Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2839/08.0 TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GRAÇA SANTOS SILVA
Descritores: MÚTUO
BANCÁRIO
FALTA DE PAGAMENTO
PRESTAÇÃO
JUROS
Data do Acordão: 03/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - CÍVEIS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 781º/CC
Sumário: 1- O regime previsto no artº 781º/CC visa também a protecção dos interesses do credor, pelo que a falta de pagamento de uma das prestações, num contrato de mútuo bancário, implica a interpelação do devedor, para a exigibilidade das demais.

2- Efectuada a interpelação, as prestações seguintes àquela cujo pagamento foi omitido, no prazo devido, não incluem juros remuneratórios, por não se manter na disponibilidade do mutuário o montante do capital mutuado, correspondente a tais prestações, nem é devida a capitalização de juros, pois que a respectiva obrigação não se constituiu.

3- Apenas sobre a prestação omitida, que permitiu ao credor fazer funcionar a antecipação de exigibilidade das demais, são devidos juros remuneratórios.

4- A obrigação de juros é distinta da obrigação de capital, e não se lhe transmitem as vicissitudes que possam ocorrer na primeira.

5- O contrato de mútuo bancário está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
                       ***
                       ***
I- Relatório:
Banco A... instaurou acção declarativa, com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra B... e C..., pedindo a condenação dos RR a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 5.924,60 €, acrescida de 411,79 € de juros vencidos, mais 10,89 € de imposto de selo sobre os juros e ainda os juros que se vencerem sobre a dita quantia de 5.924,25 €, à taxa anual de 25,88 %, desde 22 de Julho de 2008, até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair.
Alegou que, no exercício da sua actividade comercial e com destino à aquisição do veículo de matrícula 00-00-ZL, por parte do R. marido, o A., por contrato datado de 14 de Fevereiro de 2005, concedeu ao R. um crédito directo, no valor de 8.325,00 €, acrescida de juros, à taxa nominal de 21,88 % ao ano, devendo a importância do empréstimo, os juros referidos, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida ser pagos em 60 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira a 20.03.2005 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes. Segundo o acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações, na data do respectivo vencimento, implicava o vencimento imediato das restantes e, em caso de mora, sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 21,88% – acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 25,88%. Mais alegou que o R. não pagou a 36ª prestação e as seguintes, com vencimento, a primeira, em 20.02.2008, e as outras nos meses seguintes, sendo que na data referida o R.ficou a dever as prestações em falta, no valor total de 5.924,25 € (236,97 € cada uma), se bem que no dia 20 de Junho de 2008 tenha pago mais o montante de 236,97 €. Pugna pelo entendimento de que o empréstimo reverteu em proveito comum do casal, destinando-se o veículo ao património comum do casal.
Regularmente citados, os réus não contestaram.
Foi proferida decisão que condenou os RR. a pagar ao A. a quantia de 237,97 € (correspondente à  36ª prestação), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de tal prestação, e até integral pagamento, à taxa acordada de 25,88%, acrescida do respectivo imposto de selo incidente sobre os juros, à taxa de 4%, e  a quantia que vier a ser liquidada (ao abrigo do disposto nos arts. 661º, nº2, por via do incidente de liquidação previsto no art. 378º, ambos do CPC) referente ao capital correspondente a cada uma das demais prestações (37ª a 60ª) – excluindo de tais prestações a parte correspondente a juros remuneratórios, imposto e seguros –, acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, desde 20.02.2008 e até integral pagamento, à taxa de juro acordada de 25,88 %, acrescida do respectivo imposto de selo, à taxa de 4%. Mais declarou que, quanto  às quantias em dívida, haverá que deduzir a quantia de 236,97 €, entregue pelo R. à A. no dia 20 de Junho de 2008, e no mais absolveu os Réus do restante peticionado.
Inconformada, a A. recorreu, pedindo que se revogue a sentença recorrida substituindo-a por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente, mediante a apresentação das seguintes conclusões das alegações de recurso:
“1. É errado e infundado o “entendimento” de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer.
2. A obrigação do mutuário num mútuo oneroso é, desde logo, aliás, a restituição da quantia ou da coisa mutuada e a respectiva retribuição acordada, precisamente pela cedência do dinheiro ou da coisa posta à disposição do mutuário.
3. A Lei não só prevê e regula expressamente (distinguindo-os) a gratuitidade ou onerosidade do mútuo (cfr. artigo 1145º do Código Civil), como expressamente prevê no artigo 1147º do referido Código Civil que “No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.”
4. É pois manifestante errado o referido “entendimento” expendido na sentença da 1ª instância, pois que se já o era errado à luz apenas das regras do mútuo civil (como se  procurou explicitar) ainda mais errado é à luz daquilo que foi expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos e à própria natureza comercial do contrato em causa, sendo que, para além do mais, tal “entendimento” constitui uma evidente violação do principio da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil.
5. Acresce, ainda, que como está provado nos presentes autos, o A., ora recorrente, é uma instituição de crédito, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 3º, alínea (i), do Regime Geral das Instituições de Créditos e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, pelo que, pode - como o fez - pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito, apesar de em tal total estarem já incluídos juros remuneratórios. E é nisso, precisamente, que consiste a capitalização de juros, actualmente os juros de juros, adquiriram estatuto de um uso bancário, permitido pelo nº 3 do artigo 560º do C. Civil e que o artigo 5º nº 6 do Dec-Lei nº 344/78, de 17 de Novembro consente para período não inferior a três meses.
6. Sendo que, aliás, no caso dos autos tal capitalização acontece desde logo, desde a celebração do contrato de mútuo, razão pela qual o referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, manda calcular desde o início e fazer constar do contrato o chamado “custo total do crédito”.
7. É, pois, inteiramente válido, legitimo e legal o pedido dos autos, sendo que é errada a decisão proferida na sentença recorrida que, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 236º, 405º, 560º, 781º, 1145º e 1147º do Código Civil, artigo 2º, alínea d) e e), artigo 4º e 9º, n.ºs 1 e 3 do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Decreto- Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que assim violou”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
***
***
II- Questões a decidir no recurso:        
Compulsadas as conclusões das motivações do presente recurso, verifica-se que são, no essencial, duas as questões decidendas: a primeira consiste em saber se, perante o contrato e a falta de realização de uma das prestações, se exige ou não interpelação do A., para que se vençam todas as restantes; a segunda, se pela antecipação de vencimento das prestações em falta são devidos juros remuneratórios, nos termos convencionados, sendo legal, nessa hipótese, a capitalização de juros. (Vide artºs. 660º, nº 2, in fine, 684º, nº 3, 690º, nº 1, do CPC, na versão anterior ao D.L. nº 303/07, de 24/8, e Acs. do STJ, de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
                       ***
                       ***
III- Factos a considerar:
Da sentença recorrida consta como assente toda a matéria de facto alegada, atenta a revelia operante, por parte dos dois RR..
Exaram-se, no entanto, os seguintes pontos essenciais à apreciação de mérito da causa, que se fixam, nos termos do artº 712º/1, a), do CPC, em resultado dos factos alegados, considerados confessados, e dos documentos junto aos autos, assinados por A. e Réu:
1. Em 14 de Fevereiro de 2005, no exercício da sua actividade comercial e com vista à aquisição do veículo automóvel Mazda, modelo «LV (MPV)», de matrícula 00-00-ZL, pelo Réu, a A. emprestou-lhe a importância de € 8.325,00, com juros à taxa nominal de 21,88% ao ano, obrigando-se aquele a restituir-lhe o quantitativo mutuado, assim como os respectivos juros, comissão de gestão e o prémio de seguro de vida, em 60 prestações, no valor de € 236,97, mensais e sucessivos, a primeira com vencimento no dia 20 de Março de 2005 e as restantes no dia 20 dos meses subsequentes.
2. Nos termos do contrato, assinado pela A. e pelo R., foram fixadas as seguintes condições específicas: Preço a contado €. 12.000.00; desembolso inicial: €4.000,00; montante de financiamento: € 8.000,00; comissão de gestão: € 75,00; montante do empréstimo: € 8.325,00; imposto de selo de abertura de crédito: € 49,95; data de vencimento da 1ª prestação: 20/03/05; data de vencimento da última prestação: 20/02/2010; nº de prestações: 60; montante de cada prestação: € 236,97; valor total das prestações: € 14.218,20; taxa de juro: 21,88; e valor mensal do Prémio Vida: € 2,08.
3. Refere-se na Cláusula 4ª (intitulada reembolsos e pagamentos) das Condições Gerais do contrato (fl. 12): a). O empréstimo será reembolsado em prestações cujo número, periodicidade, valor e datas de vencimento se encontram estabelecidos nas condições específicas.
b). (…).
c). No valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro (…)”.
4. Consta da Cláusula 8ª (intitulada Mora e Cláusula Penal) das Condições Gerais do contrato (fl. 12):
“a) O mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar aquando do respectivo vencimento o pagamento de qualquer prestação.
b) A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes.
c) Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais (…)».
5. O Réu não procedeu ao pagamento da 36.ª prestação, vencida em 20 de Fevereiro de 2008, nem das subsequentes.
6. No dia 20/6/2008, o R. entregou à A., para pagamento de parte dos seus débitos, a quantia de 236,97€.
7. O veículo adquirido com o dinheiro mutuado, destinou-se a integrar o património comum do casal constituído pelos RR.
                       ***
                       ***
IV- Fundamentos de direito:
A) Da necessidade de interpelação para operar o vencimento das prestações seguintes à primeira omitida:
As partes celebraram um contrato de mútuo oneroso (artigo 1142º do CC), que se qualifica como operação de crédito realizada por instituição de crédito nos termos do art. 1º do DL 344/78, de 25-10 e como contrato de crédito ao consumo (artigo 2º do DL nº 359/91, de 21-9), a que é, igualmente, aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (cf. art. 1º do DL nº 446/85, de 25-10).
Na sequência da falta de pagamento da 36ª prestação (em 20/2/88), no prazo devido, pugna a recorrente pela desnecessidade de interpelação para obter o vencimento das demais.
No caso dos autos a questão foi apenas colocada em sede de recurso, sem que na sentença recorrida se tenha sufragado qualquer entendimento de que as prestações seguintes à 36º não se teriam vencido por falta de interpelação.
Perfilhamos o entendimento de que, quando haja que aplicar, supletivamente, o disposto no artº 781º/CC, há necessidade de proceder à interpelação do devedor, uma vez que está na inteira discricionariedade do credor a avaliação sobre se lhe interessa ou não produzir o vencimento das demais, ou esperar pelo seu pagamento.
Dispõe o artigo 781º do CC, epigrafado “dívida liquidável em prestações”: “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”. Por sua vez dispõe a cláusula 8ª al. b) das condições gerais do contrato em apreço: “A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”.
No mútuo oneroso, o prazo presume-se estabelecido em benefício não só do mutuante, mas também do mutuário (art. 1147º/CC). Todavia, o devedor (mutuário) pode perder o benefício do prazo e a garantia de inexigibilidade (da restituição integral) de que gozava até ao fim do prazo se faltar ao pagamento de uma das prestações (arts. 780º e 781º do CC).
Sendo o prazo constituído em benefício de ambos, não se pode coarctar ao credor mutuante o direito de avaliar se tem conveniência ou não no aproveitamento da faculdade que a lei lhe confere, não estando no espírito, nem na letra da norma, e sendo violador do princípio da liberdade negocial, a imposição do vencimento automático das demais prestações.  
Se é certo que a falta de pagamento de uma prestação é susceptível de fazer com que o credor perca a confiança no devedor, quanto ao pagamento das restantes prestações, e se compreenda que pretenda acautelar  o reembolso do capital mutuado, o quanto antes, também o é que pode não ocorrer essa perda de confiança, pretendendo o credor manter na sua esfera jurídica o direito à remuneração pelo período em falta até ao termo que fora inicialmente convencionado, pois que, sem o decurso do tempo, não nasce a obrigação de juros, como adiante se verá. Tratando-se de dívida liquidável em prestações, o credor pode optar por não interpelar o devedor - exigindo-lhe o pagamento imediato das restantes prestações em dívida - situação em que estas se vencerão nas datas inicialmente convencionadas e o credor terá direito aos juros remuneratórios respectivos; ou pode reclamar o pagamento antecipado, perdendo o direito aos juros remuneratórios das restantes prestações em dívida, pois que prescindiu do prazo remanescente que os justificava. Trata-se de opção que cabe ao credor tomar, ao abrigo do disposto no artigo 781º do CC.
Façamos nossa a resenha feita nos Acs. da 2ªsecção desta Relação, tirados nos procs. 1353/08.8TJCBR e 2170/07, vindo 1º Juízo do Tribunal da Figueira da Foz, em 2/12/08 e 13/01/09, respectivamente:
 - A solução supra preconizada “é mais justa, visto que, sendo intenção proteger o credor contra situações de que resulta ameaça aos seus interesses, deve deixar-se-lhe a apreciação da conveniência ou inconveniência de se aproveitar dessa protecção”; “Não se vê motivo para consagrar, neste caso, a antecipação do vencimento, solução que pode dar origem a consequências injustas, como seria a de o credor vir mais tarde a reclamar juros de mora sobre todas as prestações vincendas, desde a data do vencimento da prestação não paga. Contra esta interpretação pode invocar-se, não só o disposto no artigo 805.º CC, mas também a circunstância de o credor poder preferir manter os prazos iniciais das prestações, sem reclamar o pagamento imediato de toda a dívida” (vide Pessoa Jorge, em “Lições de Direito das Obrigações”, I, ed.AAFDL, 1975/76, pág. 311 e 317);
- “O credor fica com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda não se tenha vencido. Assim se deve interpretar o texto do artigo 781º, e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento, ao arrepio da doutrina geral do artigo 805º, nº 1, a responder pelos danos moratórios. O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede — mas não decreta ela própria — ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor” (Antunes Varela, em “Das Obrigações em Geral”, II, 7ª ed, 2006, Almedina, pág. 54/55; cf. 3ª ed, pág. 53);
- “O devedor pode, no entanto, perder o benefício do prazo com o efeito automático de a obrigação se tornar imediatamente exigível (em sentido fraco) [sendo, consequentemente, necessária a interpelação para que se dê o vencimento, nos termos gerais que se inferem do artigo 805.º, n.º 1] quando, nos termos do artigo 780.º, n.º 1, fique insolvente ou, por culpa sua, diminuam as garantias do crédito ou não sejam prestadas as garantias prometidas; nesta última hipótese ao credor cabe, em alternativa, exigir o reforço ou a substituição das garantias – artigo 780.º, n.º 2. Numa obrigação cuja prestação possa ser fraccionada no tempo, a falta de cumprimento duma das sub-prestações implica a perda do benefício do prazo em relação às restantes – artigo 781” -  Menezes Cordeiro, em “Direito das Obrigações”, 2.º Vol., AAFDL, Lisboa, 1987, 193;
- “Mostra-se, todavia, mais razoável, também neste caso (do artigo 781º/CC), a solução de que o credor tenha de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas” - Mário Júlio de Almeida Costa, em “Direito das Obrigações”, 9ª ed., Almedina, 2003, p. 951.
No mesmo sentido vejam-se, ainda, Jorge Ribeiro de Faria, em “Direito das Obrigações”, vol. II, Almedina, 1990, p. 325, nota 1; Luís Menezes Leitão, em “Direito das Obrigações”, vol. II, 5.ª ed., 2007, p. 164/165, Vasco da G. Lobo Xavier, in “RDES”, ano XXI, nºs 1 a 4, nota 4 da pág. 201, e Baptista Machado, em “Resolução por Incumprimento”, Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Teixeira Ribeiro, II, pág. 385, nota 48.
O STJ tem-se pronunciado no mesmo sentido, quanto ao artº 781º/CC. Leiam-se os Acs. de 21.11.2006, e 27.09.2007, em www.dgsi.pt, onde se escreveu, respectivamente:
- “Este preceito legal não preconiza o vencimento imediato, mas apenas que o vencimento das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede ao credor, não prescindindo consequentemente da interpelação do devedor.
A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui.
Isto é, torna-se necessário que o credor interpele o devedor (para pagar a totalidade da dívida) para que se dê o vencimento nos termos gerais que se inferem do artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil.
O vencimento imediato significa exigibilidade imediata e não que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação em falta”.
- “Tem vindo a doutrina a entender maioritariamente, que, no caso de obrigação pecuniária pagável em prestações sucessivas, o vencimento imediato das restantes prestações à falta do pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781º C.Civil, constitui um caso de exigibilidade antecipada, mero benefício que a lei concede ao credor e que há-de ser exercido mediante interpelação do devedor.
De igual modo, a jurisprudência tem adoptado, com regularidade, esta orientação, entendendo, nomeadamente, que «vencimento imediato significa exigibilidade imediata. (…) Assim, o credor fica com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as restantes prestações cujo prazo ainda se não tenha vencido. Mas o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera, constitui um benefício que a lei concede (mas não impõe) ao credor, pelo que não prescinde da interpelação ao devedor» (Ac. STJ, de 17.01.2006). Entende-se que o artigo 781.º do C. Civil permite apenas a mera exigibilidade e não o vencimento automático de todas as prestações, isto é, tem de haver interpelação do devedor pelo credor. (…) Reconhecemos hoje que só com a interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação, realizando todas as restantes prestações, é que o credor manifesta verdadeiramente a sua vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui. Em consequência, entendemos que o artigo 781º do CC deve ser interpretado no sentido de estabelecer uma antecipação da exigibilidade da prestação, e não o seu vencimento, pelo que, só após a interpelação do devedor, se consideram vencidas as prestações com datas posteriores de cumprimento”.         
No caso dos autos, a necessidade de interpelação, no entanto, não existe, por força do clausulado contratado. Consta da condição geral 8ª al. b) que a «falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes». Onde a lei fala em vencimento, a cláusula refere imediato vencimento. Daqui emerge que:
- Fica prejudicada a necessidade de interpelação para haver vencimento antecipado das prestações restantes;
- Com o vencimento imediato das prestações restantes fica prejudicado o diferimento, para momento ulterior à celebração do contrato e perante tal falta, da dita faculdade de o Banco optar por interpelar reclamando o pagamento integral imediato ou por deixar correr o prazo;
- Como contrapartida da perda do benefício do prazo pelo mutuário, o credor perde o direito aos juros remuneratórios respeitantes às prestações antecipadamente vencidas. É que, tendo cessado o prazo, cessou o direito aos juros remuneratórios pelo tempo restante a que se referiam.
Neste mesmo sentido veja-se ainda o Ac. R.L., em CJ, 2003,I, pág. 70.
                       ***
B) Das consequências da antecipação de vencimento das prestações em falta, a nível dos juros remuneratórios convencionados:
Pugna a recorrente que, por se estar face a mútuo oneroso, as prestações vencidas por força do funcionamento do regime previsto no artº 781º/CC implicam a obrigação do mutuário pagar os juros remuneratórios por inteiro. Sem razão.
Há duas questões prévias a dilucidar, essenciais ao entendimento do funcionamento do regime estabelecido pelo normativo.
A primeira tem a ver com natureza das obrigações emergentes do contrato celebrado.
A segunda tem a ver com o significado do termo prestação.
A natureza de uma obrigação determina-se pelo conteúdo do contrato que a gera, e não pelas vicissitudes surgidas durante o período do seu cumprimento.
O normativo, conforme da sua epígrafe resulta, aplica-se apenas às dívidas liquidáveis em prestações, que no caso foi a forma convencionada para o cumprimento pelo mutuário da obrigação de restituição do capital mutuado. Isto significa que o que está em causa, perante o incumprimento de uma delas, é a pura exigibilidade das restantes. Trata-se pois, no respeito pela economia do contrato e pela intenção subjacente à sua celebração - ainda que, eventualmente, corrigida pelo regime decorrente do artº 11º do DL 466/85, de 25/10, no que ao devedor concerne - da exigibilidade parcial do cumprimento de uma única dívida, fraccionada ou repartida temporalmente, resultante do recebimento de um determinado montante de capital, num acto só, e não de uma série de dívidas, que se sucedem temporalmente, ainda que relacionadas entre si (cf. Almeida Costa, obra citada, 9ª, pág. 643 e 644). Verificado o incumprimento de qualquer prestação, o que a lei permite é a antecipação da exigibilidade das demais.
A esta obrigação, acresce uma obrigação de juros, com regime perfeitamente autónomo, sendo que as vicissitudes de qualquer uma delas não acompanha a outra. É da incorporação das prestações emergentes de ambas as obrigações e não da aplicação, pura e simples, do regime previsto no artº 781º/CC, que se afere o custo total do crédito.
Quanto ao significado do termo prestações, resulta da natureza da obrigação, supra referida, e da própria terminologia do contrato, que pode ser usado em duas acepções diversas: uma como o resultado do fraccionamento aritmético de uma dívida única pelo número de vezes em que o pagamento foi acordado, devendo cada uma das fracções pré-fixadas ser paga no momento acordado para o seu vencimento, periódico ou não (fracção de capital, no caso, de vencimento periódico); outra, a correspondente à soma desse valor com as demais obrigações assumidas, para serem pagas juntamente com cada uma das fracções de capital – montante total a pagar, com vencimento nas datas em que se vencem as fracções de capital).
O primeiro sentido está patente na expressão da al. a) da cláusula 4ª: “O empréstimo será reembolsado em prestações…» pois o que se reembolsa ou restitui é o que ao mutuante fora entregue a título de empréstimo, acrescido das despesas que teve que suportar com a realização do contrato: os juros são embolsados pelo mutuante e não reembolsados; o segundo emerge da expressão da al. c) da mesma cláusula, ao referir que “no valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro”. Consoante as situações as prestações mensais variam: no primeiro caso, deveriam ter o valor de 133,333€, cada uma (e não 138,75€, como têm, porque o valor efectivamente mutuado foi de 8.000,00€, e não os 8.325,00, falaciosamente alegados, e provados apenas por confissão da parte contrária, a dividir pelas 60 prestações estabelecidas); no segundo, o de 236,97€, cada qual, conforme das condições específicas consta, já que a A. adicionou a cada uma das fracções do capital o valor do seguro e dos juros remuneratórios, à taxa estabelecida. Só em relação ao fraccionamento do capital mutuado se pode falar em reembolso de capital. O demais são juros - desembolso do mutuário, em benefício do mutuante, ou seja, pagamento do preço do dinheiro que este lhe facultou - e despesas convencionadas, cuja obrigação de devolução não resulta do regime do mútuo, único fundamento invocado quer como causa de pedir, na p.i., quer no recurso em apreço (estará em causa uma obrigação de restituir por enriquecimento indevido).
Daqui resulta que, com a antecipação da exigibilidade das prestações, o que é devido é apenas a restituição daquilo que foi prestado, e não um lucro indevido, por força da disponibilização de um capital, que não ocorreu durante todo o período inicialmente convencionado para a duração do contrato, pois que foi substancialmente encurtado, com o vencimento imediato das prestações subsequentes à omitida. 
No caso, o prazo do mútuo oneroso, conforme convencionado inicialmente, era de 60 meses. A determinada taxa constante, os juros, que constituem a retribuição do mútuo (art. 1145º/1, do CC), proporcionam um rendimento maior ou menor consoante o prazo do mútuo: rendimento tanto maior quanto mais dilatado o prazo, tanto menor quanto mais abreviado o prazo.
Pese embora a existência de múltiplos acórdãos no sentido propugnado pelo recorrente, quanto à dívida de juros remuneratórios pelas prestações antecipada e imediatamente vencidas, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo em sentido contrário, como se constata da leitura, de entre outros, dos seguintes acórdãos, publicados em “www.dgsi.pt”, e já indicados nos Acs. desta Relação, tirados nos procs. 1353/08.8TJCBR e 2170/07, supra citados:
- De 19/4/05, no proc. 05A493, que refere que “Quanto às prestações vencidas antecipadamente não nasceu a obrigação de juros com o decurso do tempo; o disposto no artigo 781º não conduz ao vencimento antecipado de prestações de juros”;
- De 11/10/05, no proc. 05B2461, que refere que “Os juros remuneratórios constituem contraprestação da cedência do capital, correspondente ao rendimento respectivo em função do tempo em que o credor está privado da utilização do mesmo. Têm, pois, natureza retributiva. Com a antecipação resultante da perda de benefício do prazo determinada pela falta de pagamento de uma das prestações, o que, de harmonia com o artigo 781.º C.Civil, passa a ser exigível são as demais fracções da dívida parcelada, que é a do capital. Não também o que, incluído nas prestações estipuladas, corresponda a juros remuneratórios, uma vez que, calculados em proporção ao tempo efectivamente decorrido, não corresponderiam, sem o seu decurso, à retribuição que, por definição, representam ou constituem.
Concluiu-se, por conseguinte, que o regime do artigo 781º não era aplicável a prestações de juros e que, com a falta de pagamento da prestação que desencadeia a perda de benefício do prazo, só se venceu o capital incluído nas prestações subsequentes, e não também os juros remuneratórios, respectivo imposto e prémios de seguro de vida nela incluídos”.
- de 7/3/06, no proc. 06A38, que menciona que “tendo-se vencido antecipadamente a obrigação do capital mutuado, deixou de decorrer o prazo a que se referiam os juros remuneratórios incorporados nas prestações mensais, pelo que os mesmos juros deixaram de ter contraprestação na utilização do dinheiro mutuado durante o tempo que foi encurtado”.
No mesmo sentido, vejam-se ainda os Ac. do STJ, de 12/6/2006, no proc. 06A2338; de 14/11/06, no proc. 06A2718; de 6/3/08, no proc. 07A4617; de 23/9/08, no proc. 08B3923.
Em suma: não se tendo constituído a obrigação de pagamento de juros remuneratórios – porque só nasce com o decurso do tempo e o benefício do prazo não se perde quando a obrigação a que poderia respeitar não chegou, sequer, a nascer – não há como sustentar o vencimento antecipado dessa obrigação.
Refere-se no Ac. desta Relação, tirado no proc 2170/07, doutrina que é inteiramente aplicável ao caso dos autos: “Não são devidos (juros remuneratórios) porque o artigo 781º do Código Civil, pela sua letra, faça distinção entre dívida de capital e dívida de juros remuneratórios, mas sim porque no seu espírito a faz ou a tem implícita. É que, enquanto aplicável ao mútuo oneroso, a antecipação de vencimento a que se refere o preceito não pode abranger os juros além do capital, por uma razão de necessidade lógica. Como acima ficou dito, cessando parte do prazo inicialmente acordado falta um dos elementos imprescindíveis para nascer a obrigação de tais juros: o tempo” (cf. Correia das Neves, Manual dos Juros, 1989, p. 23, 60 e 61, e Almeida Costa, obra cit., p. 695.).
“Diversamente do que o apelante defende na conclusão 6ª, a circunstância de a lei mandar calcular de início e fazer constar do contrato o chamado “custo total do crédito”, no qual se tiveram em conta os juros remuneratórios (até final do contrato), não implica serem estes necessariamente devidos sejam quais forem as vicissitudes da execução do contrato”. E não são devidos quanto à 37ª prestação de capital, e seguintes, porque os RR. deixaram de beneficiar do prazo a elas respeitante.
Juros remuneratórios em dívida, na situação em apreço, são apenas os correspondentes à 36ª prestação de capital, vencida em 20-2-2008, cuja falta de pagamento provocou o imediato vencimento das restantes. E apenas esses juros são capitalizáveis, nos termos do disposto nos artigos 560º/ 3, do CC, e 5º, do DL nº 344/78, de 17-11 (na redacção dada pelo DL nº 204/87, de 15-5).
A este entendimento não obsta o contido no ponto 6. da conclusão do recurso.  O custo total do crédito reporta-se, naturalmente, a uma estimativa, que se manterá ou não, consoante as vicissitudes que forem ocorrendo no contrato de mútuo, dentre as quais há que considerar a exigibilidade das prestações vincendas.
                       ***
2. A recorrente invoca que retirar das prestações devidas o valor dos juros remuneratórios equivale a equiparar o mútuo oneroso ao mútuo gratuito. Não tem, mais uma vez, razão no que aduz. Se é facto que o mútuo celebrado teve um custo acordado, esse custo tem que ser limitado ao período de tempo em que a obrigação de pagamento em prestações subsistiu. Cessando esta, por o credor ter exercido a faculdade de exigir as prestações ainda em falta, não deixou de ocorrer a remuneração, pelo vencimento dos juros pertinentes, em relação às prestações efectivamente vencidas e pagas pela forma acordada. Quanto às demais, tendo deixado de estar à disposição do mutuário o capital inicialmente cedido, os juros possíveis são os moratórios, inerentes à demora da entrega do capital que, legalmente, já não lhe pertence.
3. A estipulação do prazo em benefício de ambas as partes, presumida e não ilidida nos autos, significa que enquanto o mutuante beneficia da remuneração, que é tanto maior quanto mais dilatado for o prazo de pagamento, ou seja, o número de prestações, o mutuário beneficia da livre disponibilidade do capital mutuado até ao termo da restituição. No caso previsto no artº 1147º/CC a diferença em relação ao regime geral relativo ao pagamento antecipado (artº 779º/CC) resulta do facto de que, tendo o prazo sido estabelecido também no interesse do credor, o devedor ao proceder à antecipação de pagamento de forma voluntária, não pode defraudar as legitimas expectativas de remuneração daquele (entendimento defendido por Pessoa Jorge, na obra citada).
Ao invés, no caso dos autos, foi o interesse do credor que se fez prevalecer, pelo funcionamento da cláusula do vencimento imediato, que no seu entendimento acautelou, da melhor forma, o direito à garantia da recuperação do capital mutuado. Se essa restituição lhe é exigida antecipadamente, pelo funcionamento do disposto no artº 781º/CC, as características inerentes à natureza onerosa do mútuo desaparecem, a partir desse momento, porque tendo o mutuário perdido o benefício do prazo perdeu o direito à inexigibilidade até que ele se esgote, contrapartida necessária do direito à remuneração por parte do mutuante.
                       ***
4. Entende, por fim, a recorrente que a obrigação do mutuário é uma só, e compreende quer a restituição de capital, quer o pagamento dos juros convencionados.
Ora, sendo a obrigação de juros uma das modalidades das obrigações, cujas vicissitudes não acompanham a do crédito principal, não é defensável o entendimento sufragado.
A este respeito, veja-se Almeida Costa, na obra citada, p. 697: “A ideia básica é a da autonomia do crédito de juros. O legislador define-a nos seguintes termos: «Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro» (art. 561º)”; e A. Varela, na obra citada, p. 54, “(…) a falta de pagamento dos juros não implica o vencimento imediato da dívida de capital, visto não se tratar de fracções da mesma dívida, mas de dívidas distintas, ainda que estreitamente conexas entre si”.
O entendimento que cremos ser o correcto é o de que a obrigação de juros (remuneratórios) não se constituiu em relação às prestações seguintes à que despoletou a sua exigibilidade, porque terminou o prazo do mútuo, pressuposto necessário do seu surgimento.
                       ***
4. Face ao supra referido, não se pode sustentar que a capitalização de juros que não se chegaram vencer se produza. A única capitalização possível é a relativa à 36ª prestação, que é a única que, tendo-se vencido no prazo convencionado, não foi paga. As demais foram exigidas antecipadamente e, em relação a elas, só são devidos juros moratórios.
Este entendimento é, aliás, o que melhor se coaduna com a necessidade de salvaguardar o equilíbrio das posições dos contraentes (artº 237º/CC) e o que decorre do regime jurídico aplicável, relativo às cláusulas contratuais gerais, por ser o mais favorável aos devedores/consumidores (artº 11º/2, do DL 445/85, de 25/10). Neste último sentido, veja-se o supra citado Ac. do STJ, de 19/4/05, que refere: Diz o artº 10º do DL  446/85, de 25/10, que as cláusulas contratuais gerais são interpretadas …. de harmonia com as regras relativas à interpretação …. dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam. Textua depois o artº 11º que as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição do aderente real ( nº1), devendo na dúvida prevalecer o sentido mais favorável ao aderente ( nº2).
Assim, como resulta do artº 236º, nº 1, do Código Civil, vale o sentido que às cláusulas ambíguas atribuiria um aderente normal, colocado na posição do aderente real.
Todavia, as particulares responsabilidades que recaem sobre quem impõe cláusulas contratuais gerais - adstrito a deveres de clareza, reforçados pelo princípio da boa fé - justificam que não se tenha consagrado uma ressalva semelhante à constante do último segmento do nº 1 do artº 236º e que, esgotadas todas as hipóteses, prevaleça o sentido mais favorável ao aderente, quando se mantenha a ambiguidade de alguma cláusula contratual geral incluída num contrato singular (Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, pág. 32). Ora, um declaratário normal (bonus pater familias) colocado na real posição do R. aderente, interpretaria a cláusula 8ª, b), no sentido de que a falta de pagamento de uma mensalidade implicaria apenas a perda do benefício do escalonamento do pagamento de capital mutuado, e não no sentido defendido pela recorrida, e sufragado pela sentença, de que a falta de pagamento de uma mensalidade acarretaria também o pagamento de todos os juros que nasceriam até ao fim do contrato, interpretação que se afigura despropositada para um declaratário normal, colocado na precisa situação do recorrente”.

                       ***
Cabe assim a confirmação integral da sentença recorrida.
                       ***
                       ***
Sumariando:
1- O regime previsto no artº 781º/CC visa também a protecção dos interesses do credor, pelo que a falta de pagamento de uma das prestações, num contrato de mútuo bancário, implica a interpelação do devedor, para a exigibilidade das demais.
2- Efectuada a interpelação, as prestações seguintes àquela cujo pagamento foi omitido, no prazo devido, não incluem juros remuneratórios, por não se manter na disponibilidade do mutuário o montante do capital mutuado, correspondente a tais prestações, nem é devida a capitalização de juros, pois que a respectiva obrigação não se constituiu.
3- Apenas sobre a prestação omitida, que permitiu ao credor fazer funcionar a antecipação de exigibilidade das demais, são devidos juros remuneratórios.
4- A obrigação de juros é distinta da obrigação de capital, e não se lhe transmitem as vicissitudes que possam ocorrer na primeira.
5- O contrato de mútuo bancário está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais.
                       ***
                       ***
V- Decisão:
Atento o supra exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando inteiramente a sentença recorrida
Custa da acção conforme decidido na sentença recorrida, e do recurso pela A/recorrente.