Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
624/15.1T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
REGIME
CRÉDITO
CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – SEC. DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 33º, Nº 1 DO REGIME JURÍDICO DO CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO; ARTºS 703º E 726º, Nº 2, A) DO NCPC.
Sumário: I – Não é de entender existir manifesta falta de título executivo – v.g., para assim alicerçar o indeferimento liminar do requerimento executivo -, quando, apesar de essa conclusão ser arrimada na interpretação que, das normas aplicáveis, faz determinada corrente da doutrina e da jurisprudência das Relações, não só existe corrente doutrinária e jurisprudencial contrária, como, também, aquele entendimento vai contra a jurisprudência conhecida do Tribunal Constitucional, que considera que as normas assim interpretadas violam o “princípio da proteção da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito democrático constante do artigo 2.º da Constituição”.

II – Não obstante a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, permanece em vigor o artº 33º, nº 1, do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola.

Decisão Texto Integral:
Uma vez que, ponderada a questão suscitada no presente recurso, se afigura ser simples a respectiva resolução, passa-se a proferir Decisão sumária (Art.º 656º, 652º n.º 1, al c), ambos do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, doravante designado com a sigla NCPC, para o distinguir daquele que o precedeu e que se passará a referir como CPC).

I - Relatório:

A) A CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO ... CRL.”, com sede em ..., instaurou, em 27/01/2015, execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra A..., P... e D..., Lda. para obter dos executados o pagamento coercivo da quantia de 349.635,25 € (quantia que a que ascende a adição dos 367.413,46 €, relativos ao montante do capital, com os 17.778,21 € referentes aos juros de mora vencidos), acrescida dos juros de mora que se venceram sobre o montante do capital em dívida.

B) Tendo o processo sido distribuído à Instância Central - Secção de Execução - J1, da Comarca de Viseu, o Mmo. Juiz, por despacho de 04/02/2015, invocando o disposto nos artºs 703º e 726.º, n.º 2, a), ambos do novo CPC, indeferiu liminarmente o requerimento executivo, por entender ser manifesta a falta de título executivo.

Para o efeito defendeu, o que ora se refere em síntese, que os documentos particulares, ainda que, como os dois que entendeu fundarem a presente execução - um intitulado de “crédito a empresas”, datado de 23.07.2012 e outro de “contrato de mútuo com hipoteca, aval e penhor de PPI”, datado de 30.07.2012 -, sejam preexistentes à entrada em vigor do novo CPC (01.09.2013), deixaram, com o novo regime instaurado por este código, de constar do elenco dos títulos executivos (art.º 703.º, nº 1), não podendo, por isso, fundar a execução.

C) A Exequente pediu a reforma dessa decisão, o que lhe foi indeferido e recorreu dela, tendo esse recurso sido recebido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

II - No final da sua alegação recursória a Apelante ofereceu as seguintes conclusões:

...

Terminou assim: “...deve o presente recurso merecer provimento e ser revogado o d. despacho em crise, sendo substituído por outro que contemple as conclusões supra, desde logo por omitir a existência de documento que por si só determinaria a sua consideração enquanto título executivo ao abrigo do disposto no art.º 703.º n.º 1 al. b) do CPC, devendo ainda concluir-se que a aplicação imediata e automática da solução legal ínsita na conjugação dos art.º 703.º do CPC e 6.º n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, de que decorre a perda de valor de título executivo dos documentos particulares que o possuíam à luz do CPC revogado é violadora do princípio constitucional da Proteção da Confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático plasmado no art.º 2.º da Constituição.».

III - As questões:

Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, no domínio da legislação pretérita correspondente, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [1]).

E a questão a solucionar consiste em saber se o requerimento executivo podia, com fundamento na manifesta falta de título, ser indeferido liminarmente.

IV - Fundamentação:

A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I supra.

B)- De harmonia com o disposto no artigo 10º, nº 5, do NCPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e, consequentemente, o tipo, a espécie da prestação e da execução que lhe corresponde, bem como os limites dentro dos quais se irá desenvolver.

A manifesta falta ou insuficiência de título executivo, consubstancia, como é sabido, motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do artº 726º, nº 2, a), do NCPC (art.º 812º-E, nº 1, a), do pretérito CPC, na redacção que a este código foi dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro).

A Exequente, no requerimento inicial, segundo o nosso entendimento, funda a execução nos documentos particulares constantes a fls. 8 a 18: um “crédito a empresas”, datado de 23.07.2012, e um “contrato de mútuo com hipoteca, aval e penhor de PPI”, datado de 30.07.2012. Se assim não fosse e se fundasse a execução na “Escritura de Abertura de Crédito e Hipoteca”, não se entenderia a razão pela qual naquele requerimento não invocou a exequibilidade prevista na alínea b), do nº 1 do artº 703º do NCPC, mas antes a conferida pelo “art.º 703.º 1 al. d) do C.P.C. ex vi art.º 33.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 24/91, 11 de Janeiro” (artº 17º do requerimento executivo)[2].

Isto dito, não podemos deixar de discordar da decisão recorrida quando não atende, conforme o requerido, aos documentos em causa, enquanto documentos que, por disposição especial, são dotados de força executiva (artº 703º, nº 1, d), do NCPC).

E as razões da nossa discordância prendem-se com o estatuído no referido artº 33º, nº 1, do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola Mútuo [3] e encontram-se plasmadas na Decisão Singular desta Relação de Coimbra, de 19/05/2015 (Apelação nº 433/14.5TBSCD.C1)[4], que, por versar situação semelhante, aqui têm pleno cabimento “mutatis mutandis”, justificando-se a sua transcrição, na parte que versa a matéria ora em causa.

Aí se diz: «A exequente é uma caixa de crédito agrícola mútuo, portanto, uma instituição de crédito sob a forma de cooperativa (artº 1 do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, Anexo ao Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro). E, de harmonia com a sua lei estatutária, para efeitos de cobrança coerciva de empréstimos e não pagos, seja qual for o seu montante, servem de prova e título executivo as escrituras, os títulos particulares, as letras e as livranças e os documentos congéneres apresentados pela caixa agrícola exequente, desde que assinados por aquele contra a acção é proposta, nos termos previstos no Código de Processo Civil (artº 33 nº 1 do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, Anexo ao Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro).

Trata-se, nitidamente, de uma regra especial, e, de acordo com um critério pessoal, de uma regra particular, dado que só é aplicável a uma certa categoria de pessoas jurídicas - as caixas de crédito agrícola – ditada pela especificidade da sua forma e do universo dos seus sócios, pela sua estrutura financeira e pela especialidade do seu objecto (artº 1 do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, Anexo ao Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro). Razões que explicam também que, na falta de uma intenção inequívoca do legislador, se deva entender que a superveniência do novo Código de Processo Civil – lei geral posterior – não revogou aquela lei especial – anterior – uma vez que esta lei contém um regime que foi definido para corresponder a certas circunstâncias particulares, a que a lei geral não atende (artº 7 nº 3 do Código Civil).».

Os documentos dados à execução sempre seriam de considerar, pois, como títulos executivos à luz dos artºs 703º, nº 1, d), do NCPC e 33º, nº 1, do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola, Anexo ao Decreto-Lei nº 24/91, de 11 de Janeiro.

Porém, ainda que se entendesse, como foi o caso do Tribunal “a quo”, que “cessou a vigência da norma contida no artigo 33.º do DL n.º 142/2009, de 16 de junho, por revogação tácita (por ser manifesta a incompatibilidade entre o regime fixado à data e o atualmente em vigor) ou por caducidade...”, nem assim seria de indeferir liminarmente, por manifesta falta de título, o requerimento executivo, como se passará a demonstrar.

Vejamos.

No pretérito CPC, na redacção do DL nº 226/2008, de 20/11, integravam o elenco dos títulos executivos: «Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto» (artº 46º, nº 1, c)).

Ora, no NCPC, os documentos particulares que outrora estavam caracterizados na referida alínea c), do nº 1, do artº 46º do anterior CPC, não foram incluídos no elenco dos títulos executivos que consta agora do artº 703º, nº 1.

Em face desta alteração começou-se a suscitar a questão de saber se a supressão da exequibilidade, a partir da entrada em vigor do NCPC (01/09/2013 – artº 8º do DL nº Lei n.º 41/2013 de 26 de junho) desses documentos particulares, quando reportada a documentos pré-existentes a essa entrada em vigor, era susceptível, de violar o princípio da segurança e da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, constante do artº 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Para sermos mais precisos, o que se colocava em questão era saber se a interpretação dos artigos 703.º do NCPC e 6.º, n.º 3 da citada Lei n.º 41/2013, de onde resultasse a supressão, enquanto títulos executivos, dos documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor desse NCPC e que eram exequíveis à luz do artº 46.º, n.º 1, alínea c), do pretérito CPC, violava o princípio da segurança e da protecção da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, constante do artº 2º da CRP.

Quer na doutrina, quer na jurisprudência das Relações, surgiram entendimentos divergentes, uns considerando que a apontada violação ocorria, enquanto outros, entendendo o contrário, concluíam que à luz do NCPC aqueles documentos particulares, ainda que emitidos anteriormente à sua entrada em vigor, não podiam ser considerados como títulos executivos.

Exemplificativamente, dir-se-á, terem seguido o 1º dos apontados entendimentos, o Acórdão da Relação de Évora, de 27/02/2014 (Apelação nº 374/13.3TUEVR.E1)[5] e o Acórdão desta Relação de Coimbra, de 05/05/2015 (Apelação nº 4538/14.4T8VIS.C1), enquanto o 2º dos indicados entendimentos foi perfilhado no Acórdão da Relação do Porto, de 27/01/2015 (Apelação nº 6620/13.6YYPRT-A.P1)[6] e no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 07/10/2014 (Apelação nº 61/14.5TBSBG.C1).

Cabe salientar, que, tendo sido chamado a pronunciar-se sobre a questão, em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional decidiu:

- No Acórdão nº 847/2014, de 03/12/2014 (Processo n.º 537/14, da 1ª Secção)[7]: «Julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 703.º do CPC e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961»;

- No Acórdão nº 161/2015, de 04/03/2015 (Processo n.º 1148/2014, da 3ª Secção)[8]: «Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito democrático constante do artigo 2.º da Constituição, a norma resultante dos artigos 703.º do CPC e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961».

Como se diz na citada Decisão Singular de 19/05/2015: «Dado que se trata de decisões tiradas na actuação da competência de fiscalização concreta da constitucionalidade, o juízo de inconstitucionalidade não tem efeitos senão para o caso concreto, i.e., só tem efeitos na decisão recorrida, nada impedindo, portanto, que a norma julgada inconstitucional, nesse caso concreto, possa continuar a ser aplicada subsequentemente pelos tribunais. Todavia, o juízo de inconstitucionalidade em fiscalização concreta, se não tem qualquer efeito directo fora do processo em que foi proferida, não deixa de ter efeitos indirectos, constitucionalmente relevantes, dado que, desde logo, a partir daí, são necessariamente recorríveis para o Tribunal Constitucional todas as decisões em que os Tribunais apliquem a norma que foi julgada inconstitucional (artº 280 nº 5 da Constituição da República Portuguesa). Do que decorre que, embora com efeitos limitados à causa que foi proferida a decisão, o juízo de inconstitucionalidade estabelece, a partir desse momento, uma espécie de presunção de inconstitucionalidade abstracta da norma. E a reiteração, una voce, dessa jurisprudência – pese embora a discutibilidade da sua correcção – inculca o carácter tendencialmente definitivo dessa orientação e a probabilidade séria da declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade da norma apontada (artº 281 nº 3 da Constituição da República Portuguesa).».

Ora, se à luz da interpretação que uma parte da doutrina e da jurisprudência, incluindo a do Tribunal Constitucional, fazem dos preceitos legais aplicáveis, a execução movida ao abrigo do NCPC, pode fundar-se em documentos particulares emitidos anteriormente à entrada em vigor desse código e que, à luz do 46.º, n.º 1, alínea c), do pretérito CPC, eram títulos executivos, não pode considerar-se que uma tal execução, fundada nesses documentos particulares, padeça de manifesta falta de título executivo.

Perfilhamos, assim, o expendido na citada Decisão Singular de 19/05/2015, quando aí se escreve: «...o indeferimento in limine do requerimento executivo, com fundamento na falta de título executivo, só é admissível quando essa falta seja manifesta (artº 726 nº 2 a) do nCPC).

E a falta de título só é manifesta quando seja patente, ostensiva, evidente, quando não possa ser oferecida qualquer dúvida, por mínima que seja, para a inexequibilidade extrínseca do documento no qual o exequente funda a pretensão de realização coactiva da prestação objecto do pedido executivo. Como o juízo sobre o carácter ostensivo da falta de título é feito na fase liminar da execução, deve fazer-se um uso prudente, circunspecto e moderado da prerrogativa de indeferimento in limine do requerimento executivo, de que, portanto, só deve lançar-se mão, em casos extremos e contados. Dito doutro modo: o requerimento executivo só deve ser liminarmente indeferido com fundamento na falta de título, se for possível fazer, logo nesse momento, um juízo consciencioso e seguro sobre a manifesta, evidente, patente ou ostensiva falta dessa condição da acção executiva.

E não é esse, de todo, o caso do recurso. A existência da norma especial indicada e as dúvidas sobre a constitucionalidade material da aplicação imediata do novo Código de Processo Civil a documentos particulares a que a lei anterior reconhecia, ao tempo da sua formação, eficácia executiva – dúvidas mais do que fundadas em face dos dois juízos de inconstitucionalidade já formulados pela jurisprudência constitucional – torna claro que, no caso, a falta de título não é seguramente manifesta, evidente, patente, ostensiva ou indubitável. E não o sendo, segue-se, como corolário que não pode ser recusado, que aquela falta – mesmo a verificar-se – não autorizaria a decisão de indeferimento in limine do requerimento executivo.».

Assim, o que se constata, pois, no caso “sub judice” é que o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” perfilhou logo no despacho liminar, para fundar o indeferimento do requerimento executivo, o 2º dos entendimentos que expusemos quanto à falta de título executivo, sendo que, como vimos, havia um outro entendimento, que, seguido por alguma doutrina e jurisprudência, encontrava respaldo no que até agora, sobre a matéria, tem sido decidido pelo Tribunal Constitucional, entendimento esse, segundo o qual, os documentos particulares oferecidos pela ora Apelante como títulos executivos, são idóneos a assim serem considerados, habilitando, consequentemente, a instauração e o prosseguimento da execução.

O que se acabou de expor bastaria, pois - ainda que não se considerasse em vigor o citado artº 33º, do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola -, para negar a possibilidade de, no presente caso, se ter indeferido liminarmente o requerimento executivo com base na manifesta falta de título executivo, o que desde logo justificaria a revogação do despacho que assim decidiu.

Afigura-se, assim, que, do exposto poder-se-á sumariar o seguinte:

I – Não é de entender existir manifesta falta de título executivo – v.g., para assim alicerçar o indeferimento liminar do requerimento executivo -, quando, apesar de essa conclusão ser arrimada na interpretação que, das normas aplicáveis, faz determinada corrente da doutrina e da jurisprudência das Relações, não só existe corrente doutrinária e jurisprudencial contrária, como, também, aquele entendimento vai contra a jurisprudência conhecida do Tribunal Constitucional, que considera que as normas assim interpretadas violam o “princípio da proteção da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito democrático constante do artigo 2.º da Constituição”.

II – Não obstante a entrada em vigor do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, permanece em vigor o artº 33º, nº 1, do Regime Jurídico do Crédito Agrícola Mútuo e das Cooperativas de Crédito Agrícola.

V - Decisão:

Em face de tudo o exposto, na procedência da Apelação, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que, não havendo outro motivo que a isso obste, se dê seguimento aos normais termos do processo.

Custas pela parte que, a final, suportar as custas da execução.

Coimbra, 02/06/2015

(Luís José Falcão de Magalhães)

[1] Consultáveis na Internet, em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ que abaixo se assinalarem sem referência de publicação.
[2] O sublinhado é nosso.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/91, de 11 de Janeiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 230/95, de 12 de Setembro, 320/97, de 25 de Novembro, 102/99, de 31 de Março, 201/2002, de 26 de Setembro, 76-A/2006, de 29 de Março e 142/2009 de 16/06.
[4] Relatada pelo Exmo. Desembargador Henrique Antunes e consultável, tal como os Acórdãos desta Relação de Coimbra que vierem a ser ciados sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”.
[5] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase”.
[6] Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.
[7] Consultável em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140847.html”.
[8] Consultável em “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150161.html”.