Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
486/07.2TBALB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
VENDA
TERRENO
ADQUIRENTE
PROPRIETÁRIO
PRÉDIO CONFINANTE
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALBERGARIA-A-VELHA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1380º, NºS 1, E 2, AL. B), DO C. CIV., E 18º, Nº 1, DO D.L.Nº 394/88, DE 25/10.
Sumário: I – Conjugando o disposto nos artºs 1380º, nºs 1, e 2, al. b), do C. Civ., e 18º, nº 1, do D.L. nº 394/88, de 25/10, conclui-se que qualquer proprietário de prédio rústico confinante de prédio da mesma natureza, tem o direito de preferir na venda deste, mesmo que a área do seu prédio iguale ou exceda a área da unidade de cultura, apenas se impondo que o prédio alienado e objecto da preferência tenha uma área inferior à da unidade de cultura.

II – Porém, é pressuposto do reconhecimento do referido direito de preferência que a venda do prédio seja feita a terceiro não confinante.

III – Verificando-se que a venda de terreno de área inferior à unidade de cultura foi feita a proprietário de terreno confinante, já nenhum outro proprietário confinante, em qualquer circunstância, terá então direito de preferência nessa venda.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

         I- RELATÓRIO

         I.1- A... e mulher, B... intentaram em 28.5.07 a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C... e mulher, D... - 1ºs RR. - e E... e mulher, F... - 2ºs RR. -, pedindo que, na sua procedência, se declare o direito de preferência dos autores, relativamente ao negócio de compra e venda celebrado entre os 1ºs e os 2ºs RR. e, consequentemente, lhes seja reconhecido o direito de haver para si o prédio alienado, condenando-se os réus adquirentes a verem-se substituídos, na posição de adquirentes, pelos autores, para quem será transferida a propriedade do mesmo, depositado que seja por estes o preço da venda, em virtude da preferência legal que lhes advém da sua qualidade de proprietários de terreno confinante que mais se aproxima da unidade de cultura para a zona, mas a quem não foi dada a oportunidade de preferir.

Para tanto e em síntese, alegam que os 1ºs RR. não lhes deram conhecimento do projecto da venda, nomeadamente, não lhes deram conhecimento quer da intenção de venderem, quer do comprador interessado, quer ainda do preço.

Citados, os réus aceitaram que celebraram entre si um contrato de compra e venda que teve por objecto um prédio rústico com o qual AA. e 2ºs RR. confinavam e que agora é propriedade dos 2ºs RR.. No entanto, sustentam que o facto de os 2ºs RR. serem proprietários de um outro prédio rústico confinante, igualmente, com o vendido, retira aos AA. qualquer que seja a área do prédio destes, o direito de preferirem na compra de acordo com o disposto no nº1 do art.1380º do Código Civil, pelo que a acção deverá ser julgada improcedente logo na fase de saneamento.

Saneada e condensada a lide, realizou-se o julgamento. Estabelecidos os factos, foi proferida sentença datada de 9.6.08 que, julgando a acção procedente por provada, reconheceu aos autores o direito de haverem para si o prédio rústico inscrito na respectiva matriz com o art.5240, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o nº4261, alienado pelos 1ºs RR. aos 2ºs RR., declarando a substituição destes últimos, compradores, pelos autores, preferentes, na escritura pública realizada no dia 24.08.2006 no Cartório Notarial de Albergaria-a-Velha, pelo preço de 1.950,56 €. Ordenou-se o cancelamento no registo da inscrição daquele prédio em benefício dos 2ºs RR. com fundamento em tal escritura, correspondente à letra G-2.

           

I.2- Os RR. apelaram, concluindo deste modo as suas alegações:

            1ª/ A sentença recorrida violou flagrantemente o disposto no art.1380º-1/C.C. ao conceder preferência aos AA. na compra de um imóvel rústico que, assim como os RR. (compradores), eram proprietários de terrenos confinantes com o prédio alienado;

            2ª/ Ignorou a sentença um dos requisitos de que faz depender a lei para a sua aplicação, que é exactamente que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante; no caso, foi alegado e provado pelos próprios AA. que o adquirente do prédio era proprietário confinante, não tendo contudo sido afastada a preferência com base na falta deste requisito;

            3ª/ A aplicação deste preceito não tem levantado quaisquer divergências na doutrina e na jurisprudência, que são unânimes em reconhecer que fica desde logo afastado o pretenso direito de preferência se o prédio alienado for adquirido por um proprietário cujo prédio seja confinante com aquele;

            4ª/ O direito de preferência só existe, só se constitui, se a venda for efectuada a quem não seja proprietário confinante, o que manifestamente não aconteceu nos presentes autos;

            5ª/ Na interpretação concreta que é feita do disposto no art.1380º/1 na sentença recorrida, tal preceito tornou-se afectado de vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais 12º, 13º, 203º, 204º e 62º da C.R.P..

            I.3- os AA. contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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            II - FUNDAMENTOS

            II.1 - de facto

            A sentença assentou na seguinte factualidade:

            1- Sob a ficha nº01549/031188 da Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha, encontra-se descrito prédio rústico composto de pastagens e terra de semeadura, sito em Carreiros, freguesia de Angeja, com 8560m2, a confrontar do norte com G..., sul com Manuel Nunes Alves, nascente com caminho e vala e poente com caminho, inscrito na respectiva matriz sob o art.5241 e inscrito na Conservatória do Registo Predial a favor dos autores pela inscrição G1 por partilha da herança do pai da autora, Casimiro Mateus, e de bens legados por este, conforme escritura realizada no Cartório Notarial de Aveiro em 26.07.1984.

2- O prédio acima descrito confronta do lado sul com o prédio rústico composto de pastagens sito em Carreiros, Angeja, inscrito na respectiva matriz com o art.5240, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha sob o nº4261, onde esteve inscrito em benefício da ré D..., casada com o réu C..., pela letra G-1, actualmente inscrito em benefício do réu E..., por compra à ré D....

3- Sob a ficha nº03592/951116 da Conservatória do Registo Predial de Albergaria-a-Velha encontra-se descrito prédio rústico sito em Carreiros, composto de terra de semeadura, com 7680m2, a confrontar do norte com Manuel Nunes Alves Júnior, sul com Fernando Eusébio Pereira da Costa, nascente e poente com caminho, inscrito na respectiva matriz sob o art.5239 e inscrito na Conservatória do Registo Predial em benefício do réu E... pela letra G 2 por compra aos herdeiros de Arnaldo Pereira Quaresma.

4- O prédio descrito em 2) situa-se entre o prédio descrito em 1) e o prédio descrito em 3), com eles confinando.

5- Por escritura pública realizada no dia 24.08.2006 no Cartório Notarial de Albergaria-a-Velha de Drª Joana Isabel Matos Cabral, os réus C... e D... declararam vender ao réu E... e este declarou comprar o prédio descrito em 2) pelo preço de 1.950,56€.

6- Por escritura pública realizada no dia 17 de Novembro de 1987, no Cartório Notarial de Albergaria-a-Velha, G... e mulher, H..., representados por I..., declararam vender aos autores e estes declararam comprar-lhes o prédio rústico composto por terra de semeadura, sito em Carreiros, Angeja, com área de 3220m2, a confrontar do norte com António Tomaz Rodrigues Cruz, sul com B..., nascente com vale e poente com caminho, inscrito na respectiva matriz sob o art.5242.

7- O prédio descrito em 1) tem 0,8560 hectares de área.

8- O prédio descrito em 6) confronta com o prédio descrito em 1).

9- O prédio descrito em 6) tem 3.220m2 de área.

10- O prédio descrito em 3) tem 0,7680 hectares de área.

11- O prédio descrito em 2) tem 1.820 m2 de área.

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            II.2 - de direito

            A única questão que nos foi colocada, é a de saber se pode ser reconhecido aos AA. o direito de preferência por eles invocado, questão que passa fundamentalmente pela interpretação da norma do art.1380º/1 e 2-b) do C.C. .

            Invocando serem titulares do direito legal de preferência conferido pelo mencionado art.1380º, segundo o qual “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”, cabia-lhes alegar e provar, como deste dispositivo resulta claramente, e na hipótese da venda: que o terreno (prédio inscrito na matriz sob o art.5240) foi vendido pelos 1ºs RR. aos 2ºs RR.; que o terreno tem uma área inferior à unidade de cultura para a região e confine com o terreno do preferente; que o adquirente não é proprietário de um terreno confinante

O direito de preferência baseado na confinância de terrenos, visa a eliminação dos prédios minifundiários, através do seu emparcelamento com um dos prédios confinantes. O objectivo da lei é, assim, o de fomentar o emparcelamento da propriedade rústica, de modo a tornar mais rentável a sua exploração.

Dispõe o art.18º/1 do DL nº394/88, de 25.10 – diploma do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas – que “os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art.1380º/C.C., ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.

Assim, conjugando este preceito com o disposto no art.1380º, concluiu-se que qualquer proprietário confinante tem o direito de preferir, mesmo que a área do seu prédio iguale ou exceda a da unidade de cultura. Os prédios cuja alienação está sujeita a preferência têm de ter área inferior à unidade de cultura.[1]

Revertendo ao caso em apreço, para lhes ser reconhecido o direito invocado, os AA. tinham de alegar para provar, e fizeram-no: que são proprietários de um prédio rústico (inscrito na matriz sob o art.5241) de área inferior à unidade de cultura (0,8560 ha)[2]; que o seu prédio confina, a sul, com o prédio rústico com a área de 0,1820 ha vendido aos 2ºs RR. pelos 1ºs RR..

Não alegaram, contudo, que os 2ºs RR. não são proprietários de prédio confinante.

Quer isto dizer, portanto, que os AA. provaram todos aqueles elementos integradores do direito, à excepção do último – venda a um não confinante. Mas nem podiam fazê-lo, porque alegaram justamente o contrário, ou seja, que os RR. adquirentes são proprietários do prédio rústico inscrito na matriz sob o art.5239, com a área de 0,7280 ha, a confinar com o prédio vendido.

Conforme antes se salientou, é também pressuposto do direito de preferência contemplado no art.1380º/1, que a venda do prédio seja feita a terceiro não confinante.

Verificando-se na situação concreta, que a venda de terreno inferior à unidade de cultura, foi feita a proprietário confinante, já nenhum outro proprietário confinante, em qualquer circunstância, terá então direito de preferência.

Observou o prof. Henrique Mesquita que, «…se houver vários proprietários confinantes com o prédio vendido e a venda tiver sido feita a um deles, os demais proprietários confinantes não podem arrogar-se o direito de preferir».[3]

Deste modo, a falta desse facto constitutivo do direito em causa, determinaria a improcedência da acção logo no saneador.

Todavia, apesar de não se mostrar preenchido esse pressuposto em que o art.1380º/1 faz assentar o direito a preferir, a 1ª instância, mesmo assim, entendeu reconhecer aos AA. esse direito, por recurso ao disposto no nº2-b) do preceito em referência. Aí se preceitua que, sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito, não estando em causa a alienação de prédio encravado, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.

Entendeu a sentença que, sendo os 2ºs RR. adquirentes proprietários confinantes do prédio alienado à semelhança dos AA., estava-se perante uma hipótese de concurso de preferentes. E logrando os AA. obter, pela preferência, uma área de 1,3600 ha, que é a que mais se aproxima da unidade de cultura da zona, de acordo com o citado nº2-b) do art.1380º assiste-lhes o direito legal de preferência aí consagrado.

Com todo o respeito, não podemos sufragar tal entendimento. Isto, pela simples razão - como vem dito no citado Ac.STJ de 17.5.07 - de que a disposição inserida naquele nº2-b), ao dizer-se “…cabe este direito” no caso de pluralidade de preferentes, está logicamente subordinada à disposição do nº1 do mesmo art.1380º. E um dos pressupostos do direito aí atribuído é, repete-se, não ser o adquirente do imóvel proprietário confinante.  

E assim, se os 2ºs RR. são proprietários de prédio que confina com o prédio vendido, e embora os AA. sejam, por sua vez, também donos de um prédio confinante com aquele cuja preferência se arrogam, não é caso de fazer apelo à norma do art.1380º/2-b), como fez a sentença, por inaplicável. Se a venda do prédio foi feita a proprietário confinante, tem-se por excluído o direito de preferência. A venda satisfaz o fim da lei, que é reunir dois prédios num só.

A este propósito, escreveu-se no Ac.STJ de 7.7.94, “(…) compreende-se perfeitamente esta opção legislativa. Entendeu-se então que, no caso de venda do prédio a proprietário vizinho, caso em que o emparcelamento se verificaria por directa via negocial, se não impunha já a intervenção correctiva do legislador, que, nessa circunstância, seria algo desproporcionada: o reconhecimento do direito de preferência numa situação destas já não iria propriamente promover o emparcelamento, mas antes, desfazer um emparcelamento já constituído, directamente resultante da acção dos particulares, para depois, e tão-somente, o reconstituir noutros termos, quiçá melhores. E assim, o legislador recusou-se (…) a estabelecer mais uma limitação ao direito de propriedade …”.[4]

Em suma, não pode ser atendido o pedido de reconhecimento do direito de preferência feito pelos AA., por ausência de um elemento constitutivo desse direito. A acção deverá, assim, improceder.

Procedem, pois, as conclusões de recurso, importando revogar a sentença recorrida.

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III - DECISÃO

Acorda-se, pelo exposto, na procedência da apelação, em revogar a sentença apelada, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se os RR. de todos os pedidos.

Custas pelos apelantes.

                                                           ##

                                                                       COIMBRA,


[1]  cfr.  «direito de preferência», Prof. Henrique Mesquita, in CJ II/91-37-39

[2] Na região dos prédios em causa, que pertence ao distrito de Aveiro, de harmonia com o art.1º da Portaria nº202/70, de 21.4, a unidade de cultura é 2 ha para os terrenos de regadio arvenses e terrenos de sequeiro, e 0,50 ha para os terreno de regadio hortícolas.

[3]   Citado no Ac.STJ de 15.5.07 (Relator: Nuno Cameira), CJstjII/07-74
[4]   BMJ439 (562-572)