Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1544/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 06/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 146º CPC .
Sumário: I – Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto .

II – Não se pode configurar uma situação de justo impedimento quando a não prática em tempo útil do acto seja provocada por facto por facto imputável ao litigante em falta.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A... intentou acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra B...” nos termos e com os fundamentos constantes na petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia de 21.147,78 euros, acrescida das retribuições que se forem vencendo até à data sentença e de juros legais, contados desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
Realizada a audiência de parte, não foi possível obter a conciliação..
A Ré embora devidamente notificada para o fazer, não contestou atempadamente.
A A optou pela indemnização por antiguidade.
A Ré requereu que fosse admitida a contestação apresentada, o que foi indeferido.
Discordando agravou , alegando e concluindo:
1- Há cinco acções pendentes no T.T Aveiro, contra a ora recorrente, em que é a mesma a causa de pedir e ( salvas ligeiras diferenças) idêntico o pedido, das quais duas foram atempadamente contestadas;
2- Tal como fizeram as AA naquelas acções, seria ou será bastante alterar a identificação das acções e da respectiva A para que fique pronta e em condições de ser apresentada em cada uma delas a contestação, podendo afirmar-se que, elaborada uma das contestações, ficam elaboradas todas as demais;
3- O que, actualmente e como está generalizado, é permitido pelos meios informáticos disponíveis, designadamente processadores de texto e meios de comunicação( designadamente telecópia) de que dispõem quer as AA, quer a Ré, naquelas acções e respectivos mandatários;
4- Pelo que só por erro desculpável pode ter-se devido a não apresentação da contestação na presente acção no prazo que no Tribunal se considerou ter sido esgotado;
5- Tendo a recorrente praticado o acto em falta logo que se apercebeu do facto, com i9nvocação do justo impedimento com fundamentação relevante e atendível, perante o disposto no artº 146º do CPC e com a indicação dos meios de prova e requerimento da sua produção;
6- Pelo que não podia o douto despacho recorrido indeferir aquela i9nvocação do justo impedimento, sem que tais meios de prova tivesse sido produzidos e sem a ponderação de tais provas relativamente a outros elementos eventualmente disponíveis nos autos, fazendo-o criticamente e à luz das regras da experiência
7- Assim não se entendendo no douto despacho recorrido violou-se o disposto quer no citado artº 146º do CPC, quer até, o disposto no artº 20º, 202º e 205º da CRP
8- Além disso a recorrente não invocou apenas o justo impedimento- o que fez subsidiariamente e para o caso de não ser atendido o pedido de que se considerasse não haver fundamento para que tivesse decorrido o prazo para a prática do acto- o que não foi considerado no douto despacho recorrido que assim e salvo o devido respeito, contém omissão de pronúncia, em violação do disposto no artº 668º nº 1 d) do CPC.
Contra alegou a agravada defendendo a justeza do despacho impugnado, tendo a Ex. ma Sr.ª Juíza, sustentado tabelarmente a decisão que tomou.
Prosseguindo o processo seus regulares termos e tendo sido considerados como confessados os factos articulados pelo A, foi proferida decisão de mérito, que na procedência da acção, condenou a Ré a pagar à A, a quantia global de € 30.919, 43, acrescidos de juros moratórios legais, a título de indemnização por antiguidade, trabalho suplementar, salários de tramitação, salários em dívida, férias, subsídio de férias e de Natal( e respectivos proporcionais) , diferenças salariais e diferenças de prémios de produtividade.
De novo irresignada apelou a Ré alegando e concluindo:
1- A douta sentença recorrida tem como pressuposto a matéria de facto que foi considerada provada em consequência de não ter havido contestação;
2- Mas aquele acto( oferecimento da contestação) foi praticado com invocação de justo impedimento, acompanhado do oferecimento e requerimento de produção de meios de prova- mas indeferido sem sequer se ter dado à apelante a oportunidade de produzir a prova requerida
3- Tendo sido interposto recurso de agravo do douto despacho que assim decidiu, admitido no efeito devolutivo e com subida dependente da interposição da apelação;
4- A ter provimento o agravo, desaparecerá o pressuposto de facto que determinou o sentido da douta decisão agora recorrida, que a tal suceder, é nula tal como todos os actos posteriores à apresentação da contestação, como decorre do disposto no artº 201º do CPC
Não houve contra alegações.
Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais, tendo o Ex. mo Sr. PGA nesta Relação emitido douto parecer no sentido das respectivas improcedências, cumpre decidir.
Dos Factos
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que e no caso em apreço- e no que concerne ao recurso de agravo, a única questão a dilucidar é se no Tribunal recorrido se deveria ou não ter produzido a prova requerida pela Ré, para que esta conseguisse a demonstração do facto que a levou a não deduzir a sua defesa, em tempo útil.
Na apelação a Ré limita-se a afirmar que a interpôs para que fosse possível conhecer do agravo, pelo que não tem em si qualquer temática a decidir, tal a sua total dependência da decisão que for dada ao agravo.
Quer dizer: se o agravo obtiver provimento, naturalmente que o conhecimento da apelação deixa de ser possível; no caso de improvimento daquele é inevitável a procedência desta.
Vejamos então, analisando logicamente o recurso de agravo
Diz o artº 54º nº 2 do CPT que estando a acção em condições de prosseguir o juiz designa uma audiência de partes, a realizar no prazo de 15 dias.
Ora exactamente uma das finalidades desta diligência é a de obter o acordo entre os litigantes( nº 3 do artº 54º citado)
E acrescenta o artº 56º a) da mesma codificação que frustrada a conciliação, o juiz ordena a notificação imediata do R para contestar.
É isso o que consta da acta de fls. 75.
E também consta do processo que a audiência de partes teve lugar em 24/3/04, a solicitação das partes, para a sua antecipação.
E o certo é que a Ré não contestou no dito prazo de 10 dias, legalmente concedidos.
Tratando-se de prazo peremptório, o seu decurso extingue o direito de praticar o acto( artºs 145º nº 1 e 3 ambos do CPC).
Só assim não será se a parte fizer uso da faculdade prevista no artº 145º nº 5 também do CPC, ou então invocar o justo impedimento.
Ora “ in casu” e como se alcança pela simples leitura do requerimento, cujo indeferimento deu origem a este recurso, a Ré veio invocar este fundamento.
Contudo e nos termos do artº 146º nº 1 ainda do CPC, considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
No caso concreto porém, o que a agravante alega é que, não ficou com a consciência( ou percepção) de que fora notificada para contestar e por outro lado estava convencidíssima de que a dita audiência de partes se realizava no dia 19/4/04.
Não deixa de ser estranha esta última asserção, se tivermos em conta que foi por pedido dos litigantes( e seus ilustres mandatários) que a diligência se realizou mais cedo( pelo menos é o que consta do processo e não temos possibilidades, por razões que oportunamente se aduzirão, sindicar a veracidade desse facto).
Seja como for porém o certo é que, tratando-se naturalmente de ilustre causídico, não é minimamente crível que desconheça o funcionamento e as finalidades da dita audiência de partes, entre as quais se conta como se disse, a de servir para notificar a Ré para contestar.
Seja como for porém, a verdade é que quer a falta de percepção desse comando, quer o erróneo convencimento da data da diligência, resultam de lapso, ou confusão, perfeitamente humana e como tal admissível nesses termos, mas que não pode deixar de ser imputável à Ré.
E daí, que não se pode configurar uma situação de justo impedimento, pois que esta figura exige, que a prática em tempo útil do acto, seja provocada por facto não imputável ao litigante em falta.
Se a causa da extemporaneidade reside em si mesmo então, já não existe o justo impedimento.
Cremos ser esta a interpretação lógica e possível a fazer do aludido artº 146º nº1, nomeadamente se tivermos em conta os comandos estabelecidos no artº 9º do CCv, relativos á exegese dos textos legais e segundo os quais( nº 2 do artº 9º) não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Em suma: de acordo com os motivos invocados e em nosso modesto entender (e com a ressalva do respeito sempre devido por opinião diversa) o alegado justo impedimento não se verifica.
Portanto e assim sendo, não vemos como poderia a Ex. ma Sr.ª Juíza conceder novo prazo para que a Ré apresentasse a sua defesa.
Se houve erro da sua parte - e agravante reconhece-o na sua douta conclusão IV- terá naturalmente que assumir as respectivas consequências legais, não podendo por outro lado daí advir prejuízo para a parte contrária.
Afirma a agravante nas suas doutas alegações de recurso, que invocou a( inexistência) nulidade do acto do qual teria resultado o seu ónus de contestar em certo prazo.
Porém do por ela indicado ponto 12 do seu requerimento não se conclui, donde decorra as ditas inexistência ou nulidade, que só poderia ser da aludida audiência de partes.
Por outro lado- e somente agora em sede de recurso é que a Ré afirma que não foi notificada para contestar, que a acta é falsa, que não solicitou qualquer antecipação da diligência , que não é verdade que tivesse conhecimento de qualquer acta, que as partes nem sequer participaram na diligência.
São todavia questões novas, que não colocou no requerimento em que pretendeu que lhe fosse concedido novo prazo para apresentar a sua defesa e que portanto é vedado a este Tribunal em sede de recurso.
Na verdade os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova- cfr. R. Bastos “ Notas ao CPC” Vol. III pág. 266 , Ac R.P. C.J. IV –3, 989 e Ac do STJ, in BMJ 352/317 .
E de qualquer jeito, levantando-se aqui questões que se prendem com a falsidade da acta e / ou de actos judiciais, sendo que a Ré teve intervenção no processo em 20/4/04, já de há muito decorrera o prazo legal para invocar esses vícios, quando a ora agravante, interpôs o presente recurso( 2/7/04)- cfr. artºs 551- A, 546º nº 1 e 544º todos do CPC.,- pois que dispunha do prazo de 10 dias, a contar da referida data, altura em que necessariamente teve conhecimento( ou pelo menos toda a possibilidade disso) , da existência da acta e dos demais elementos que dali constavam.
Aliás nem nunca a agravante alegou o acesso ao processo alguma vez lhe tivesse sido vedado.
.Assim e também por esta via não se pode sufragar a pretensão da recorrente.
.E nem se diga que assim se ofendem princípios constitucionais, nomeadamente os plasmados nos artºs 20º, 202º e 205º da CRP.
Na verdade o primeiro destes normativos diz respeito ao acesso ao direito.
Este como é consabido traduz-se essencialmente na real possibilidade de obter uma decisão jurídica sobre toda a questão juridicamente relevante, proferida por um tribunal independente e imparcial, em tempo razoável mediante um processo equitativo e um julgamento justo e leal( Acs T.C vol. 19º, págs. 549 e segs.).
Não se vê, como é que no caso em análise ocorreu violação deste princípio.
Se a Ré, devidamente notificada para contestar, não o fez em tempo por lapso da sua exclusiva responsabilidade, não pode vir arguir depois que o processo não é equitativo, justo e leal.
E como se sabe, a prática de actos processuais tem necessariamente que ter prazos, sob pena de um processo se prolongar “ até à eternidade” e daí não deriva, a ofensa do direito em referência. .
No que concerne ao artº 202º não pode deixar de dizer- se que o Tribunal administrou justiça como aquele normativo lhe impõe, pois “ administrar justiça” significa dirimir os litígios que são colocados àqueles órgãos de soberania, de acordo com as normas e princípios legais aplicáveis e previamente estatuídos e não que se dê razão à parte que julga que a tem.
Não fora assim – e porque por via de regra existe sempre uma parte vencida- as decisões judiciais seriam sempre injustas e então ofensivas do mencionado princípio constitucional.
Finalmente e no que concerne ao artº 205º refere-se ele á exigência de fundamentação.
O despacho recorrido, em nossa opinião cumpre em termos de suficiência essa obrigação.
Em suma: não se verifica nenhuma das constitucionalidades invocadas.
E por tudo o que se explanou, não sendo, por todo o expendido de acolher as doutas conclusões da agravante, não pode prover-se esta impugnação, assim se confirmando o despacho recorrido.
No que respeita ao recurso de apelação e como oportunamente se disse, sendo umbilical a sua ligação à posição que se tomasse sobre o agravo e tendo sido este provido, improcede necessariamente a apelação, que não tem objecto próprio, apenas tendo sido interposta para fazer subir o agravo a esta Relação.
Termos em que e terminando :
a)- se nega provimento ao agravo;
b)- se julga improcedente a apelação.
Custas pela Ré.