Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
286/17.1T8GVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
MONTANTE DOS DANOS
LIMITES DO PEDIDO
DECLARAÇÕES DE PARTE
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GOUVEIA - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 466 Nº3, 556 Nº2 B), 607, 615 Nº1 E), 663 CPC, 569 CC
Sumário: 1.- Tendo os AA dúvida quanto ao apuramento quantitativo, já possível, do dano indemnizatório verificado, tinham dois caminhos processuais a seguir: ou deduziam pedido genérico/ilíquido, nos termos conjugados dos arts. 556º, nº 2, b), 2ª parte, do NCPC (o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569º do CC) e 569º, 1ª parte, do CC (quem exija a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos); ou, então, tendo pedido quantitativo determinado reclamavam posteriormente quantia mais elevada face à revelação de dano superior, perante o relatório pericial efectuado nos autos que avaliou os trabalhos de empreitada do R. em valor inferior ao que os AA tinham inicialmente estimado, nos termos do referido art. 569º, 2ª parte, do CC (nem o facto de ter pedido determinado quantitativo impede o demandante, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos).

2.- Tendo os AA formulado o pedido de pagamento pelo R. de, pelo menos, 3.350 €, a utilização da expressão “pelo menos” (ou de outra semelhante como “no mínimo”) não retira ao pedido formulado a sua natureza de pedido específico, ao invés de genérico, e portanto a proibição de ultrapassagem desse quantitativo limite.

3.- Tendo a sentença condenado o R, a pagar aos AA o montante de 4.150 € a mesma é parcialmente nula, nos termos do art. 615º, nº 1, e), do NCPC, na parcela que excedeu o peticionado.

4.- A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal (art. 466º, nº 3, do NCPC), e a Relação, na apreciação da impugnação da matéria de facto, age sobre o império do princípio da livre apreciação da prova, tal como a 1ª instância (ao abrigo do art. 607º, nº 5, 1ª parte, ex vi do art. 663º, nº 2, do NCPC);

5.- Se as declarações de parte não têm suficiente lastro probatório noutros meios de prova gerando sérias dúvidas sobre a realidade dos factos, então tal dúvida volve-se contra os AA, a parte a quem o facto aproveitava.

Decisão Texto Integral:

 

I - Relatório

 1. T (…), residente em (...) e A (…), residente em (...) , intentaram a presente acção declarativa contra M (…), com domicílio profissional em (...) , peticionando que o réu seja condenado a pagar-lhes a quantia de, pelo menos, 3.350 €, acrescida de uma indemnização, a título de danos morais, no valor de 2.500 €, e ainda a entregar-lhes o valor correspondente ao preço da betoneira com que injustificadamente se apoderou.

Alegam, em síntese, que o réu foi contratado para executar diversos trabalhos numa das casas em ruínas de que o primeiro autor era proprietário, sendo que foram realizando várias entregas em dinheiro ao réu pelos trabalhos contratados, no total de 5.450 €, no entanto o réu apenas executou parte deles, no valor estimado de 2.100 €, pelo que têm direito à diferença de 3.350 €. Que foi emprestada ao réu uma betoneira, a qual nunca foi devolvida por este, não obstante as diversas insistências. Que, assim, existe enriquecimento do réu. Invocam ainda que o réu se aproveitou da fragilidade dos autores, atento o falecimento do pai e marido destes, pelo que deverá o mesmo ser condenado no pagamento de uma indemnização a título de danos morais.

O réu contestou, alegando, em síntese, ter devolvido a betoneira. Que realizou trabalhos, no valor de 4.281 €, sendo que os autores apenas pagaram 1.500 €, não sendo verdade que lhe tenham entregue 5.450 €. Assim, os autores devem-lhe a quantia de 2.781 €, tendo deduzindo pedido reconvencional nesse montante, acrescido de juros à taxa legal, desde a data da realização dos trabalhos.

Em réplica, os autores impugnaram tudo o alegado em sede de reconvenção.

*

A final foi poi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou o R. a pagar aos AA a quantia de 4.150 € e absolveu o R. do demais peticionado.

*

2. O R. recorreu, concluindo que:

1)A sentença recorrida julgou incorretamente o ponto 10 dos factos provados, devendo o mesmo ser dado como não provado;

2)Os AA. sempre disseram de forma reiterada que o falecido E (…) pedia à sua esposa (aqui Autora, A (…)) para entregar dinheiro ao R., e depois juntar documento “comprovativo” de levantamentos em numerário de uma conta do filho de ambos.

3)O A. T (…) nunca disse que levantava do seu dinheiro para pagar as obras em causa, pelo que os extratos em causa, sendo seus, contendem com a conclusão de que os levantamentos eram para pagar a obra dos pais.

4)a A. A (…) disse inclusivamente os que levantamentos eram feitos da sua conta e não da do filho, pelo que os documentos juntos não podem jamais ser valorados como foram.

5)Além disso, não foi provado que os AA. pagaram o que quer que fosse ao R.

6) Foi inequívoco ao longo das declarações de ambos e das suas testemunhas, que nunca o R. recebeu qualquer valor em mãos, em numerário, cheque ou transferência deles.

7)Aquilo que foi sempre dito é que o dinheiro foi entregue ao “senhor empregado”.

8)Não foi feita qualquer prova de que houve dinheiro a ser entregue ao R., à exceção daquele assumido por este último.

9)Era sobre os AA. que recaía o ónus de provar que o R. recebeu o dinheiro alegadamente por eles entregue, prova essa que não foi cumprida.

10)Não aceita, o R., que o Tribunal o tenha condenado em valor superior ao pedido relativo à restituição de quantias.

11)Foi violado, dessa forma, o art. 609º nº1 e 615º al.e) do CPC.

12)Pelo que só pode ser absolvido o R. da condenação de restituição de valores que, de resto, não recebeu.

Pelo exposto, deve ser revogada a sentença de que se recorre e ser substituída por outra que considere o alegado nas conclusões que antecedem.

Assim se fará a habitual justiça.

3. Inexistem contra-alegações.

 

II - Factos Provados

1) O autor, T (…), é dono e legítimo possuidor, em compropriedade, de um prédio misto, composto de terra de pinhal e pastagem, com a área de 19.619m2, e de casa de habitação em ruínas, com a área de 58m2 (entre outros), sito na “ (...) ”, freguesia de (...) , no concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) com o n.º 683/20000828 e inscrito na matriz sob os artigos 1002 (rústica) e 625 (urbano).

2) Tal prédio foi adquirido em 3 de Maio de 2007, pela autora, A (…) e falecido marido desta, em nome do primeiro autor, à data da aquisição ainda menor.

3) Sempre a autora, como o marido desta, entretanto falecido, em Agosto de 2015, cuidaram do terreno, cultivando, mandando cultivar, limpando ou mandando limpar, colhendo os seus frutos, mandando cortar pinhal ou outras árvores, à frente de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, agindo como seus proprietários.

4) Em Julho de 2014, o réu foi contratado pelo marido da autora para, no âmbito da sua actividade profissional executar diversos trabalhos numa das casas em ruínas do prédio referido em 1).

5) Tais serviços prendiam-se com a limpeza de paredes, reconstrução de juntas, colocação de laje/placa do primeiro andar e chão, tudo cimentado.

6) Para execução dos referidos serviços, o marido da autora, pai do autor, comprou e colocou na obra, a expensas suas, todos os materiais.

7) O marido da autora colocou ainda à disposição do réu, uma betoneira que comprou, em Abril de 2014, propositadamente para executar os ditos trabalhos.

8) Tal betoneira foi adquirida pelo marido da autora pelo preço de €215,80, acrescida de IVA, à taxa de 23%, no valor total de €265,43.

9) A autora apresentou queixa-crime contra o réu, acusando-o de se ter apropriado da betoneira referida em 7), tendo o réu sido julgado, no âmbito do Proc. N.º 2/16.5T9GVA, pela alegada prática de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 do Código Penal, e sido absolvido da prática de tal crime.

10) O réu pediu ao marido e pai dos autores e foi recebendo várias entregas de dinheiro, por sucessivas vezes, nomeadamente em:

- Julho de 2014, recebeu a quantia de €3.450,00;

- Agosto de 2014, recebeu a quantia de €1.150,00;

- Outubro de 2014, recebeu a quantia de €850,00;

Tudo, num total de €5.450,00.

11) Até à data, o réu não acertou contas com os autores.

12) O réu efectuou os seguintes trabalhos no prédio do autor: lavagem das paredes e escadas da casa; arranjo de juntas das paredes; corte de parte de uma pedra no caminho, e; abertura de vala para colocação de tubo.

13) Os restantes trabalhos referidos em 5) não foram executados pelo réu.

14) Após o falecimento do marido e pai dos autores, por doença prolongada, os autores e a filha da autora, procuraram o réu, em casa deste, para procederem a um acerto de contas e para solicitar a devolução da betoneira.

15) O réu referiu aos autores que ia verificar a situação, tendo deixado na caixa do correio dos autores uma folha manuscrita, com a alusão a vários “orçamentos”, num total de €5.850,00, tendo a autora reclamado da mesma ao réu.

16) Os autores solicitaram a outro empreiteiro que verificasse os trabalhos realizados pelo réu, tendo sido atribuído um valor de €2.100,00 pelos mesmos.

17) Aquando do internamento do marido da autora, este solicitou ao réu que lhe guardasse a betoneira e o gerador, o que o réu fez.

18) Com data de 07.12.2015, a Ilustre Mandatária dos autores remeteu ao réu a uma carta com o seguinte teor:

Venho pela presente em nome de A (…), entrar em contato com V. Exa. pois, segundo o transmitido por esta existe acerto de contas a efectuar por conta de serviço que terá prestado e ficado de prestar.

Para além do que existe betoneira, que é propriedade desta, na sua posse à mais de 1 ano que terá de ser devolvida.

Face ao exposto e porque é de suma importância conversar, solicito que contate este escritório afim de se agendar reunião em horário a definir, pelo que aguardarei para o efeito 8 dias”.

19) O réu, em 09.10.2017, remeteu à autora factura-recibo referente aos trabalhos efectuados e pagos, no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).

20) O réu, em 09.10.2017, remeteu ainda à autora factura no valor de €4.281,00, com a menção de “serviços prestados na Quinta da (...) ”.

21) Resulta do relatório pericial junto a fls. 75 a 77 que:

- As paredes do imóvel do autor foram limpas;

- As juntas do imóvel do autor foram refechadas com massa de cimento;

- Não foi colocada placa no rés-do-chão e no primeiro andar;

- As obras levadas a cabo pelo réu no imóvel do autor terão um valor de €800,00;

- Foi partida uma pedra do caminho público que dá acesso à propriedade do autor;

- Foi aberta uma vala e colocado um tubo, numa extensão de 300.00metros, cujo trabalho importa o valor aproximado de €500,00.

 

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da sentença.

- Alteração da matéria de facto.

- Não condenação do R., no montante fixado.

2. Defende o R. que a sentença é nula, por violação do art. 615º, nº 1, e), do NCPC, por condenação em quantidade superior ao pedido (cfr. 10) e 11) das conclusões de recurso).

Os AA tinham formulado o pedido de pagamento pelo R. de, pelo menos, 3.350 €, de acordo com os factos por eles alegados: entregaram 5.450 € para os trabalhos contratados ao R., no entanto o réu apenas executou parte deles, no valor estimado de 2.100 €, pelo que pedem a condenação na diferença, os apontados 3.350 €. A utilização da expressão “pelo menos” ou de outra semelhante como “no mínimo” não retira ao pedido formulado a sua natureza de pedido específico, e portanto o seu quantitativo limite.

Os AA, para tornear a sua eventual dúvida quanto ao apuramento quantitativo, já possível, do dano indemnizatório verificado, tinham dois caminhos: ou deduziam pedido genérico/ilíquido, nos termos conjugados dos arts. 556º, nº 2, b), 2ª parte, do NCPC (o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569º do CC) e 569º, 1ª parte, do CC (quem exija a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos); ou então tendo pedido quantitativo determinado reclamavam posteriormente quantia mais elevada face à revelação de dano superior, perante o relatório pericial efectuado nos autos que avaliou os trabalhos do R. em valor ao que os AA tinham inicialmente estimado, nos termos do referido art. 569º, 2ª parte, do CC (nem o facto de ter pedido determinado quantitativo impede o demandante, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos) – vide neste sentido L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2ª, 2ª Ed., nota 4. ao art. 471º do anterior CPC = ao actual art. 556º, pág. 266.

Porém, não usaram nenhum desses dois alternativos caminhos processuais, sendo evidente, em consequência, que se ativeram a um pedido específico/líquido, limitado a um determinado quantitativo. Ora, a ultrapassagem desse montante na condenação levada a cabo na sentença recorrida torna, por isso, parcialmente nula tal sentença, na parte excedente ao peticionado valor de 3.350 €, não podendo o R. ser condenado no montante em que o foi (4.150 €).

Procede, pois, a arguição de nulidade deduzida pelo recorrente.   

3. O R. impugna a decisão da matéria de facto, pretendendo que o facto provado 10. passe a não provado, com base nas declarações de parte da A. e do A., e extracto bancário de fls.57/62 (cfr. 1) a 9) das conclusões de recurso).

A julgadora de facto exarou na sua motivação o seguinte:

“O tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade em causa nos presentes autos tendo em conta as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados, as declarações de parte dos autores e do réu, os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência final e o teor dos documentos juntos aos autos, elementos de prova que foram analisados de forma conjugada e à luz das regras de experiência comum.

(…)

Aqui chegados, importa aludir à matéria vertida em 10) a 11) e que, no essencial, se prende com os pagamentos realizados pela autora ao réu e que este contesta, referindo que os autores não procederam ao pagamento da totalidade da obra, daí ter deduzido o pedido reconvencional.

Ou seja, nos presentes autos, discute-se, no essencial, se os autores procederam ao pagamento das quantias alegadas, tendo direito à sua restituição pelo réu, em face do incumprimento do contrato; sendo que, por seu turno, entende o réu que os autores não procederam ao pagamento da obra na sua totalidade, pelo que deverão ser condenados a pagar a quantia peticionada na reconvenção, adiantando, nós, desde já, que se nos afigura não lhe assistir razão.

Senão vejamos.

Importa começar por aludir às declarações de parte prestadas, tanto pelos autores, como pelo réu, sendo que, neste particular, cumpre, de forma breve, aludir à forma como deverão as mesmas ser valoradas.

O Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, que entrou em vigor no dia 1/9/2013, estabelece no seu artigo 466.º do CPC. o seguinte: “1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. 2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior. 3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”

(…)

Quanto às razões que levaram à introdução das declarações de parte como meio de prova, refere o Dr. Luís Filipe Pires de Sousa (in As Malquistas Declarações de Parte, em Colóquio organizado pelo STJ, sobre o Novo Código de Processo Civil, disponível em www.stj.pt) que, “até à entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, a parte estava impedida de depor como testemunha (art. 617 do CPC), podendo ser ouvida pelo juiz para a prestação de esclarecimentos sobre a matéria de facto (art. 265.2. do CPC) sendo que tais esclarecimentos não podiam ser valorados de per si como meios probatórios.”.

Na verdade, este inovador meio de prova, dirige-se às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidade de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes. E, sujeitá-las a arrolar testemunhas sem conhecimento directo, que apenas reproduzam o que teriam ouvido dizer ou que expressem a sua opinião, tem reduzido interesse e muito limitado valor processual.

Importa salientar que tais declarações serão sempre livremente apreciadas pelo tribunal, conforme resulta do n.º 3 do artigo 466.º do CPC., na parte em que não representem confissão.

Conforme defende José Lebre de Freitas, (in A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278), a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.

(…)

Por fim, se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade.

Contudo, consideramos que as declarações de parte devem ser atendidas e valoradas com especial cautela e cuidado, já que como meio probatório, não deixam de ser declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.

Importa, assim, da declaração da parte que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja credenciado por outros meios de prova, designadamente que as declarações da parte sejam confirmadas, por outros dados, que ainda indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Caso contrário a declaração revelará força probatória de tal forma débil que não deve ser tida em conta.

Na verdade, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes.

Aqui chegados, importa referir que, prestando declarações de parte, pelos autores foi relatada a versão constante da petição inicial por si apresentada, referindo a autora A (…) que a contratação do réu foi feita pelo seu marido, E (…), para reconstruir uma casa em ruínas de que o seu filho T (…) é proprietário.

Não obstante o acordo ter sido celebrado entre o marido da autora e o réu, a autora acompanhou de perto a situação em apreço, já que, considerando a situação de doença do marido, era esta que procedia ao pagamento ao réu dos valores indicados pelo marido e solicitados pelo réu; sendo que, demonstrou ter tido conhecimento do material que foi deixado na obra e comprado pelo seu marido, assim como, das obras acordadas entre este e o réu.

Certo é que, no que concerne aos pagamentos realizados pela autora, a pedido do seu marido, afigurou-se-nos verosímil o relatado pela mesma, em conjugação com os demais meios de prova.

Desde logo, é sabido que em situações como a presente, de contratação de empreiteiros para execução de pequenas obras (como a que está em causa nos autos), é comum o acordo verbal quanto aos trabalhos que irão ser levados a cabo, inexistindo qualquer orçamento escrito, sendo os pagamentos, muitas das vezes, realizados em dinheiro, faseadamente, à medida das necessidades do construtor.

Certo é que, no caso dos autos, conforme foi relatado pelos autores e pelo réu, o falecido E (…) pretendia fazer a obra aos poucos, à medida das suas necessidades, razão pela qual o réu não conseguiu esclarecer o Tribunal sobre o valor final e total do orçamento apresentado, já que foi indicando, à medida que ia fazendo a obra, os valores pela execução dos trabalhos.

Acresce que, não obstante o declarado pelo réu, de que a autora apenas procedeu ao pagamento da quantia de €1.500,00, o que fez por duas vezes, tal não se nos afigura verosímil, à luz das mais elementares regras de experiência comum, já que é o próprio a referir, no seu depoimento, que os pagamentos iam sendo feitos à medida da execução da obra, aludindo por diversas vezes a “pagamentos” e “entregas” o que não se mostra compatível com a entrega em duas vezes da quantia de €1.500,00.

Certo é que, o declarado pela autora A (…), mostrou-se, ainda, corroborado pelas declarações prestadas pelo autor T (…) e pelas testemunhas por si arroladas, quanto aos pagamentos parcelares que iam sendo feitos ao réu; sendo que, pela testemunha (…) (filha e irmã dos autores) foi referido que, por diversas vezes, acompanhou a sua mãe ao multibanco para levantar dinheiro que iria ser entregue ao empreiteiro.

Ora, analisados os extratos bancários juntos aos autos (cfr. fls. 57 a 62), constata-se a existência de inúmeros levantamentos, realizados entre Julho, Agosto e Outubro, que se destinavam à entrega ao empreiteiro para execução da obra em apreço.

A este propósito, cumpre salientar que, tais extractos bancários deverão ser analisados em conjugação com o declarado pelos autores e testemunhas ouvidas, e, a nosso ver, valorados para permitir concluir pelo pagamento de tais valores ao réu; já que, afigura-se-nos lógico e verosímil (atendendo, desde logo, à fase difícil que os autores atravessaram com a doença do réu) que, em situações idênticas às que estão em causa nos autos, não se saibam concretamente quais os montantes pagos e em que dias, sendo difícil essa memorização. No entanto, atendendo ao relatado pelos autores, quanto ao período em que tais pagamentos foram realizados, afigura-se-nos verosímil que os mesmos se reportem aos levantamentos constantes dos extractos bancários juntos.

Não deixa, contudo, de se estranhar que o réu apenas assuma o pagamento pela autora da quantia de €1.500,00, referente ao pagamento por cheque e, portanto, cujo valor seria facilmente comprovado e documentado, tendo inclusive dado quitação do mesmo; contestando os demais pagamentos, precisamente por se tratarem que valores pagos em numerário, sabendo o réu da dificuldade em comprovar a realização de tais pagamentos.

A verdade é que, a admitir-se como possível o declarado pelo réu, de que os trabalhos por si executados totalizaram um valor de €5.781,00 (€1.500,00+€4.281) – o que, conforme veremos a seguir, não resultou demonstrado, atento o relatório pericial junto – então, a quantia entregue pela autora (€5.450,00) aproxima-se bastante do valor alegado pelo réu, afigurando-se-nos, por isso, verosímeis, à luz das mais elementares regras de experiência comum, os valores entregues por aquela ao réu.

Importa ainda aludir ao declarado pela autora de que, após o falecimento do seu marido, e constatando que a obra não se mostrava concluída (entenda-se, os trabalhos contratados com o réu, e não a reconstrução total do imóvel), contactou o réu por forma a procederem a um acerto de contas, sendo que a autora pretendia, inicialmente, que a obra fosse terminada.

A este propósito resultou patente a preocupação da autora – e que se nos afigura verosímil e lógica, à luz das regras da experiência comum – na circunstância de não ter qualquer documento que comprovasse o acordado entre o seu marido e o réu, assim como quaisquer recibos dos valores que tinha entregue em dinheiro ao réu; sendo que, quando foi confrontada com o documento de fls. 22 a 23, dando conta dos diversos orçamentos apresentados pelo réu, ficou revoltada, já que a autora entendia que a obra não estava concluída, não tendo que pagar quaisquer valores ao réu para além daqueles que já havia pago.

Certo é que, conforme se constata dos documentos juntos pelo réu (cfr. fls. 45 a 46 e 306), os mesmos datam de 10.10.2017 (e, portanto, dias antes da entrada em juízo da presente acção), muito tempo depois da missiva dirigida pela Ilustre Mandatária dos autores, em 07.12.2015, onde, entre o mais, se solicitava a realização de um acerto de contas a afectuar “por conta de serviço que terá prestado e ficado de prestar”.

Com o exposto pretendemos salientar que, não obstante as facturas emitidas pelo réu, datadas de 10.10.2017, no valor de €1.500,00 e de €4.281,00, tal não significa que os trabalhos aí descritos tenham sido integralmente realizados e, muito menos, pelo valor aí constante; sendo que, a nosso ver, pela autora A (…)foram realizados os pagamentos acima aludidos, razão pela qual a mesma nada mais teria a pagar ao réu.

Também no que concerne aos depoimentos das testemunhas arroladas pelo réu, (…) (ambos trabalhadores do réu), os mesmos deverão ser valorados com particulares reservas e cautelas atenta a relação profissional que detêm com o réu; sendo que, no que ora releva (aferir dos pagamentos realizados pela autora), tais testemunhas não revelaram deter um conhecimento directo do que foi acordado entre o réu e o marido e pai dos autores e dos pagamentos realizados, apenas tendo a testemunha (…) aludido ao pagamento dos já referidos €1.500,00, referindo, no entanto, que à sua frente não foram feitos outros pagamentos, para além daquele, pelo que desconhece se foram realizados outros pagamentos pela autora ao réu.

Cumpre ainda notar que, pese embora a relação familiar existente entre os autores e testemunhas arroladas por estes (namorada do autor e irmã deste e filha da autora), o que, igualmente, nos suscitaria particulares cautelas na valoração dos seus depoimentos, a verdade é que, analisados os seus depoimentos, com as declarações prestadas pelos autores e demais prova documental junta, à luz das mais elementares regras de experiência comum e do bom senso de que nunca nos podemos distanciar, afigura-se-nos verosímil o por estes relatado e, daí, ter sido dada como provada a factualidade vertida em 10) a 11).”.

Diga-se desde já que a pretensão do R. em ver o facto 10) não provado não poderá ser obtida, visto que sabemos que o R. recebeu 1.500 €, como emerge do facto provado 19). Quando muito, pois, poderá alterar-se o mesmo para uma resposta restritiva.

Ouvimos as declarações de parte dos AA, que estão gravadas em CD, relacionadas com a matéria ora em avaliação.

O A. declarou mais precisamente que um dos pagamentos foi feito por ele. Foi levantar o dinheiro, através de um cheque, e deu-o em mãos ao empregado do senhor M (…)(o réu). Foi em Julho de 2014, no valor de 1.500 €, para pagar a placa. Os outros pagamentos foram feitos pelos pais, a mãe, pois o pai encontrava-se hospitalizado, estava a fazer os tratamentos. Sabe porque ambos lhe falaram sobre isso. Não sabe precisar muito bem os montantes, sabe que tudo junto rondava cinco mil e poucos euros, juntamente com o valor que eu dei, mas sei que os meus pais também deram um valor de 3400 euros mais ou menos e outros valores. Não viu esses valores a serem dados ao senhor M (…) mas sabe que não foi a ele foi ao senhor empregado. O senhor M (…) ligava ao pai a dizer os valores que pretendia e o pai dizia à mãe, após o que esta ia ao multibanco e levantava as quantias indicadas e fazia o pagamento ao empregado que ia buscar as quantias. O senhor M (…) sempre pediu apenas entregas em dinheiro.

A A. declarou que o réu ligava para o marido a dizer que precisava de dinheiro, o marido depois telefonava-lhe a ela, e ela ia levantar dinheiro. Levantei ora 500 ora 600 ora 1000 euros, ora o que fosse. Depois o senhor empregado do réu ia a minha casa levar o dinheiro. Não sabe o nome do senhor empregado. Posteriormente disse que sabia que tinha entregue 800 e poucos euros, sei que lhe entreguei de outras vezes 500 e tal, outra vez foi o meu filho que lhe entregou 1500 e qualquer coisa, outras vezes entreguei 200 e tal euros. Esses valores foram levantados da sua conta. Ia levantar os mesmos ao multibanco com a filha.

Analisando.

Os AA tinham alegado ter feito entregas ao R. no montante total de 5.450 €, decomposto pelas parcelas de 3.450 € em Julho de 2014, 1.150 € em Agosto de 2014 e 850 € em Outubro de 2014, tudo conforme extractos bancários desses meses (que estão juntos a fls. 57/62), conforme alegaram no art. 13º da p.i. Verifica-se, também, que tais extractos se reportam a uma conta do A.

Ora, das declarações de parte do A. apenas resulta que o mesmo entregou 1.500 € ao empregado do R., após ter levantado tal quantia, através de um cheque, o que efectivamente se consegue retirar do extracto da sua conta de Julho de 2014 (a fls. 58). Essa afirmação é confirmada pela testemunha (…), namorada do A. à data, cujo depoimento também, oficiosamente, ouvimos e que disse ter presenciado um pagamento a tal empregado, embora desconheça o valor em concreto, mas ter visto um molhe de muitas notas em dinheiro na posse do namorado/A. Portanto, temos uma declaração de parte sustentada pelo depoimento de uma testemunha, que mostra conhecimento directo, conjugado com o teor de um extracto bancário.

Todavia, a prova consistente fica-se por aqui. Na realidade quanto a outros pagamentos o A. nada sabe, além do que lhe foi dito pelos pais, não tendo, aliás, visto a entrega de qualquer valor ao empregado do R., já que quanto a este declarou não ter sido efectuada qualquer entrega. Por sua vez a A. declarou ter entregue várias quantias em dinheiro ao empregado do R., após levantamentos da sua conta. Levantamentos no multibanco pela A. parece terem ocorrido, pois a sua filha, a testemunha (…), cujo depoimento também, oficiosamente, ouvimos, corroborou a realização dos mesmos, por várias vezes, pois acompanhou a mãe, e que a mãe lhe referiu destinar-se a pagar ao empregado do R., embora a testemunha não tenha referido qual a conta bancária. Uma certeza temos, porém, é que se a A. levantou os dinheiros da sua conta então não podem ser os que constam dos extractos bancários juntos pelos AA com a sua p.i., visto que todos eles, dos meses de Julho, Agosto e Outubro de 2014 se reportam a conta bancária do A. e não da A. Aliás as declarações de parte da A. têm pouca solidez, pois primeiro refere uns determinados valores para posteriormente mencionar outros diferentes. Por outro lado, sejam eles quais forem, nenhum bate certo com os ditos extractos, pois compulsados os mesmos, não se vislumbra que de uma vez ou mais que uma vez no mesmo dia, tenham sido efectuados levantamentos em qualquer um dos montantes indicados pela A. De sorte que as declarações de parte da A. não se mostram credibilizadas em qualquer outra prova segura.        

Ou seja, com excepção do aludido pagamento do A., no montante de 1500 €, a prova produzida pelos AA é inconsistente, seriamente duvidosa, não convincente, pelo que se tem de lançar mão do disposto no art. 414º que estipula que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra parte a quem o facto aproveita, neste caso aproveitava aos AA.

Como é sabido a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal (art. 466º, nº 3, do NCPC). Deste modo, agindo a Relação sobre o império do princípio da livre apreciação da prova, tal como a 1ª instância (ao abrigo do art. 607º, nº 5, 1ª parte, ex vi do art. 663º, nº 2, do NCPC), temos por suficientemente demonstrado probatoriamente apenas o referido pagamento de 1.500 €, já que no demais a dúvida se volve contra os AA, pelo que procedendo, parcialmente, a impugnação da decisão da matéria de facto, por banda dos apelantes, há que alterar parcialmente a redacção do dito facto 10) que passará a ficar nos seguintes termos (o novo a negrito, ficando o anterior em letra minúscula): 

10) O réu pediu ao marido e pai dos autores e recebeu dinheiro, nomeadamente em Julho de 2014, a quantia de €1.500,00.

4. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Com efeito, não existem, a nosso ver, dúvidas em afirmar que o contrato celebrado entre as partes configura uma relação jurídica de empreitada que nos termos do disposto no artigo 1207.º do Código Civil poderá ser definido como “o contrato pelo qual uma das partes de obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

(…)

Objecto principal do contrato de empreitada, com as características ora referidas é, pois, a realização de uma obra material, sendo a obrigação assumida pelo empreiteiro não uma obrigação de meios mas uma obrigação de resultado em conformidade com o convencionado entre as partes e sem vícios, que deverá ser cumprida pontualmente e de boa-fé (cfr. artigos 405.º, 406.ºe 792.º, n.º 2, todos do Código Civil).

(…)

Da factualidade provada resulta que, o réu efectuou os seguintes trabalhos no prédio do autor: lavagem das paredes e escadas da casa; arranjo de juntas das paredes; corte de parte de uma pedra no caminho, e; abertura de vala para colocação de tubo.

Os restantes trabalhos, ou seja, a colocação da lage/placa do 1.º andar e chão do imóvel, não foram executados pelo réu.

Após o falecimento do marido e pai dos autores, por doença prolongada, os autores e a filha da autora, procuraram o réu, em casa deste, para procederem a um acerto de contas e para solicitar a devolução da betoneira.

Resultou, ainda, provado que o réu pediu ao marido e pai dos autores e foi recebendo várias entregas de dinheiro, por sucessivas vezes, nomeadamente em: - Julho de 2014, recebeu a quantia de €3.450,00; - Agosto de 2014, recebeu a quantia de €1.150,00; - Outubro de 2014, recebeu a quantia de €850,00; tudo, num total de €5.450,00, e que, até à data, o réu não acertou contas com os autores.

(…)

… e que resulta do relatório pericial junto a fls. 75 a 77 que:

- As paredes do imóvel do autor foram limpas;

- As juntas do imóvel do autor foram refechadas com massa de cimento;

- Não foi colocada placa no rés-do-chão e no primeiro andar;

- As obras levadas a cabo pelo réu no imóvel do autor terão um valor de €800,00;

- Foi partida uma pedra do caminho público que dá acesso à propriedade do autor;

- Foi aberta uma vala e colocado um tubo, numa extensão de 300.00metros, cujo trabalho importa o valor aproximado de €500,00.

(…)

De acordo com João Cura Mariano, “Conforme resulta do disposto nos art.º 1208.º e 1218.º, do C.C., são considerados defeitos, os vícios que excluam ou reduzam o valor da obra, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, e as desconformidades com o que foi convencionado” (cfr. Responsabilidade contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra – 2.ª edição revista e aumentada, 2005, Almedina, pág. 64).

Esta definição tem de ser enquadrada com o facto de o regime especial dos defeitos da obra operar, não em todos os casos de incumprimento, mas apenas nos casos de cumprimento defeituoso, isto é, casos que apesar de configurarem situações de incumprimento, já foi desenvolvida uma actividade e atingido um certo resultado, embora não inteiramente coincidente com o resultado exigível, mas que, ainda assim, pode ser aproveitado na obtenção final da obra acordada (ob. cit. pág. 12).

Assim, “na definição de coisa defeituosa importa destacar, por um lado, a sujeição do vício e da falta de qualidades ao mesmo regime e, por outro lado, o carácter funcional do vício, isto é, da deficiência que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que a mesma se destina, sendo certo que se trata de uma situação de falta de qualidades garantidas, expressa ou tacitamente, ou necessárias à realização daquele fim. (…) o cumprimento defeituoso da prestação tem lugar quando esta apresenta vícios ou irregularidades que afetam o seu valor e a tornam inadequada para o fim a que se destino. Assim sendo, só não há tutela jurídica para as situações dos vícios da coisa, quando o defeito desta é de tal modo insignificante que a não desvaloriza ou não impede a respetiva utilização para o fim a que se destina.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1 de Abril de 2008 (Proc. n.º 3091/06.7TBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt).

Obra defeituosa será, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponderá a imperfeições relativamente à qualidade normal das prestações daquele tipo; a desconformidade representará uma discordância com respeito ao fim acordado (cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185).

(…)

Por outro lado, atentas as regras de distribuição do ónus da prova constantes do artigo 342.º do Código Civil, e o facto de se tratar de facto constitutivo de direito que alega, incumbirá ao dono da obra o ónus de provar a existência de um vício (uma anomalia objectiva) na realização da reparação da viatura, já que o cumprimento defeituoso da obrigação de realizar a obra prometida pelo empreiteiro – enquanto forma de incumprimento do contrato – fá-lo-ia incorrer em responsabilidade civil contratual, ou seja, na obrigação de reparar os danos causados ao dono da obra com a sua conduta inadimplente.

Ora, descendo uma vez mais ao caso em apreciação, constatamos que, dos serviços contratados, não foi colocada pelo réu a laje/placa do primeiro andar e chão do imóvel em apreço.

Certo é que, resulta provado o pagamento pelos autores da quantia de €5.450,00 – não resultando provado que os serviços realizados pelo réu comportaram a quantia de €4.281,00, apresentada na factura junta com a contestação (cfr. fls. 46).

Analisado o relatório pericial junto aos autos, e dado como provado em 21), constatamos que o réu procedeu à limpeza das paredes do imóvel, à reconstrução das juntas, ao corte de uma pedra do caminho público que dá acesso à propriedade do autor e à abertura de uma vala e colocação de um tubo, numa extensão de 300.00metros.

Segundo o relatório pericial, as obras levadas a cabo pelo autor comportam o valor, aproximado, de €800,00, e a abertura da vala e colocação do tubo, importa o valor aproximado de €500,00.

Certo é que, conforme já referimos supra, a quantia de €800,00, contempla a mão de obra e o material, não incluindo, o valor de €500,00, o valor do tubo, mas apenas a mão de obra.

Pelo que, considerando o apurado quanto ao fornecimento do material pelo marido e pai dos autores, afigura-se-nos que, ainda que a quantia de €500,00 não contemple o valor do tubo (desconhecendo-se se foi pago pelo réu ou pelo marido da autora), a verdade é que a quantia de €800,00 contempla também o valor do material, sendo que este foi fornecido pelo marido e pai dos autores.

Razão pela qual, entendemos como bons os valores apresentados pelo Sr. Perito, devendo o relatório pericial ser valorado.

Aqui chegados, importa referir que, conforme se constata da análise dos autos, o acordado entre o marido e pai dos autores e o réu não foi integralmente cumprido, já que este não procedeu à colocação da lage no rés-do-chão e primeiro andar, pelo que estamos perante um cumprimento defeituoso do contrato de empreitada.

Ora, em caso de incumprimento defeituoso de contrato de empreitada optou o legislador por estatuir um regime específico, expresso nos artigos 1220.º a 1223.º do Código Civil.

Com efeito, em caso de cumprimento defeituoso da prestação, a lei concede ao dono da obra cinco meios jurídicos de atuação, no sentido de por cobro aos defeitos verificados, a saber: 1.º) o direito de exigir a reparação das deficiências, se puderem ser eliminadas, ou a realização de obra nova, salvo se as respetivas despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito a obter (cfr. artigo 1221.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil) e que corresponde à melhor forma de alcançar a reconstituição natural, consagrada pelos artigos 562º e 566º, ambos do Código Civil; 2º) o direito de pedir a redução do preço ou a resolução do contrato, se não forem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, e aqueles a tornarem inadequada para os fins a que se destina (cfr. artigo 1222.º, n.º 1, do Código Civil); 3º) o direito de requerer uma indemnização, nos termos gerais dos artigos 562º e seguintes do Código Civil (cfr. artigo 1223.º, do Código Civil).

Todavia, tais direitos não podem ser exercidos arbitrariamente, mas de forma sucessiva e pela ordem supra exposta e que, pressupõem, qualquer deles, por um lado a existência de defeitos na obra realizada …

(…)

In casu, conforme se constata da análise dos autos, o réu reconheceu que não foi colocada a mencionada lage, sendo que a autora procurou proceder ao acerto de contas com este, atendendo aos trabalhos que não foram realizados e foram pagos por esta.

Assim, considerando o cumprimento defeituoso do contrato, os pagamentos realizados pela autora (no valor de €5.450,00), o valor dos trabalhos realizados pelo réu, constantes do relatório pericial (€1.300,00) e, não obstante a circunstância de não ter sido apurado qual o preço global da obra, afigura-se-nos que a redução do preço prevista no citado artigo 1222.º do Código Civil deverá operar, assistindo aos autores o direito à devolução da quantia paga, em excesso, pelos mesmos, atentos os trabalhos não executados pelo réu, e, portanto, à devolução pelo réu da quantia de €4.150,00 (€5.450,00-€1.300,00).”.

O apelante almeja a sua alteração (cfr. 12) das alegações de recurso e parte final destas), partindo do pressuposto que a sentença é nula e se iria alterar a decisão da matéria de facto, no sentido por ele desejado, não tendo, porém, discordado da fundamentação de direito exposta na sentença recorrida.

Bom, a fundamentação jurídica da decisão recorrida mostra-se acertada, havendo que corroborá-la, salvo quanto ao resultado final a que chegou.

Á partida, perante a nulidade parcial da mesma – acima explanada no ponto 2. -, na parte excedente ao peticionado valor de 3.350 €, o R. não podia ser condenado no montante em que o foi (4.150 €).

Contudo, após a decisão por nós tomada sobre a alteração da matéria de facto, apenas ficou apurado que os AA entregaram ao R. a quantia de 1.500 € (10) e 19) dos factos provados). Como o valor dos trabalhos realizados pelo R. ascenderam apenas a 1.300 € (21) dos factos provados), assiste aos AA o direito à diferença, à devolução da quantia paga, em excesso, pelos mesmos, atentos os trabalhos não executados pelo réu, e, portanto, à devolução pelo R. da quantia de 200 €.

Procede, por isso, parcialmente o recurso.

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Tendo os AA dúvida quanto ao apuramento quantitativo, já possível, do dano indemnizatório verificado, tinham dois caminhos processuais a seguir: ou deduziam pedido genérico/ilíquido, nos termos conjugados dos arts. 556º, nº 2, b), 2ª parte, do NCPC (o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 569º do CC) e 569º, 1ª parte, do CC (quem exija a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos); ou, então, tendo pedido quantitativo determinado reclamavam posteriormente quantia mais elevada face à revelação de dano superior, perante o relatório pericial efectuado nos autos que avaliou os trabalhos de empreitada do R. em valor inferior ao que os AA tinham inicialmente estimado, nos termos do referido art. 569º, 2ª parte, do CC (nem o facto de ter pedido determinado quantitativo impede o demandante, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos);

ii) Tendo os AA formulado o pedido de pagamento pelo R. de, pelo menos, 3.350 €, a utilização da expressão “pelo menos” (ou de outra semelhante como “no mínimo”) não retira ao pedido formulado a sua natureza de pedido específico, ao invés de genérico, e portanto a proibição de ultrapassagem desse quantitativo limite;

iii) Tendo a sentença condenado o R, a pagar aos AA o montante de 4.150 € a mesma é parcialmente nula, nos termos do art. 615º, nº 1, e), do NCPC, na parcela que excedeu o peticionado;

iv) A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal (art. 466º, nº 3, do NCPC), e a Relação, na apreciação da impugnação da matéria de facto, age sobre o império do princípio da livre apreciação da prova, tal como a 1ª instância (ao abrigo do art. 607º, nº 5, 1ª parte, ex vi do art. 663º, nº 2, do NCPC);

v) Se as declarações de parte não têm suficiente lastro probatório noutros meios de prova gerando sérias dúvidas sobre a realidade dos factos, então tal dúvida volve-se contra os AA, a parte a quem o facto aproveitava.

 IV – Decisão

 Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o R. a pagar aos AA a quantia de 200 € (no demais se mantendo a decisão recorrida).

*

Custas por AA e R. na proporção do vencimento/decaimento.

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                                                                           Coimbra, 11.2.2020

                                                                           Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                           Fonte Ramos

                                                                           Alberto Ruço