo ou do crime de tráfico para consumo, por falta de qualquer suporte factual que o permita;
25. Se o arguido não apresentou contestação nem testemunhas, limitou o tribunal na apreciação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem, eventualmente, a seu favor, mas tendo optado por essa estratégia de defesa, não tem fundamento quando aponta ao tribunal de ter feito considerações vagas e abstractas, quando procedeu à determinação concreta da culpabilidade do arguido;
26. Sendo o crime de tráfico de menor gravidade punível com pena de 1 a 5 anos de prisão, a determinação da pena concreta, encontra-se definida dentro dos limites da lei, em função da culpa apurada do arguido e das exigências de prevenção que se fazem sentir;
27. Não pode o arguido fazer comparações com as penas aplicadas aos outros arguidos, nomeadamente com as aplicadas aos arguidos E... e D... que confessaram os factos, de forma livre e espontânea, e com relevo para a descoberta da verdade.
28. Não é legalmente admissível a suspensão da execução da pena.

Sobre as questões suscitadas pelo arguido B...:

1. O arguido B... considera incorrectamente julgados os pontos da matéria de facto que deram como provado que foi a Espanha acompanhado pelo arguido A... e a testemunha K... e que aí tenha comprado estupefaciente para vender depois;
2. Esta factualidade como resulta da motivação e convicção do tribunal fundamentou-se no depoimento da testemunha K..., que nesse sentido depôs em julgamento;
3. Este depoimento, como se pode ver da gravação áudio, foi prestado de forma serena, além de lógico e pormenorizado quanto possível, estribado no seu próprio conhecimento por ter lidado muito proximamente, durante algum tempo, com o arguido A..., e uma vez com o arguido B..., por motivo de aquisição de heroína para seu próprio consumo;
4. Forneceu ao tribunal pormenores pessoais e familiares, identificou o local de aquisição e o nome do fornecedor, as quantidades, as vezes, e o estupefaciente adquirido por cada um, e contou a tentativa da véspera do julgamento do B..., através de terceira pessoa, no sentido de negar o seu envolvimento e do arguido A... a troco de dinheiro,
5. Foi, certamente, atentando em tudo isto, e perante a imediação da prova, que o tribunal, apreciando, em sua livre convicção a prova produzida em julgamento, segundo as regras da experiência, credibilizou o depoimento desta testemunha dando por provada tal factualidade, conjugando-o com o depoimento das testemunhas N..., chefe da PSP (que se apercebeu que junto da Pensão Corono havia movimentações de pessoas aparentemente toxicodependentes), e M..., inspector da PJ, que foi o responsável pela investigação na fase de inquérito (que referiu ter recebido denúncias anónimas que implicavam o A... e o B... no tráfico de estupefacientes);
6. Com conhecimento directo de causa por parte da testemunha K..., o tribunal deu por provado, correctamente, que o arguido adquiriu heroína em Espanha em 2002 com intenção de a vender depois;
7. A heroína não foi apreendida nem examinado, mas tal não obsta a que se tenha dado como provado o crime de tráfico de menor gravidade;
8. Também, para a verificação do crime de tráfico de estupefacientes, não é essencial a determinação da quantidade exacta, que apenas tem relevância para determinação do grau de ilicitude;
9. A simples detenção, já integra este crime de perigo comum abstracto, quando destinada para cedência a outrem por venda, mesmo que não se tenha apurado a quem foi vendida, nem em que quantidades, nem quantas vezes, desde que o arguido tenha agido livre e conscientemente e com conhecimento de que a sua conduta é proibida por lei;
10. A qualificação jurídico-penal encontra-se bem feita e a condenação em ano e meio de prisão foi aplicada em função da medida concreta da culpa apurada ( de normal intensidade, a nível de dolo directo, não mitigado por qualquer circunstancialismo) e do grau de ilicitude ( mediano), tendo em atenção o bem jurídico protegido pela norma (a saúde pública), a reintegração do agente em sociedade, e as exigências de prevenção especial e geral que no caso são elevadas (art 40º e 71º do CP);

Sobre as questões suscitadas pelo arguido C...
1.- A personalidade do arguido, as condições pessoais da sua vida, e a conduta anterior e posterior ao crime, realçam circunstâncias que levam a concluir, como o fez o tribunal "ad quem" que, a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena de prisão remanescente não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
2. Já anteriormente foi condenado em pena de prisão, pela prática, em 1995, de um crime de tráfico de estupefacientes; em julgamento não apresentou testemunhas de defesa; não falou nem confessou os factos, ao contrário do que fizeram os arguidos D... e E..., com relevo para a descoberta da verdade; é aposentado da Polícia de Segurança Pública; e, até à data da decisão, não deu qualquer sinal de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro;
3. O poder/dever da suspensão da execução da pena, como poder funcional que é, está sempre dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei, e neste caso tais pressupostos não se verificam;

Igual posição assumiu nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.

O presente recurso suscita a apreciação das seguintes questões:
1.- Ocorrência de nulidade insanável por falta de distribuição;
2 – Vícios da sentença, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável entre os factos provados e não provados;
3.- Alteração não substancial dos factos e questões referentes ao depoimento indirecto;
4.- Medida da pena.
É do seguinte teor a decisão proferida sobre a matéria de facto ( factos provados ):

No dia 14 de Novembro de 2002, cerca das 22.45 horas, na Rotunda do Intermarché, na Covilhã, foram detidos por agentes da Polícia Judiciária da Guarda o arguido A..., também conhecido por “Banana”, e O..., tendo sido, a esta, apreendidas 2 “bolhas” de cocaína, com o peso de 1,45 gramas e 2 “bolhas” de heroina, com o peso de 1,75 gramas.
Foram ambos, interrogados no dia 15 de Novembro de 2002, tendo sido submetidos a Termo de Identidade e Residência e imposta a medida de apresentações periódicas à autoridade policial.
Entretanto, a O... veio a falecer no dia 20 de Novembro de 2002.
O arguido A..., nos últimos tempos antes daquela detenção, deslocou-se a Espanha, onde adquiria produtos estupefacientes, mais concretamente heroina e cocaína, a maior parte das vezes a um indivíduo espanhol conhecido por Diego, produtos esses que depois revendia na cidade da Covilhã, algumas das vezes, entregando directamente os produtos aos consumidores e deles recebendo o dinheiro.
Em algumas daquelas viagens, o arguido foi acompanhado por K... que ali ia comprar droga para consumo e numa das ocasiões, o arguido B... foi com eles, para comprar estupefaciente para vender depois.
No dia 18.11.2002, 3 dias após o interrogatório judicial a que foi sujeito, o arguido A... falou ao telefone com o Diego, por três vezes, tendo-lhe o arguido dado conta de que tinha estado detido e de que tinha de se apresentar de 15 em 15 dias e para além do mais, falaram sobre o modo de continuarem a encontrar-se, para o arguido continuar a adquirir produtos estupefacientes.
No dia 23.11.2002, às 18.19 horas, o arguido A... falou ao telefone com o mesmo Diego, tendo-lhe este dito que tinha “cavalo” como o outro, retorquindo-lhe o arguido que visse lá se ele arguido ia fazer tantos quilómetros para depois regressar de mãos vazias.
O arguido acabou por combinar ir ter com o Diego no dia imediato, depois do almoço.
No dia 25.11.2002, os arguidos A... e C..., falaram sobre a qualidade da droga que o primeiro tinha adquirido ao Diego e combinado o modo como o primeiro deveria entregar a droga ao segundo.
O arguido A... falou ao telefone com o arguido Lilo, I..., sobre o local, a hora e o modo como aquele deveria entregar os produtos ao segundo.
No dia 23.12.2002, o A... disse, elo telefone, ao Lilo para este guardar 3 pacotes de heroina ou cocaína para um consumidor.
O arguido A... comprou para revenda, cedeu e vendeu produtos estupefacientes, posteriormente à data em que foi interrogado e que lhe foi aplicada a medida de Termo de Identidade e Residência e apresentações periódicas.
O arguido A... vendeu, antes do Natal de 2002, vendeu doses de heroina, de 1 g, a J....
No dia 28.05.2003, agentes da Polícia Judiciária da Guarda fizeram uma busca na Urbanização das Nogueiras, Lote 11, 2.º dto., Teixoso, área da comarca da Covilhã, residência do arguido F..., tendo sido apreendidos, 2 pequenos pedaços de haxixe, com o peso de 0.50 g e, vários recortes circulares de plástico branco.
No mesmo dia, pelos agentes da Polícia Judiciária da Guarda foi realizada uma busca na Rua do Cotovelo, 7, na Covilhã, residência habitual da arguida D..., tendo sido apreendido:
vários recortes de plástico branco, destinados a acondicionar doses de produtos estupefacientes;
10 gramas de cocaína;
10 gramas de heroina;
a quantia de € 1 080.00, proveniente do tráfico de droga.
No mesmo dia, pelos agentes da Polícia Judiciária da Guarda foi realizada uma busca na Rua da Tapada, 38, 2º frente, Covilhã, residência habitual do arguido C..., tendo sido apreendido:
4,37 gramas de cocaína
7,85 gramas de heroina.
No mesmo dia, pelos agentes da Polícia Judiciária da Guarda foi realizada uma busca na rua Alexandre Herculano, 53, Covilhã, residência habitual do arguido E..., tendo sido apreendido:
26 saquetas de heroina;
21 de cocaína.
Com base nos artigos apreendidos e nas intersecções telefónicas constantes dos autos foram detidos e interrogados os arguidos A..., B..., C..., D..., E... e F....
O arguido B.... falou ao telefone com o arguido F..., combinando, em 22.4.2003, as horas e que fariam a viagem a Espanha para ali comprarem estupefacientes.
Em 23.04.2003, o arguido B..., falou ao telefone com o F... e disse-lhe que a droga que teriam trazido no dia anterior não prestava.
Em 09.05.2003 o arguido B..., falou ao telefone, com o F... e disse-lhe que dali a duas ou três horas chegaria das duas, ou seja, dos dois tipos de droga.
No dia 23 de Abril de 2003 falara, novamente, ambos, ao telefone, da droga que teriam adquirido, sendo que o arguido B... pediu ao F..., alguns números de telemóveis para contactar os consumidores.
Em 28.04.2003 o arguido B..., falou ao telefone, com a arguida D..., confirmando a chegada da droga dali a menos de três horas e esta diz que ainda bem pois já tinha muitas encomendas;
Em 28.04.2003 o arguido B..., ao telefone, deu conta à arguida D... que esta podia ir buscar a droga.
A seguir, foram efectuadas várias chamadas de potenciais consumidores para o telemóvel da D... a pedir-lhe droga e desta para aqueles, a dar conta de que tinha estupefacientes.
Em 17.03.2003, o arguido B... ligou para o telefone da D..., atendeu o C..., e pediu-lhe mais 50;
em 17.03.2003, o arguido B... ligou para o telefone do F... e este disse-lhe que lhe deram o dinheiro da banhada, de volta;
em 18.03.2003, o arguido B... ligou para o telefone da D... e esta disse-lhe que só dali a hora e meia é que havia;
em 20.03.2003, o arguido B... ligou para o telefone da D... e pediu-lhe a mesma coisa;
em 21.03.2003, o arguido B... ligou para o telefone da D..., pediu-lhe 50 e disse-lhe que tem de ser melhor;
em 21.03.2003, o arguido B... ligou para o telefone do Carlos, atendeu a D..., e pediu-lhe mais 75;
em 23.03.2003, o arguido B... ligou para o telefone da D... e pediu-lhe 75;
em 25.03.2003, o arguido B... ligou para o telefone do F... e pediu-lhe 25;
em 25.03.2003, o arguido B..., pelo telefone, pediu à D... 50;
em 26.03.2003, o arguido B..., pelo telefone, pediu à D... 50 bem servidas;
em 26.03.2003, o arguido B..., pelo telefone, pediu à D... mais 50;
em 28.03.2003, o arguido B..., pelo telefone, pediu, à D... mais 75;
em 28.03.2003, o arguido B..., pelo telefone, pediu à D... mais 50.
O arguido C..., no dia 24.04.2003, recebeu uma chamada no seu telemóvel 963534516, da Telma em que ela refere dever-lhe € 20 da droga que lhe teria comprado e diz pretender mais.
No dia 26.04.2003 recebeu uma chamada no mesmo telemóvel em que a mesma Telma refere dever-lhe € 25 também da droga que lhe teria vendido e que pretendia mais produto.
Este arguido deslocou-se por várias vezes a Espanha, na companhia da arguida D..., ambos transportados no veículo do Nelo, onde adquiriram heroina e cocaína, em quantidades não determinadas.
A arguida D... arguida vendeu produtos estupefacientes, pacotes de heroina e cocaína, a vários consumidores, sendo em tal tarefa ajudada por alguns dos arguidos, entre os quais os arguidos C..., que com ele vivia, e E..., sabendo-se que, relativamente a este, lhe dava pacotes de heroina ou cocaína, em troca dos vendidos.
A arguida vendeu ao Zé Marcelino um número de pacotes não apurado de heroina.
Entre Janeiro de 2003 e Maio de 2003, a arguida vendeu doses de heroina, ao preço de € 10 cada dose, em cerca de 5 vezes a P.... Tais vendas efectuaram-se em casa da arguida.
Durante um período de cerca de 3 meses, no ano de 2002, a arguida D... e o arguido C... venderam doses de heroina, ao preço unitário de € 10, a Q.... As vendas normalmente eram efectuadas no Largo Nossa Senhora do Rosário, em Covilhã. Ao todo o número de vezes em que venderam heroina a este indivíduo foi de cerca de 50 vezes.
Por várias vezes, em datas não apuradas, mas que se sabe situarem-se entre Novembro de 2002 e Maio de 2003, esta arguida forneceu gratuitamente, em sua casa, heroina a R....
Nos primeiros seis meses do ano que antecedeu a sua detenção, a arguida vendeu pacotes de heroina e de cocaína a S..., ao preço de € 10 cada pacote.
Esta arguida abastecia-se de produtos estupefacientes, para depois revender, em Espanha, onde se deslocou por inúmeras vezes e, em Lisboa.
Durante cerca de 4 meses, no período não apurado dos anos de 2002 e 2003 e sempre em casa da arguida, esta cedeu pacotes de heroína e de cocaína, ao arguido H....
No dia 5 de Maio de 2003, agentes da Polícia de Segurança Pública da Covilhã apreenderam à arguida D..., a quantia de € 550 e que era proveniente das vendas de produtos estupefacientes.
Esta arguida teve em sua casa a L... durante 3,4 dias entre Abril e Maio de 2003. Nessa altura a arguida proporcionou à referida L... o consumo gratuito de heroina e cocaína. Mesmo, sem estar ali alojada, a arguida proporcionou-lhe durante algum tempo, mais, quantidade de heroína, que ambas fumavam em casa da arguida.
O arguido E..., conhecido por “Cartolas” dedicou-se à venda de estupefacientes pelo menos no período que decorreu de Janeiro de 2003 até Maio de 2003.
Entre Janeiro de Março de 2003, este arguido vendeu heroina a T..., por cerca de 15 ocasiões, o que aconteceu junto à Igreja de Santa Maria, em Covilhã.
No mesmo período, o arguido Cartolas vendeu heroina e cocaína a um indivíduo conhecido por “Bruno Caçador”, em número de vezes que não foi possível apurar, em média 1 por dia.
Ao “Luís Tó Mau” vendeu-lhe heroina, igualmente no mesmo período, por 1 ou 2 ocasiões.
À Telma, vendeu heroina ou cocaína, por 1 ou 2 vezes.
Em sua casa, vendeu ao Paulo, cerca de 5 doses de heroina.
À R..., vendeu 3 doses de heroina.
Ao C..., vendeu duas doses de heroina.
Ao Trindade, vendeu uma dose de heroina ou cocaína.
Vendeu ainda doses de heroina ou cocaína, em número que não foi possível apurar, ao Faísca, a um indivíduo conhecido no meio por “Pássaro” e ao Simões.
Vendeu doses de heroina P..., em casa dele, pelo menos por cerca de 10 vezes, ao preço unitário de € 10.
Vendeu uma dose de heroina U..., em data incerta de em casa dele, Janeiro de 2003 e Maio de 2003, ao preço unitário de € 10.
Vendeu, nos 5 ou 6 meses anteriores à sua detenção, Dezembro de 2002 a Maio de 2003, doses de heroina a S..., ao preço unitário de € 10.
Vendeu doses de heroina e de cocaína, a V..., entre Janeiro de 2003 e Maio de 2003, ao preço unitário de € 10. A venda efectuou-se na perto da Igreja de Santa Maria, em Covilhã
Por 3 ou 4 vezes vendeu heroina, ao preço unitário de € 10, a W... no período que decorreu entre Janeiro e Maio de 2003.
Nos meses de Abril e Maio de 2003, em data não apurada vendeu doses de heroina, por 2,3 vezes, à L.... Naquele período, Abril e Maio de 2003, esteve a viver durante três semanas com a L..., proporcionando-lhe diariamente doses de heroina e cocaína gratuitamente.
O arguido F..., no ano de 2003, antes da sua detenção, vendeu haxixe ao Luís Freches, por meia dúzia de vezes, heroína à S..., ao David, a que, chegou, igualmente, a dispensar, o “Pássaro” e cedeu heroína, cocaína e haxixe, à R....
O arguido F... viveu durante algum tempo com a R..., no ano de 2002.
Em datas incertas, mas seguramente entre Janeiro de 2003 e Maio de 2003, o arguido proporcionou o consumo de heroina a X..., bem como a Y....
O arguido G..., também conhecido por “João do Ferro”, em datas que não foi possível apurar, situadas entre Novembro de 2002 e Maio de 2003, consumiu doses de heroina juntamente com Z..., produto que o arguido tinha adquirido.
Por várias vezes, em datas que não foi possível apurar, no ano de 2002, consumiu doses de heroina juntamente com AA..., produto que o arguido tinha adquirido.
Em datas não apuradas de 2002, o arguido vendeu doses de cocaína, ao preço unitário de € 25, a AB....
Em datas incertas, mas seguramente entre Janeiro de 2003 e Maio de 2003, por 2 vezes pelo menos, este arguido vendeu doses de heroina, ao preço unitário de € 10, a AC....
O arguido H..., a pedido da S... deslocou-se por duas vezes a casa da arguida D... onde comprou a esta dois pacotes de cocaína para a Paula consumir, como consumiu, o que aconteceu em datas incertas mas compreendidas entre Novembro de 2002 e Maio de 2003.
Em datas incertas, mas compreendidas nos anos de 2002 e 2003, transportou por algumas vezes a arguida D... a Espanha onde esta se ia a abastecer de heroina e cocaína para revenda. Posteriormente, permitiu que esta arguida D... acompanhada do arguido C... passassem a utilizar o seu veículo nas idas a Espanha par adquirir tais produtos.
O arguido I..., também conhecido por “Lilo”, recebeu heroína do arguido A....
Os arguidos sabiam que era legalmente proibido adquirir, comprar, deter, pôr à venda, vender, dar, ceder ou por qualquer meio proporcionar a outrém produtos estupefacientes, designadamente haxixe, heroina e cocaína.
Conheciam os produtos que traficaram.
Todos os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram ilegais.
Nada consta dos crc, s dos arguidos D..., F... e H....
O arguido A..., foi já julgado e condenado:
como traficante consumidor, pelo crime p. e p. pelo artigo 26º/1 do Dec. Lei 15/93, em pena de multa, que pagou, no ano de 2000.
O arguido E.... foi já julgado e condenado:
pelo crime de furto e dano, no ano de 1974, em pena de prisão, alguns deles, entretanto extintos por amnistia;
por furto qualificado, tentado, no ano de 1976, em prisão, parte dela perdoada;
por furto qualificado, no ano de 1977, em prisão e multa;
por furto, no ano de 1978, em pena de prisão;
por furto, burla e desobediência, no ano de 1982, em pena de prisão e multa, tendo alguns crime sido declarados extintos por amnistia e parte da pena perdoada;
por furto, no ano de 1983, em prisão e multa, tendo, também, beneficiado de perdão de parte da pena;
por furto qualificado, no ano de 1987, em pena de prisão;
por furto qualificado, no ano de 1992, em pena de prisão;
por furto de uso de veículo, no mesmo ano, ainda em pena de prisão;
por furto qualificado, no ano de 1994, em pena de prisão.
O arguido G..., foi julgado e condenado:
por furto qualificado, em pena de prisão, no ano de 1991;
por furto qualificado e introdução em casa alheia, no ano de 1992, em pena de prisão;
por furto qualificado, falsificação e burla, no ano de 1994, em pena de prisão;
por furto, no ano de 1995, em prisão;
por tráfico de estupefacientes, no ano de 1996, em pena de prisão;
por trafico agravado de estupefacientes, no ano de 1998, em pena de prisão.
O arguido B... foi julgado e condenado:
por furto, no ano de 1985, em pena de prisão;
por tráfico de estupefacientes, burla agravada e passagem de moeda falsa, no ano de 1988, em pena de prisão.
O arguidoI... foi já julgado e condenado:
pelo crime de tráfico de estupefacientes em quantidades diminutas, no ano de 1995, em pena de prisão.
O arguido C... foi já julgado e condenado:
pelo crime de tráfico de estupefacientes, em 1995, em pena de prisão;
pelo crime de detenção de munições de arma proibida, no ano de 2002, em pena de multa.
A arguida D... e o arguido E... confessaram, de forma livre e espontânea e com relevo para a descoberta da verdade, os factos tal como acima ficaram enunciados.
Este arguido trabalhou até ao ano de 2002.
Entretanto ficou doente e consumia estupefacientes, que lhe atenuavam as dores.
Foi submetido a uma intervenção cirúrgica, na qual lhe extraíram parte do intestino.
A arguida D... começou a consumir estupefacientes aos 16 anos de idade.
Quando foi detida tinha 37 kg de peso, tendo chegado ao estabelecimento prisional num estado de saúde debilitado, em síndrome de abstinência de drogas opiáceas.
Foi aí submetida a tratamento de desabituação física e psíquica, sobretudo com ansiolíticos, tendo aquele já terminado e continuando com esta medicação, apresentando-se, no presente, em bom estado físico e psíquico.
Tem 2 filhos menores; o mais velho de um casamento que já terminou e que está ao cuidado da sua mãe e outro de uma relação posterior, estando, este a cargo do pai.
O arguido H... trabalha na Câmara Municipal da Covilhã e vive com os pais e uma filha, já maior.
Consulta periodicamente a delegação Regional do Centro do Instituto da Droga e Toxicodependência, não consumindo estupefacientes no presente.
O arguido A..., frequenta a mesma instituição, tendo cumprido as exigências de um programa de substituição opiácia com metadona, tendo cumprido a desabituação e paragem.

Tendo como referência a sua inserção processual, começamos por analisar a nulidade de falta de distribuição para em seguida, se não houver consequências sobre a validade dos actos subsequentes, apreciarmos a decisão proferida sobre os alegados vícios.




Nulidade por violação do princípio do Juiz Natural

Nos termos do art. 32º n.9 da Constituição nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.
O princípio do juiz natural, garantido por este preceito, tem por finalidade evitar a designação arbitrária de um juiz ou tribunal para decidir um caso submetido a juízo. As normas, tanto orgânicas como processuais, têm de conter regras que permitam determinar o tribunal que há-de intervir em cada caso em atenção a critérios objectivos, não sendo admissível que a lei autorize a escolha discricionária do tribunal ou tribunais que hão-de intervir no processo. Para se alcançar o correcto sentido da garantia constante do nº9 importa relacioná-la com o estabelecido também pelo art. 209º n.4, que proíbe a existência de tribunais com competência exclusiva para julgamento de certas categorias de crimes[ Confº Constituição Portuguesa anotada do Profº Jorge Miranda e Rui Medeiros] .
Garantida a exclusividade da jurisdição em matéria criminal dos tribunais judiciais ( art. 211º) e a sua independência ( art. 203º ), importava assegurar também a imparcialidade dos juízes, o que se procura alcançar pela prévia fixação por lei de critérios objectivos gerais de repartição de competência entre os tribunais e de nomeação dos juízes que hão-de integrar o tribunal.
Em ordem a assegurar a imparcialidade dos juízes e tribunais, excluindo os instituídos ad hoc, ad casum e suspectus, o que importa essencialmente não é a competência individualizada de um determinado tribunal para o caso concreto, proibindo-se que a causa venha a ser submetida a tribunais diferentes dos que eram competentes à data da prática dos factos que constituem objecto do processo, mas tão só que em razão da causa sejam criados post factum tribunais de excepção ou a definição individualizada da competência, o desaforamento ou a nomeação dos juízes por qualquer outra forma discricionária.
Também a substituição dos juízes nos impedimentos tem de obedecer a regras objectivas gerais estabelecidas por lei, susceptíveis de controlo pelos interessados, para o que todos os movimentos devem ser publicitados.
Seguindo este imperativo constitucional e já no domínio de aplicação prática do princípio estabelece o art. 119º al) e do Código Processo Penal que constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, a violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no art. 32º n.2 ( que alude à competência territorial ).
Toda esta problemática foi exuberantemente analisada por Acórdão da Relação de Lisboa de 17/03/04 [ Publicado na CJ e base de dados do ITIJ] que concluiu, numa situação algo semelhante, pela nulidade insanável. Por razões de ordem prática passaremos a seguir a fundamentação jurídica consignada neste aresto, assinalando oportunamente a nossa divergência.
“O que o princípio quer proibir - esclarece o Prof. F. Dias - é apenas a criação post factum de um juiz, ou a possibilidade arbitrária ou discricionária de se determinar o juiz competente”.
Conclui de novo este Professor :
“É sabido - e é, ao que julgo, indiscutível na doutrina e na jurisprudência, constitucional e ordinária, dos países democráticos - que o princípio do juiz legal ou natural esgota o seu conteúdo de sentido material na proibição da criação ad hoc, ou da determinação arbitrária ou discricionária ex post facto, de um competente para a apreciação de uma certa causa penal. Se bem seja certo que, deste modo, cabe no princípio uma qualquer ideia de anterioridade da fixação da competência relativamente ao facto que vai ser apreciado, não se trata nele tanto (diferentemente do que sucede com o princípio do «nullum crimen, nulla poena sine lege») de erigir uma proibição geral e absoluta de «retroactividade», quanto sobretudo de impedir que motivações de ordem política ou análoga - aquilo, em suma, que compreensivelmente se pode designar pela raison d’État - conduzam a um tratamento jurisdicional discriminatório e, por isso mesmo, incompatível com o princípio do Estado-de-direito...
Ficam assim claras, as razões que conduzem á afirmação seguinte : o princípio do juiz legal não obsta a que uma causa penal venha a ser apreciada por tribunal diferente do que para ela era competente ao tempo da prática do facto que constitui objecto do processo ; só obsta a tal quando, mas também sempre que, a atribuição de competência seja feita através da criação de um ad hoc (isto é de excepção), ou da definição individual (e portanto arbitrária) da competência, ou desaforamento concreto (e portanto discricionário) de uma certa causa penal, ou por qualquer outra forma discriminatória que lese ou ponha em perigo o direito dos cidadãos a uma justiça penal independente e imparcial”[ Sobre o sentido do princípio jurídico-constitucional do «Juiz Natural» Revista de legislação e Jurisprudência ano 11º pag.83 e seguintes ].

No mesmo sentido apontam também, de entre outros, os Ac. do STJ de 3/04/03 - segundo o qual “o princípio do juiz natural não foi estabelecido em função do poder de punir, mas apenas para protecção da liberdade e do direito de defesa do arguido. Isto significa que aquele princípio só pode ser arredado em situações-limite, quando outros princípios ou regras, porventura de maior ou igual dignidade, ponham em causa, como acontece, nomeadamente, quando o juiz natural não oferece garantias de imparcialidade e da isenção no exercício da sua função” - bem como o do TC de 21/02/90.
E sobre a questão da distribuição, refere com particular pertinência o acórdão de referência:

Não cura a nossa lei adjectiva penal deste instituto processual. Daí, e face ao disposto no art.º 4º do Código Processo Penal, o recurso às normas reguladoras em processo civil, concretamente aos seus art.º 209º e seguintes.

Num “conceito aproximativo”, segundo M. de Andrade, a distribuição “é a operação (conjunto de actos) pela qual os vários pleitos são repartidos entre as diversas secções da secretaria (secções de processos) e entre os diferentes ou varas, nas comarcas em que há mais de um juiz ou entre os vários juízes dos tribunais superiores, para fixar o relator”, destinando-se “a igualar quanto possível o serviço das diversas secções da secretaria e dos diversos do mesmo tribunal” .

“Meio de divisão interna do trabalho... é pela distribuição que se determina qual o juiz ou qual o chefe de secção a que o processo há-de pertencer”.
”Actividade pela qual, com o fim de repartir aleatoriamente e com igualdade o serviço do tribunal, se designa a secção e a vara ou em que o processo vai correr” (11).
Diríamos que é ainda este o sentido em que é entendido também este instituto pelo STJ, citando J. Rodrigues Bastos :
“A circunstância de haver tribunais cuja secretaria comporta mais de uma secção de processos, comarcas onde há mais de um juiz e tribunais de recurso de composição colegial torna necessário dividir, por igual, o trabalho que compete a cada um desses órgãos, de modo a que não fiquem uns mais sobrecarregados do que outros. É pela distribuição que se opera essa divisão” (Jacinto Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", vol. I, 3ª ed., 1999, p. 272)”.

Finalmente, e agora já mais actual, diz-se que esta finalidade “não é a única : a distribuição visa também garantir a aleatoriedade na determinação do juiz do processo” (13).
É assim que, em resumo, e atento o disposto no art.º 209º do CPC, se pode dizer que é tripla a função da distribuição :
Designar a secção em que o processo há-de correr ;
A vara ou o juízo a que o processo há-de ser afecto ;
O juiz que há-de exercer as funções de relator.

Feitas estas referências, que extraímos, por oportunas, do acórdão da Relação de Lisboa, importa então apreciar as questões concretas objecto do presente recurso.
A distribuição do processo de inquérito está assente em dois provimentos atempadamente definidos para o Tribunal Judicial da Covilhã, cuja apensação aos autos foi oportunamente ordenada (confº fls.2549 e seguintes ).
- O primeiro de 10/11/1994, que diz: “ a distribuição de cada juiz em processos de inquérito pendentes será em função do respectivo Delegado do Procurador da República com quem trabalha “
- O segundo de 19/09/95 que diz: “ os julgamentos de processos sumários e primeiros interrogatórios de arguidos detidos serão assegurados de forma rotativa, dentro do respectivo juízo pelos senhores juízes que aí desempenharem funções, tendo em conta a ordem de antiguidade no ponto referida no ponto 6;
Ponto 8 – a intervenção de cada juiz, em processos de inquérito pendentes, será em função do respectivo Delegado do Procurador da república afecto ao respectivo juízo, tendo em conta a distribuição por números nos mesmos termos referidos nos pontos 1,2,3,4 e 5.


Também aqui se colocam as mesmas questões:
Traduzirá o provimento, posto em crise, uma violação daquele princípio do juiz legal ou natural, bem como das regras da distribuição, como referem os Recorrentes, esta ainda e também na medida em que imbuída de um “notório conteúdo de garantia”, face à “aleatoriedade no resultado” que a mesma visa ?
Ou estaremos antes e tão só perante uma mera “falta ou irregularidade da distribuição”, não conduzindo à “nulidade de nenhum acto processual”?

A competência de cada tribunal, “na ordem interna” é assim diferenciada e regulada “segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território”.
Não autonomizada relativamente à competência material, distingue-se ainda a denominada competência funcional, ou seja, “a que delimita a jurisdição dos diferentes tribunais materialmente competentes dentro do mesmo processo e segundo as suas fases e para a prática de determinados actos de cada fase ou grau de jurisdição”[ Germano Marques da Silva Curso l pag. 148].
Assim, relativamente ao nosso caso, o juiz de instrução tem competência funcional para proceder à instrução, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito (art. 17º); o tribunal colectivo tem competência funcional para julgar o processo em 1ª instância (art. 16º, n1º al. c)) e as secções crime do tribunal da Relação têm competência para os recursos.
A competência funcional abarca a competência em razão da hierarquia, a que se refere o artº 17º da LOFTJ, mas não só; compreende também a distribuição da competência entre tribunais do mesmo grau nas diferentes fases do processo.
Competência material é a que se obtém através da natureza do crime, da medida da pena a aplicar ou da qualidade do arguido, embora esta deva, com mais propriedade, ser designada por competência em razão das pessoas. A competência funcional diz-nos qual o tribunal em cada fase do processo exerce sobre ele jurisdição: tribunal de instrução, singular, colectivo, do júri, de recurso, ou outro[ Maia Gonçalves em anotação ao art. 10º do Código Processo Penal.].
Na incompetência territorial o tribunal é da mesma espécie e hierarquia, enquanto na incompetência material e funcional respeita à diversidade da espécie ou hierarquia do tribunal[ Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal Vol. l pag. 207.].
Há violação de competência funcional se o juiz de comarca exercer actos de instrução quando estas funções tiverem acometidas pela lei orgânica ao Tribunal de Instrução Criminal. Há violação das regras de competência material quando o tribunal de 1ª instância, por exemplo, julgar os recursos das decisões por si proferidas.

Tendo em conta a matéria criminal subjacente aos presentes autos, dúvidas não haverá certamente de que o Tribunal, territorial e materialmente competente é, face ao disposto nos art.º 17º e 19º n.º 1 do CPP e 77º da LOFTJ, o Tribunal Judicial da Covilhã.

Por outro lado, durante a fase processual do inquérito - sob a direcção do MºPº de acordo com o disposto nos art. 219º da CRP, 1º a 3º da Lei 60/98, de 27/08 e 48º do CPP - é “ao juiz de instrução” respectivo, de acordo com os anteriormente citados art. 17º do CPP, 77º n.º 1 al. b) da LOFTJ - bem como do Mapa 1 anexo ao Dec.Lei 186-A/99 - a quem, funcionalmente, compete “... exercer as funções jurisdicionais no mesmo surgidas.

Assim sendo, dúvidas não restarão que o tribunal, “natural” ou “legalmente”, competente ainda para conhecer dos presentes autos sempre foi o Tribunal Judicial da Covilhã.
Ora, foi ali que se desenrolaram todos os actos juridicionais quer na fase de inquérito, quer na fase de julgamento.
Todas as decisões foram proferidas por Juiz, “naturalmente competente” para tal – 1º Juízo do Tribunal da Covilhã – pese embora a distribuição irregular ou falta dela.
Não há qualquer violação do princípio do juiz legal ou natural ou mesmo de desaforamento.
E também não há, face aos apontamentos atrás referidos, violação de competência funcional. O tribunal que exerceu as funções jurisdicionais relativas ao inquérito e o tribunal colectivo que procedeu ao julgamento são competentes para o efeito.
Mas mantém-se o problema da falta ou irregularidade da distribuição.
Não definindo o Código Processo Penal regras para distribuição, por força do art. 4º, tem aplicação plena o critério definido pelo art. 209-A do Código Processo Civil – Se o tribunal dispuser de sistema informático, as operações de distribuição e registo previsto nos artigos subsequentes são objecto de tratamento automático, que garantirá o mesmo grau de aleatoriedade no resultado e de igualdade na distribuição do serviço.
Deste critério sobressaem dois aspectos específicos, a aleatoriedade e a igualdade de distribuição.
Sendo o segundo notoriamente um aspecto interno, questiona-se se o primeiro é uma garantia de extensão do princípio do juiz natural.
Sobre esta questão é lapidar a resposta negativa do acórdão que temos acompanhado.
A distribuição processual não é, nem pode constituir um princípio fundamental.
Quiçá, por isso mesmo, o inserir-se dentro das “ disposições gerais” do processo, no capítulo “dos actos processuais”, ainda que tidos por “ especiais”.
É verdade que, com a introdução do art.º 209-A do CPC pelo Dec.Lei 180/96, de 25/09, passou a impor-se expressamente à distribuição o carácter da “aleatoriedade”.
Mas será tal bastante para lhe conferir dimensão diversa da antes referida ?
De novo as nossas fundadas dúvidas.
No mínimo - cremos nós - exigiria desde logo do legislador uma chamada de atenção, um registo justificativo, que se não fez.
Como facilmente se reconhecerá, justificadas e realçadas são, apenas e tão só, as alterações processuais numa “linha de «desburocratização e de modernização...», verdadeira simplificação processual”, levado a cabo primeiramente pelo Dec.Lei 329-A/95, de 12/12, pontualmente aperfeiçoada depois pelo Dec.Lei 180/96, de 25/09 - que introduziu aquele preceito - e cujo “objectivo perseguido”, segundo o seu preâmbulo, foi apenas e só “o da melhoria da redacção de vários preceitos”, visando um “mais correcto e eficaz funcionamento do sistema”.

Relativamente à concreta introdução do citado art.º 209-A limita-se este diploma a reconhecer que, perante “a relevância que crescentemente deve ser atribuída às modernas tecnologias, prevê-se de forma expressa a prática de actos processuais através de meios telemáticos...”. E estes, terão - ainda - a vantagem de ser - quase - impessoais.
E a tanto se bastou a justificação do preceito citado, bem longe de qualquer conexão ou sequer, simples referência àquele princípio fundamental do juiz legal.
Sempre se dirá, finalmente, que é esta também a posição já expressamente assumida, e dominante até, na jurisprudência do Tribunal Constitucional de Espanha que declarou:

“La interpretatión y aplicación de las normas de reparto de asuntos es ajena al contenido constitutional del derecho al juez ordinario predeterminado por la Ley y solo puede ser revisada por esse tribunal em cuanto a su razonabilidad”.
Por isso, mesmo com falta ou irregularidade de distribuição não houve violação do princípio fundamental do juiz natural.
Mas há notória violação das regras distribuição.
O provimento subjacente ao critério de distribuição viola o disposto no art.209 e seguintes do Código Processo Civil, sonegando o critério de aleatoriedade que se pretende. A intervenção de cada juiz, em processos de inquérito pendentes, é em função do respectivo Delegado do Procurador da República afecto ao respectivo juiz.
A exigida “aleatoriedade” da distribuição processual é claramente violada pelo provimento.
Porém, como já referimos, não se pode questionar a competência funcional do juiz que exerceu funções jurisdicionais relativas ao inquérito. O juiz que acompanhou o inquérito é funcionalmente competente para o efeito. Como referimos, o critério da competência funcional prende-se com a espécie ou hierarquia do tribunal. Sendo o tribunal competente, violadas as regras de distribuição, não se pode suscitar a questão de incompetência funcional.
Contudo a parte que se sinta prejudica pode questionar este arbítrio e exigir a reposição da legalidade. Porém sem a consequência radical de nulidade de todos os actos processuais, como agora é pretendido.
Dispõe art.º 210º n.º 1 do CPC - aqui de novo aplicável - que “a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum acto do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final”.
A arguição da irregularidade só produz efeitos para o futuro. Nenhum acto processual, já praticado, é ferido de nulidade.
Daqui se infere que os arguidos, se não concordam com o processo de distribuição que assistiu o decurso do inquérito, deveriam ter suscitado de imediato a questão.
Procedendo à arguição da irregularidade tardiamente têm que se conformar com o que foi decidido. No fundo só se podem queixar da sua inércia. Sem embargo de concluirmos que o processo de distribuição é manifestamente irregular.
E nem por isso ficam os visados privados de protecção perante a eventual manipulação da competência. Se considerarem que a falta de distribuição tem por trás exercício de manipulação adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, podem accionar o incidente de recusa previsto do art. 43º do Código Processo Penal.
E depois de percorrer toda a argumentação dos recorrentes são adequadas algumas notas das considerações finais do Contributo Para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais do Mestre João Conde Correia[ Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra – Stvdia Ivridica - 44]:
A principal consequência da inobservância das disposições processuais consiste na invalidade. A actividade desenvolvida não corresponde ao seu modelo normativo e, portanto, não tem valor como tal nem merece beneficiar da tutela jurídica. No entanto, isto não significa, de imediato, a sua completa ineficácia. Regra geral, os acto processuais penais inválidos acabam por produzir efeitos, pelo menos provisoriamente. Se assim não fosse o processo não andava e o problema da invalidade nem sequer se colocava. Só os actos que produzem ou são idóneos a produzir efeitos prático - jurídicos colocam o problema da sua destruição. A menos que se trate de uma das eternas questões de segurança ou certeza jurídica, que funcionam como limite intransponível contra o poder demolidor atribuído à invalidade.
Aos vícios mais graves devem corresponder os mecanismos mais amplos e aos vícios mais leves os mecanismos mais restritivos. Se não fosse assim o legislador estaria a violar o princípio da proporcionalidade, criando um sistema injusto e desfasado da realidade. Quanto maior for a gravidade do vício maior deve ser a sanção processual utilizada e, em consequência, menor a probabilidade de sobrevivência do acto praticado.
A consecução da finalidade prosseguida pela norma jurídica violada impõe um limite lógico, que o sistema nunca deverá ultrapassar, sob pena de irracionalidade. Se o vício não prejudicou os interesses substanciais que a norma jurídica violada procurava acautelar não há razão para destruir o acto. Até porque a sua repetição nada traria que já não tivesse sido alcançado, embora de forma fortuita.
Como demonstrámos, no caso não houve atropelo do princípio do juiz natural ou qualquer quebra de competência funcional do juiz que acompanhou os actos jurisdicionais de inquérito e embora se verifique o não cumprimento de um normativo processual, a lei reage harmoniosamente à gravidade do seu resultado, sem nunca prejudicar o cerne dos direitos e garantias dos arguidos.
Termos em que se concluiu nos seguintes termos:
- Não houve violação do princípio do juiz natural;
- Embora ocorra irregularidade na distribuição o juiz que assistiu o inquérito não perdeu a competência funcional;
- A irregularidade ou falta de distribuição não afecta qualquer dos actos processuais praticados.

Dos Vícios da Sentença

Alega o arguido A... que do simples confronto entre a matéria factual provada e não provada verifica-se que, incompreensivelmente, existem factos que são comuns. Tal é, para além de, absolutamente, inaceitável, uma contradição insanável no que respeita à prova produzida:
Ou os factos em questão se provaram ou não se provaram. Sendo inconcebível que coexistam em ambos os parâmetros que servem à fundamentação factual da decisão recorrida.
Existindo inequivocamente uma contradição insanável na fundamentação da decisão e que resulta, expressamente, do texto da mesma. Tal vício, gerador da nulidade da decisão, está previsto no art. 410º nº2 al. b) do Código Processo Penal e é fundamento para o presente recurso.

Sobre esta questão contra alega o Ministério Público:
É verdade que existe contradição entre os factos dados por provados e os factos dados por não provados, em relação o arguido A..., mas que não é insanável já que ao proceder à qualificação jurídica dos factos sumaria a materialidade apurada referente a este arguido, tal com em relação aos restantes arguidos.
Para se verificar contradição insanável de fundamentação, têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso.
No caso, julgamos poder considerar-se ultrapassada, já que ao fazer a qualificação jurídico-penal dos factos, claramente diz qual a materialidade dada por provada em relação ao arguido, e depois, é com base nela que fundamenta toda a decisão de forma lógica e de harmonia com essa prova que sumariou como provada ao fazer a qualificação jurídico-penal.

Antes de tecer algumas considerações sobre esta delicada questão, convém matizar os factos provados e não provados, sobre a conduta deste arguido:
Está provado que:
No dia 14 de Novembro de 2002, cerca das 22.45 horas, na Rotunda do Intermarché, na Covilhã, foram detidos por agentes da Polícia Judiciária da Guarda o arguido A..., também conhecido por “Banana”, e O..., tendo sido, a esta, apreendidas 2 “bolhas” de cocaína, com o peso de 1,45 gramas e 2 “bolhas” de heroina, com o peso de 1,75 gramas.
Foram ambos, interrogados no dia 15 de Novembro de 2002, tendo sido submetidos a Termo de Identidade e Residência e imposta a medida de apresentações periódicas à autoridade policial.
Entretanto, a O... veio a falecer no dia 20 de Novembro de 2002.
O arguido A..., nos últimos tempos antes daquela detenção, deslocou-se a Espanha, onde adquiria produtos estupefacientes, mais concretamente heroina e cocaína, a maior parte das vezes a um indivíduo espanhol conhecido por Diego, produtos esses que depois revendia na cidade da Covilhã, algumas das vezes, entregando directamente os produtos aos consumidores e deles recebendo o dinheiro.
Em algumas daquelas viagens, o arguido foi acompanhado por K... que ali ia comprar droga para consumo e numa das ocasiões, o arguido B... foi com eles, para comprar estupefaciente para vender depois.
No dia 18.11.2002, 3 dias após o interrogatório judicial a que foi sujeito, o arguido A... falou ao telefone com o Diego, por três vezes, tendo-lhe o arguido dado conta de que tinha estado detido e de que tinha de se apresentar de 15 em 15 dias e para além do mais, falaram sobre o modo de continuarem a encontrar-se, para o arguido continuar a adquirir produtos estupefacientes.
No dia 23.11.2002, às 18.19 horas, o arguido A... falou ao telefone com o mesmo Diego, tendo-lhe este dito que tinha “cavalo” como o outro, retorquindo-lhe o arguido que visse lá se ele arguido ia fazer tantos quilómetros para depois regressar de mãos vazias.
O arguido acabou por combinar ir ter com o Diego no dia imediato, depois do almoço.
No dia 25.11.2002, os arguidos A... e C..., falaram sobre a qualidade da droga que o primeiro tinha adquirido ao Diego e combinado o modo como o primeiro deveria entregar a droga ao segundo.
O arguido A... falou ao telefone com o arguido Lilo, I..., sobre o local, a hora e o modo como aquele deveria entregar os produtos ao segundo.
No dia 23.12.2002, o A... disse, elo telefone, ao Lilo para este guardar 3 pacotes de heroina ou cocaína para um consumidor.
O arguido A... comprou para revenda, cedeu e vendeu produtos estupefacientes, posteriormente à data em que foi interrogado e que lhe foi aplicada a medida de Termo de Identidade e Residência e apresentações periódicas.
O arguido A... vendeu, antes do Natal de 2002, vendeu doses de heroina, de 1 g, a J....
….
Não está provado que :
que, quando foi detido, o arguido A... não detivesse apenas a quantidade de droga que foi apreendida, na operação;
que, o arguido A... se tenha deslocada a Espanha, inúmeras vezes;
que, ele e a O... se tenham deslocado, no dia 14 de Novembro de 2002, a Placência, em Espanha, onde aquele adquiriu heroina e cocaína em quantidades indeterminadas, mas que se sabe ter sido cada um desses produtos em quantidades superiores a 10 gramas e que não chegaram a ser apreendidos, devido ao facto de ele ter conseguido escondê-los dos agentes da Polícia Judiciária;
que, numa conversa telefónica que este arguido teve com o seu pai, aquele reconheceu que se os agentes lhe tivessem apanhado a quantidade que ele trazia consigo, ele teria ficado detido;
que, a detenção do arguido A..., ocorreu ao cabo de cerca de 6 meses de intenso tráfico de estupefacientes que ele levou a cabo;
que, o arguido A... adquirisse haxixe, em Espanha;
que haja adquirido estupefacientes a uma espanhola chamada Maria;
que, o arguido B..., haja colaborado com o A... nas vendas, tendo em determinada ocasião, este criticado aquele, por este ter vendido um produto estupefaciente de menor qualidade a um dos consumidores e tendo-lhe perguntado se era assim que queria ganhar clientes;
que, no período que decorreu entre Novembro de 2002 e Maio de 2003, o A... e o B... se hajam deslocado a Espanha, alternadamente, onde adquiriam produtos estupefacientes;
que, estas deslocações tivessem uma regularidade semanal e o arguido que se deslocava a adquirir droga trazia não só para ele como para o outro;
que, ambos os arguidos destinavam tais produtos à venda;
que, o A... quando ali ia abastecer-se comprava a grama da heroina a € 37,50 e pela parte que se destinava ao arguido B..., normalmente entre 10 a 14 gramas, cobrava-lhe a grama ao preço de € 55;
que, no dia 18.11.2002, 3 dias após o interrogatório judicial a que foi sujeito, o arguido A... haja contactado telefonicamente com o Diego, por três vezes, tendo-lhe o arguido dado conta de que tinha estado detido e de que tinha de se apresentar de 15 em 15 dias e que, para além do mais, falaram sobre o modo de continuarem a encontrar-se, para o arguido adquirir os produtos estupefacientes;
que, no dia 23.11.2002, às 18.19 horas, o arguido A... haja contactado o mesmo Diego, tendo-lhe este dito que tinha “cavalo” como o outro, retorquindo-lhe o arguido que visse lá se ele arguido ia fazer tantos quilómetros para depois regressar de mãos vazias;
que, o arguido tenha acabado por combinar ir ter com o Diego no dia imediato, depois do almoço;
que, o arguido voltou à Espanha no dia imediato onde adquiriu heroina e cocaína, em quantidades indeterminadas que depois revendeu na Covilhã;
que, no desenvolvimento desta actividade de tráfico, o arguido A... deslocou-se a Espanha no dia 24 de Novembro de 2002 para ali adquirir produtos estupefacientes;
que, no dia 25.11.2002, os arguidos A... e C..., hajam falado sobre a qualidade da droga que o primeiro tinha adquirido ao Diego;
que, os arguidos A... e C... hajam combinado o modo como o primeiro deveria entregar a droga ao segundo;

Nos termos do art. n.2 alínea b) do Código Processo Penal o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum:
b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

A contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do nº2 do art. 410º a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto[ Profº Germano Marques da Silva Vol. lll pag. 325]

Confrontando a matéria de facto provada com a não provada, particularmente na parte sublinhada, detectamos notória contradição.

Procedendo á leitura da decisão recorrida, na parte referente à qualificação jurídica, percebemos que a opção não foi fortuita porém não ultrapassa o limite exigido. Mesmo aceitando a lógica de raciocínio do juiz recorrido e tão só os factos provados que foram atendidos na qualificação jurídico criminal dos factos, o vício mantém-se de forma insuperável.
Na sua decisão o Srº Juiz – Presidente considerou:

Da materialidade apurada, pertinente e idónea, resulta que:

1. em relação ao arguido A...:

consumia estupefacientes e nos últimos tempos antes da sua detenção ocorrida a 14.11.2002, deslocou-se a Espanha, onde adquiria produtos estupefacientes, mais concretamente heroina e cocaína, a maior parte das vezes a um indivíduo espanhol conhecido por Diego, produtos esses que depois revendia na cidade da Covilhã, algumas das vezes, entregando directamente os produtos aos consumidores e deles recebendo o dinheiro.
Em algumas daquelas viagens, o arguido foi acompanhado por K... que ali ia comprar droga para consumo e numa das ocasiões, o arguido B... foi com eles, para comprar estupefaciente para vender depois.
O arguido A... comprou para revenda, cedeu e vendeu produtos estupefacientes, tendo vendido, antes do Natal de 2002, doses de heroina, de 1 g, a J... e o arguido I..., também conhecido por “Lilo”, recebeu heroína, igualmente, do arguido A....
E afasta os demais factos provados com base na seguinte argumentação:

Com esta e só esta, factualidade apurada, já que se teve, naturalmente como pacífico, sem embargo de se reconhecer, que idoneidade e relevância, em termos jurídico-penais, apenas se pode conceder aos factos naturalísticos, que do mesmo modo assumam normatividade, que as escutas telefónicas, não assumem tal natureza e, em si mesmas, constituindo, antes, um meio de obtenção de prova, não constituem, prova, por si só, se desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, como aconteceu, em todos as situações em que não foi confirmada, na realidade, qualquer acto com dignidade para preencher um tipo legal de crime, designadamente, a entrega de estupefacientes por parte de quem quer que seja.
Isto é assim, dado que as conversas, não sendo inócuas, não têm, contudo, a virtualidade de provar o que quer que seja para além, delas mesmas, e traduzindo uma ideia global de como se relacionavam os arguidos, sendo apenas meio de prova, nos tipos legais em que o resultado se preenche através da própria comunicação, vg. ameaças ou injúrias, através de telefonema para o sujeito passivo.
Por outro lado, as conversas relatadas nas escutas e transcritas nos autos, que como vimos não constituem, processualmente, meio de prova, em bom rigor, também, não assumindo a natureza de factos e, só estes é que devem ser levados à acusação, tendo, que ser dadas como provadas, porque o Tribunal tinha que se pronunciar sobre o que vinha relatado na acusação pública, naturalmente, já que ninguém ousou colocá-las em causa, não acarreta qualquer consequência, antes se revelam como inadequadas e insuficientes, para suportar, em si mesmas, como dissemos já, a imputação de quaisquer factos constantes, designadamente do tipo do artigo 21º do Dec. Lei 15/93, ainda que, falar sobre encomendas de estupefacientes e combinar encontros com vista à sua consumação, constituem situações enquadráveis nos preliminares do negócio, sem que se saiba se o mesmo se veio a concretizar, e apenas neste caso, o tipo legal acima referido, se preencheria, quanto à eventual transacção, até porque não resulta das escutas que, para além da natural ambiguidade ou ambivalência de muitas das conversas, qualquer dos interlocutores na altura estivesse na posse de estupefacientes ou que não viesse nenhum deles a desistir, voluntariamente ou não da concretização do negócio, o que, desde logo, afasta qualquer remota possibilidade de integrar as conversas no âmbito do tipo definido no artigo 21º do Dec. Lei 15/93, o que nos levaria, ou aos preliminares ou à promessa de um negócio, que pode não se ter consumado.
Isto é assim e no caso concreto, resultou, ainda, improvado que todas aquelas conversas tenham conduzido ao culminar de actos ilícitos e típicos.
Assim, reduzida a importância do teor da conversas e o valor processual das escutas e transcrições, à sua real dimensão, o Tribunal, apenas poderia dar como provado, o que das escutas consta quando, de seguida a realidade confirmou e surpreendeu qualquer dos arguidos na prática de um acto, que constituísse um elemento objectivo de um tipo legal de crime, isto é quando acompanhadas de um outro qualquer elemento de prova, o que no caso dos autos nunca aconteceu, não existe uma qualquer apreensão, detenção, ou sequer vigilância, onde se dê conta de uma qualquer entrega de estupefaciente, pois, nas restantes situações, a totalidade no caso, em que tal não aconteceu, deu-se como provado que os interlocutores tiveram as conversas com os conteúdos, supra referidos.

Parece claro que o Srº Juiz recorrido não quer dar particular relevância às escutas telefónicas. Como bem refere as escutas não constituem, processualmente, meio de prova, e em bom rigor, também, não assumem a natureza de factos e, só estes é que devem ser levados à acusação.
Então, como base nesta argumentação, legitima e legalmente aceitável, não devia fazer constar da matéria de facto provada o conjunto de factos que considera sem relevo, apresentando como argumento jurídico da fundamentação o que acabou por expressar na parte da qualificação jurídico criminal dos factos.
Repare-se que há um cuidado especial em distinguir as situações. Nos factos provados consignou-se que o arguido A... falou ao telefone com o Diego e nos factos não provados afasta-se a possibilidade do arguido A... ter contactado telefonicamente o Diego e que tenha regressado a Espanha para adquirir mais heroína e cocaína.
Portanto a conversa existiu, não foi o arguido que teve a iniciativa de contactar o Diego e no dia seguinte não foi Espanha.
Mantém-se a contradição sobre o teor da conversa que, por não ser relevante para a decisão da causa, poderíamos ultrapassar.
Mas o que verdadeiramente não podemos desconsiderar é a contradição patente sobre o papel do Diego no fornecimento da droga, facto que é relevante para a qualificação jurídica dos factos e foi tido em devida conta. Afinal encontravam-se habitualmente para entregas e fornecimento de droga como parece resultar da matéria de facto provada ou esses encontros não existiram, como parece resultar da matéria de facto não provada ?
Sem desmerecer o entendimento jurídico que o Srº Juiz recorrido tem sobre a validade das escutas telefónicas, entendemos que a sentença recorrida mantém sobre os factos provados e não provados contradição insanável, que implica o reenvio do processo para novo julgamento.
Considerando que a contradição implica a reapreciação dos factos constantes da acusação que incriminam este arguido e a relação deste com os demais abrange a parte essencial da acusação, o novo julgamento deverá incidir sobre a totalidade do objecto do processo – art. 426º n.1 do Código Processo Penal.

Termos em se acorda na parcial procedência do recurso:
- Considerar que não há nulidade insanável por falta ou irregularidade na distribuição do inquérito;
- ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, por vício da decisão recorrida.

Os recorrentes B... e A... pagarão taxa de justiça de 3 UC, por terem decaído parcialmente no presente recurso.
Coimbra 5 de Julho de 2006