Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
280/06.8TASRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: RECURSO PENAL
ACÓRDÃO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA SERTÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 425.º, N.º 6, DO CPP
Sumário: A lei processual penal (artigo 425.º, n.º 6, do CPP) não impõe que o arguido seja pessoalmente notificado do acordão proferido, em recurso, pelo tribunal superior, bastando-se com a notificação do respectivo defensor.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

1. No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 280/06.8TASRT que corre termos na Comarca de Castelo Branco – Juízo de Competência Genérica da Sertã, na sequência de recurso interposto pelo arguido (…), em 12/4/2018, foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 1521/1536).

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2. Tal acórdão foi notificado ao Ministério Público e aos Ilustres Mandatários da demandante e do arguido (fls. 1538, 1539 e 1540).

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 3. Em 30/4/2018, a Ilustre Mandatária do arguido veio aos autos apresentar a seguinte Reclamação:

“(…), Arguido Recorrido nos autos de recurso em epígrafe e neles melhor identificado, vem, junto de Vossas Excelências:

I. Nos termos e ao abrigo no disposto no artigo 157.º, n.º 5, do CPC, ex vi do artigo 4.º, do CPP, apresentar Reclamação de acto da Secretaria, mais concretamente da omissão da Secretaria de notificação pessoal, ao Arguido Recorrido, do Acórdão deste Tribunal, de 12 de Abril de 2018, através do qual foi revogado o douto despacho do Juízo de Competência genérica da Sertã, de 18 de Outubro de 2017, que determinou a extinção da pena de prisão de quatro anos e seis meses suspensa na sua execução, aplicada ao Arguido e ordenada a prolação de despacho de revogação da suspensão da dita pena de prisão.

II. Arguir a nulidade e, caso assim não se entenda, a irregularidade, decorrente da omissão de notificação pessoal ao Arguido recorrido do referido Acórdão deste tribunal de 12 de Abril de 2018, (…), nulidade/irregularidade que se pede seja declarada com todos os efeitos legais decorrentes de tal declaração, mormente os previstos nos artigos 122.º e 123.º, ambos do CPP.

Informa, desde logo, a Mandatária do arguido, aqui signatária, que, apesar das tentativas realizadas, ainda não conseguiu estabelecer contacto com aquele para lhe transmitir o teor do dito Acórdão, revelando-se, por isso, ainda mais essencial a notificação pessoal ao arguido, do dito acórdão, pela secretaria deste Tribunal.

Acresce,

O Acórdão deste Tribunal de 12 de Abril de 2018, (…), pela gravidade dos seus efeitos, que atinge diretamente direitos fundamentais do Arguido, entre os quais o direito à liberdade, pode/deve ser equiparado a uma decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

E, relativamente a esta última decisão, entendeu o Pleno das Secções Criminais do STJ, através de douto Acórdão proferido, em 15 de abril de 2010, no âmbito do Processo n.º 312/09.8YFLSB, fixar jurisprudência no seguinte sentido:

“I. Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º, do CPP, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.

II. (…).”

Sem prescindir,

Fica aqui, à cautela e desde logo, arguida, para todos os efeitos legais pertinentes, a inconstitucionalidade do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, quando, numa interpretação a contrario sensu do mesmo, se concluir que o arguido recorrido não deve ser pessoalmente notificado de acórdão proferido por Tribunal da Relação, no âmbito de recurso interposto pelo Ministério Público, através do qual seja revogado despacho de tribunal de 1ª instância determinando a extinção da pena de prisão de quatro anos e seis meses suspensa na sua execução, aplicada ao arguido e ordenada a prolação de despacho de revogação da suspensão da dita pena de prisão.

(…).

A 2ª Secção do Tribunal Constitucional, em douto Acórdão n.º 422/2005, proferido em 17 de Agosto de 2005, nos autos do Processo n.º 572/05, defendeu:

(…).

Nestes termos, e nos mais de Direito, requer a Vossas Excelências.

A. Seja ordenada a notificação pessoal ao arguido do Acórdão deste tribunal de 12 de Abril de 2018.

B. Ser declarada a inconstitucionalidade – por violação do direito ao processo equitativo, constitucionalmente garantido no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e, ainda, no artigo 10.º da Declaração Universal dos direitos do Homem e no artigo 6.º da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e por violação, em geral, dos direitos e garantias de defesa dos arguidos, em processo criminal, reconhecidos no artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental – do artigo 113,º, n.º 10, do CPP, quando, numa interpretação a contrario sensu do mesmo, se concluir que o arguido recorrido não deve ser pessoalmente notificado de acórdão proferido por Tribunal da Relação, no âmbito de recurso interposto pelo Ministério Público, através do qual seja revogado despacho de tribunal de 1ª instância determinando a extinção da pena de prisão de quatro anos e seis meses suspensa na sua execução, aplicada ao arguido e ordenada a prolação de despacho de revogação da suspensão da dita pena de prisão.”

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4. Notificado da reclamação, o Ministério Público, em 7/6/2018, veio apresentar resposta nos seguintes termos:

“(…). A pretensão formulada pela mandatária do recorrente de notificação pessoal da decisão carece de fundamento, uma vez que a mesma radica, no essencial, na violação do contraditório, o que aqui foi efetivamente cumprido, sabendo o recorrente, desde que foi ouvido sobre a possibilidade de revogação da suspensão, que tal poderia ocorrer e tendo sido, desde então, notificados à mandatária, para as contraditar, as razões pelas quais tal poderia suceder. O mesmo aconteceu com a decisão proferida por este TR, sendo certo que será a mandatária, pelo saber que tem das leis, quem poderá reagir relativamente àquela e não o recorrente que não tem conhecimentos técnicos para tal. A comunicação pessoal pretendida é claramente inócua nesse domínio, sendo a mandatária nesta fase quem mais eficazmente poderá impugnar o decidido. Daí a não necessidade de notificação pessoal nestas situações, ao contrário do que sucede com a decisão da primeira instância para o trânsito consignada no artigo 333.º, n.º 5, do CPP, consabida a ausência do arguido, pela própria natureza dos recursos. Dir-se-á ainda que o AFJ citado pelo recorrente se reporta a decisões em primeira instância e não a acórdãos, como aqui ocorre, sequenciando, aliás, o que disciplina o artigo 113.º, n.º 9, do CPP, ao referir-se a sentença.

E, quanto às alegadas inconstitucionalidades, impõe-se referir que o Acórdão do TC se reporta também a decisão de primeira instância, citando o mesmo jurisprudência que vai no sentido da não notificação de acórdãos de tribunal de 2ª instância e ainda que, nas situações aí mencionadas, o que se discute no essencial é a revogação sem audição do arguido ou sem conhecimento deste da decisão de revogação por falta de notificação pessoal, sendo a mesma efetuada via postal, sem que desta resulte que aquele teve conhecimento dos trâmites do processo nesta fase, o que de todo aqui não acontece. Não havendo, assim, nesta situação, a violação do direito a um processo equitativo, ou das garantias de defesa, como acima se referiu, não ocorrendo, pois, as alegadas inconstitucionalidades, tendo o processo sido e continuado a ser a due processe of law, a fair process, pois a reação à decisão nesta fase compete e é realizada não pelo recorrente, mas pela sua mandatária que teve conhecimento do decidido e das razões da decisão.”

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5. Em 21/6/2018, foi aberta conclusão nos autos.

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6. Em 26/10/2018, foi feita cobrança dos autos, atendendo a que o Exmo. Desembargador Relator do Acórdão proferido em 12/4/2018 se encontra de baixa médica prolongada.

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7. Na sequência, foi, em 29/10/2018, aberta, de novo, conclusão nos autos.

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 II. Cumpre apreciar e decidir:

            Está em causa na presente reclamação saber se o arguido deve der notificado pessoalmente do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação (fls. 1521/1536).

            Resulta do artigo 425.º, n.º 6, do CPP, que o acórdão proferido pelo tribunal superior “é notificado aos recorrentes, ao recorrido e ao Ministério Público”.

            Decorre, por sua vez, do artigo 63.º, n.º 1, do CPP, que o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido “salvo os que ela reservar pessoalmente a este”.

            Pois bem, a lei não reservou pessoalmente ao arguido a sua intervenção no recurso e a notificação da decisão do tribunal de recurso (diversamente da notificação da sentença) não representa um direito que a lei reserve pessoalmente ao arguido (artigo 113.º, n.º 10, do CPP).

            Sem prejuízo de vir a ser entendido, em termos de direito a constituir, que seria melhor direito dispor a lei no sentido de que, tal como as sentenças de 1.ª instância, também os acórdãos dos tribunais superiores deveriam ser pessoalmente notificados aos arguidos, consideramos que, em termos de direito constituído, ao abrigo do n.º 10, do artigo 113.º, do CPP, não é isso o que o legislador consagrou.

Com efeito, a lei adjetiva penal não impõe, atualmente, a notificação pessoal dos arguidos relativamente aos acórdãos dos tribunais superiores proferidos em recurso.

            Tal resulta claro do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2014, Processo n.º 1049/12.6JAPRT-C.S1, relatado pela Exma. Conselheira Isabel São Marcos, in www.dgsi.pt, no qual pode ser lido o seguinte:

“(…). Efectivamente, em matéria de notificações, se é certo que a regra é a de que as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser efectuadas na pessoa do respectivo defensor ou advogado, como dispõe o primeiro segmento da norma do número 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, é ainda bem verdade que excepções a tal regra constituem as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de data para julgamento e à sentença e bem assim à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido cível, que devem ser feitas ao arguido e ao seu advogado ou defensor nomeado, como prescreve o segundo segmento da aludida norma do número 10 do artigo 113º.

Exigência que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.05.2012, proferido no Processo nº 61/09.9TASAT-C.S1, 5ª Secção, tratando-se de notificação da sentença, bem se compreende por constituindo este o acto processual, por via do qual é conhecido o objecto do processo, justifica-se que a lei exija que da mesma seja dado conhecimento directo ao arguido e demais sujeitos processuais por ele afectados.

Porém, como tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, maxime deste Supremo Tribunal, o regime das notificações não tem de ser idêntico para as sentenças de 1ª instância e para os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores, do mesmo passo que é diferente o regime, por exemplo, para efeitos de contagem do prazo de interposição do recurso num e noutro caso ou o tipo de intervenção do arguido que, diferentemente do que sucede com a audiência realizada em 1ª instância, para a audiência destinada a conhecer do recurso interposto para o tribunal superior não é convocado (número 2 do artigo 421º do Código de Processo Penal).

Por via disto, vem o Supremo Tribunal de Justiça entendendo, pacificamente, que a norma do número 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, que impõe como excepção a necessidade de notificação pessoal do arguido, não se aplica, em sede de recurso, aos tribunais superiores, mas tão-só à 1ª instância.

Interpretação normativa que, como ainda se assinala naquele acórdão de 03.05.2012, proferido no Processo nº 61/09.9, o Tribunal Constitucional considerou, em vários arestos, ser conforme à Constituição, contanto que a notificação da decisão condenatória proferida pelo tribunal de recurso se faça ao defensor que, constituído ou nomeado oficiosamente, seja o primitivo defensor, posto que, como se considerou no citado acórdão nº 59/99 do Tribunal Constitucional, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa do arguido, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento no tribunal superior.”

No mesmo sentido do que acaba de ser citado, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 59/99, 512/04, 275/06, 399/09, 234/10, 667/14, e 31/17.

Assim sendo, resulta que, no caso em apreço, a notificação do arguido do acórdão de 12/4/2018, não tendo de lhe ser feita pessoalmente, foi efetuada de forma válida na pessoa da sua ilustre mandatária, a Senhora Advogada Dra. (…).

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III. Decisão:

Nestes termos, em face do exposto, indefere-se a reclamação.

Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

Notifique.

           

(elaborado e revisto pelo subscritor, antes de assinado)

Coimbra, 19 de Dezembro de 2018

José Eduardo Martins (relator)

Maria José Nogueira (adjunta)