Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
806/19.7T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 09/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – J.L. CÍVEL DE CAST.BRANCO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1282º C. CIVIL.
Sumário: I. Dada a sua função (delas) instrumental, os procedimentos cautelares de restituição provisória de posse estão sujeitos ao prazo legal (de um ano) de caducidade previsto no artº. 1282º do CC para as ações de restituição de posse.

2. Tendo os requeridos, no procedimento cautelar que foi decretado sem a sua prévia audição, optado por recorrer da sentença, em vez de deduzir oposição ao procedimento, ficou-lhes vedado a alegação de factos ou a produção de quaisquer meios de prova, nomeadamente aqueles não tidos em conta pelo tribunal a quo, que possam afastar os fundamentos da providência ou levar à sua redução.

Decisão Texto Integral:







Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Os requerentes, M..., C..., M... e A..., instauraram (em 07/04/2019) contra os requeridos, A... e M..., todos melhor identificados nos autos, o presente procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse.

Para o efeito, e em síntese, alegaram o seguinte:

Serem, sem determinação de parte ou direito, os únicos donos e legítimos possuidores do prédio rústico sito no lugar de ..., inscrito na matriz desta freguesia sob o artigo ..., com a área total de 0,880 ha, composto de parcela 1 – mato e parcela 2 – cultura arvense.

Por sua vez, os 1º. e 2º. requeridos são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio rústico sito no lugar de ..., inscrito na matriz desta freguesia sob o artigo ..., composto de parcela 1 – mato e parcela 2 – cultura arvense.

Prédios esses que confinam entre si (numa estrema com a direção nascente poente, sendo o dos requerentes pelo seu lado sul e o dos requeridos pelo seu lado norte).

Os requerentes para acederem àquele seu prédio faziam-no por um caminho de servidão (de passagem de pé, amimais e carro/trator), que vindo da estrada, atravessa o prédio dos requeridos, com um extensão de 32 metros e com uma largura de 2,5 m.

Servidão de passagem essa, a onerar o prédio dos requeridos e em benefício daquele seu prédio, que adquiriram por usucapião.

Acontece que em meados julho de 2018 os requeridos, contra sua vontade, destruíram esse caminho de servidão, tendo ainda colocado à sua entrada um portão.

Situação essa que lhes vem causando danos de natureza patrimonial e não patrimonial, pois que os impede de ter acesso àquele seu prédio (que é encravado) e, assim, de o cultivar e dele retirar os respetivos rendimentos agrícolas.

Pelo que terminaram pedindo/requerendo a condenação dos requeridos:

a) A, no prazo de 15 dias, reporem o referido caminho, com cerca de 32 metros de comprimento e 2,75 de largura, tal como existia nivelado na sua cota antes de o terem escavado em julho de 2018, e a manter o portão permanentemente aberto ou, subsidiariamente, a entregarem uma chave aos requerentes;

b) Numa sanção pecuniária compulsória de €35,00 por cada dia de atraso na reposição e restituição de servidão.

2. Realizou-se (sem a audição prévia dos requeridos) a audiência de produção de prova (arrolada pelos requerentes).

3. Seguiu-se a prolação de sentença que, no final, decidiu julgar procedente a providência cautelar nos seguintes termos :

“a) Condenar os requeridos a:

1- no prazo de 15 dias reporem o caminho de servidão desde a estrada nacional/caminho público até ao prédio designado como o nº 8, com a largura de 2,5 metros, tal como existia nivelada na sua cota antes de o terem escavado em Julho de 2018 e entregarem 1 chave do portão de acesso aos requerentes.

2- na sanção compulsória de 20,00€ por cada dia de atraso na reposição da servidão.”

4. Notificados dessa sentença (artº. 372º e 366º, nº. 6, do CPC), os requeridos dela apelaram (fls. 38/41), tendo concluído as respetivas alegações de recurso nos seguintes termos:


I

« Verifica-se uma situação de ilegitimidade passiva, pelo que se impõe a absolvição dos requeridos da instância.

II

Ocorreu a caducidade do direito de propositura do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, caducidade que se invoca com a consequente absolvição do pedido.

III

O terreno desde a estrada nacional /caminho público até ao prédio dos requerentes é plano e transitável, permitindo a passagem de pessoas e máquinas agrícolas.

IV

O terreno foi rebatido para nível zero entre a estrada nacional/caminho público e o prédio dos requerentes.

V

Não é possível repor o caminho na sua cota anterior.

VI

Actualmente é mais fácil transitar no local onde se diz existir a servidão.

VII

Revogar a sentença na parte em que condena os requeridos a reporem o caminho de servidão desde a estrada nacional/caminho público na sua cota antes de o terem escavado.

VIII

A sentença é nula na parte em que condena os requeridos na sanção compulsória de 20.00 € por cada dia de atraso na reposição da servidão.

5. Contra-alegaram os requerentes (fls. 44/52), pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.

6. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

1. Do objeto do recurso.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso do autor, verifica-se que as questões nelas colocadas, e que cumpre aqui apreciar, são as seguintes:

a) Da (il)egitimidade passiva;

b) Da nulidade da sentença;

c) Da caducidade do direito de propositura do procedimento cautelar;

d) Da revogação da sentença (por impossibilidade de reposição do caminho na sua quota anterior);

2. Os Factos.

O tribunal a quo deu, indiciariamente, como provados os seguintes factos:

...

3. Quanto à 1ª. questão.

Invocam os requeridos/apelantes a existência de uma situação ilegitimidade passiva, pedindo, com base nela, a sua absolvição da instância.

Para tanto alegam (como decorre do corpo das suas alegações), em síntese, ter sido a ação principal instaurada contra eles, e ainda os RR. A... e T..., não tendo, porém, estes sido demandados no presente procedimento cautelar, como se impunha, dado estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário, de molde a assegurar o princípio do contraditório e que a decisão possa produzir o seu efeito útil normal.

Nas suas contra-alegações, defendem os requerentes/apelados a inexistência de qualquer situação ilegitimidade passiva.

Apreciando.

A invocada ilegitimidade configura, como é sabido, uma exceção dilatória (artº. 577º, al. e), do CPC) e que, a verificar-se, levaria à absolvição da instância dos requeridos (artº. 278º, nº. 1 al. d), do CPC).

A legitimidade passiva advém do interesse direto que a parte tem em contradizer e que se exprime pelo prejuízo que para ela advenha da procedência da ação (nºs. 1 e 2 do artº. 30º do CPC).

Na falta da lei em contrário, e para efeitos da titularidade desse interesse relevante, a legitimidade (processual) dos sujeitos deve ser aferida em face da relação controvertida tal como é configurada pelo autor, em termos do pedido e da sua causa de pedir (nº. 3. artº. 30º do CPC).

O procedimento cautelar de restituição provisória de posse, de que os requerentes lançaram mão, encontra-se disciplinado no artº. 377º e ss. do CPC; o qual, por sua vez, adjetiva a norma substantiva do artº. 1279º e ss. do CC, segundo a qual, no caso de esbulho violento, o possuidor tem direito a ser restituído provisoriamente à posse.

Procedimento cautelar esse que é instrumental da ação para defesa da posse, e mais concretamente da ação de restituição de posse (artºs. 1276º e 1278º do CC), a qual, nos termos do disposto no nº. 2 do artº. 1281º do CC e em termos de legitimidade passiva, pode ser intentada não só contra os esbulhador ou os seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho.

Posto isto, e como decorre do que se deixou expresso no Relatório inicial, os requerentes instauraram contra os requeridos o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse alegando, em síntese, que os mesmos, contra a sua vontade, destruíram o caminho de servidão de passagem constituída (por via da usucapião) sobre o prédio rústico dos mesmos (onerando-o) e em benefício do seu prédio, e que lhes permite o acesso a este, ou seja, e por outras palavras, esbulharam-nos (com violência) da exercício da posse dessa servidão, pedindo, em consequência, que estes fossem condenados a devolver-lhes essa posse, repondo o caminho dessa servidão no estado em que se encontrava antes dessa sua intervenção (esbulhadora) e ainda numa sanção compulsória por cada dia de atraso nessa reposição/restituição.

Posto isto, e dada a forma com os requerentes estruturaram tal procedimento, em termos de pedido e de causa de pedir, é claro que só os requeridos ali são configurados como esbulhadores da posse dos requerentes (no que concerne ao exercício da servidão de passagem que alegam estar constituída, por via da aquisição da usucapião, sobre o prédio rústico dos mesmos, onerando-o, em benefício do prédio do prédio dos requerentes). E sendo assim, é patente que só os requeridos têm interesse direto em contradizer o presente procedimento cautelar, dado o inerente e evidente prejuízo que para eles advém da sua procedência, produzindo sempre a sua decisão aí a proferir o seu efeito útil normal.

É certo que na ação declarativa principal (cfr. ponto 129 dos factos provados) - e da qual este procedimento está dependente (artº. 364º ex vi artº. 376º, nº. 1, do CPC) – que os aqui requerentes (ali autores.) instauraram (antes deste procedimento) para, essencialmente, defesa desse seu direito de passagem e posse relativamente à alegada servidão constituída sobre o prédio dos requeridos, os mesmos demandaram (na qualidade de réus) estes últimos (os requeridos) e bem assim ainda A... e T...

Porém, como se extrai do alegado no articulado na petição inicial, os AA. (aqui requerentes) demandaram somente aqueles últimos RR., por cautela e a título subsidiário, e perante a alegada dúvida de não saberem se a propriedade do referido prédio onerado com a dita servidão já teria sido (ou não) transmitida pelos primeiros dois RR. àqueles segundos RR..

Na contestação a essa ação, que apresentaram conjuntamente, os RR. começaram por invocar, como exceção dilatória, precisamente a ilegitimidade passiva daqueles 2ºs. RR., negando serem os mesmos detentores de qualquer direito de propriedade sobre o dito prédio onerado com a referida servidão (alegando ser tal propriedade exclusiva dos 1ºs. RR) ou de qualquer outro direito que lhes confira a posse sobre esse prédio. Factos esses que os ora requerentes aceitaram expressamente (vide artº. 4º da sua P.I.) na instauração do presente procedimento cautelar, ocorrida logo depois da apresentação de tais articulados na ação declarativa.

Perante tal, não faria qualquer sentido que os requerentes tivessem de direcionar o presente procedimento cautelar também contra aqueles outos dois identificados RR. na ação principal (cujas consequências jurídicas em relação aos mesmos na ação não deixarão, certamente, oportunamente, de ali ser extraídas perante aquilo que acabou de deixar expresso), não correndo, pois, in casu, e ao contrário do alegado pelos requeridos/apelantes, qualquer situação de litisconsórcio necessário passivo (artº. 33º do CPC), sendo certo, diga-se ainda, que - como decorre expressamente do disposto no artº. 364º, nº. 4, ex vi artº. 376º, nº. 1, do CPC – nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida neste procedimento terão qualquer influência no julgamento da ação principal.

Aliás, virem agora os requeridos invocar a sua ilegitimidade por estarem desacompanhados dos dois outros aludidos RR. na ação principal, quando ali defenderam a ilegitimidade (de sinal contrário) dos mesmos pelas razões que se deixaram expostas, a sua atuação raia, salvo o devido respeito, os limites de litigância de má fé.

Concluindo, e perante tudo aquilo que se deixou expandido, não ocorre qualquer situação/exceção de ilegitimidade passiva no presente procedimento cautelar, pelo que, nessa parte, o recurso também improcede.

4. Quanto à 2ª. questão.

Invocam os requeridos/apelantes a nulidade da sentença, por violação do disposto na al. b) do nº. 1 do artº. 615º do CPC.

Como decorre do corpo das alegações que precedem as conclusões do recurso, essa nulidade apenas é invocada no que concerne ao segmento/parte da sentença em que condenou os requeridos na sanção compulsória, por falta absoluta de fundamentação nessa parte, nomeadamente por não ter tomado em conta a situação económica dos requeridos, sendo certo que a consideram exagerado o montante de tal sanção aplicada (o que não refletem depois nas conclusões finais).

Nas suas contra-alegações, defendem os requerentes a não ocorrência desse invocado vício de nulidade, e ainda a justeza do montante fixado da sanção compulsória aplicada.

Apreciando.

Como é sabido, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

Preceitua o citado artº. 615º na al. b) do seu nº. 1, que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

A exigência de fundamentação das decisões judiciais é imposta pelo artº. 205º nº. 1 da CRP e decorre ainda do direito a um processo equitativo, consagrado no artº. 6º § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal como tem sido entendido pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, reportando-se também ao processo civil.

Conforme orientação jurisprudencial e doutrinária, que vem sendo pacificamente aceite, para a nulidade do artº. 615º nº. 1 al. b) do CPC só releva a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito, e já não a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, que, a existir, apenas afeta o valor doutrinal da sentença.

Posto isso, diremos que, em boa verdade, e como ressalta da motivação do corpo das alegações do recurso, os apelantes discordam, essencialmente, da decisão que lhes aplicou tal sanção, e particularmente do montante da mesma que foi fixada, nomeadamente por não ter tomado em conta a sua situação económica.

Ora tal, em boa verdade, configura invocação de um erro de julgamento (de facto e de direito) e como tal isso constituiria só por si motivo bastante para julgar improcedente a invocação do referido vício de nulidade, pois que esse eventual erro de julgamento não se enquadra, como deixámos referido, nos vícios de nulidade da sentença.

De qualquer modo, mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que calcorreando a sentença recorrida verificamos que a mesma se encontra, a nosso ver, minimamente/suficientemente fundamentada (nomeadamente quanto ao seguemento a que os apelantes aludem), quer em termos de facto, quer em termos de direito.

Senão vejamos.

Depois de à luz dos factos apurados (e acima descritos) o tribunal a quo ter concluído (com citação dos pertinentes normativos legais que invocou para o efeito, e bem assim de abundante jurisprudência e doutrina que convocou em abono dessa sua posição) pelo preenchimento dos legais requisitos que lhe permitiam deferir a pretensão cautelar solicitada (de restituição aos requerentes da posse do sobredito caminho de servidão), discorreu, tendo em vista a dar execução a essa pretensão, nos seguintes moldes:

« (… ) No mais, é de referir apenas que a providência em questão decompõe-se de duas fases: uma, de natureza declarativa, em sede da qual o juiz se debruça sobre o mérito da providência, deferindo-a ou não.

Outra, de cariz executivo, no qual da qual o tribunal, no uso dos seus poderes de soberania, impõe coercivamente ao requerido a decisão e restabelece o statu quo ante, mediante a entrega material da coisa esbulhada (cf. ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol., 2.ª edição, Almedina, 2003, p.58), ou seja, no caso, a remoção dos obstáculos colocados sobre o caminho ajuizado.

Ora, a execução da decisão vinda de tomar, não dispensa a colaboração dos requeridos, já que há que tapar o fosso de cerca de um metro que foi aberto.

Nesta medida, configurando a sanção pecuniária compulsória uma medida de cariz coercivo e não executivo, visando incitar o devedor a cumprir – no domínio das obrigações de carácter intuitus personae (i. é, obrigações de prestação de facto infungível), e, portanto, quando a sua colaboração é imprescindível, tal medida é equacionável no caso concreto (vide o artigo 829.º-A, do Código Civil).

Por conseguinte, vai deferida embora se entenda justo e adequado o montante de € 20,00/diário. ».

Não devendo olvidar que nos encontramos no domínio de um procedimento cautelar, em que impera, além de outros (vg. fumus boni iuris), o princípio da summaria cognitio, é, assim, patente, a nosso ver, - e voltando a enfatizar – que a referida sentença (mesmo no segmento referente à parte que os apelantes aduzem) se mostra suficientemente fundamentada (quer em termos de facto, quer em termos de direito).

Mas mesmo que, porventura, assim não se entenda, como deixámos supra expresso, o invocado vício de nulidade da sentença só ocorre quando ocorre a absoluta de fundamentação (quer de facto, quer ou de direito), o que, como cremos ter deixado demonstrado, não ocorre.

E mesmo que essa fundamentação fosse, porventura, considerada deficiente, essa deficiência só poderia colocar em causa, como vimos, o valor doutrinário decisão da sentença, e nunca a validade formal da mesma.

Não padece, assim, a sentença do apontado vício de nulidade, pelo que, nessa parte, o recurso também improcede.

De qualquer forma, e avançando, sempre diremos, que - atendendo, por um lado, à gravidade dos factos praticados pelos requeridos, que impedem os requerentes de ter acesso ao seu prédio rústico, tratando-o e dele retirando os seus frutos, e, por outro, à função/fim por ela perseguida - se justifica, a nosso ver, não só a sanção compulsória aplicada aos requeridos, como também o montante da mesma que foi fixado.

4. Quanto à 3ª. questão.

Invocam os requeridos/apelantes a caducidade, pelo decurso do prazo legal, do direito dos requerentes instaurarem o presente procedimento cautelar.

Como decorre do corpo das suas alegações de recurso, os requeridos/apelantes sustentam, em síntese, essa invocada exceção perenptória nos seguintes fundamentos:

Os procedimentos cautelares de restituição provisória de posse devem ser instaurados – por via da aplicação analógica do disposto no artº. 397º, nº. 2, do CPC para os procedimento cautelares nominados de embargo de obra nova, em que esse prazo se encontra estabelecido - no prazo de 30 dias, contados a partir do conhecimento dos factos que os fundamentam.

Prazo (curto) esse que encontra a sua justificação no periculum in mora que está subjacente às providências cautelares.

Ora, acontece que os requerentes enviaram ao 1º. Requerido uma carta registada, datada de 17/12/2018, na qual lhe disseram que trata-se duma servidão muito antiga de existência em benefício do nosso prédio denominado “C...” no ..., que permite a passagem para este desde a estrada…; e nós não vamos consentir que essa servidão seja eliminada ou impedida ou vedada…; damos-lhe conhecimento da nossa firma determinação que oporemos por todos meios ao impedimento ou cessação dessa servidão”.

Pelo que, sendo assim, tendo os requerentes conhecimento dos factos que consubstanciam o alegado esbulho (violento) a partir, pelo menos, da data do envio daquela carta, é de concluir que quando instauraram o presente procedimento cautelar já há muito havia decorrido aquele prazo (legal) para o fazerem.

Nas suas contra-alegações, defendem os requerentes a improcedência daquela invocada exceção de caducidade.

Apreciando.

É inolvidável que a caducidade do direito de “ação”, ou melhor, do direito de instauração (pelos requerentes) do presente procedimento cautelar, que os requeridos/apelantes invocam, configura uma exceção peremptória, que, a proceder, conduzirá à absolvição dos últimos do pedido que nele os primeiros formulam contra eles, e como tal à improcedência desse procedimento (cfr. os conjugados artºs. 328º e ss. do CC e 576º, nºs. 1 e 3, do CPC).

É, a nosso ver, indiscutível que os requeridos/apelantes estão em tempo de invocar tal exceção, pois que é a 1ª. vez que lhes permitida a intervenção nos autos para se defenderem (cfr. artºs. 378º - fine -, e 372º, nº. 1 al. b), ex vi artº. 376º, nº. 1, do CPC, 333º e 303º do CC).

Estamos na presença de um procedimento cautelar nominado, que, em termos de lei adjetiva, se encontra previsto nos artºs. 377º a 379º do CPC.

Da leitura de tais normativos resulta (ao contrário do que sucede em relação a outros procedimentos cautelares – vg. o de suspensão de deliberações sociais, artº. 380º, nº. 1, e o de embargo de obra nova, artº. 397º, nº. 1, do CPC) que o legislador não fixou expressamente para tal procedimento (de restituição provisória de posse) qualquer prazo para, sob pena de caducidade, a sua instauração.

O mesmo acontecendo aos procedimentos cautelares comuns, o que afasta, desde logo, o recurso, para esse efeito, aos mesmos, por via da aplicação do disposto no artº. 376º, nº. 1, do CPC.

Qual então o prazo de caducidade que deverá ser considerado para os procedimentos cautelares de restituição provisória de posse?

Depois de no artº. 10º do CC se prever o recurso à analogia para os casos omissos, e de se estipular no seu nº. 2 que “há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei”, dispõe-se no artº. 11º desse mesmo diploma que “as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem a interpretação extensiva.”

Como supra deixámos referido, o artº. 377º e ss. do CPC, que disciplina o procedimento cautelar de restituição provisória de posse, adjetiva a norma substantiva do artº. 1279º e ss. do CC, sendo que esse procedimento cautelar é, por sua vez, é instrumental da ação declarativa para defesa da posse, e mais concretamente, da ação de restituição de posse (artºs. 1276º e 1278º do CC).

Ora, dispõe-se no artº. 1282º do CC que “A acção de manutenção, bem como as de restituição da posse, caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas. (sublinhado nosso).

Prazo esse (de 1 ano) que encontra a sua razão de ser no artº. 1267º, nº.1. al. d), do CC, onde se preceitua que “o possuidor perde a posse pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano”, dispondo-se ainda no nº. 2. desse mesmo preceito que “a nova posse de outrem conta-se desde o seu início, se foi tomada publicamente, ou desde que é conhecida do esbulhado, se foi tomada ocultamente; sendo adquirida por violência, só se conta a partir da cessação desta.

E daí que aquele normativo do artº. 1282º do CC deva ser articulado com o citado artº. 1267º, nº. 1. al. d), do mesmo diploma, segundo qual, como dele resulta, o possuidor perde a posse em consequência da posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano. Ou seja, o prazo de caducidade de um ano nas ações de restituição compreende-se porque tem implícito o surgimento de uma (nova) posse (em sentido técnico-jurídico rigoroso) no esbulhador, a qual, ao fim de ano e dia, extingue a posse do anterior possuidor-esbulhado. O que significa que este não tem nada a defender e a recuperar, não tendo qualquer fundamento, nem objeto, a ação de restituição. Daí que a lei considere que o direito de o esbulhado a acionar o esbulhador caduca ao fim de um ano, já que a sua posse se extingue nesse mesmo prazo, face ao surgimento de uma nova posse de ano e dia no esbulhador.

Assim sendo, sempre que não surja uma nova posse (em sentido técnico-jurídico rigoroso), um de ano e um dia, no esbulhador, que extinga a posse do anterior possuidor esbulhado, não haverá caducidade do direito de acionar o esbulhador. Na verdade, por um lado, há uma posse ainda existente a recuperar, e, por outro, não há ainda uma posse do esbulhador juridicamente tutelada. Como referem os profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., revista e atualizada, Coimbra, Editora, págs. 56 e 57”), enquanto não caducar a posse do esbulhado, não se justifica a caducidade do direito de acionar o esbulhador. (Para maior e melhor desenvolvimento sobre esta temática, vide ainda, entre outros, o Parecer do prof. Mota Pinto, publicado in “ C.J., Ano X, tomo 3, págs. 31 e segs..).

Posto isto, ou seja, encontrada a razão de ser para o prazo de caducidade das ações declarativas de tutela da posse, e nomeadamente daquelas referentes à restituição de posse, e tendo o procedimento cautelar de restituição provisória de posse uma função instrumental dessa ação, faz todo o sentido que esse prazo também se lhes aplique, por identidade de razões que acima enunciamos para justificar o prazo legal de caducidade daquelas ações declarativas.

E nesse mesmo sentido aponta Abrantes Geraldes (in “Temas da Reforma do Processo Civil – Procedimentos Cautelares Especificados -, IV vol., 2ª ed., pág. 47”) ao discorrer que “uma vez que o art. 1282º do CC prevê um prazo de caducidade para o accionamento dos meios definitivos de tutela da posse, o mesmo é extensivo ao procedimento cautelar, atenta a sua função instrumental relativamente à acção de restituição de posse.” “Na verdade (prossegue ali o mesmo autor) se o decurso do prazo faz precludir o direito de acção atribuído ao possuidor, não pode deixar de se reflectir também no exercício do direito tendente a obter a tutela antecipada.” (No mesmo sentido, vide, entre outros, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º., 3ª. ed., pág. 97”; Ac. da RL de 19/03/2013, proc. 584/12.0TCLRS-A.L1-7, e Ac. da RE de 12/07/2012, proc. 551/11.1TBVRS.E1, disponíveis in www.dgsi.pt).

Diga-se ainda, tout court, que o periculum in mora (que os apelantes aduzem para justificar o prazo mais curto de caducidade que defende), tal como resulta da leitura do artº. 377º do CPC – e ao contrário do que sucede com os procedimentos (inominados) cautelares comuns – não constitui requisito legal para o decretamento dos procedimentos cautelares nominados de restituição provisória de posse. (Neste sentido, vide ainda, por todos, Ac. da RL de 23/09/2014, proc. 89/14.5TBBNV.L1-7, disponível in www.dgsi.pt).

Do exposto, concluiu-se, assim, que os procedimentos cautelares de restituição provisória de posse estão sujeitos ao prazo legal de caducidade previsto no artº. 1282º do CC, ou seja, é-lhes aplicável o prazo de caducidade (de um ano) previsto nesse normativo legal para as ações (declarativas) de defesa da posse, e nomeadamente para as ações de restituição de posse de que aqueles procedimentos são instrumentais.

Reportemos e apliquemos, agora, tal conclusão ao caso dos autos.

Tendo os primeiros factos materiais consubstanciadores do alegado esbulho da posse sido praticados em meados de julho do ano 2018 (cfr. pontos 43 e 58 dos factos provados) – complementados depois, com a colocação de um portão em março de 2019 (cfr. ponto 58) - e tendo os requerentes instaurado (contra os requeridos) o presente procedimento cautelar, visando se restituídos a essa posse, em 07 de abril de 2019, facilmente, e desde logo, - independentemente das demais considerações que ainda se poderiam tecer a esse respeito – se verifica que não haver então ainda decorrido o prazo de um ano sobre o inicio de tal esbulho, e muito menos ainda sobre a data emissão (em 17/12/2018) pelos requerentes da carta que os requeridos/apelantes invocam (e que se encontra factualmente retratada nos pontos 51 a 56) como tendo sido aquela em que, pelo menos, aqueles tomaram conhecimento desses factos (num ónus de prova que, nesta matéria de demonstração da caducidade, sobre os requeridos impendia - artº. 342º, nº. 2 , do CC).

Improcede, desse modo, a exceção de caducidade invocada pelos requeridos/apelantes, e nessa parte também o recurso.

5. Quanto à 4ª. questão.

Pedem ainda os requeridos/apelantes a revogação da sentença na parte na parte em que os condena a reporem o caminho de servidão desde a estrada nacional/caminho público na sua cota antes de o terem escavado.

Alegam para o efeito, e em síntese, impossibilidade de reposição do caminho na sua cota anterior, mais elevada, nomeadamente devido ao facto de o terreno ter sido rebatido para o nível zero entre a estrada nacional e o prédio dos requerentes.

Nas suas contra-alegações, os requerentes defendem, mais uma vez, a improcedência dessa pretensão dos apelantes.

Apreciando.

Importa, desde já, referir que os requeridos quando foram notificados da sentença, poderiam dela defender-se optando quer pela via do recurso, quer pela via da dedução de oposição (cfr. artº 372, nº. 1 als. a) e b), ex vi artº. 376º, nº. 1, do CPC).

Tendo os requeridos optado por lançar mão do presente recurso, ficou-lhes vedado a alegação de factos ou a produção de quaisquer meios de prova, nomeadamente aqueles não tidos em conta pelo tribunal, que possam afastar os fundamentos da providência ou levar à sua redução (cfr. al. b) do nº. 1 do citado artº. 372º do CPC - a contrario).

Sendo assim, e porque os factos dados (indiciariamente) como provados pelo tribunal a quo não permitem, só por si, extrair a conclusão a que os apelantes chegam a respeito da alegada impossibilidade de reposição do caminho (vg. na sua cota anterior) nos termos que foram ordenados na sentença, a pretensão recursiva dos mesmos está, também quanto à referida questão, condenada ao fracasso.

Desse modo, e face a tudo o que se deixou exposto - e porque os apelantes não questionam o preenchimento/verificação dos requisitos legais da posse, esbulho e da violência elencados no artº. 372º do CPC, que permitem decretar, como aconteceu in casu, o presente procedimento cautelar nominado de restituição provisória de posse, cujos conceitos se encontram, à luz dos factos apurados, devidamente fundamentados na sentença recorrida; sendo certo ainda que no que concerne à aplicação da sanção compulsória e à fixação do seu montante, cujo segmento decisório os apelantes não a impugnam diretamente (transpondo essa impugnação para as conclusões do recurso), apenas o fazendo implicitamente aquando da invocação da nulidade da sentença nessa parte por alegada falta de fundamentação, já, de qualquer modo, supra nos pronunciamos favoravelmente sobre a justificação da sua aplicação e da justeza do seu montante fixado na sentença -, decide-se julgar, in totum, improcedente o recurso, confirmando a sentença da 1ª. instância.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença da 1ª. instância.

Custas (do recurso) pelos requeridos/apelantes (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

Sumário

I. Dada a sua função (delas) instrumental, os procedimentos cautelares de restituição provisória de posse estão sujeitos ao prazo legal (de um ano) de caducidade previsto no artº. 1282º do CC para as ações de restituição de posse.

2. Tendo os requeridos, no procedimento cautelar que foi decretado sem a sua prévia audição, optado por recorrer da sentença, em vez de deduzir oposição ao procedimento, ficou-lhes vedado a alegação de factos ou a produção de quaisquer meios de prova, nomeadamente aqueles não tidos em conta pelo tribunal a quo, que possam afastar os fundamentos da providência ou levar à sua redução.

Coimbra, 2019/09/17