Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2049/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE FACTO E DANO
CAUSA ADEQUADA
Data do Acordão: 09/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VILA NOVA DE FOZ CÔA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 483º, Nº 1, E 563º DO C. CIV. .
Sumário: I – A fórmula usada para definir o “nexo de causalidade ” ( quando é que, para efeito do direito, o facto pode e deve ser tido como causa do dano?) a que se reportam os artºs 483º, nº 1, e 563º do C. Civ., é a considerada, pela doutrina e pela jurisprudência, na sua vertente negativa, isto é, “ o facto-condição só não deve ser considerado causa adequada do dano quando se mostre, pela sua natureza, de todo inadequado à produção do dano e o haja produzido apenas por ocorrência de circunstâncias anómalas ou excepcionais que intervieram no caso concreto, isto é, não basta que o vento tenha produzido certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar como tendo sido causado ou provocado por ele, sendo antes necessário que o evento danoso seja uma causa provável, adequada, desse efeito “ – é a formulação de Enneccerus-Lehmann .
II - Do que resulta que uma dada condição deixará de ser causa ( adequada ) do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, seja de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias e anómalas, sendo, portanto, inadequada para esse dano .

III - O facto de a Apelante, através de agentes seus, haver colocado um tapete rolante, para transporte de azeitona, sobre o passeio de uma rua pública e ainda ocupando parte da largura da faixa de rodagem automóvel ( em cerca de um metro ), tapete esse que, por ter sido embatido por um veículo automóvel em circulação nessa via, caiu ao chão, indo colher um peão que se encontrava nesse passeio (o autor), não deve ser considerado como inadequado quanto aos danos causados por essa queda e sofridos por esse peão .

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Foz Côa, A..., menor, representado por seus pais B... e C..., todos residentes na Rua de Moçambique, nº 19, em Almeirim, instauraram contra a D..., com sede na Av. José Malhoa, nº 9, em Lisboa, e contra a E..., com sede em Vila Nova de Foz Côa, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento ao A. do montante de Esc. 8.445.391$00, acrescida de juros de mora desde a citação .
Para tanto e muito em resumo, alegou que cerca das 17H30 do dia 9/12/1994 ocorreu um acidente de viação na Rua dos Correios, em Vila Nova de Foz Côa, em que interveio o veículo ligeiro de mercadorias matrícula 98-13-BD, pertencente a F... e conduzido por G... .
Que o referido veículo circulava na referida via no sentido nascente-poente, demasiado junto do passeio do seu lado direito .
Que a Cooperativa demandada tinha colocado um tapete rolante, para transporte de azeitona, nesse dito passeio, onde este mede 2,80 metros de largura, mas o qual era mais comprido que essa largura, pelo que ainda ocupava cerca de 1 metro da faixa de rodagem, sem qualquer tipo de sinalização .
Que, por isso, o veículo 98-13-BD acabou por embater no dito tapete, fazendo-o cair, no que este colheu o A., que se encontrava no passeio .
Que, por isso, tal acidente se deveu a culpas concorrentes do condutor do veículo e da Cooperativa demandada, pelo que devem ambos responder pelos danos causados ao A., danos estes patrimoniais e não patrimoniais e que se descrevem e para os quais o A. pede o montante peticionado .
Que tendo a seguradora demandada celebrado um contrato de seguro automóvel com a proprietária do veículo em questão, titulado pela apólice nº 20169967, responde ela pelos danos causados .
II
Contestaram ambas as Rés, alegando, muito em resumo:
A Cooperativa :
que nenhuma culpa teve no sucedido, pelo que não pode ser responsabilizada pelas consequências resultantes do sinistro, devendo entender-se que toda a culpa será de atribuir ao condutor de veículo, por não ter tomado as precauções devidas à situação que se lhe apresentou .
A Seguradora :
que o veículo BD circulava de acordo com todas as regras estradais, tendo-se dado o embate entre a parte superior direita do toldo da caixa de carga e a extremidade do referido tapete rolante utilizado para carga e descarga de azeitona, o qual estava mal assente no passeio e tinha a sua extremidade aérea a ocupar cerca de 1 metro da faixa de rodagem e a cerca de 2,50 metros de altura do solo, onde o veículo circulava .
Que não havia qualquer sinalização desse tapete, pelo que era impossível ao condutor do veículo visualizar o dito tapete .
Que foi a Cooperativa quem deu causa ao sinistro, por ter agido como agiu .

Terminaram ambas as Rés pedindo a respectiva absolvição do pedido .
III
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada como regular a tramitação havida, com selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa .

Foi efectuado um exame médico-legal na pessoa do A., a que se seguiu a realização da audiência de discussão e julgamento, com inspecção judicial ao local do sinistro, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação .

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente contra a Ré E..., com a sua condenação no pagamento ao A. da quantia de € 18.489,72 , a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais causados, quantia esta acrescida de juros de mora desde a citação e sobre € 489,72, e desde 19/12/2003 sobre o remanescente .
A Ré D... foi absolvida do pedido .
IV
Dessa sentença recorreram a Ré Cooperativa e o A., este subordinadamente, recursos esses que foram admitidos como apelações, o primeiro com efeito suspensivo ( para o que foi prestada caução ) e o segundo com efeito devolutivo .

Nas alegações que apresentaram, os Apelantes concluíram da seguinte forma :
Apelante E... :
1ª - Ao ter-se em conta que “ a faixa de rodagem no local onde se deu o acidente tem 6,80 metros de largura “, leva a que se considere como matéria conclusiva a matéria que consta do ponto 14 dos factos provados .
2ª - O constante do ponto 16 da matéria de facto deve ser entendido como exclusiva “atenção ao trânsito”, pois que se o condutor tivesse também atenção ao tapete não teria nele embatido .
3ª - A faixa de rodagem tem no local do acidente a largura de 6,80 metros e os veículos que circulavam no sentido oposto não ocupavam mais de 2 metros da faixa de rodagem .
4ª - O tapete não ocupava mais do que 1 metro da faixa de rodagem e tinha grandes dimensões ( vários metros de cumprimento e 2,50 metros de altura ) .
5ª - O local é uma recta .
6ª - Foi o veículo BD que foi embater no tapete com o canto superior direito do toldo da caixa de carga .
7ª - Donde resulta que o veículo BD tinha uma parte da faixa de rodagem livre, de cerca de 3,80 metros, podendo passar sem embater no tapete .
8ª - A causalidade adequada, directa e necessária, para a produção do acidente foi o embate no tapete por parte do veículo BD, embate que se deve em virtude de desatenção ou imperícia do condutor do BD .
9ª - Estará, assim, demonstrada a culpa de tal condutor .
10ª - A Ré Seguradora deve responder pelos danos e prejuízos causados, nos termos do artº 483º do C. Civ. .
11ª - Verifica-se, ainda, a culpa presumida de tal condutor, atento o facto de que conduzia um veículo por conta de terceira proprietária, nos termos do nº 3 do artº 503º do C. Civ. .
12ª - No caso de culpa presumida inverte-se o ónus da prova, não tendo sido provado que o condutor do BD não teve culpa no acidente .
13ª - Ainda que actuasse sem culpa sempre responderia pelos danos, no âmbito da responsabilidade objectiva, prevista no artº 503º, nº 1, do C. Civ. .
14ª - Requer-se, assim, a revogação da sentença recorrida, com a consequente absolvição da recorrente e a condenação da Ré Seguradora .

Apelante Autor ( quer enquanto Apelante quer enquanto Apelado ) :
1ª - A demandada E... deverá ser condenada no pagamento de juros moratórios a partir da citação .
2ª - a sentença recorrida, quanto ao mais, não merece a mais ténue censura, pelo que deve ser confirmada .
V
Contra-alegou a Ré Seguradora, sustentando, muito em resumo, que o recurso interposto pela Ré Cooperativa carece de fundamento legal e que contém uma deturpada interpretação dos factos, bem como a extrapolação dos mesmos .
Que a Ré Cooperativa violou o disposto nos artºs 3º e 8º do C. E., na redacção do DL nº 114/94, de 3/05, e os artºs 1º e 4º do Dec. Regulamentar nº 33/88, de 12/9, pelo que se presume a sua culpa na produção dos danos daí decorrentes, presunção essa não ilidida .
Que a causa adequada dos danos sofridos pelo autor foi a conduta da recorrente, pelo que se deve confirmar a sentença recorrida, a qual fez uma correcta interpretação e aplicação do direito .
Terminou pedindo a improcedência do recurso de apelação deduzido pela Ré Cooperativa .
VI
Neste Tribunal da Relação foram aceites os recursos interpostos e tal como foram admitidos em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta ao conhecimento dos respectivos objectos, os quais, face às conclusões apresentadas pelos Apelantes, se podem resumir às seguintes questões :
A – Reapreciação da matéria de facto dada como assente, no sentido de lhe dever ou não ser introduzido o facto de que “ a faixa de rodagem, no local onde se deu o acidente, tem 6,80 metros de largura “ , e de que os pontos 14 e 16 da matéria de facto contêm matéria conclusiva .
B – Reapreciação da decisão de mérito recorrida, designadamente para efeitos de se poder reapreciar se existe ou não nexo de causalidade entre a conduta da Ré Apelante e o sinistro ocorrido .
C – Reapreciação da conduta do condutor do veículo, no sentido de se apurar se é ou não de presumir a sua culpa pelo acidente em causa .
D – Reapreciação da decisão proferida no que respeita à atribuição de juros de mora ao A. sobre os valores indemnizatórios por danos não patrimoniais e por danos patrimoniais futuros .

Antes de entrarmos na análise de tais questões, importa que se indique a matéria de facto dada como assente em 1ª instância, a qual, em si mesma, não mereceu impugnação por parte da Recorrente .
É ela constituída pelos seguintes pontos :
1 – Cerca das 17H30 do dia 9/12/1994, ocorreu um acidente de viação na Rua dos Correios, em Vila Nova de Foz Côa, no qual interveio o veículo ligeiro de mercadorias matrícula 98-13-BD, propriedade de F... e conduzido por G... ( al. a) dos factos dados como assentes ) .
2 – O veículo BD circulava na Rua dos Correios no sentido nascente-poente ( al.. b) ... )
3 – Em sentido contrário circulavam dois outros veículos ligeiros ( al. c) ... ) .
4 – A Ré Cooperativa tinha colocado um tapete rolante, para transporte de azeitona, no passeio do lado direito da dita rua, atento o sentido de marcha referido no ponto 2 supra ( al. d) ... ) .
5 – Tal passeio tem a largura de 2,80 metros ( al. e) ... ) .
6 – O veículo BD embateu com o canto superior direito do toldo da caixa de carga na extremidade do tapete aludido no ponto 4 supra, o qual caiu ( al. f) ... ) .
7 – O BD é um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com caixa de carga de cerca de 2,50 metros de altura e coberta com um toldo ( al. g) ... ) .
8 – A responsabilidade civil por acidentes de viação causados pelo veículo BD está transferida para a Ré Seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 20.169.967 ( al. h) ... )
9 – O A. nasceu em 12/09/1983 ( al. i) ... ) .
10 – O tapete aludido no ponto 4 supra ocupava, para além do que aí consta, ainda parte da faixa de rodagem não concretamente apurada mas situada entre 60 e 100 cms ( resposta ao quesito 1º ) .
11 – E estava a cerca de 2,50 metros de altura do solo ( resposta ao quesito 2º ) .
12 – Não havia qualquer sinalização nem no tapete nem no solo ( quesito 3º, dado posteriormente como assente entre as partes ) .
13 – Os veículos aludidos no ponto 3 supra não ocupavam mais de 2 metros da faixa de rodagem, desconhecendo-se o local por onde esses veículos circulavam, por referência ao eixo da via ( resposta ao quesito 6º ) .
14 – O embate aludido no ponto 6 supra ocorreu por causa do referido em 10 a 12 supra ( resposta ao quesito 7º ) .
15 – A queda aludida no ponto 6 supra colheu o autor que se encontrava no passeio ( quesito 8º, dado posteriormente como assentes entre as partes ) .
16 – O condutor do BD circulava com atenção ao trânsito ( resposta ao quesito 11º ) .
17 – O BD circulava a distância inferior a 1 metro do passeio do lado direito, atento o seu sentido de marcha ( resposta ao quesito 12º ) .
18 – Quando ocorreu o embate aludido no ponto 6 supra, o BD cruzava-se com os veículos aludidos em 3 ( quesito 13º dado posteriormente como assente entre as partes ).
19 – O condutor do BD, aquando do acidente aludido em 1, estava a trabalhar por conta e no interesse de F..., e ia entregar a um cliente desta mercadoria por ela vendida ( resposta ao quesito 15º ) .
20 – Após o acidente, o autor foi transportado para o Centro de Saúde de Vila Nova de Foz Côa, onde recebeu os primeiros tratamentos e logo depois foi transferido para o Hospital da Guarda ( quesito 16º dado posteriormente como assente entre as partes ) .
21 a 37 - ... ( são factos apenas relativos aos danos sofridos pelo autor, que não têm qualquer relevância para a discussão dos objectos dos recursos interpostos ) .
38 – A Ré Cooperativa foi citada em 29/9/2000 .
( 39 – que abaixo será aditado )

Passando à abordagem das questões supra enunciadas, pretende a Apelante que se dê também como assente a medida da largura da estrada no local do acidente, e que considerem como conclusivos os pontos da matéria de facto enumerados sob os pontos 14 e 16 da sentença recorrida ( e acima referidos sob esses mesmos nºs ) , os quais correspondem às respostas dadas aos quesitos 7º e 11º da base instrutória, respectivamente .
Naquele era perguntado se o embate do veículo na extremidade do tapete rolante foi devido ao perguntado nos quesitos 1º a 5º ( dos quais os quesitos 4º e 5º mereceram respostas negativas ) e no quesito 11º era perguntado se o condutor do veículo BD circulava com toda a atenção ao trânsito .
Convenhamos que afirmar-se que um condutor seguia atento ao trânsito é apenas uma constatação de facto, resultante dos meios de prova considerados, e que a Apelante não põe em causa quanto à sua demonstração, pelo que nada de conclusivo se pode considerar nessa afirmação .
E o mesmo acontece no que respeita à resposta dada ao quesito 7º, pelo qual apenas se procurava indagar a causa efectiva do embate havido, designadamente se a dita causa devia ou não ser encontrada na matéria de facto quesitada sobre a forma como o tapete rolante estava colocado na via pública e a forma como o condutor do veículo aí circulava, ou se havia outras causas explicativas para esse embate .
Responder-se como se fez, tanto mais que foram dadas respostas negativas aos quesitos 4º e 5º, apenas se afirma ou dá como demonstrada uma constatação de facto ou, se se quiser, uma ilação ou presunção judicial, admitida nos termos dos artºs 349º e 351º do C. Civ., e que , convenhamos, é perfeitamente admissível no presente caso, dados os factos resultantes das respostas aos quesitos 1º, 2º e 3º, considerados como provados, dos quais resulta que o embate do veículo BD na extremidade do tapete rolante apenas se ficou a dever ao facto desse tapete estar a ocupar cerca de 1 metro da faixa de rodagem, a uma altura de cerca de 2,50 metros do solo, e para o que não havia qualquer sinalização, nem no tapete nem no solo .
Donde que seja perfeitamente admissível tal resposta, a qual até se encontra fundamentada no depoimento da testemunha comum a ambas as partes de nome Ilda de Jesus Amaro Mimoso Sadio, que viu a carrinha tocar no tapete e este cair, estando o tapete parcialmente dentro da faixa de rodagem, sobre a via pública, não sinalizado .
Também a inspecção judicial feita ao local contribuiu decisivamente para essa convicção, conforme consta da fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente devido à existência de árvores de pequeno porte alinhadas a 1,40 metros do lancil do passeio e de postes de iluminação, o que dificultava uma percepção da localização de um tapete rolante sobre a via a 2,50 metros de altura do solo .
Donde que não seja censurável a decisão proferida sobre o referido quesito 7º, pelo que se mantém a mesma .

Já quanto à medida da largura da faixa de rodagem no local do acidente, de 6,80 metros, porque assim foi alegado pelo autor – artigo 6ºda petição – e não foi tal matéria objecto de impugnação, tendo até sido aceite pela Ré Cooperativa – artigo 6º dessa contestação – importa considerar tal facto, ao abrigo do artº 659º, nº 3, do CPC, pelo que se decide aditar à matéria de facto acima enunciada o seguinte facto :

39 – No local do acidente a faixa de rodagem media 6,80 metros de largura .
***
Passando às 2ª e 3ª questões supra enunciadas, cuja apreciação deve ser feita em simultâneo, dada a natureza dessas questões, entendeu-se na sentença recorrida que no presente caso nos encontramos perante uma situação de responsabilidade civil por acto ilícito, tendo em conta o pedido formulado e a causa de pedir que lhe serve de fundamento, nos termos do artº 483º, nº 1, do C. Civ. .
E aí se escreveu que, no presente caso, como questão nuclear, sobressai a questão do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, a causa adequada à ocorrência do dano, para então se concluir que não existem dúvidas de que os danos decorreram e tiveram origem na queda do tapete rolante, o qual atingiu o autor e a sua bicicleta, pelo que foi considerado que deixar, como fez a agora Apelante, um tapete rolante “ estacionado” num passeio com uma parte pendendo sobre a faixa de rodagem destinada ao trânsito de veículos, sem qualquer sinalização, não pode deixar de ter-se como causa adequada dos danos causados ao autor, que se encontrava no passeio e aí foi atingido pelo tapete, que depois de embatido por um veículo em circulação caiu no passeio .
E também foi entendido que a conduta do condutor do veículo, designadamente com o embate do veículo no tapete, já não é causa adequada do acidente ocorrido e danos dele resultantes para o autor, uma vez que conduzindo ele com atenção ao trânsito não lhe era exigível que devesse ter visto o tapete rolante sobre a via, já que não estava sinalizado .
Apreciando esta posição, não podemos deixar de manifestar o nosso total acordo a esse entendimento .
Com efeito, é sabido que a fórmula usada para definir o “nexo de causalidade ” ( quando é que, para efeito do direito, o facto pode e deve ser tido como causa do dano?) a que se reportam os artºs 483º, nº 1, e 563º do C. Civ. é a considerada, pela doutrina e pela jurisprudência, na sua vertente negativa, isto é, “ o facto-condição só não deve ser considerado causa adequada do dano quando se mostre, pela sua natureza, de todo inadequado à produção do dano e o haja produzido apenas por ocorrência de circunstâncias anómalas ou excepcionais que intervieram no caso concreto, isto é, não basta que o vento tenha produzido certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar como tendo sido causado ou provocado por ele, sendo antes necessário que o evento danoso seja uma causa provável, adequada, desse efeito “ – é a formulação de Enneccerus-Lehmann .
Do que resulta que uma dada condição deixará de ser causa ( adequada ) do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias e anómalas, sendo, portanto, inadequada para esse dano .
No sentido exposto e que seguimos de muito perto, podem ver-se, entre outros arestos, os Ac. do STJ de 28/05/2002, in Rec. de Revista nº 1464 / 02 ; de 27/01/2004, in C. J. STJ, ano XII, tomo I, pg. 46 ; de 4/11/2004, in C.J. STJ, ano XII, tomo III, pg. 108 .
Na doutrina, veja-se o C. Civ. Anotado, vol. I, dos Prof. Pires de Lima e A. Varela, pgs. 415 a 421 e 502 , e autores aí citados ; dos mesmos autores, “ Das Obrigações em Geral “, vol. I, 6ª ed., pgs. 869 e segs .
Donde resulta que, no presente caso, haverá que indagar se o facto de a Apelante, através de agentes seus, haver colocado um tapete rolante, para transporte de azeitona, sobre o passeio de uma rua pública e ainda ocupando parte da largura da faixa de rodagem automóvel ( em cerca de um metro ), tapete esse que, por ter sido embatido por um veículo automóvel em circulação nessa via, caiu ao chão, indo colher um peão que se encontrava nesse passeio (o autor), deve ou não ser considerado como inadequado quanto aos danos causados por essa queda e sofridos por esse peão, por, designadamente, se dever entender que tal apenas se verificou devido a circunstâncias anómalas ou excepcionais .
Afigura-se que a resposta a esta questão apenas pode ser aquela que foi dada em 1ª instância, isto é, há uma verdadeira causalidade adequada entre a dita atitude da Cooperativa Recorrente, o acidente verificado e danos dele resultantes para o autor, na medida em que não foi indiferente ao resultado provocado no autor a referida atitude da Ré, bem pelo contrário; não fora essa atitude de desconsideração e de imprudência em relação a deixar abandonado um objecto sobre a via pública, ocupando cerca de um metro da largura da faixa de rodagem e a cerca de 2,50 metros de altura desde o solo, sem qualquer sinalização dessa ocupação não previsível, e decerto nunca se teria dado o acidente em causa, pois não teria havido, decerto, o embate que ocorreu, e não se daria a queda desse tapete, sem o que o autor não teria sofrido danos, como aqueles que sofreu .
A conduta da Ré Cooperativa (facto) actuou como condição concreta do dano causado no autor – a colocação do tapete na via pública nas circunstâncias apuradas foi condição sem a qual o dano não se teria verificado - e, em abstracto, tal facto constitui uma causa adequada desse mesmo dano, pois era previsível e provável que desse evento pudesse resultar um embate no tapete rolante por um veículo a circular na via, fazendo-o cair -, pelo que carece de ser reparado o dano causado pela Ré Cooperativa .
Donde que esteja absolutamente demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta tida pela Apelante e os danos sofridos pelo Autor, inerente à responsabilidade civil extracontratual da Apelante .
Já o mesmo não se pode dizer da conduta do condutor do veículo, essa sim absolutamente indiferente ( na tese da referida causalidade adequada negativa, embora não materialmente ) à dita produção de danos na pessoa do autor, que estava no passeio público, onde foi colhido pela queda do tapete rolante, queda essa que se ficou a dever ao facto de a Cooperativa o ter deixado nas sobreditas condições ( a ocupar cerca de 1 metro da faixa de rodagem e a cerca de 2,50 metros de altura desde o solo ), sem qualquer sinalização adequada – o que em si viola os artºs 3º ( dever de diligência ) e 5º, nºs 1 e 2 ( dever de sinalizar os obstáculos eventuais por aquele que lhes dê causa ) , do C. Estrada aprovado pelo Dec. Lei nº 114/94, de 3/5, que era o vigente à data dos factos - , o que originou que a passagem, nesse local, de forma absolutamente normal e legal, de um veículo de mercadorias, com caixa de carga de 2,50 metros de altura, tenha levado a que se desse a queda desse tapete, por nele embater o veículo, isto é, a referida circulação do veículo apenas constitui, no caso, uma circunstância extraordinária para os danos causados ao Autor, pelo que não pode ser considerada como causa adequada desses ditos danos .
Não se verifica, sequer, qualquer evento ou conduta danosa por parte do condutor do veículo, que possa ser tida como facto-condição dos danos causados ao autor, nem se alcança em que medida essa condução pode ter violado qualquer norma estradal ou o direito do autor, por forma a responsabilizar essa condutor pelos resultados originados na pessoa do autor .
Donde que nem sequer haja que abordar o eventual nexo de imputação entre a conduta do condutor e a queda da tapete, para efeitos de apurar uma eventual culpa sua nessa queda, pois já vimos que nem sequer existe ligação adequada entre tais elementos da figura da responsabilidade civil extracontratual .
Mas, no caso presente, nem qualquer culpa pode ser atribuída a esse condutor, o qual se limitou a conduzir o veículo na via pública, com atenção ao trânsito, como lhe era exigível, não podendo dele exigir-se que previsse ou devesse previr a colocação de um objecto sobre a via, a cerca de 2,50 metros de altura do solo e ocupando cerca de um metro da largura dessa via, sem qualquer sinalização, pelo que um embate em tais circunstâncias nesse objecto, com o canto superior direito da caixa de carga, não pode deixar de ser considerado como não previsível nem censurável, dada a anormalidade dessa colocação de um objecto na via pública - artº 487º, nº 2, do C. Civ. .
Logo, não pode ver-se uma conduta culposa nessa condução, e nem o facto de esse condutor, na altura, se encontrar a trabalhar por conta e no interesse do dono do veículo, e de estar a trabalhar para entregar uma mercadoria por conta desse seu empregador, conduz a entendimento contrário .
Com efeito, embora nestas circunstâncias existe uma presunção de culpa a funcionar contra esse condutor, nos termos do artº 503º, nº 3, do C. Civ. , tal presunção é ilidível por prova em contrário, como sucedeu no caso presente, face ao anteriormente exposto, donde resultou provada a culpa da Ré Cooperativa e a ausência de nexo de causalidade entre a conduta desse condutor e os danos causados ao autor, e bem assim a ausência de culpa da sua parte, com o que ficou afastada a dita presunção .
Concluindo, importa confirmar, pelo seu rigor e acerto, a construção jurídica constante da sentença recorrida (interpretação e aplicação da lei), com cujos termos não podemos deixar de concordar em absoluto, pelo que carece de total falta de razão a Apelante na sua apelação, de cujos termos discordamos, designadamente quando aí se procura defender que a responsabilidade pelo sucedido é do condutor do veículo .
Com o que improcede a apelação deduzida pela Ré E... .
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Resta, pois, apreciar o objecto do recurso subordinado, ou seja a última das questões antes enunciadas – forma de contagem dos juros de mora .
Na sentença recorrida fez-se o apuramento dos danos patrimoniais provados, no montante de € 489,72, valor este no qual foi a Apelante condenada, com juros de mora desde a citação, o que não constitui motivo do dito recurso subordinado .
Já quanto aos chamados danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais, escreveu-se nessa sentença que, pelo recurso à equidade, se fixavam estes em € 5.500,00 , e aqueles em € 12.500,00 , e nada se refere ou acrescenta relativamente a uma possível actualização desse valor reportada à data da sentença, isto é, na sentença recorrida apenas se fixou o valor desse tipo de danos segundo princípios de equidade, sem que nesse cálculo efectivo haja sido depois feita uma concreta actualização desses valores entre a data de citação da Ré e a data da sentença, apesar de nela se haver reconhecido expressamente que a mora no cumprimento da obrigação de indemnizar ocorreu no momento da citação – 29/09/2000 .
E a propósito da fixação de juros de mora, aí também se escreveu que “ não se concorda com a doutrina fixada pelo Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002, embora se lhe deva respeito e obediência” , na sequência do que foram fixados juros de mora ( quanto a estes montantes ) desde a data da decisão .
Afigura-se que se cometeu um verdadeiro equívoco nessa sentença, porquanto não tendo havido uma decisão expressa de actualização dos referidos valores, reportada à data da sentença, como decorre da dita, a fixação de juros de mora apenas poderia reporta-se à data da citação, na sequência da apontada obediência ao citado aresto, o que importa aqui corrigir - tenha-se em atenção que no referido aresto é estabelecida como condição para os juros de mora se vencerem a partir da data da sentença em 1ª instância que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tenha sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do C. Civ. .
Donde resulta a procedência do recurso de apelação subordinado .
VII
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação deduzida pela pela Ré E..., e procedente a apelação deduzida pelo A., face ao que se confirma a sentença recorrida, excepto no que respeita à fixação de juros de mora, aspecto este no qual se altera a dita sentença, passando esses juros a ser devidos desde a data de citação e até efectivo pagamento, e para todos os montantes fixados .

Custas de ambas as apelações pela Ré E... .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /