Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2335/19.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: RECTIFICAÇÃO DE ERROS DE ESCRITA
ARRENDAMENTO
DENÚNCIA PARA HABITAÇÃO PRÓPRIA DO SENHORIO E SEU AGREGADO FAMILIAR
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 614.º E 615.º, CPC; 1101.º A 1103.º, DO CÓDIGO CIVIL E 13.º DA CONSTITUIÇAO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Sumário: I. O erro de escrita, rectificável, tem de ser evidenciado apenas do contexto da respectiva declaração, ou através das circunstâncias em que a declaração é feita.
II. Para que possa operar a denúncia de contrato de arrendamento por necessidade de habitação própria do senhorio e respectivo agregado familiar, é necessário que, à data da respectiva comunicação, estivessem preenchidos os respectivos requisitos.
III. O inquilino não está obrigado a responder à comunicação para denúncia do arrendamento para a habitação própria do senhorio, opondo-se a tal denúncia, se cingiram, ao contestarem a acção de despejo para o fim anunciado na denúncia, àquilo que invocaram na oposição.
Decisão Texto Integral:
1.º Adjunto: Des. Pires Robalo 2.º Adjunto: Des. Sílvia Pires
Apelação n.º 2335/19.0T8CBR.C1


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra1:


I - A) - 2«[…] A Autora AA veio propor a presente acção declarativa sob a forma comum contra os Réus BB, Sociedade A. O..., Lda. e CC, pedindo o seguinte:
a) Condenação dos réus a reconhecerem que a Autora é dona e legitima possuidora do prédio descrito em 1).
b) Condenação dos réus a aceitarem o fundamento da denúncia e entregar a parte da casa que cada um ocupa e assim todo o locado livre e devoluto de pessoas e bens.
c) Condenação dos réus a efetuarem a entrega, no prazo de seis meses a contar da data do recebimento das cartas referidas na petição inicial e que a lei prescreve constituem título para realizar o procedimento especial de despejo, e
d) Condenação dos réus a pagarem uma indemnização mensal do dobro do valor mensal da renda, ou seja, o dobro do valor de 233,00€ para o primeiro e o dobro do valor de 356,00€segundo e o dobro do valor de 273,00€ para o terceiro, desde a data de resolução do contrato de arrendamento até à efetiva entrega do locado ou caso assim não se entender, desde a data em que deveriam entregar o locado até á efetiva entrega, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data ad sua citação até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, em síntese, que a autora é legítima proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...14 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...77, cujo imóvel foi sempre considerado como uma casa de habitação, na sua totalidade. A única cozinha que o imóvel possui está instalada no rés-do-chão, ocupado pelo 3º Réu que aí vive; no 1º andar existe quartos de dormir, que o 2º Réu usa como salas de escritório de contabilidade, e a cave da casa era e é ampla e sem divisões, mas que o 1º Réu usa-a como arrumos.
Por contrato de arrendamento celebrado com o 1º réu, em 1986, junto como doc. nº3, a Autora deu de arrendamento a cave do imóvel ao 1º réu, e posteriormente, em 1999, por contrato de arrendamento celebrado com a 2ª ré, junto como doc. nº4, a autora deu de arrendamento o 1º andar (zona dos quartos), que foi destinado pela 2ª ré a escritórios de contabilidade, tendo anteriormente, no ano  de 1983, por contrato de arrendamento celebrado com a mãe do 3º réu junto como doc. nº5, a autora deu-lhe de arrendamento o rés-do-chão da casa destinado a fins habitacionais, e após a sua morte, em 1995, e por transmissão mortis causa do arrendamento, o 3º réu passou a ocupar a parte da casa que tinha a cozinha e das salas fez dois quartos. A autora tem necessidade absoluta desta casa para sua habitação própria, pois, neste momento, vive, por mero favor, com dois filhos adolescentes, que frequentam a universidade, em más condições, na casa de um irmão, que necessita de obras e que o irmão pretende que eles saem da casa para dispor dela como entender, não tolerando mais a sua presença nela.
Só a casa, no seu todo, que é única e indivisível, é que satisfaz as suas necessidades habitacionais e do seu agregado familiar.
A Autora comunicou aos três réus, com referência aos três contratos de arrendamento que com eles celebrou, a intenção de denúncia justificada invocando as razões aludidas atrás, por carta registada, com aviso de receção, junta como doc. n.º 6, enviada ao 1º réu, no dia 18 de Dezembro de 2018; por carta registada, com aviso de receção, junta como doc. n.º 7, enviada à 2ª ré no dia 7 de Março de 2019, pois havia sido enviada uma em 28 de Janeiro, não registada, e por carta registada com aviso de receção, junta como doc. nº8, enviada ao 3º réu no dia 18 de Dezembro de 2018.
O 1º réu opôs-se à denúncia nos termos e com os fundamentos expressos na carta junta como doc. nº9, e recebida pela autora, a 19 de Janeiro de 2019.
A 2ª ré opôs-se à denúncia nos termos e com os fundamentos expressos na carta junta como doc. 10, e recebida pela Autora a 28 de Março de 2019, onde, nomeadamente, invocou aí que o locado se destina ao exercício da actividade de contabilidade e não é casa de habitação.
O 3º réu opôs-se a denúncia, nos termos e com os fundamentos expressos na carta junta como doc. nº11, e recebida pela autora a 10 de Fevereiro de 2019, onde, nomeadamente, aduziu aí falsamente que autora é proprietária de uma casa, em ..., ....
A autora ficou surpreendida com a atitude dos Réus que bem sabendo da sua necessidade premente da casa, se recusam a entregá-la.
Os réus bem sabem que o imóvel arrendado é uma casa de habitação, que é apta a satisfazer as necessidades habitacionais prementes da autora e do seu agregado familiar, e por outro lado, e ao invés do falsamente dito pelo 3º réu na sua oposição à denuncia do contrato de arrendamento, jamais a autora foi proprietária de uma casa em ..., e por outro lado, bem sabem os réus que autora é    proprietária, apenas, de um pequeno apartamento, situado na cidade ..., que está arrendado, só dispondo de dois quartos, que não reúne, de todo, as condições adequadas a satisfazer as  necessidades habitacionais da autora e do seu agregado familiar.
Os réus sabem que a autora não tem outra casa, em ..., e bem assim, conhecem o direito da autora à restituição dos locados, pelo que ao oporem-se, sem qualquer fundamento, á entrega dos locados têm estado a causar graves danos a Autora que deverão ser ressarcidos.

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Devidamente citado, veio o Réu CC (3º réu) apresentar a contestação constante de fls. 30 e ss. dos autos, por via da qual se defende por impugnação e por excepção.
Primeiramente, deduz aí defesa, por impugnação, através da  qual nega aí genericamente o núcleo essencial de factos integrador da causa de pedir invocada pela autora, mormente, que ela e o agregado familiar têm necessidade de habitação própria, e que só o imóvel (casa), na sua totalidade, do qual é proprietária, e cuja cave foi dada de arrendamento para fins não habitacionais ao 1º réu, e cujo 1º piso foi dado de arrendamento para fins não habitacionais, à 2ª ré, e cuja restante parte (rés-do- chão) foi dado de arrendamento ao 3º réu é apto a satisfazer as necessidades de habitação própria dela e do agregado familiar.
Subsequentemente, defende-se aí, deduzindo matéria de excepção peremptória impeditiva do direito da autora, consubstanciada, ora na circunstância de o 3º réu ter completado 65 anos de idade no pretérito mês de Junho de 2019, ora na circunstância de residir no imóvel, primeiro com a mãe, e após a sua morte, no ano de 1995, na qualidade de arrendatário, por transmissão “mortis causa” do arrendamento,  há mais de 30 anos, à data da comunicação de denuncia motivada da autora do contrato de arrendamento para fins habitacionais celebrado com o mesmo e, assim, por impedimento legal, a denúncia motivada pelo senhorio não é apta a produzir qualquer efeito relativamente ao arrendamento celebrado com o mesmo.
Termina, assim, pugnando pela improcedência da acção, e em consequência disso, pela sua absolvição do pedido.
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Devidamente citados, vieram os Réus BB (1ºréu) e A. O..., Lda. (2ª Ré) apresentarem a contestação constante de fls. 38 e ss. dos autos, por via do qual se defendem, por impugnação, e por excepção.
Primeiramente, deduzem aí defesa, por impugnação, através da qual negam aí genericamente o núcleo essencial de factos integrador da causa de pedir invocada pela autora, mormente, que ela e o agregado familiar têm necessidade de habitação própria, e que só o imóvel (casa), na sua totalidade, do qual é proprietária - e cuja cave foi dada de arrendamento para fins não habitacionais ao 1º réu, e cujo 1º piso foi dado de arrendamento para fins não habitacionais, à 2ª ré, e cuja restante parte (rés-do- chão) foi dado de arrendamento ao 3º réu – na sua totalidade, por que uno e indivisível – é que satisfaz as suas necessidades de habitação própria e do seu agregado familiar.
Subsequentemente, defendem-se aí, deduzindo, quer a excepção peremptória impeditiva do direito da autora, consubstanciada na circunstância de o arrendatário, aqui 1º réu, na data da comunicação da denúncia motivada, por necessidade de habitação própria da  autora, da parte do imóvel arrendado ao mesmo tinha mais de 65 anos de idade, e, assim, por impedimento legal, a denúncia motivada pelo senhorio  não  é  apta  a  produzir  qualquer  efeito  relativamente   ao arrendamento celebrado com o 1º réu, quer a excepção peremptória impeditiva do direito da autora, consubstanciada na circunstância de parte do imóvel ter sido arrendado à 2ª ré para fins não habitacionais, e em simultâneo, na circunstância de, na data da comunicação da denuncia motivada, por necessidade de habitação própria, em Março de 2019, estava vedado, por lei, tal denúncia relativamente a arrendamentos não habitacionais, e assim, tal denúncia não era admissível, não produzindo efeito relativamente ao arrendamento de parte do imóvel celebrado com a 2ª ré.
Terminam, assim, pugnando pela improcedência da acção, e em consequência disso, pela absolvição do pedido de ambos os réus.
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De seguida, o Juízo Local Cível ... – Juiz ... proferiu o despacho constante de fls. 55 a fls. 56, por via do qual fixou aí o valor à causa, e em razão do valor da causa, determinou a remessa do processo ao Juízo Central Cível ..., por ser o tribunal competente.
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Subsequente à remessa e distribuição dos autos ao Juízo Central Cível ...- J..., proferiu-se os despachos, sob os pontos iii) e iv) constantes de fls. 62 a fls. 62 vº dos autos, a convidar, quer a autora a suprir as insuficiências na exposição da matéria de facto constante da petição inicial
nos termos aí assinalados, quer a exercer o contraditório, por escrito, quanto à matéria das excepções peremptórias impeditivas deduzidas pelo 3º réu.
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De seguida, na sequência da sua notificação, veio a autora, por requerimento constante de fls. 64 e  ss., pronunciar-se nos  termos    e
com os fundamentos expressos nos arts. 1º a 20º, sobre a matéria das excepções deduzidas pelo 3º réu, pugnando pela sua improcedência, e bem assim, suprir as insuficiências assinaladas à exposição da matéria de facto nos termos aí constantes dos arts. 21º a 27º.
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Subsequentemente, proferiu-se o despacho constante da 2ª parte de fls. 84, a convidar a autora a exercer o contraditório quanto às excepções peremptórias impeditivas deduzidas pelos 1º e 2ª réus na sua contestação.
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De seguida, na sequência da sua notificação, veio a autora, por requerimento constante de fls. 89 e ss., pronunciar-se nos termos e com os fundamentos expressos quanto à matéria das excepções deduzidas pelos 1º e 2ª réus, pugnando pela sua improcedência.
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Seguidamente, procedeu–se à realização da audiência prévia, em sede da qual se proferiu despacho saneador; despacho a delimitar o objecto do litigio, e despacho a enunciar os temas da prova, de cujos despachos, as partes não reclamaram – cf. acta de fls. 104 e ss. dos autos.
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De seguida, por via do despacho de fls. 109, apreciou-se e decidiu-se  aí sobre a (in)admissibilidade dos meios probatórios requeridos pelas partes.
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Finalmente, procedeu-se à realização da audiência final, com observância de todo o legal formalismo (Cf. actas de fls. 112 a fls. 113; de fls. 115 a fls. 117; de fls. 118 a fls. 112; de fls. 143 a fls. 144 e de fls. 146 a fls. 147), e donde se desentranha, nomeadamente, o seguinte:
-Na 1ª sessão de julgamento realizada no dia 22/10/2020 (cf. acta de fls. 112 a fls. 113):
i) O 1º e 2ª réus desistiram aí da excepção peremptória impeditiva, consubstanciada na circunstância de o arrendatário, aqui 1º réu, na data da comunicação da denúncia motivada, por necessidade de habitação própria da autora, da parte do imóvel arrendado ao mesmo tinha mais de 65 anos de idade, por si deduzida, devendo, por isso, a matéria relativa à dita excepção considerar-se não escrita/eliminada.
ii) O 1º,2º e 3º réus declaram aí admitir por acordo a matéria constante dos arts. 28º, 29º, 31º, 32º, 33º e 34º da petição inicial.
-Na 3ª sessão de julgamento realizada no dia 07 de Junho de 2021 (cf. acta de fls. 118 e ss.):
i)Requereu aí a autora que fossem corrigidos e complementados os arts. 31º, al. a) e b) e 32º da petição inicial nos termos e com os fundamentos aí expressos a fls. 119 a fls. 120. Subsequentemente, no exercício do contraditório, por escrito, quer o 3º réu, por via do requerimento constante de fls. 125 a fls. 128, com base nos fundamentos aí expressos, quer os 1º e 2ª réus, por requerimento de fls. 130 a fls. 132, com base nos fundamentos aí expressos, vieram a opor-se ao requerido, pugnando pelo seu indeferimento. Subsequentemente, proferiu-se o despacho constante de fls. 133 a fls. 136, por via do qual se decidiu aí indeferir o aí requerido, com base nos fundamentos aí expressos.
-Na última sessão de julgamento realizada no dia 11 de Maio de 2022 (cf. acta de fls. 146 a fls.148):
i) O 3º Réu declarou aí desistir das excepções peremptórias por si deduzidas na contestação, devendo, por isso, considerar-se a matéria relativa às excepções, em causa, não escritas/eliminadas;
ii) O 1º, 2º e 3º réus declararam admitir por acordo a factualidade
constante do art.13º da petição inicial;
iii) Autora e 1º, 2º e 3º réus declaram admitir por acordo a factualidade constante dos arts. 15º até “(…) Universidade”; 16º, com a ressalva de que: onde se lê: “propriedade de um irmão”, se deverá  ler: compropriedade de dois irmãos; 19º, com a seguinte redacção: Há mais de 10 anos que a autora e os seus filhos foram residir para essa casa, por mero favor e mera tolerância dos seus irmãos, até porque esta tinha a sua habitação ocupada pelos réus, e 20º, da petição inicial, e
iv) Autora e 1º, 2º e 3º réus declaram que o tribunal responda à matéria controvertida constante dos arts. 5º, 6º, 7º, 8º e 12º da petição inicial, de acordo com a apreciação critica do teor do auto de realização da inspecção judicial ao local, lavrado na acta de fls. 115 e ss. reportada à 2ª sessão de julgamento realizada no dia 31 de Maio  de 2021, constante de fls. 115 e ss. dos autos. […]».
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B) - Em 16/5/2022 foi proferida sentença pelo Juízo Central Cível ..., tendo-se consignado, na respectiva parte dispositiva, o seguinte:
«[…] julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, decido:
i) Condenar os Réus BB, Sociedade A. O..., Lda. e CC a reconhecerem que a Autora é dona e legitima possuidora do prédio descrito em 1) dos Factos Provados.
ii) Absolver os Réus BB, Sociedade A. O..., Lda. e CC dos pedidos deduzidos sob as als. b) a d) do petitório.
iii) Custas a suportar pela Autora AA – cf. art. 527º, do CPC.. […]».
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C) – 1) - Inconformada com o decidido na sentença, a Autora interpôs recurso desta decisão, impugnando, também, o despacho de 10/9/2021, que indeferiu o requerimento por si formulado na sessão de 7/6/2021 da audiência final, oferecendo, no final da sua alegação recursória, as seguintes “conclusões”:
«A) A recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz no despacho interlocutório, constante de folhas 133 e 136, com a referência 86221894, que deverá subir quando o  presente recurso final, porque se trata de uma omissão de pronúncia do meritíssimo Juiz, sobre um facto que deverá ser dado como provado, que é o recebimento da carta de denúncia do arrendamento pelo primeiro recorrido conjuntamente com a segunda recorrida, que são a mesma pessoa, pois esta segunda recorrida nela apos a sua assinatura com o carimbo da sociedade, recebida em 18 de Dezembro de 2019, e que cumprindo o princípio do contraditório, foi dada possibilidade aos recorridos de sobre ela se pronunciarem porque junta aos autos como doc. nº 6, o Meritíssimo Juiz podia e devia no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 411 e 590 do CPC, e o principio do inquisitório dar como provado tal facto ou sobre ele se pronunciar, porque faz parte do objeto do litígio na sua aliena III, IV, V, o que teve oportunidade de fazer em vários momentos dos presentes autos e desde o seu inicio pelo que não o fazendo violou aquele despacho e a sentença o artigo 411 e 590 607 nº4 e 608 nº2 e art.º nº 5 do CPC e dando causa a nulidade da sentença por violação do artigo 615 d).
B)Para além do mais, estamos perante um grave abuso de direito, nos termos do artigo 344 do CC, dos recorridos, que se aproveitam e se prendem ao principio do dispositivo, desvirtuando-o, mesmo sabendo que tal principio foi atenuado pela reformas do processo civil de 1996 e muito flexibilizado pela reforma de 2013 que consagrou no artigo 5 do NCPC, a atenção para todos os factos que contribuíssem para atingir a verdade material tendo como limite a causa de pedir, como a recorrente alegou na terceira sessão de julgamento, a douta sentença ao não atender a este normativo subverte a verdade material inquestionável e constatável, criando uma situação de absurda injustiça com que os venerandos desembargadores não compactuarão, até porque a jurisprudência, doutrina e o próprio legislador tendencialmente procuram aplicara a justiça nos termos do artigo 615 nº1 artigo nº5.
C)O Meritíssimo Juiz no despacho interlocutório de que se pretende recorrer decide corroborando integralmente a posição dos  Recorridos, que fundamentam o indeferimento do requerimento afirmando que a A, com ele pretende alterar a causa de pedir ora, rebate a recorrente tal posição pois que a causa de pedir numa Acão de denuncia de arrendamento para habitação própria é a necessidade da casa para habitação bem como os restantes requisitos de ser uma necessidade atual, real efetiva de o senhorio por carência absoluta de habitação necessitar do locado, o que se provou (factos 9 ao 12) e não um envio de um carta que é um requisito formal e que todavia foi enviada e junta a PI.
D)A boa administração da justiça que busca da verdade material e produz decisões com equidade e rigor sem deixar de obedecer as regras processuais mas não permitindo que a forma se sobreponha à substância,  nomeadamente   se   for   notório   que   uma   das partes, violando o princípio da colaboração processual, fizer uma utilização abusiva de tais regras processuais para beneficiar de um direito ilegítimo nos termos do artigo 344 do CC e por isso existe um claro abuso de direito dos recorridos e o despacho interlocutório viola o artigo 5 do CPC que flexibilizou o principio do dispositivo. Por estas razões o despacho interlocutório deve considerar-se nulo por violação dos artigos referidos.
E) O requerimento apresentado pela recorrente, no dia de 7 de junho, que o despacho interlocutório decidiu indeferir, tinha o principal objetivo de requer a as declarações da A e ainda de seus irmãos, o que foi concedido não havendo por isso motivo para recurso interlocutório e os factos a inserir nos articulados eram como afirma  o meritíssimos Juiz factos velhos, logo nada se alegou de novo logo se conclui que em nada mudaria a decisão.
F) A douta sentença tal como o despacho interlocutório, enferma de nulidade pois não se pronunciou nem atendeu ou fundamentou a existência da comunicação de denuncia, recebida pela segunda recorrida que nessa qualidade assinou o aviso de receção, no dia 18 de Dezembro, junto como documento nº 6, a que os dois primeiros recorridos responderam conjuntamente por carta junta, como documento nº 9, cartas juntas com a Pi Inicial, e que negam existir porque aproveitaram a alegação da recorrente do artigo 31 b) da PI, que se refere a uma segunda carta enviada a segunda recorrida, e invocando o principio do dispositivo, contra toda a realidade material fixaram como inalterável aquela matéria, o que o meritíssimo corroborou e em que a douta sentença se fundamenta bem como o despacho interlocutório de que também se recorre.
G)Não se trata como se diz na sentença ou no despacho interlocutório de alterar articulados, mas de aceitar como existente e como  verdade processual e material que o segundo Recorrido, O..., Lda. recebeu a carta de denúncia do arrendamento, antes da publicação da lei 13/2019 de 12 de Fevereiro, pois esta encontra-se junta na PI, o  aviso de receção assinado pelo segundo Réu como gerente da O..., Lda. e foi respondida por ele por carta de oposição a denuncia (junta como doc numero 9) ao segunda recorrida individualiza os dois contratos referindo-se a cada um deles individualmente .
H) Não há dúvida que a carta que constitui o documento nº 6 da PI, é a comunicação de denúncia dos dois contratos e refere-se expressamente ao contrato outorgado pelo primeiro recorrido, do ano de 1978, e ao contrato também assinado pelo primeiro Recorrido, como representante da segunda Ré de 1986, pelo que constitui a denúncia do contrato em relação aos dois espaços e dirigida ao Recorrido nas suas duas qualidades. Tanto é uma verdade inquestionável que aquela carta de denuncia, que constitui o documento nº 6, foi enviada a 18 de Dezembro, (cujo registo é o nº ...,) e foi recebida pelo Sr.º DD, como arrendatário de um parte do imóvel e como representante da sociedade arrendatária da outra parte pois se atentarmos no aviso de receção daquela carta, registo é também o ..., todas juntas com a PI, o Réu DD, assina na qualidade de gerente da O..., Lda., apondo o carimbo da empresa e declarando  desta forma, expressamente, que recebe a carta na qualidade de gerente a sociedade O..., Lda. e por isso, A sociedade O..., Lda., recebeu a carta de denúncia do contrato, no dia 20 de dezembro de 2019, como prova o aviso de receção que junta na PI. No nosso humilde entendimento o meritíssimo Juiz a quo deveria a qualquer altura dos autos apreciar e avaliar o envio das primeiras comunicações nos termos dos artigos 411, artigo 590 e 602, e do CPC.
I) O Meritíssimo Juiz deu como provado que a segunda recorrente só recebeu a carta de denúncia em 7 de Março, e não se pronunciou se está se trata ou não de uma repetição da que havia sido enviada, 3 meses antes, como resulta da leitura de todos os documentos e de todas as circunstâncias em clara violação do princípio do inquisitório plasmado no artigo 411 e 590 e seguintes e no artigo 615 d).
J) Os Venerandos Desembargadores nos seus poderes de reavaliação da matéria de facto deverão dar como provado que a carta de denúncia justificada em relação a sociedade O..., Lda., foi também enviada, em 18 de dezembro e repetida no mês de março pela recorrida recebida em 20 de dezembro (rºRH308977696PT) assinando o aviso de receção como gerente da dita sociedade, e produziu efeitos em junho, e o terceiro Réu opôs-se denúncia  por carta de 23 de Janeiro (doc. 9 junto a PI)
L) Outra questão com a qual a Recorrente não se conforma é a desigualdade (artigo 4 do CPC e artigo 13 da CRP) com que a douta sentença ou a própria lei trata o senhorio, aqui recorrente e os inquilinos, no que se refere a exigência que lhe é feita dos requisitos do conteúdo da comunicação da denúncia que este deve enviar ao inquilino preceituada no artigo 1103, que impõe que tal carta corresponda a Petição inicial de uma Acão despejo, antes exigida para fazer cessar o arrendamento com esse fundamento.
M)Assim a recorrente nas comunicações enviadas está obrigada a revelar que necessita do imóvel para a sua habitação e todos os factos que o justificavam nomeadamente que esta em estado de necessidade porque os irmão não a querem na casa deles e que tinha dois filhos e tais factos deveriam ser reproduzidos igualmente na Petição Inicial sob pena de a denuncia ser ineficaz ora,
N) Por sua vez os recorridos, locatários são obrigados, e não o fizeram, a opor-se a denúncia nos mesmos termos em que o fariam na contestação e assim, na comunicação de oposição, deveriam alegar os factos, que no seu entendimento eram impeditivos do exercício do direito de denúncia pela recorrente, ora,
O)Nenhum deles o fez, pois se atentarmos as cartas de oposição a denuncia dos recorridos não é aflorado, sequer, qualquer dos impedimentos que vieram a invocar na contestação nomeadamente aquela lei 13/2019 de 12 de Fevereiro, que já havia sido publicada quando foi respondida a carta em Março ,o que a admitir-se coloca a recorrente e os senhorios em geral numa posição de inferioridade criando uma desigualdade gritante entre eles violando norma constitucional da igualdade (art.º 13 da CRP e art.º 4 do CPC)
Q)A outra questão com que a recorrente não se pode conformar ,é  que o meritíssimo Juiz a quo decidiu pela manutenção dos contratos de arrendamento do primeiro e terceiro Recorridos, quando dá como provado todos os requisitos para que a presente acção de despejo, em relação a eles deva proceder,(factos 9 a 11) e também aqui andou mal a douta sentença afirmando que a casa não tem condições de habitabilidade para a recorrente residir, ainda que seja evidente pelas regras da experiencia, que se for desocupado o Rés do chão, espaço onde existe uma cozinha, e a cave que tem capacidade para cinco divisões é mais que suficiente para ela residir com os filhos , e tal  facto é dado como provado na douta sentença (facto nº3) pois resulta da inspecção de fls 115 que descreve o imóvel no espaço do rés do chão e cave com bastantes compartimentos e espaços.
R)Até porque os dois primeiros recorridos alegaram nos artigos 32 a 38 da sua contestação, e na própria oposição a denúncia que o imóvel era divisível e que parte dele e não a totalidade tinha as condições necessárias para a recorrente habitar, tratando-se por isso de matéria controvertida e que fazia parte dos temas da prova e quanto a eles também deve valer o principio do dispositivo, sob pena de violação do principio da igualdade (art.º 4 do CPC), e a prova é cabalmente feita no auto de inspeção requerido pelos recorridos mas a douta sentença não fundamentou a decisão quanto a este facto concluindo sem qualquer justificação que não havia condições violado o artigo 607 e 615,d nº4 do CPC
S) Foi dado como provado o facto nº3, que está em clara contradição com o facto nº7 isto porque, os dois primeiros recorrentes requereram a inspeção judicial que fundamentou a prova do facto 3, da matéria dada como provada, pelo que deveria ter ordenado o despejo e não o fazendo o juiz julgou contra a prova produzida e violou o art.º 1101 do CC e o art.º nº 615 e 607 e artigo 4 todos do C.P.C
T)Na verdade, a recorrente alegou que só a casa na sua totalidade satisfazia as suas necessidades de habitação porque tinha dois filhos, um rapaz e uma rapariga, e necessitava de mais do que os  dois quartos que o rés-do-chão oferecia, mas tal não significa nem a douta sentença pode concluir, que se a denuncia não operar em relação a um dos inquilinos por qualquer motivo, todos os outros beneficiariam desse facto nem e esse o pedido da presente ação pelo que a douta sentença nesta questão, ao contrário da primeira, sofre de nulidade porque condena em objeto diverso do pedido violando o artigo 615, e) e 1101 do CC,
U) O pedido é expresso e claro a desocupação do locado por cada um dos locatários e foi esse o entendimento dos segundos recorrentes, que contestaram a Acão, afirmando que o rés-do-chão seria suficiente para satisfazer as necessidades de habitação da recorrente, pelo que não pode deixar  de concluir-se que os primeiros recorridos    tiveram  esse entendimento do pedido, e requereram a inspeção ao local, realizada e que consta de fls 115, para obter esse efeito, ora o meritíssimo Juiz mais do que o Rés do Chao tinha a cave pelo que a douta sentença deveria ter decidido a desocupação dos dois locados.
V) A nova lei com o nº13/2019 de 12 de Fevereiro, no seu artigo 1101-A, alínea d), confere a possibilidade a recorrente de denunciar o contrato de arrendamento com a antecedência não inferior a cinco anos sobre a data que pretenda a cessação, carta já enviada aos dois primeiros recorrentes, porém tal comunicação de denuncia não será eficaz em relação ao terceiro Réu, porque na altura do recebimento da comunicação já contava com 65 anos, ficando a recorrente para sempre privada de denunciar o contrato de arrendamento do terceiro recorrido, que por sua vez está a beneficiar de uma lei que não lhe é destinada e nos termos da prova produzida (factos 9 a 11 e 3) a recorrente tem mais direito ao locado do que o inquilino e ficará desalojada em favor deste, que a recorrente tinha fundamento para despejar em clara violação do artigo 1101º, 65º e 4º da C.R.P e 344 do CC.
X) Foram violados os artigos n 4º, nº5 nº 411º, 590º, 602º, 607º n.º 4, 608º, 615º alínea d) e do CPC, e o artigo 1101º, 1103º e o artigo 344º do CC e artigos 13º e 4º e 65º da CRP.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.ªs Exas doutamente suprirão, deve a ser presente sentença recorrida revogada […]».
*
2) – O Réu CC, na resposta que apresentou à alegação de recurso, defendeu que este deveria ser rejeitado, por incumprimento do disposto no artº 640º do NCPC, sustentando, porém, que, a não ser assim, deveria ser julgado improcedente;
3) – Os RR. BB e “O..., Lda.”, na resposta que apresentaram à alegação de recurso, defenderam a improcedência da Apelação.
4) – Foi proferido despacho sustentando que, quer o despacho impugnado, quer a sentença recorrida, não enfermavam das nulidades que a Apelante lhes imputava.
*
D) - Questões a resolver:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos novo Código de Processo Civil3 - doravante NCPC, para se distinguir daquele que o antecedeu e que se designará como CPC -, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi”  do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se   veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se  que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”4 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Pretende a Apelante, em 1ª via, para além das questões da violação do princípio da igualdade, do abuso do direito e das nulidades que imputa, quer  à sentença, quer  ao despacho de  10/9/2021, que   este despacho seja revogado, e, consequentemente, que seja deferido o seu requerimento de 7/6/2021, o que nos confina, quanto à impugnação desse despacho, à matéria da rectificação e complementarização do alegado nos artºs 31.º alínea A) e B) e 32.º da Petição Inicial (com fundamento num alegado erro notório neles existente, comprovado pelos documentos juntos com tal petição), pois foi só isso que foi indeferido pelo despacho “sub judice”.
Parece claro que, se for atendido por esta Relação o referido pedido  de rectificação, a matéria de facto que se insere nos artigos rectificados, não pode, “ipso facto”, ser entendida como provada, pois que, como é óbvio, a mesma, por via do decidido no referido despacho, não foi atendida e, consequentemente, debatida, e, sendo, por isso, naturalmente, controvertida, sobre a mesma não foi, nem podia ter sido, produzida prova.
Por isso, a consequência natural do atendimento da requerida rectificação, é a revogação do despacho impugnado, e a anulação da decisão proferida quanto à matéria de facto, na parte em que incluiu a factualidade dos referidos primitivos artigos da petição (v.g., ponto 15 dos factos provados), e consequentemente, a anulação da sentença, para que se proceda a julgamento dessa nova matéria resultante da rectificação de tais artigos – sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo, de evitar contradições -, prolatando-se, a final, nova sentença (artºs 662º,    nº2, c) e nº 3, c), do NCPC).
Nesta hipótese as partes poderão oferecer as respectivas provas relativamente à matéria da rectificação, que se pode equiparar, de certo modo, a uma ampliação da matéria de facto, não sendo o presente recurso a sede própria, portanto, para dar como assente a factualidade respeitante à rectificação peticionada pela Autora no requerimento de 7/6/2021.
Como é patente, ocorrendo esta hipótese, fica prejudicado o julgamento das restantes questões suscitadas no presente recurso.
Na hipótese de se confirmar o decidido no despacho impugnado, parece que não merece discussão que a matéria a ter em conta não pode ser aquela – não tida como alegada primitivamente - cuja inclusão foi indeferida por esse despacho, pelo que, a não colher a invocada contradição entre os pontos nº3 e 7º dos factos provados, mantendo-se incólume a decisão proferida quanto à matéria de facto pelo Tribunal “a quo”, o que haverá a decidir, para além do alegado quanto ao princípio da igualdade, do abuso do direito e das invocadas nulidades, é a questão de saber se, tendo em conta a factualidade provada, foi acertada a aplicação do direito levada a cabo pelo Tribunal “a quo”, que conduziu à parcial procedência da acção, nos termos decididos por esse Tribunal.
*
II - A) - Na sentença da 1.ª Instância consignou-se o seguinte no que respeita à decisão da matéria de facto provada e não provada:
«FACTOS PROVADOS
1 - Conforme decorre da certidão do registo predial junta como doc.  nº 2 com a petição inicial, a aquisição da propriedade do edifício destinado a habitação, composto de cave, rés-do-chão, primeiro e segundo andares e garagem, sito na Rua ..., na Freguesia ... – ..., letra ... e ..., ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...14 e descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º de registo ...77, está inscrita no registo predial a favor da autora através da ap. ... de 1973/04/17 (art. 1º e parte do art. 2º da petição inicial).
2-Conforme decorre do doc. nº2 junto da petição inicial, por via da escritura pública de compra e venda celebrada entre a autora e a EE, no ano de 1973, aquela declarou comprar e esta declarou vender o prédio identificado em 1) (art. 2º da petição inicial).
3 – A porta exterior de acesso ao rés-do-chão e ao primeiro andar do imóvel aludido em 1) dos Factos Provados é comum, mas as entradas para ambos os andares são independentes; a única cozinha que o imóvel possui está instalada no rés-do-chão, ocupado pelo 3º Réu que aí vive; no 1º andar existem cinco divisões utilizadas pela 2ª ré como escritórios/gabinetes de contabilidade/gabinetes afecto a serviços; o acesso à cave é independente, a partir do logradouro, e cave da casa é ampla e composta, pelo menos, por cinco ou mais divisões amplas e com solução de continuidade (sem separação física), usando-a o 1º réu como arrumos, e bem assim, a cave e o rés-do- chão evidenciam sinais de degradação, e o 1º andar evidencia menos sinais de degradação (arts. 5º a 8º da petição inicial).
4- Conforme decorre do teor do doc. nº3 junto com a petição inicial, por contrato celebrado em 1986, Autora declarou dar de arrendamento, por tempo indeterminado, a cave do imóvel identificado em 1) ao 1º réu destinado a escritório de contabilidade e representações e parte do logradouro do prédio desde o portão lado norte até à entrada da cave destina-se a estacionamento de viaturas, quer do arrendatário, quer de pessoas que por qualquer motivo se desloquem ao seu escritório, e este declarou tomar de arrendamento a parte do imóvel aludida atrás e destinado ao fim aludido atrás (art. 9º da petição inicial).
5- Conforme decorre do teor do doc. nº 4 junto com a petição inicial, por contrato celebrado entre Autora e 1º réu, na qualidade de legal representante da 2ª Ré, no ano de 1999, a autora deu de arrendamento, por tempo indeterminado, o 1º andar e garagem que fazem parte do imóvel identificado em 1), destinado ao exercício da actividade Gabinetes de contabilidade, Mediação Imobiliária e Representações comerciais e prestação de serviços conexos a esta actividade ao 1º Réu e este tomou de arrendamento essas partes do imóvel e com o fim indicado atrás (art. 10º da petição inicial).
6–Conforme decorre do teor do doc. nº5 junto com a petição inicial, por contrato de arrendamento celebrado entre a Autora, por intermédio do seu legal representante FF e GG, mãe do 3º réu, aquela deu de arrendamento o rés-do-chão do imóvel identificado em 1), destinando à habitação, e esta tomou de arrendamento a parte do imóvel, em causa, e com o fim em causa (art. 11º da petição inicial).
7– O rés-do-chão, sem a restante casa, nomeadamente, cave e 1º piso, não satisfaz as necessidades habitacionais da Autora, por ser composto, apenas, por dois quartos, e por não estar individualizado  do piso superior, não constituindo uma unidade independente (art.  13º da petição inicial).
8- A Autora coabita com dois filhos adolescentes, que frequentam a Universidade, tem necessidade absoluta desta casa para sua habitação (art. 15º da petição inicial).
9- Neste momento, a autora e os filhos adolescentes vivem, por mero favor, numa casa, que é compropriedade de dois irmãos da autora, conforme decorre do teor da certidão predial da dita casa, que pretendem que ela dali saia para dispor da casa como entenderem (art. 16º da petição inicial).
10- Há 10 anos ou mais, a Autora e os seus filhos, foram residir para essa casa, por mero favor e mera tolerância dos dois irmãos, porque tinha a casa aludida em 1) ocupada pelos Réus, e também, por isso, foi protelando aí nessa casa a habitação dela e dos filhos (art. 19º da petição inicial).
11- A Autora e filhos vivem em más condições, pois a casa dos seus irmãos precisa de obras, e estes pretendem dispor dela como entendem, não tolerando mais a permanecia dela e dos filhos nela (art. 20º da petição inicial).
12– Os réus recusam-se a entregar os locados à autora (art. 21º da petição inicial).
13-O 3º réu recusa-se a sair do imóvel, alegando que a autora tem uma casa no lugar..., sendo que a autora jamais foi proprietária de uma casa em ... (art. 28º da petição inicial).
14– A autora é proprietária de um pequeno apartamento, situado na cidade ..., que está arrendado, e só dispõe de dois quartos, que não satisfaz as necessidades de habitação própria dela e dos dois filhos (art. 29º da petição inicial).
15- A Autora comunicou a cada um dos réus, com referência aos contratos de arrendamento celebrados com cada um deles, a intenção de denúncia justificada (necessidade de habitação própria), invocando as razões expressas atrás em 10) a 14) dos factos provados nos termos a saber:
-Por carta registada, com aviso de receção, junta como doc. n.º 6, enviada ao 1º réu, no dia 18 de Dezembro de 2018; cujo teor se reproduz aqui;
-Por carta registada, com aviso de receção, junta como doc. n.º 7, enviada à 2ª ré no dia 7 de Março de 2019, cujo teor se reproduz aqui, pois havia sido enviada uma em 28 de Janeiro, não registada, e
-Por carta registada com aviso de receção, junta como doc. nº8, enviada  ao  3º  réu  no  dia  18  de  Dezembro  de  2018,  cujo  teor se reproduz aqui (art. 31º da petição inicial).
16- O 1º réu opôs-se à denúncia justificada da autora aludida atrás no ponto 18) dos Factos Provados, com base nos fundamentos expressos na carta junta como doc. nº9 com a petição inicial, cujo teor se reproduz aqui, e recebida pela autora, a 19 de Janeiro de 2019 (art.  32º da petição inicial).
17- A 2ª ré opôs-se à denúncia justificada da autora aludida atrás no ponto 18) dos Factos Provados, com base nos fundamentos expressos na carta junta como doc. 10 com a petição inicial, cujo teor se reproduz aqui, e recebida pela Autora a 28 de Março de 2019, onde, nomeadamente, invocou aí que o locado se destina ao exercício da actividade de contabilidade e não é casa de habitação (art. 33º da petição inicial).
18- O 3º réu opôs-se a denúncia justificada da autora aludida atrás no ponto 18) dos Factos provados, com base nos fundamentos expressos na carta junta como doc. nº11 com a petição inicial, cujo teor se reproduz, e recebida pela autora a 10 de Fevereiro de 2019, em que afirmou aí falsamente que autora é proprietária de uma casa,  em ..., porquanto a mesma é proprietária dum pequeno apartamento, sito na cidade ..., que está arrendado, e só dispõe de dois quartos, que não serve para satisfazer as necessidades dele e dos filhos adolescentes, sendo um deles um rapaz e outro uma rapariga (art. 34º da petição inicial).
*
Fica consignado que não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, assim como, não se respondeu há demais matéria alegada pelas partes nos respetivos articulados, por ser conclusiva, ou de direito, ou redundante, ou sem relevo para a decisão da causa.». *
B) - 1) – Impugnação do despacho proferido em 10/9/2021, quanto ao requerimento que a Autora formulou em sede da sessão de 07/6/2021, da audiência de julgamento, pedindo, que, por conterem um erro notório, que diz ser evidenciado  pela prova documental junta com a Petição Inicial, fossem corrigidos e complementados os artigos 31.º alínea A) e B) e 32.º da Petição Inicial”.
Transcreve-se, nos termos exarados em acta, o referido  requerimento:
“A Autora vem requerer, nos termos do artigo 5.º, n.º 2 alínea c) do Código do Processo Civil e para o bom cumprimento do art.º 607.º n.º 4 e 608.º do mesmo Código, requer-se que sejam corrigidos e complementados os artigos 31.º alínea A) e B) e 32.º da  Petição Inicial, porque contêm um erro notório, como resulta da prova documental junta com a Petição Inicial. Sendo como é um erro notório devia ser do conhecimento oficioso e deveria ter sido atendido nos termos do art.º 590.º do Código de Processo Civil, porém à luz da reforma de 2013 não preclude o direito de o corrigir a fim de se atingir a verdade material e um justo julgamento da causa. Foi enviada a carta denúncia do arrendamento pela Autora junta na Petição Inicial concomitantemente ao 1.º e ao 2.º Réu em 18 de Dezembro de 2019, como resulta da prova do registo dos CTT, bem como do Aviso de recepção assinado pelo 1.º Réu como Gerente da 2.ª Ré e com o carimbo da sociedade aposto sobre a sua assinatura em Dezembro de 2019. A esta carta opuseram-se o 1.º e o 2.º Réu por carta conjunta datada de 19 de Janeiro de 2019 também junta à Petição Inicial em que são referidos os dois contractos e as duas denúncias. No artigo 10 da Petição Inicial a Autora refere o 1.º Réu como Gerente e representante da 2.ª, facto que não foi contestado e até admitido, deverão por isso ser corrigidos os artigos da Petição Inicial nos termos dos documentos referidos,
considerando a existência de um erro notório no artigo 31.º alínea B), alegando que a carta de denúncia enviada em Janeiro foi registada, ao contrário do que ali se afirma e que a carta enviada em Março foi um complemento, reforço e esclarecimento da carta enviada em 18 de Dezembro de 2018.
Nestes termos e com os fundamentos supra expostos, pede-se que se rectifique o art.º 31.º alíneas A) e B):
Art.º 31 alínea A) - Ao 1.º e 2.º Réu foi enviada uma carta registada com Aviso de Recepção no dia 18-12-2018, conforme documento n.º 6 que se junta e se dá por reproduzido;
Art.º 31.º alínea B) - Ao 2.º Réu foi enviada uma segunda carta registada com Aviso de Recepção no dia 17-03-2019, conforme documento 7. a esclarecer e a complementar a 1.ª que já havia sido enviada em 18-12-2018, reproduzindo o mesmo conteúdo.”5.
Na petição inicial, o teor do artº 31, em que se inserem as alíneas que se alega enfermarem de erro notório, é o seguinte:
“31.
Cumprindo aquele preceito e o artigo 1103 do Código Civil, a Autora comunicou aos três réus com referência aos três contratos de arrendamento que com eles celebrou, a intenção de denúncia justificada invocando aquelas razões:
A) Ao 1º Réu foi enviada uma carta Registada com Aviso de Receção, no dia 18 de dezembro de 2018 conforme doc. n.º 6 que se junta e se dá como reproduzido.
B) Ao 2º Réu foi enviada uma Carta Registada com Aviso de Receção, no dia 7 de março de 2019, conforme doc. n.º 7 que se junta e se dá como reproduzido pois havia sido enviada uma em 28 de Janeiro mas não foi registada.
C)Ao 3º Réu foi enviada uma carta Registada com Aviso de Receção, no dia 18 de dezembro de 2018 conforme doc. n.º 8 que se junta e se dá como reproduzido.”.
Ora, pretendia a Autora, no requerimento que formulou já na sessão de 7/6/2021 e que foi decidido no despacho de 10/9/2021, que, nos termos que se seguem, se rectificasse “(…) o art.º 31.º alíneas
A) e B):
Art.º 31 alínea A) - Ao 1.º e 2.º Réu foi enviada uma carta registada com Aviso de Recepção no dia 18-12-2018, conforme documento n.º 6 que se junta e se dá por reproduzido;
Art.º 31.º alínea B) - Ao 2.º Réu foi enviada uma segunda carta registada com Aviso de Recepção no dia 17-03-2019, conforme documento 7. a esclarecer e a complementar a 1.ª que já havia sido enviada em 18-12-2018, reproduzindo o mesmo conteúdo.”.
Vejamos.
Disse, entre o mais, o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, no despacho recorrido:
«[…] não decorre, de todo, do contexto da petição inicial, mormente, da factualidade aí elencada atrás conjugada com os documentos mencionados pela autora, que a mesma quisesse aí, na realidade, era ter dito o que diz no requerimento, sob análise, tendo, só, por lapso notório, dito o que disse na  al. a) e b) do art. 31º da petição inicial, pois que é evidente que a autora, face ao contexto da petição inicial, quis realmente fundamentar aí o pedido aludido atrás, na comunicação da denúncia justificada efectuada, por carta  registada, com aviso de recepção, de 07 de Março de 2019, em virtude de a comunicação efectuada, em data anterior, não ter sido efectuada, por carta registada, no que tange ao 2º réu, e ao mesmo tempo, quis fundamentar aí claramente o pedido na comunicação da denúnica justificada efectuada, por carta registada com aviso de recepção no dia 18 de dezembro de 2018, conforme doc. nº 6 junto com a petição inicial, no que tange ao 1º réu.
Melhor dizendo, da matéria alegada pela autora na petição inicial, mormente, a matéria elencada atrás e o pedido mencionado atrás, conjugado com os docs. aí mencionados juntos com a petição inicial, não flui daí, de todo, o sentido imperfeitamente expresso nas als. a) e b) do art. 31º aí dado pela autora, no requerimento, sob análise, de molde a que se pudesse, primeiro, entender que haja aí sido cometido o erro apontado pela autora, e muito menos - caso se entendesse que houvesse sido cometido tal erro - que tal erro haja sido cometido, por lapso notório/manifesto que legitimasse que se procedesse à sua rectificação, a todo o tempo, nos termos aí requeridos pela autora..
Isto é, acaso se admitisse academicamente que a autora haja aí cometido tal erro, ainda, assim, seria necessário que o houvesse cometido, por lapso manifesto, notório ou ostensivo.

Porém, tal não sucedeu no caso dos autos, pelas razões indicadas atrás.
O que sucede “in casu” é que, decorre dos autos, mormente, do teor da contestação apresentada pelos 1º e 2º réus, e do teor da acta da 1ª sessão da audiência de discussão e julgamento, que os ora réus deduziram aí excepção peremptória impeditiva do direito à autora nos termos plasmados nos seus 24º a 31º, e posteriormente, em sede da 1ª sessão da audiência final, o 1º, 2º e 3º réus admitiram aí, por acordo /confessaram a matéria alegada no art. 31º da petição inicial, cuja rectificação é aí requerida.
Face a tais vicissitudes processuais, e assim, ciente das repercussões substantivas e processuais da eventual procedência de tal excepção quanto ao desfecho da demandada, atenta as soluções plausíveis do direito, é que, a nosso ver, na 2ª sessão da audiência de julgamento, sob veste aparente de a matéria aí articulada se tratar de um erro, ora cometido pela mesma, por manifesto e notório lapso, veio aí pedir a sua rectificação nos termos requeridos, com a intenção de esvaziar de utilidade a excepção ora invocada pelos 1º e 2º réus quanto ao direito de denúncia ora invocado pela autora fundado na comunicação efectuada à 2ª ré, por carta registada, com aviso de recepção, datada de 07/03/2019, e assim, contornar a dita excepção, e em simultâneo, a confissão dos réus da matéria alegada pela autora no art. 31º da petição. […]».
Vejamos.
Afigura-se-nos que, para benefício da decisão a proferir aqui, é de aproveitar o que a propósito dos termos da rectificação dos actos das partes - quer à sombra do disposto no artº 249º do CC, quer  por aplicação analógica do artº 667º, nº 1, do CPC -, foi dito no passado, embora que a aplicação destes preceitos aos actos que as partes pratiquem no processo esteja ultrapassada pelo NCPC, pois  que  este, no  respectivo 146º, nº  1,  preceitua expressamente:
«É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.».
Assim, para já, lembre-se que o artº 614º, nº 1, do NCPC, estabelece: «Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou  quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.».
O nº 3 desse mesmo artº 614º, permite que, não recorrendo nenhuma das partes, a rectificação possa ter lugar a todo o tempo. Por outro lado, o artº 249º do CC, preceitua: «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em  que a  declaração é  feita,  apenas dá o direito à rectificação desta.».
No Acórdão do STA, de 13-10-2004, processo n.º 046440  (consultável no endereço http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/), pode-se   ler:
«[…]Os erros dizem-se de cálculo quando são de aritmética ou de  contagem e materiais ou de escrita quando o órgão administrativo escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos quando são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita  permitem a sua imediata identificação. - vd. art.ºs 247.º e 249.º do CC e 667.º do CPC.[…]».
Assim, à luz do artº 249º do CC, o erro de escrita, rectificável, tem se ser evidenciado, com absoluto alheamento da consideração de  outros elementos que não sejam o próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é  feita.
Perfilhou este entendimento o Acórdão da Relação de Lisboa6, de 15/01/2013 (Apelação nº 493/09.0TCFUN.L1-1 - Relator: Des. Rui Vouga), de cujo sumário se reproduz o seguinte: «[…] Segundo uma orientação jurisprudencial praticamente pacífica, mercê do disposto no art. 295º do mesmo diploma, o  princípio contido no art.   249º do Cód. Civil - rectificação de lapso manifesto - é aplicável a todos os actos processuais e das partes.
2. Consequentemente, como o requerimento de interposição de recurso constitui uma autêntica declaração de vontade da parte  visando  produzir determinados efeitos processuais, é-lhe aplicável o princípio contido no artigo 249º do Código Civil, segundo o  qual o  simples erro  de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, dá direito à rectificação desta.
3. De qualquer modo tal erro só pode ser rectificado (ao abrigo do cit.
art. 249º do Código Civil) se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer.”[…]».
No mesmo sentido foi o Acórdão desta Relação de Coimbra de, 24/05/2005 (Apelação nº 480/05), relatado pelo ora  Cons. António Piçarra, onde se escreveu: «[…] Esse erro é corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração: ao ler o texto logo   se vê que há erro e logo se entende o que o interessado queria dizer. Essa modalidade de erro respeita à interpretação e daí que  o  acto  devidamente interpretado em função do seu contexto (elemento sistemático) e circunstâncias (elementos extraliterais) deva permanecer válido com o sentido de que, afinal, é  portador. Em tais casos, o acto  vale, com o seu verdadeiro sentido, sendo  irrelevante o  erro  material Cfr. J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 1977, págs. 82 e 83..
De qualquer modo tal erro só pode ser rectificado se for ostensivo,  evidente e devido a lapso manifesto Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Cód. Civil, anotado, 1ª edição, I Volume, pág. 161, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1973, pág. 563, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, pág. 35, e Heiriich Ewald Horster, A Parte Geral do Cód. Civil Português, Teoria Geral  do Direito Civil, 1992, pág. 566.[…]».
Ora, sendo pressuposto da possibilidade de rectificação do erro material estar esta rigorosamente dependente da circunstância  de esse erro ser revelado no próprio contexto da declaração, ou de ser evidenciado através das circunstâncias em que a declaração é   feita
- é isso que assegura que a rectificação vai mesmo incidir sobre um mero erro material e que, por isso, com ela não se provoca nenhuma modificação  que  altere  o  sentido  daquilo  que,  sem  a  mesma,     já resultaria, para todos os responsáveis pela declaração ou para aqueles que a esta se vincularam, relembrando-se que, como dizia Vaz Serra, se o erro de cálculo ou de escrita não for ostensivo «…não é razoável que se sujeite a outra parte à mera rectificação do erro de que não poderia ter-se apercebido.» (Vaz Serra, RLJ nº 112, 6º, citado por Abílio Neto e Herlânder A. Martins, no Código Civil anotado, 5ª edição - 1984, em anotação ao artigo 249º).
A rectificação de erro de escrita, nos termos do citado artº 249º,  ou do referido artº 146º, nº 1, do NCPC – preceito este, que, em suma, veio acolher na lei processual, aquilo que consagrava o mencionado artigo do CC -7, não pode, assim, implicar, para o sentido da declaração, a assunção de uma realidade  que  não  resulte já, manifestamente, da restante parte do texto que se pretende alterar desse modo, ou/e, das circunstâncias em que a declaração foi feita, traduzindo-se, pois, num mero ajuste, para retratar fielmente tudo o que deveria ter ficado plasmado nesse texto, mas sem atraiçoar o sentido que, mesmo sem a rectificação, já dele se retiraria.
E assim, sucederá, também, no caso dos erros de escrita rectificáveis à sombra do disposto no artº 614º, nº 1, do NCPC, pois que a rectificação possível de erro de escrita de que enferme uma decisão (seja um despacho, uma sentença ou um acórdão), depende da circunstância de esse erro resultar de lapso manifesto, que se evidencie com absoluta clareza do contexto da declaração ou das circunstâncias em que a declaração é feita.8
E é isso que explica que, se nenhuma das partes interpuser recurso da decisão, a rectificação possa “…ter lugar a todo o tempo”, ou seja, mesmo depois do respectivo trânsito em julgado - nº 3 do referido  artº 614º, não havendo, com a correcção do lapso manifesto, ofensa   a qualquer caso julgado.9
E não há uma tal ofensa, porque a definição legal do erro material é tal, que não a permite. De modo que, apresentando-se um erro cuja rectificação implica uma real alteração da decisão, o que há a concluir é que, sem embargo de se admitir poder ter existido erro, este não reúne as condições a poder ser entendido como um erro material rectificável, nos termos do citado artº 614º.
Deste modo, mesmo para aqueles que entendiam que os actos processuais praticados pelas partes - v.g., os articulados, os requerimentos, as alegações de recurso -, que enfermassem de erro material, também podiam ser rectificados à sombra do estatuído no referido artº 614º, nº 1,10  também era necessário que o lapso em causa - que havia de ser manifesto -, se tivesse de revelar, de forma inequívoca, apenas com recurso aos restantes elementos do acto em causa (v.g., à parte restante texto do articulado ou da alegação onde  se inseria o erro a rectificar), ou a outros elementos que constassem dos próprios autos.
Ora, descendo ao caso concreto que está em análise, temos que, quanto ao artº 32º da petição desconhecemos qual a rectificação que a Autora pretendia, porquanto nenhuma foi proposta, em concreto, no requerimento de 7/6/2021.
No que concerne ao artº 31º da petição inicial, que versa as comunicações efectuadas nos termos do artº 1103 do Código Civil, começamos por adiantar que, enquanto que, na versão da petição, se afirma, na aludida alínea A), que ao 1º Réu – e só a este, salientamos nós - foi enviada uma carta “Registada com Aviso de Receção”, no dia 18 de dezembro de 2018 conforme doc. n.º 6, já na rectificação que se requereu que fosse introduzida a essa alínea, pretende-se que fique   a constar que essa carta “Registada com Aviso de Receção”, de 18 de dezembro de 2018, foi enviada ao 1º R e ao 2º R., conforme doc. n.º 6. Já quanto à alínea B), pretende-se, que se assinale que o escopo da carta enviada à 2ª Ré em 7-03-2019 (deve-se a lapso a data 17-03- 2019), que, na versão original desta alínea, foi indicada como a única carta registada dirigida a esta Ré, foi apenas o de esclarecer e complementar a 1.ª carta que já lhe havia sido enviada em 18-12- 2018, reproduzindo o mesmo conteúdo.
Note-se, que, na petição, a falta de referência ao 2º Réu na alínea A), não se pode ter como cometida por esquecimento, pois que, claramente, na alínea B), teve em vista a específica situação do 2º Réu e demarcou-se a mesma relativamente ao 1º R, consignando-se  quanto àquele (2º R), nessa alínea conjugada com o corpo do artº 31º, que, para efeitos da comunicação prevista no artigo 1103 do Código Civil, a carta registada com aviso de recepção foi enviada “no dia 7 de março de 2019, conforme doc. n.º 7”, pois que a este Réu, havia sido enviada já uma carta “em 28 de Janeiro mas não foi registada”.
Não há pois, qualquer elemento, fornecido na petição, que evidencie, de forma clara, de que neste – v.g., no artº 31 do mesmo – tenha havido lapso material no que respeita à alegação das comunicações feitas, para efeito de cumprimento do disposto no artº 1103 do Código Civil, ao 1º e ao 2º Réu, antes se notando ter havido o cuidado de destrinçar bem as situações, que, a esse respeito, ocorreram relativamente a cada um dos Réus.
Por outro lado, no talão de registo que, com a carta datada de 18 de Dezembro de 2018, consubstancia o doc. nº 6 junto com a p.i, nota-se que o nome indicado no lugar do destinatário é DD, e na carta, constata-se que a mesma, a preceder a expressão “..., 18 de Dezembro de 2018”, é dirigida ao “Sr. DD”.
Já no talão de registo que, com a carta datada de “28 de Janeiro de 2019”, consubstancia o doc. nº 7 junto com a p.i, nota-se que consta como destinatário “Sociedade A. O... Ldaª”, e na carta, constata-se que a mesma, a preceder a expressão “..., 28 de Janeiro de 2019”, é dirigida à “Sociedade A. O..., Lda.”, que é pessoa jurídica distinta do 1º Réu, DD.
A identificação dos destinatários constantes dos talões de registo e os que constam como tais nas respectivas cartas, atento o que acima se referiu, não evidenciam a existência de tal erro, antes o repelem e isso não é contrariado pelo mero facto de, em qualquer das cartas se anunciar a denúncia dos dois contratos, sabendo-se que ambas seriam lidas pela mesma pessoa física.
Por outro lado, a carta dirigida à “A. O..., Lda.”, que,  conjuntamente com o talão de registo de 7/3/2019, constitui o doc.  nº 7, junto com a petição, não tem, no respectivo texto, referência alguma que nos indique ter como finalidade, esclarecer e complementar uma carta registada com aviso de recepção, enviada a essa Ré em 18/12/2018, não sendo natural que, pretendendo apenas esclarecer e reforçar essoutra carta, não se lhe faça qualquer referência.
Pretender que o que foi alegado no artº 31, resultou de um manifesto erro de escrita, imanado um ostensivo lapso material, e, que, afinal, a comunicação a que se reporta o artº 1103 do CC, foi também efectuada à 2ª Ré , mediante a carta registada com aviso de recepção, enviada ao 1ª Réu em 18 de Dezembro de 2018, cingindo-se a finalidade da carta enviada àquele Réu em 7-03-2019, conforme documento 7., apenas a esclarecer e a complementar aquela carta, já havia sido enviada em 18-12-2018, é coisa que não que não resulta, quer do constante da restante alegação da petição, quer dos documentos juntos com aquele articulado.
Justificava-se, assim, o indeferimento do pedido de rectificação formulado pela Autora, sendo irrelevante, para tal, indagar se tal rectificação consubstanciava alteração da causa de pedir.
Ora, concluindo nós pelo acerto do despacho recorrido, improcedem as nulidades e todas as demais ilegalidades que a Autora arguiu, pois que pressupunham a desconformidade desse despacho com a lei, desconformidade essa, que, como se viu, não ocorre.
Não se deixará de dizer, contudo, que, sendo a questão que havia que resolver, a de saber se era de deferir o requerimento de rectificação formulado pela Autora, o despacho, com a fundamentação que dele consta, só tinha que resolver essa questão, como fez, no caso, indeferindo, motivadamente, tal requerimento, sendo, descabido,  salvo o devido respeito, alegar violação do princípio do inquisitório, ou imputar ao despacho omissão de pronúncia.
Por outro lado, sendo o despacho legal, não se vê como é que a Autora configura a posição, perfeitamente legítima, que os RR  haviam tomado, de aceitar como verdadeiro o alegado em determinados artigos da petição (v.g., os artºs 31º e 32º) - que permaneceu inalterado, por via do indeferimento da peticionada rectificação -, como configurando abuso do direito, nem se vislumbra como se pode, face ao que já se disse, perante o acerto do julgamento feito nesse despacho – e, consequentemente, a natural  desconsideração da versão factual invocada no requerimento indeferido por essa decisão - afirmar, como o faz a Apelante, a nulidade desse despacho interlocutório, alicerçando essa violação dizendo  que  o  Mmo.  Juiz  “…não  se  pronunciou  nem  atendeu ou fundamentou a existência da comunicação de denuncia, recebida pela segunda recorrida que nessa qualidade assinou o aviso de receção, no dia 18 de Dezembro…”.
Enfim, improcedendo tudo o alegado pela Apelante quanto ao despacho interlocutório impugnado, improcede a Apelação quanto a esse despacho, que aqui se confirma.
No que respeita à sentença e, em particular, à decisão aí proferida quanto à matéria de facto, pretende a Apelante que seja dado como provado por esta Relação, “…que a carta de denúncia justificada em relação a sociedade O..., Lda., foi também enviada, em 18 de dezembro e repetida no mês de março pela Ré recebida em 20 de dezembro”, mas, fazer isso seria, não só desprezar o que foi decidido quanto ao despacho interlocutório, como inverter o sentido dessa decisão e, assim, dar como provada factualidade que, para todos os efeitos não se pode entender como alegada na petição e, assim, só pela mera alegação da Apelante quanto aos documentos que para tal invoca, fazer a prova de factos (e contrariar outros que estão dados como assentes - cfr. ponto 15) que nem sequer conseguiu que se entendessem terem sido alegados na p.i..
O que se acaba se dizer relega para a condição de absoluta falta de razão de ser da utilização, pelo julgador, do princípio do inquisitório da matéria que a Apelante pretendia ver como provada.
Sustenta a Apelante, que existe clara contradição entre o facto nº3, do elenco dos factos provados e o facto nº7 desse elenco “…porque, os dois primeiros recorrentes requereram a inspeção judicial que fundamentou a prova do facto 3, da matéria dada como provada, pelo que deveria ter ordenado o despejo e não o fazendo o juiz julgou contra aprova produzida…”.
A contradição que se aponte encerrar a decisão proferida sobre a matéria de facto, supõe, em princípio, verificar-se uma colisão entre determinada matéria de facto dada como provada e uma outra a matéria de facto assim considerada, de forma a que uma delas seja inconciliável com outra.
Relembra-se que a factualidade do ponto nº 3 do elenco dos factos provados é esta: “3 – A porta exterior de acesso ao rés-do-chão e ao primeiro andar do imóvel aludido em 1) dos Factos Provados é comum, mas as entradas para ambos os andares são independentes; a única cozinha que o imóvel possui está instalada no rés-do-chão, ocupado pelo 3º Réu que aí vive; no 1º andar existem cinco divisões utilizadas pela 2ª ré como escritórios/gabinetes de contabilidade/gabinetes afecto a serviços; o acesso à cave é independente, a partir do logradouro, e cave da casa é ampla e composta, pelo menos, por cinco ou mais divisões amplas e com solução de continuidade (sem separação física), usando-a o 1º réu como arrumos, e bem assim, a cave e o rés-do-chão evidenciam sinais de degradação, e o 1º andar evidencia menos sinais de degradação (arts. 5º a 8º da petição inicial).
E os factos dados como assentes no nº 7 desse elenco, são estes: “7– O rés-do-chão, sem a restante casa, nomeadamente, cave e 1º piso, não satisfaz as necessidades habitacionais da Autora, por ser composto, apenas, por dois quartos, e por não estar individualizado do piso superior, não constituindo uma unidade independente (art. 13º da petição inicial)”.
Ora, este nº 7, trata, explicitando-o, em função do alegado pela Autora, da insuficiência do “…rés-do-chão, sem a restante casa, nomeadamente, cave e 1º piso…”, para a satisfação das necessidades habitacionais da  Autora, em nada  contrariando a factualidade    dada
como assente no nº 3, que se limita a fazer a descrição das entradas e do interior do prédio, bem como a transmitir o estado de degradação do rés-do-chão, cave e 1º piso, não se vendo que essa descrição esteja em antinomia com o consignado no nº 7.
Inexiste, pois, a invocada contradição.
Relacionado com a factualidade que pretendia ver atendida como provada, a Apelante sustenta, ainda:
- Omissão de pronuncia do meritíssimo Juiz sobre o conteúdo da carta enviada pela recorrente e recebida pela segunda recorrida;
- A existência de nulidade, uma vez que o meritíssimo Juiz não conheceu, nem se pronunciou, sobre um facto notório, provado por documento junto a Pi, nulidade essa que, segundo resulta da “conclusão”, seria a omissão do tribunal em abordar, enquanto denúncia do contrato de arrendamento outorgado com a  Ré sociedade, a carta registada, com aviso de recepção, de 18 de Dezembro de 2019, que, para esse efeito, a Autora lhe enviou.
Cabe dizer, em primeiro lugar, que a factualidade que a Apelante quer ver considerada, não se pode considerar como do “conhecimento geral” e, portanto, falha a previsão do artº 412º do NCPC.
Depois, como se sabe, a sanção prevista na 1ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do NCPC (alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do anterior CPC), para a omissão de pronúncia, tem a ver, como é sabido, com a inobservância do que se preceitua no n.º 2 do artº 608º do mesmo Código (nº 2 do artº 660º, do pretérito CPC), na parte que impõe ao juiz o dever de - para além de conhecer daquelas questões que é seu mister julgar oficiosamente -, «...resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras...».
Efectivamente, “Há omissão de pronúncia, quando o tribunal não conheça de questões que lhe foram colocadas para apreciar - problemas concretos a decidir - e não acerca de factos.” (excerto do sumário do Acórdão do STJ, de 24-06-2003, Revista n.º 1470/03)”.
Por outro lado, ainda, como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães, de 30/3/2017 (Apelação nº 6225/13.1TBBRG.G1), a omissão da decisão de factos, porventura relevantes para a boa decisão da causa segundo as possíveis soluções jurídicas da causa, pode implicar uma necessidade de ampliação e, caso nos autos não existiam elementos capazes de a permitir, implicar uma anulação da decisão da matéria de facto e repetição do julgamento, como decorre dos nºs 2, alínea c), e 3, alínea c), do artº 662º. Não se trata, assim, de qualquer omissão de pronúncia.
Do exposto e a acrescer ao que acima já se disse a propósito dessa matéria, aquando da abordagem da impugnação do despacho interlocutório, resulta que não se reconduz a qualquer nulidade de sentença, v.g., à apontada omissão de pronúncia, aquilo que a Apelante assim apelida.
Diz a Apelante, ainda, que “…alegou que só a casa na sua totalidade satisfazia as suas necessidades de habitação porque tinha dois filhos, um rapaz e uma rapariga, e necessitava de mais do que os  dois quartos que o rés-do-chão oferecia, mas tal não significa nem a douta sentença pode concluir, que se a denuncia não operar em relação a um dos inquilinos por qualquer motivo, todos os outros beneficiariam desse facto nem e esse o pedido da presente ação pelo que a douta sentença nesta questão, ao contrário da primeira, sofre de nulidade porque condena em objeto diverso do pedido violando o artigo 615, e) e 1101 do CC.”.


Ora, a sentença não condenou os RR, antes os absolveu, e fê-lo com apelo à não verificação de um dos fundamentos em que se alicerçava a acção, que era o da denúncia de todos os contratos de arrendamento que legitimavam a permanência dos vários inquilinos do imóvel em questão a acção, porquanto, como se sintetizou na sentença, a alegação da autora foi no sentido de que “…só o imóvel (casa), na sua totalidade, do qual é proprietária - e cuja cave foi dada de arrendamento para fins não habitacionais ao 1º réu, e cujo 1º piso foi dado de arrendamento para fins não habitacionais, à 2ª ré, e cuja restante parte (rés-do- chão) foi dado de arrendamento ao 3º réu – na sua totalidade, por que uno e indivisível – é que satisfaz as suas necessidades de habitação própria e do seu agregado familiar.”
Não ocorre, portanto, a apontada nulidade e, quanto a nós, também não se verifica, neste entendimento seguido na sentença, qualquer erro de julgamento.
Vejamos.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«[…] os factos assentes constantes dos pontos 1), 2), e 5) evidenciam claramente que, por contrato de arrendamento celebrado entre autora e 2ª ré, no ano de 1999, a autora deu de arrendamento por tempo indeterminado, e para fins não habitacionais à 2ª ré, e esta tomou de arrendamento para fins não habitacionais, o 1º piso e a garagem do edifício/imóvel, composto de cave, 1º piso, 2º piso, logradouro e garagem, pertencente à autora há 30 ou mais anos, e bem assim, que a autora efectuou a comunicação da denuncia justificada, por necessidade de habitação própria dela e do agregado familiar nos termos e com os fundamentos nela expressos, do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, à 2ª ré, por carta registada, com aviso de recepção datada de 07 de Março de 2019.
Assim sendo, à data em que a autora efectuou a comunicação da denuncia justificada do arrendamento para fins não habitacionais à 2ª ré, é inquestionável que a Lei que estava já em vigor - e aplicável “in casu” - é a Lei nº 13/2019, de 12 de Fevereiro (cf. art. 16º da citada Lei, pois prescreve-se aí que “A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.
Por força do art. 3º da citada Lei, aditou-se, no que aqui interessa, entre outros, o art. 1110º-A, do C.Civ. com a seguinte redacção:
“1- Nos contratos de arrendamento não habitacional, o senhorio apenas  pode denunciar o contrato nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º
2 - A denúncia prevista no número anterior obriga o senhorio a indemnizar separadamente o arrendatário e os trabalhadores do estabelecimento pelos prejuízos que, comprovadamente, resultem da cessação do contrato de arrendamento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - No que respeita ao arrendatário, a indemnização prevista no número anterior não tem lugar se o arrendamento tiver sido objeto de trespasse nos três anos anteriores.
4 - No caso da alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, ao valor da indemnização devida ao arrendatário nos termos do n.º 2 é deduzido o  valor da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do  regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, na sua redação atual.”
Por força do art. 2º da citada Lei, alterou-se, no que aqui interessa, entre outros, o artigo 1101º do C.Civ. que passou a ter a seguinte redacção: “Denúncia pelo senhorio
O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes:
a) Necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau;
b) Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível  a manutenção do arrendamento;
c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação”.
Do exposto atrás, resulta que, por força do disposto no art. 1110º-A, nº1, do C.Civ. aditada pela citada Lei nº 13/2019, que à data da comunicação de denúncia justificada, por necessidade de habitação própria da autora e do agregado familiar do arrendamento com fins não habitacionais celebrado com a 2ª ré, que só era possível a denúncia justificada dos contratos de arrendamento não habitacionais nos casos previstos nas als. b) e c) do art. 1101º, do C.Civ, ou seja, “Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado,  onde seja possível a manutenção do arrendamento” (al. b), e “mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação” (al. c).
Portanto, é inegável que à data da comunicação da denuncia justificada por necessidade de habitação própria operada pela autora do contrato de arrendamento não habitacional celebrado com a 2ª ré, a citada Lei havia excluído a possibilidade de se operar a denuncia justificada de necessidade de habitação pelo próprio (senhorio) ou pelos seus descendentes em 1º grau.
Tanto é dizer que, “in casu”, à data da comunicação da denúncia justificada efectuada pela autora que deixou de ser possível a mesma pôr termo ao contrato de arrendamento não habitacional celebrado com a 2ª ré, por via da sua denuncia justificada de necessidade de habitação pela própria.
Por ser, assim, então, é notório que “in casu” que à data da denúncia justificada de necessidade de habitação pela própria do arrendamento não habitacional celebrado com a 2ª ré, operada pela autora, por carta registada, com aviso de recepção, enviada à 2ª ré, a 07 de Março de 2019, a denúncia em causa não constitui causa válida e eficaz apta a operar a cessação do contrato de arrendamento não habitacional celebrado com a 2º ré.
Assim, sendo, o contrato de arrendamento não habitacional celebrado entre autora e 2ª ré mantém-se (válida e eficazmente), em vigor, até à presente data.
A ser, assim, como entendemos, não está “in casu” a 2ª ré obrigada a restituir à autora a parte do imóvel arredada para fins não habitacionais, e muito menos, obrigada a indemnizar a autora nos termos peticionados, em resultado da sua recusa (legítima) em restituir à autora.
Forçosamente se conclui, assim, em face do exposto, que “in casu” as pretensões deduzidas pela autora sob as als. b), c) e d) do petitório contra a  2ª ré não merecem acolhimento, e portanto, que a presente acção improcede, desde já, quanto à 2ª ré, e em consequência disso, impor-se-á, na parte dispositiva da sentença, absolve-la dos pedidos, em causa. […]».
Ora, estando nós em plena concordância com o entendimento acima explanado, que levou o Tribunal “a quo” a concluir pela improcedência da acção quanto às pretensões deduzidas pela autora sob as als. b), c) e d) do petitório contra a 2ª ré, restaria apurar se se mostravam “…preenchidos cumulativamente os requisitos das denuncias justificadas de necessidade de habitação pela própria (autora) efectuadas, pela mesma, do contrato de arrendamento para fim habitacional celebrado com o 3º Réu e do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado com o 1º réu.”.
Tendo-se, na sentença, subsequentemente, entendido, acertadamente, que «[…] à data das comunicações de denúncia justificada efectuada   pela autora do contrato de arrendamento do rés-do-chão do imóvel para fins habitacionais celebrado com o 3º réu e do contrato de arrendamento da cave  e parte do logradouro do imóvel para fins não habitacionais celebrado com o 1º réu, é indiscutível que “in casu” é aplicável à denúncia justificada de necessidade de habitação pelo senhorio ou seus descendentes em 1º grau a Lei nº 6/2006, de 27/02, em vigor (Lei essa que aprovou o Novo Regime de Arrendamento Urbano), e que, no seu art.3, aditou, entre outros, os arts. 1101º, 1102º, 1103º e 1104º ao Código Civil, e com as alterações introduzidas aos arts, 1101º a 1103º do Código Civil pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto […]» e que, portanto, «[…] no que toca à denúncia justificada de necessidade de habitação pelo senhorio dos contratos de arrendamento, e no que aqui interessa, são aplicáveis “in casu” os  normativos do Código Civil, aludidos atrás, aditados pela citada Lei nº 6/2006, de 27/02, e com as alterações introduzidas pela cita lei nº  31/2012 […]», haveria que concluir, como ocorreu na sentença “sub judice” que - em face do disposto nos art.s 1101º, 1102º, do C.Civ. “(Denúncia para habitação)”, e 1103.º do C.Civ. (“Denúncia justificada”), estes dois últimos preceitos, com as alterações introduzidas pela Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto,    seria mister que
 se entendessem preenchidos “in casu” os seguintes requisitos de procedibilidade das denuncias efectuadas pela autora dos contratos de arrendamento celebrados com o 1º e 3º réus:
a) Necessidade imediata, eminente, inadiável de habitação pela própria (senhoria/autora);
b) Senhorio/autora seja proprietário do imóvel do qual faz parte as partes arrendadas ao 1º e 3º réus, há mais de dois anos;
c) Há mais de um ano, no respetivo concelho, que o senhorio/autora não possua casa própria que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1.º grau.
d)O(s) locado(s) seja(m) apto(s) a satisfazer as necessidades de habitação pela própria senhoria.
Ora, tendo-se considerado que, em face dos factos assentes constantes dos pontos 1), 2), 8), 9), 10), 11), 13) e 14), se mostravam preenchidos, “in casu”, os requisitos de procedibilidade das denúncias efectuadas pela autora dos contratos de arrendamento celebrados com o 1º e 3º réus, descritos nas supra referidas alíneas a) b) e c), entendeu-se, porém, o seguinte:
«[…] o facto assente constante do ponto 7), face ao decidido atrás quanto à invalidade e ineficácia da denúncia justificada quanto ao arrendamento não habitacional celebrado com a 2ª ré, as partes arrendadas do imóvel ao 1º e 3º réus, respectivamente, por si só, ou em conjunto, desacompanhados da parte arrendada do dito imóvel à 2ª ré, evidencia claramente que as partes do imóvel arrendadas ao 1º e 3º réus, não satisfazem as necessidades habitacionais imediatas e reais da autora e do seu agregado familiar, à semelhança do que sucede com pequeno apartamento, dotado de dois quartos, arrendado a um terceiro, sito na cidade ...

– cf. factos assentes constantes dos pontos 13) e 14) .
O mesmo é dizer que as denúncias, em causa, de tais arrendamentos celebrados com o 1º e 3º réus, respectivamente, não produziram quaisquer efeitos, e por via disso, os arrendamentos, em causa, subsistem válida e eficazmente à presente data, e por arrastamento, e à semelhança do entendimento tido atrás quanto à 2ª ré, também aqui o 1º e 3º réus não estão “in casu” obrigados a restituir à autora as partes integrantes do imóvel, dadas de arrendamento aos mesmos pela autora, e muito menos, obrigados a indemnizarem a autora nos termos peticionados, em resultado da sua recusa (legítima) em restituir as partes arrendadas à autora.
Donde se conclui, assim, à semelhança do que se concluiu atrás quanto à 2ª ré, que, também, aqui não merecem acolhimento as pretensões deduzidas pela autora nas als. b) a d) do petitório contra o 1º e 3º réus. […]».
Concordamos com tal entendimento, que vale, aliás, conclua-se, ou não pela indivisibilidade do imóvel, e que assenta, em parte, na própria alegação que a Autora faz nos artºs 9º a 14º da petição inicial. Acresce que, não satisfazendo, o   imóvel,   desprovido  da parte arrendada à 2ª Ré, as necessidades da autora para a sua habitação e a dos seus dois filhos, a denúncia dos contratos com os 1º e 3º RR, e o seu consequente despejo, sempre constituiria abuso do direito, nos termos do artº 334, do CC, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social do direito de cessação do arrendamento por denúncia para a habitação, previsto no artº 1101.º, a), do CC.
Invoca a Apelante a violação do princípio da igualdade, referindo os artigos 4º do NCPC e 13º da CRP, relativamente a duas s1tuações.
A primeira tem a ver com alegado pelos dois primeiros RR quanto à divisibilidade do imóvel e o concluído pelo Tribunal quanto a esta matéria, não se vislumbrando a razão pela qual esse princípio, ou o do dispositivo, é violado pelo facto de poder haver ou não coincidência quanto a essa matéria, entre essa conclusão e a diferente posição que as partes tomem quanto à mesma.
A segunda das situações tem a ver com a exigência formal que a lei faz quanto aos termos da comunicação prevista no artº 1103 do Código Civil, e a falta de coincidência entre o invocado pelos inquilinos nas cartas de oposição à denúncia, e o que os mesmos alegaram nas contestações.
É evidente que não há qualquer obrigatoriedade de os inquilinos que respondam  à  comunicação  para  denúncia  do  arrendamento  para a habitação própria do senhorio, opondo-se a tal denúncia, se cingirem, ao contestarem a acção de despejo intentada para o fim anunciado na denúncia, àquilo que invocaram na oposição.
E a diferença explica-se, porque essa oposição- ao invés daquela que é prevista no Procedimento Especial de Despejo, não deixa de ter eficácia se apenas tiver como conteúdo, a posição de não aceitação, da denúncia, sendo que esta última é que, para permitir a ponderação dos inquilinos quanto a posição a tomar quanto a ela, deve ser devidamente fundamentada, tanto mais que é o senhorio, mediante a mesma, que dá início à quebra do vínculo contratual.
Não há, assim, entre o arrendatário e o senhorio uma situação equiparada, que imponha que a lei exija que aquele, ao comunicar a este que não aceita a denúncia, que o faça fundamentando essa sua posição.
Assim, não obstante a Apelante não ter apodado qualquer preceito da lei ordinária que o Tribunal haja aplicado relevantemente na decisão recorrida, como violador das normas ou princípios constitucionais, dir-se-á que não se vislumbra que o Tribunal “a quo” haja aplicado qualquer preceito que viole o artº 13º, ou qualquer outro preceito, ou princípio, da Constituição da Républica Portuguesa.
A conclusão a extrair de tudo o que ficou exposto é a de que, quer no despacho impugnado, quer na sentença recorrida, o Tribunal “a quo” solucionou acertadamente, sem violação das normas que a Recorrente apontou como violadas, todas as questões que se suscitavam, pelo que são de confirmar tais decisões, improcedendo, pois, a Apelação.

*
IV- Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação e em confirmar o despacho impugnado e a sentença recorrida.
Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC);


10/1/202311

Luiz José Falcão de Magalhães
António Domingos Pires Robalo
Sílvia Maria Pereira Pires


1 Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Extracto do relatório da decisão recorrida.
3 Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
4 Cfr. Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como aqueles que, desse Tribunal e sem referência de publicação, ou com uma outra,  vierem a ser citados adiante.
5 É 7-03-2019, e não “17-03-2019”, como por lapso ficou a constar, pois é aquela e  não esta, a data que consta da petição inicial e que foi referida pela Exmo. Advogada da Autora na sessão em causa, como se comprovou pela audição no sistema “citius”.
6 Consultável, tal como os restantes acórdãos da Relação de Lisboa que vierem a ser citados       sem        referência     de         publicação, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase.
7 Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2ª edição – Fevereiro de 2020, pág. 186.
8 Cfr., v.g., Acórdão do STJ de 26/11/2015, Revista nº 706/05.6TBOER.L1.S1, relatado pela Cons. Maria dos Prazeres Beleza e o Acórdão do STJ, de 12 de Fevereiro de 2009, Revista nº 08A2680, relatado pelo Cons. Sebastião Póvoas.


9 Assim, sumário do Acórdão do STJ, de 10-02-1998, Processo n.º 1016/97 - 2.ª Secção, relatado pelo Cons. Mario Cancela: “I - É lícito ao juiz ajustar, mediante rectificação, a vontade real à vontade declarada.
II - É necessário, para que se esteja perante um lapso manifesto, que as circunstâncias sejam de molde a fazer admitir, sem qualquer dúvida, que o juiz foi vítima de erro material, isto é, que tenha escrito uma coisa em vez de outra.
III - Havendo lapso manifesto, ao corrigi-lo, o juiz não ofende qualquer caso julgado.”.
10 No domínio do pretérito CPC e do correspondente artigo , cfr., por exemplo o  Acórdão da Relação de Évora, de 10 de Janeiro de 2013 (Apelação nº 2830/08.6TBPTM.E1), relatado pelo Des. HH e consultável em “http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase”.

11 Processado e revisto pelo Relator.