Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
480/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO PIÇARRA
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
ADMISSIBILIDADE DE RECTIFICAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
Data do Acordão: 05/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 249º DO C. CIV. ; E ARTº 668º, Nº 1, ALS. C) E D), DO CPC .
Sumário: I – À rectificação de erros de escrita em peças processuais oferecidas pelas partes é aplicável o regime previsto no artº 249º do C. Civ. para o negócio jurídico, sendo esse erro corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração, se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto .

II – O vício da omissão de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no artº 666º, nº 2, do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação ( mas sem confusão entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes ), exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra .

III – A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão apenas se verifica quando a decisão proferida padeça de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, por a argumentação desenvolvida ao longo da sentença apontar claramente num determinado sentido e, não obstante, a decisão ser no sentido oposto .

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
Relatório
I – A... e mulher, B..., residentes em Odivelas, intentaram acção declarativa, com processo sumário, contra C... e mulher, D..., residentes em Camarneira, Cantanhede, alegando, em síntese, que:
São donos do prédio rústico sito em Vale da Luz, freguesia de S. Paulo de Frades, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 4555º, que confronta de nascente com serventia de inquilinos.
Os réus adquiriram há cerca de um ano o prédio urbano destinado à habitação com a superfície coberta de 100 m2 e logradouro de 100 m2, sito no mesmo lugar e inscrito na respectiva matriz daquela freguesia sob o art.º 1112º, cujo logradouro confina igualmente com a referida serventia de inquilinos.
No início do mês de Novembro de 1999, os réus iniciaram obras de reconstrução e ampliação desse seu prédio, na sequência das quais desterraram a dita serventia de inquilinos, rebaixaram-na, arrancaram os marcos que ali haviam sido colocados no âmbito de uma acção de demarcação e colocaram-nos dentro do prédio dos autores.
Além disso, os réus estão a construir um muro que ocupa parte da serventia de inquilinos e impede os autores de acederem através da mesma ao seu prédio, o que lhes provoca prejuízos ainda não quantificados.
Com tais fundamentos, concluíram por pedir a condenação dos réus no seguinte:
a) reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito em Vale da Luz, freguesia de S. Paulo de Frades, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 4555º;
b) demolir o muro e colocar os marcos no local em que antes se encontravam,
c) abster-se de por qualquer forma estorvar ou impedir o exercício do direito de servidão e indemnizar os autores pelos prejuízos em quantia a liquidar em execução de sentença.
Regularmente citados, os réus apresentaram contestação na qual, em síntese, sustentaram que não existe no local qualquer serventia de inquilinos, nem, aliás, há referência à mesma no registo predial, as obras que estão a levar a efeito localizam-se dentro do seu próprio prédio e em nada prejudicam os autores, na medida em que respeitam o alinhamento existente e o projecto aprovado pela C.M. de Coimbra, e, desse modo, concluíram por considerar abusiva a pretensão dos autores de passarem, sem qualquer necessidade, pelo logradouro do seu prédio e pugnaram pela consequente improcedência da acção.
Terminaram ainda por requerer a intervenção principal de Paulo Jorge da Cunha Francisco e sua mulher, Célia Maria Pereira Gonçalves da Cunha, aos quais compraram o prédio com projecto de construção/remodelação aprovado na C.M.C. que ficará inviabilizado se proceder a pretensão de passagem dos autores, para além de lhes dificultar a sua ulterior venda que haviam perspectivado, o que os forçará a invocar a nulidade dessa compra e venda, donde terem aqueles interesse em se defenderem da existência da serventia de inquilinos.
Os autores responderam pugnando pela inverificação do abuso de direito.
Deferida a requerida intervenção, os chamados apresentaram articulado próprio, alegando, em resumo, que a confinância entre o prédio de que foram proprietários e o prédio dos autores sempre foi feita através da linha recta que identificaram e que foi respeitada pelo projecto aprovado na C.M.C. e continua a ser respeitada pela construção levada a cabo pelos réus, desse modo concluindo pela inexistência de qualquer violação do direito de propriedade ou de passagem dos autores.
Após convite, nesse sentido, apresentaram os autores nova petição a concretizar o modo e tempo de constituição da serventia de inquilinos bem como os prédios abrangidos pela mesma, tendo os réus e intervenientes respondido, mantendo, no essencial, as anteriores posições.
Foi proferido despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, relegando-se, porém, para final a apreciação da excepção de abuso do direito, e condensou-se a matéria de facto, com especificação da já assente e organização da base instrutória, sem reclamação das partes.
Realizada a audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, e, antes de dirimida a matéria de facto, o Mm.º Juiz a quo, constatando que, na petição apresentada na sequência do convite ao respectivo aperfeiçoamento, existia lapso na identificação do prédio dos autores, proferiu despacho a tal corrigir, ordenando que onde se escreveu art.º 4.556º se deveria entender que se tratava do art.º 4.555º.
Inconformados com tal despacho, interpuseram os réus e intervenientes recurso de agravo, pugnando pela sua revogação. Terminaram a sua alegação, com as conclusões seguintes:
1. O despacho proferido pelo Senhor Juiz a folhas 501 não configura pelo respectivo conteúdo uma mera correcção de erros materiais, mas antes dele decorre uma substancial modificação da instância.
2. Efectivamente, o despacho em causa, o teor e conteúdo dispositivo do mesmo não se limita a proceder à correcção de erro de cálculo ou aritmético e/ou de escrita, antes opera modificação substancial na causa de pedir e nos pedidos formulados pelos AA.
3. Por conseguinte o Senhor Juiz do Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 249º do CC e 667º, n.ºs 1 a 3 do CPC, pelo que sempre aquela decisão é não só ilegítima como nula.
4. A mais, sucede que com tal despacho, o Senhor Juiz pôs em causa o princípio da estabilidade da instância, em violação do art.º 268º do CPC.
5. Por outro lado, ao modificar, sponte sua, a instância os termos desta preteriu o disposto no art.º 264º, nºs 1 a 3 do CPC.
6. Mais sucede que aquele despacho e o decidido no mesmo, com as implicações e consequências do mesmo resultantes, já sumariadas, ao ser proferido sem prévia audição pelo menos dos recorrentes não atendeu ao princípio do contraditório, violou o disposto no art.º 3º, n.ºs 1 a 4 do CPC.
7. E mais configura violação dos princípios da imparcialidade e igualdade, porquanto daquele despacho resulta alteração dos termos da acção, por iniciativa e impulso do tribunal, em exclusivo benefício, pelo menos formal dos AA., em violação do disposto ao art.º 3º A do CPC.
8. Ocorre que, ao prolatar o despacho saneador, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 510º, n.ºs 1 a 3 e 511º, atento o disposto no art.º 206º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, ficou esgotado o poder de o tribunal conhecer de quaisquer vícios que enfermassem os articulados, tendo-se em consequência quanto aos mesmos formado caso julgado, o que impedia também sobre esse ângulo o Senhor Juiz de proferir o despacho sob recurso.
9. Em conformidade, tendo pois o tribunal proferido decisão que a lei não permite e que além do mais claramente influi no exame e decisão da causa, foi assim cometida a nulidade prevista no art.º 201º, n.º 1 do CPC.
10. Nestes termos, conclui-se derradeiramente que o despacho sob recurso viola entre outros o disposto nos art.ºs 249º do CC, bem como os art.ºs 3º, n.º 1, 3º A, 206º, n.ºs 1 e 2, 264º, n.ºs 1 a 3, 268º, 273º e 667º, n.ºs 1 a 3, todos do CPC, sendo nulo, atento o disposto no art.º 201º, n.º 1 do CPC.
11. Deverá pois aquele despacho ser anulado bem como os demais actos processuais que subsequentemente lhe sucederam.
Além disso, os réus e intervenientes arguíram nulidades e do despacho que as desatendeu interpuseram igualmente agravo, concluindo, assim, a sua conjunta alegação:
1. O despacho proferido pelo Senhor Juiz a folhas 501 não configura pelo respectivo conteúdo uma mera correcção de erros materiais, mas antes dele decorre uma substancial modificação da instância
2. Efectivamente, o despacho em causa, o teor e conteúdo dispositivo do mesmo não se limita a proceder à correcção de erro de cálculo ou aritmético e/ou de escrita, antes opera modificação substancial na causa de pedir e nos pedidos formulados pelos AA.
3. Por conseguinte o Senhor Juiz do Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 249º do CC e 667º, n.ºs 1 a 3 do CPC, pelo que sempre aquela decisão é não só ilegítima como nula.
4. A mais, sucede que com tal despacho, o Senhor Juiz pôs em causa o princípio da estabilidade da instância, em violação do art.º 268º do CPC.
5. Por outro lado, ao modificar, sponte sua, a instância os termos desta preteriu o disposto no art.º 264º, nºs 1 a 3 do CPC.
6. Mais sucede que aquele despacho e o decidido no mesmo, com as implicações e consequências do mesmo resultantes, já sumariadas, ao ser proferido sem prévia audição pelo menos dos recorrentes não atendeu ao princípio do contraditório, violou o o disposto no art.º 3º, n.ºs 1 a 4 do CPC.
7. E mais configura violação dos princípios da imparcialidade e igualdade, porquanto daquele despacho resulta alteração dos termos da acção, por iniciativa e impulso do tribunal, em exclusivo benefício, pelo menos formal dos AA., em violação do disposto ao art.º 3º A do CPC.
8. Ocorre que, ao prolatar o despacho saneador, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 510º, n.ºs 1 a 3 e 511º, atento o disposto no art.º 206º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, ficou esgotado o poder de o tribunal conhecer de quaisquer vícios que enfermassem os articulados, tendo-se em consequência quanto aos mesmos formado caso julgado, o que impedia também sobre esse ângulo o Senhor Juiz de proferir o despacho sob recurso.
9. Em conformidade, tendo pois o tribunal proferido decisão que a lei não permite e que além do mais claramente influi no exame e decisão da causa, foi assim cometida a nulidade prevista no art.º 201º, n.º 1 do CPC.
10. Nestes termos, aquele despacho, ao invés do concluído, no despacho recorrido, constante de folhas 537 a 538 viola entre outros o disposto nos art.ºs 249º do CC, bem como os art.ºs 3º, n.º 1, 3º A, 206º, n.ºs 1 e 2, 264º, n.ºs 1 a 3, 268º, 273º, todos do CPC, sendo nulo, atento o disposto no art.º 201º, n.º 1 do CPC.
11. Mais ocorre que o despacho objecto de recurso, ou não toma de todo conhecimento dos demais vícios – nulidades – arguidas pelos ora recorrentes – omissão de pronúncia – ou omite total e/ou parcialmente os fundamentos de direito em ordem e por força dos quais – falta de fundamentação – reputou legalmente conforme o despacho de folhas 501, declarando em conformidade improcedentes aquelas nulidades.
12. Atento o que, por omissão de pronúncia e/ou por falta ou insuficiência de fundamentação, em violação do disposto no art.º 668º, n.º 1 b), c) e d) do CPC.
13. Em consequência sempre deverá o despacho sob recurso ser revogado e substituído por outro que declare a nulidade da decisão proferida a folhas 501 pelo Senhor Juiz a quo, anulando-se desta sorte todos os actos processuais subsequentes.
Dirimida a matéria de facto, sem censura, foi proferida sentença que refutou o invocado abuso de direito e, na parcial procedência da acção, condenou os réus a:
a) reconhecer que os autores são donos e legítimos possuidores do art.º matricial 4.555 da freguesia de S. Paulo de Frades, Coimbra, descrito na Conservatória R. Predial de Coimbra sob o nº 388/870624, melhor identificado no facto I dos factos provados, designadamente que este imóvel confronta efectivamente a nascente da sua parte norte com uma faixa de terreno que constitui uma serventia de inquilinos, com a qual também confina efectivamente a Norte o logradouro do prédio deles réus (artº matricial 1112º da mesma freguesia), faixa de terreno essa afecta ao uso e fruição comum ora de ambas as partes, nomeadamente para passagem de todos eles;
b) a recolocar o leito dessa faixa de terreno na cota anterior a ter sido pelos mesmos rebaixada no âmbito das obras a que procederam, na medida em que tal seja necessário ao uso e fruição comum, designadamente de passagem por parte dos autores, devendo ainda os réus recolocar nos seus originais lugares o Marco “M1” e Estaca “E” melhor identificados no facto XV dos factos provados, respeitar a linha de estrema que os mesmos definam e absterem-se, doravante, de proceder a qualquer construção ou praticar qualquer acto junto ou nessa faixa de terreno da serventia de inquilinos que estorve ou impeça o cabal e pleno exercício dos direitos dos autores sobre a mesma.
Inconformados com tal decisão, apelaram os réus e os intervenientes, que remataram, assim, sua alegação conjunta:
1. Como se verifica da p. i., os AA, como causa de pedir na acção, alegam a respectiva propriedade sobre prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 4.555, bem como a circunstância de por força da acção de demarcação ter ficado faixa de terreno do art.º 4.556, para servidão do proprietário daquele primeiro imóvel.
2. Mais deduz que, como causa de pedir, esteja a violação daquele direito de propriedade e ainda daquele direito de servidão e/ou de passagem.
3. Ora, no petitório final, os AA pedem o reconhecimento, não apenas do direito de propriedade sobre o prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 4.555, como ainda da faixa de terreno que alegam haver sido demarcada ou destacada do art.º 4.556.
4. Não obstante, o Senhor Juiz, nos fundamentos da decisão, reconhece a existência de servidão de inquilinos e/ou passagem comum, não alegadas na p. i. pelos AA., alterando assim a causa de pedir, condenando ainda os réus e recorrentes, para além do mais, no reconhecimento daquele suposto direito, quando o pedido formulado pelos AA. era o de serem reconhecidos como donos, não apenas do art.º 4.555, mas também da faixa de terreno.
5. Por conseguinte o Senhor Juiz fundou a decisão com base em factos não alegados, proferindo decisão condenatória em objecto diferente do pedido, pelo que a decisão sob recurso é nula, por violação do disposto nos art.ºs 264º, n.ºs 1 e 2, 661º, n.º 1 e 668º, n.º 1, alíneas b), c) e e) do CPC.
6. Por outro lado, para proferir decisão como o fez, o Senhor Juiz a quo não demonstra, nem a factualidade provada o permite, por que razões de facto e de direito, concluiu estar-se em presença de suposta servidão de inquilinos sujeita ao regime estabelecido nos art.ºs 1.403º, 1.404º e 1.406º, n.º 1 do CC, tendo em conformidade e por força daqueles dispositivos condenado os réus.
7. Por tais termos, aquela decisão carece de fundamento.
8. A mais ocorre que nos fundamentos da decisão, o Senhor Juiz alude a servidão com carácter público ou de dominialidade pública, quando a decisão proferida se apoia no reconhecimento do direito privatístico supostamente previsto e estabelecido nos art.ºs 1.403º, 1.404º e 1.406º, n.º 1 do CC, pelo que ocorre manifesta contradição entre aqueles fundamentos e a decisão tomada que é assim nula por violação do disposto no art.º 668º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC.
9. A mais, como supra se precisou, os AA., como causa de pedir, alegam serem donos de faixa de terreno que dizem ter ficado para o proprietário do art.º 4.555º aceder a este, bem como a violação daquele direito, ora, ao não fazerem prova de tal facto, evidentemente que sempre os réus, bem como os recorrentes deveriam ter sido absolvidos na acção de todos os pedidos, com excepção do referente ao reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio rústico com o art.º 4.555.
10. A decisão recorrida ao condenar os réus nos termos expostos violou o disposto nos art.ºs 1.403º, n.ºs 1 e 2, 1.404º e 1.405º, n.º 1 do CC.
11. A decisão proferida em matéria de facto, constante de folhas 496 a 500, é totalmente omissa no tocante à razão crítica das respostas e às consequentes provas em que se louva para responder aos quesitos 1º a 10º, 19º a 35º, 42º a 49º e 60º, da forma como consta daquele despacho.
12. Entretanto, no tocante à demais matéria da base instrutória, igualmente naquela decisão não se encontra um fio crítico da análise da prova, que foi determinante para a convicção do Tribunal para decidir da forma constante desse despacho.
13. Efectivamente, naquele despacho, o Senhor Juiz, quanto à razão da decisão daquela matéria, alude genericamente aos depoimentos das testemunhas sem os analisar em concreto e comparativamente e mais sem explicar do relevo dado a alguns depoimentos em desvalor de outros.
14. Atento o que, por violação do disposto no art.º 653º, n.º 2 do CPC, é o despacho proferido sobre a matéria de facto nulo.
15. Sucede que o Tribunal ao responder aos quesitos 6º, 23º e 24º da base instrutória não se manteve no âmbito da matéria não só alegada pelas partes como da que era reportada naqueles mesmos quesitos.
16. De facto ao responder aos quesitos em causa, o Senhor Juiz extrapolou para fora dos limites das questões materiais a que os mesmos se visava esclarecer, tendo em consequência trazido à colação factos alheios à acção, aliás não alegados pelas partes.
17. Por conseguinte, por se estar perante respostas excessivas ou extravagantes, deverá desde logo ser dadas como não escritas as respostas aos citados quesitos em tudo o que exceda a matéria alegada pelas partes, atento o disposto no art.º 264º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC.
18. Pela prova produzida pelas partes, da análise crítica da mesma, decorre que o Tribunal aos responder à matéria levada à base instrutória não valorizou adequada e devidamente aquela prova, nomeadamente os depoimentos das testemunhas inquiridas.
19. De facto, ponderada aquela prova, quer em concreto, quer da análise conjunta e critica da mesma, nomeadamente no referente às razões de ciência das testemunhas, a coerência dos respectivos depoimentos e a credibilidade intrínseco destes, decorre e evidencia-se ocorrer erro de julgamento em matéria de facto, que importa corrigir, atento o disposto no art.º 712º, n.º 1 a) e b) e 2 do CPC.
20. Tendo em conta a prova constante dos autos analisada e valorizada pelos recorrentes em F,G,H e I, para os quais remetem, entendem estes que ocorre erro de julgamento quanto às respostas dadas aos quesitos 6º, 8º, 9º, 10º, 13º, 14º e 15º, que deverão em consequência serem dados como não provados.
21. Pelas mesmas circunstâncias, melhor ponderada e explicitadas nos pontos assinalados das presentes alegações a prova produzida em audiência de julgamento impunha decisão diferente sobre a que recaiu ao ser respondido aos quesitos 23º, 24º, 27º, 28º, 42º, 43º, 44º, 45º e 49º da base instrutória, sendo aquela revogada e os quesitos em epígrafe dados como provados sem restrições.
22. Também por absoluta similitude de razões deverão os quesitos 19º, 20º, 41º e 46º serem igualmente dados como provados, alterando-se em conformidade também a decisão a tal propósito proferida.
23. Tendo em conta pois a matéria dada como provada em resultado da correcção da decisão sobre a matéria de facto, sempre se conclui que os AA. não lograram fazer prova da causa de pedir que alegam como fundamento da acção.
24. Não lograram fazer prova que do prédio rústico com o art.º 4.556 foi destacada parcela ou faixa de terreno para acesso ou servidão ao art.º 4.555.
25. Não lograram fazer prova que aquela parcela ou faixa sempre se destinou à utilização do proprietário do prédio com o art.º 4.555.
26. Não lograram fazer prova que os Réus tivessem ofendido direitos dos AA., nomeadamente o de propriedade e/ou de propriedade comum e/ou de servidão, pelo que não se mostram violados tais direitos e os Réus deveriam sempre ser absolvidos.
27. De todo o modo, derradeiramente, sempre se dirá, concedendo que não ocorra erro de julgamento em matéria de facto, que da matéria dada como provada pelo Tribunal a quo não resulta demonstrada a existência de uma qualquer propriedade ou serventia comum, pelo que também aqui a decisão deveria ter sido absolutória.
Os autores contra-alegaram pugnando pela manutenção do decidido e sentenciado em 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II - Fundamentação de facto
A 1ª instância considerou provados os factos seguintes:
1. Encontra-se descrito na C.R. Predial de Coimbra sob o n.º 388/870624 da freguesia de S. Paulo de Frades, um prédio rústico situado em Vale da Luz, com a área descoberta de 519,16 m2, com valor tributável de PTE 1.764$00, com o artigo matricial 4555º e com a seguinte composição e confrontação: terra de cultura –Norte: Estrada Pública; Sul: Ângelo Francisco; nascente: serventia de inquilinos e poente: Pedro Miguel Rodrigues Costa, o qual tem registo de aquisição a favor dos ora AA., A.... e
B... e outros quatro casais, a todos na proporção de 1/5, pela Ap. 19 de 1997.08.29 (cota G19970819019), tendo como causa a “partilha” e como sujeito(s) passivo(s) Domicília da Conceição casada com Mário Luís Rodrigues (certidão registral de fls. 266 a 268, aqui dada por integralmente reproduzida para este efeito – alínea C) dos factos considerados assentes findos os articulados.
4. Na certidão matricial correspondente ao artº 4555º supra referido em 1., tal prédio consta como confrontando do Norte com Mário Luís Rodrigues, do Nascente com caminho, do Sul com Ângelo Francisco e do poente com Manuel Fernandes (doc. de fls .130 dos autos de prov. caut. n.º 657/99 apensos) – alínea D) dos factos considerados assentes findos os articulados.
5. Na certidão matricial correspondente ao artº 4556. supra referido em 3., tal prédio consta como confrontando do Norte com caminho, do Nascente com caminho, do Sul com Orlando Francisco e do Poente com Manuel Fernandes (doc. de fls. 129 dos autos de prov. caut. n.º 657/99 apensos) – alínea E) dos factos considerados assentes findos os articulados.
6. À data da instauração e pendência dos autos de acção especial de demarcação aludidos em 2., o referenciado artº matricial 4555º confrontava pelo seu lado Norte com o referenciado artº 4556º - alínea F) dos factos considerados assentes findos os articulados.
7. No âmbito dessa dita acção especial de demarcação, em 1995, os prédios 4555º e 4556º, com as confrontações e áreas que então tinham, foram demarcados entre si, na sequência de acordo judicialmente homologado em 8.11.95, com referência ao alinhamento entre marcos, então colocados pelo Srs. Peritos nomeados, alinhamentos designados respectivamente por M1-M2 e por M2-M3, que melhor se encontra discriminado e resulta dos termos processuais desses autos juntos de fls. 91 a 107 dos autos de providência cautelar n.º 657/99 apensa, aqui dados por reproduzidos para este efeito, maxime o “desenho” de fls. 104/105 – alínea G) dos factos considerados assentes findos os articulados.
8. Os RR. C... e mulher D..., são os actuais donos de um prédio urbano, destinado a habitação, composto de rés do chão e logradouro, sito em Vale da Luz, freguesia de S. Paulo de Frades, concelho de Coimbra, com área coberta de 100 m2, inscrito na matriz sob o artº 1112º, com registo de aquisição a seu favor na ficha n.º 1571/950801- freguesia de S. Paulo de Frades, pela cota n.º 19990602157 – ap. 157 de 1999.06.02, encontrando-se descrito na C.R. Predial de Coimbra com a seguinte composição e confrontações: casa de rés do chão, destinada a habitação com logradouro - Norte serventia pública; sul e poente, Augusto Francisco; nascente estrada pública, o que tudo melhor resulta da certidão registral junta aos autos de providência cautelar n.º 657/99 apensos, de fls. 111 a 115, aqui dada por integralmente reproduzida para este efeito – alínea H) dos factos considerados assentes findos os articulados.
9. Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 19.05.1999 no Cartório Notarial de Miranda do Corvo, teve lugar a aquisição do prédio aludido em 8., tendo na mesma sido outorgantes vendedores Paulo Jorge da Cunha Francisco e mulher Célia Maria Pereira Gonçalves da Cunha, como tudo melhor resulta da certidão da mesma junta aos autos de prov. cautelar n.º 657/99 apensos de fls. 42 a 44, aqui dada por integralmente reproduzida para este efeito – alínea I) dos factos considerados assentes findos os articulados.
10. Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 6.06.1995 na Secretaria Notarial de Coimbra, esse dito Paulo Jorge da Cunha Francisco, que conjuntamente com a mulher, Célia Maria Pereira Gonçalves da Cunha, são precisamente ambos os ora intervenientes nos presentes autos, declarou comprar o prédio aludido em 8. ao conjunto dos então seus proprietários, os quais, por sua vez, o declararam vender, prédio esse que então foi identificado como confrontando “do Norte, Sul e Poente com Augusto Francisco e do Nascente com estrada”, como tudo melhor resulta da certidão da mesma junta aos autos de prov. cautelar n.º 657/99 apensos, de fls. 45 a 56, aqui dada por integralmente reproduzida para este efeito - alínea J) dos factos considerados assentes findos os articulados.
11. Na certidão matricial correspondente a este prédio, o mesmo consta como confrontando do Norte, Sul e Poente com o proprietário e do nascente com estrada pública, sendo titular então inscrito “Hermínia da Conceição” (doc. de fls. 42 dos autos de prov. cautelar n.º 657/99 apensos) – alínea K) dos factos considerados assentes findos os articulados.
12. Na escritura de partilhas celebrada no dia 29.07.1974 na Secretaria Notarial de Coimbra para partilha dos bens deixados pela falecido Augusto Francisco e sua mulher, Hermínia da Conceição, sendo outorgantes esta sua viúva e os doze filhos daquela, teve lugar a adjudicação dos prédios referidos em 1. (4555º), 3. (4556º) e 8. (1112º) a Orlando Francisco e mulher, Domicília da Conceição e marido e Hermínia da Conceição, respectivamente, aí sendo então descritos e identificados do seguinte modo:
a) Verba n.º 15: Uma sorte de terra de semeadura com árvores de fruto, sita no Vale da Luz, a confrontar do do Norte com Mário Luís Rodrigues, do nascente com Hermínia da Conceição, do Sul com Ângelo Francisco e do poente com herdeiros de Manuel Inácio Novo, inscrito na caderneta de avaliação, sob o artº 4555º, com o valor matricial de 1.260$00;
b) Verba n.º 14: Uma sorte de terra de semeadura com árvores de fruto, no Vale da Luz, a confrontar do Norte com Estrada Pública, do Nascente com Hermínia da Conceição, do Sul com Orlando Francisco, do Poente com herdeiros de Manuel Inácio Novo, inscrito na caderneta de avaliação geral, sob o artº 4556º, com o valor matricial de 1.440$00;
c) Verba n.º 27: Uma casa de habitação, composta de rés do chão com área de 100 m2 e logradouro com 100 m2, no Vale da Luz, a confrontar do nascente com estrada pública e dos restantes lados com bens do casal, omisso na matriz predial urbana da dita freguesia, mas feita a participação para a sua inscrição, em nove de Março do ano corrente, a que atribuem o valor de 30.000$00; Que o logradouro desta casa tem forma rectangular com dois metros e meio de largura na direcção norte-sul e se encontra devidamente demarcado por parede de pedra e cal (doc. de fls. 60 a 81 dos autos de prov. cautelar n.º 657/99 apensos, aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) – alínea L) dos factos considerados assentes findos os articulados.
13. Na sequência de requerimento assinado pelo referenciado Paulo Jorge da Cunha Francisco junto da C. R. Predial de Coimbra em 18.04.1996, foram alteradas as confrontações do artº 1112º referenciado em 8., que primitivamente e até tal data eram de “Norte, Sul e Poente, Augusto Francisco e Nascente, estrada,” para “Norte, serventia pública, sul e poente Augusto Francisco; nascente, estrada pública”, o que veio a ser devidamente averbado à descrição registral correspondente, como melhor se extrai de fls. 110 a 113 dos autos de prov. caut. n.º 657/99 apensos, aqui dadas por integralmente reproduzidas para este efeito, através da ap. 7 de 1996/04/18 – alínea M) dos factos considerados assentes.
14. Os RR. C... e mulher, no início do mês de Novembro de 1999, iniciaram a realização de obras de reconstrução e ampliação do seu prédio (artº 1112º referenciado), com base no projecto de construção e ampliação deferido pela Câmara Municipal de Coimbra, com o alvará de licença de construção n.º 381/99 (doc. de fls. 72 dos autos, aqui dado por reproduzido para este efeito) – alínea N) dos factos considerados assentes findos os articulados.
15. No contexto dos quais foram arrancados o marco “M1” e estaca “E” que aparecem referenciados no “desenho” aludido 7., que ficou reproduzido e esteve subjacente ao acordo então alcançado – alínea O) dos factos considerados assentes findos os articulados.
16. Tais marco e estaca, bem como a designação “M” que consta do ponto “B” do doc./desenho de fls. 104/105, aludido em 7., faziam alinhamento com uma esquina de um prédio urbano situado a sul dos prédios aludidos em 1. e 8., pertencente a terceiro (“José Carneiro”) – alínea P) dos factos considerados assentes findos os articulados.
17. Os AA. estão actualmente a construir uma casa de habitação, murada, pelo lado poente do logradouro do artº 1112º dos RR., no artº 4555º, a qual tem acesso directo para Norte com Estrada Pública que aí passa, para aí deitando todas as saídas deste, nomeadamente garagem e fazendo-se o acesso às lojas existentes na retaguarda, pelo logradouro ou superfície não coberta dessa construção – alínea Q) dos factos considerados assentes findos os articulados.
18. Os AA., por si e legítimos anteproprietários e antepossuidores, têm lavrado o terreno do artº 4555º aludido em 1., aí semeando produtos agrícolas e colhido os seu frutos – resposta ao art.º 1º da base instrutória.
19. À vista de quem quer que fosse – resposta ao art.º 2º da base instrutória.
20. Sem oposição de pessoa alguma – resposta ao art.º 3º da base instrutória.
21. Com essa sua actual configuração, tal é feito ininterruptamente há cerca de 15 anos – resposta ao art.º 4º da base instrutória.
22. Na convicção de usufruírem de “coisa” exclusivamente sua – resposta ao art.º 5º da base instrutória.
23. Ao tempo da decisão obtida na acção especial de demarcação aludida em 2., 6. e 7., ficou uma faixa de terreno a nascente do art.º 4556º, no seu topo norte, afecta à utilização como passagem para o proprietário do art.º 4555º poder aceder ao seu prédio, sendo certo que ambos os prédios 4556º e 4555º tinham então uma confrontação melhor discriminadas em 5. e 4., respectivamente – resposta ao art.º 6º da base instrutória.
24. E é com ele que confina efectivamente a Norte o logradouro do prédio aludido em 8. (art.º 1112º) – resposta ao art.º 8º da base instrutória.
25. Situando-se tal faixa do leito da passagem a nascente da parte norte do prédio aludido em 1. (art.º 4555º) – resposta ao art.º 9º da base instrutória.
26. Sendo que o logradouro do prédio aludido em 8. (art.º 1112º) confina a poente actualmente com este art.º 4555º aludido em 1. – resposta ao art.º 10º da base instrutória.
27. No contexto das obras aludidas em 14. e 15., os RR. rebaixaram o terreno que constitui o leito desta referenciada passagem – resposta ao art.º 11º da base instrutória.
28. Os limites Norte e Sul do logradouro com cerca de 100m2 aludido em 8. coincidiam com a continuação em linha recta para poente das correspondentes paredes norte e sul da casa de habitação ali existente – resposta ao art.º 13º da base instrutória.
29. Os RR. na sequência das referenciadas obras que levaram a cabo aludidas em 14. e 15., implantaram na estrema do leito de passagem com o prédio dos AA. (artº 4555) um muro que tem cerca de 15 cm de largura por cerca de 10 cm de comprimento – resposta aos art.ºs 14º e 15º da base instrutória.
30. O A. marido, antes da instauração da prov. cautelar n.º 657/99 ora apensa, tentou que o R. marido lhe pagasse a quantia de Pte 1.400.000$00 – resposta ao art.º 16º da base instrutória.
31. Comprometendo-se a, com o recebimento daquela quantia, não passar pela faixa de terreno aludida no quesito 6º - resposta ao art.º 17º da base instrutória.
32. Porque o R. marido não acedeu a tal, o A. marido seguiu então com as vias judiciais traduzidas nestes autos e apenso – resposta ao art.º 18º da base instrutória.
33. A ter procedência a pretensão de passagem dos AA., tal representaria um prejuízo de milhares de contos para os RR., em função do seu anteriormente perspectivado lucro – resposta ao art.º 21º da base instrutória.
34. Os antepossuidores do prédio 1112º acediam da parte descoberta do logradouro do mesmo à via pública que passa a norte do prédio, depois de passarem pela faixa do leito da passagem supra referenciada - resposta ao art.º 23º da base instrutória.
35. Quando provinham desta via pública, depois de passarem pela faixa do leito de passagem supra referenciada, era através do logradouro que acediam à parte coberta do imóvel existente no art.º 1112º - resposta ao art.º 24º da base instrutória.
36. Sendo o logradouro para além disso utilizado para despejo e depósito de objectos, utensílios e utilidades diversas conexas com o uso e aproveitamento de todo o prédio urbano – resposta ao art.º 25º da base instrutória.
37. E essa parte descoberta ou logradouro, com cerca de 100m2, estendia-se a poente até linha que saía do ponto mais a sul daquela confinação, do vértice de prédio urbano de terceiro a que se aludiu em 16. – resposta ao art.º 26º da base instrutória.
38. Tanto os RR., como os intervenientes e antepossuidores, desde há mais de 30, 40 ou mais anos que vêm utilizando esta dita faixa de terreno para passarem para o logradouro do art.º 1112º - resposta ao art.º 29º da base instrutória.
39. A fim de este ser utilizado nos termos apontados para depósito de lenhas, matos – resposta ao art.º 30º da base instrutória.
40. Por aí era feita passagem a pé - resposta ao art.º 31º da base instrutória.
41. Tendo uns e outros ainda atenta tal qualidade procedido à limpeza daquele espaço – resposta ao art.º 32º da base instrutória.
42. Cortando no mesmo as ervas e arbustos aí nascidos – resposta ao art.º 33º da base instrutória.
43. Designadamente tendo os intervenientes, após 6.06.1995, desde logo procedido à limpeza dessa dita faixa, cortando na mesma ervas, silvas e arbustos diversos na mesma existente – resposta ao art.º 34º da base instrutória.
44. Para assim a disponibilizar para os fins a que sempre fora destinada – resposta ao art.º 35º da base instrutória.
45. No seguimento e tendo em vista a reconstrução do imóvel aí existente, sendo o r/chão afecto a “comércio”, apresentaram projecto urbano de conformidade para aprovação junto da C. Municipal de Coimbra – resposta ao art.º 36º da base instrutória.
46. Para o efeito requereram na Conservatória registral a rectificação da descrição do imóvel quanto à confinação Norte que então era com “Augusto Francisco” - resposta ao art.º 37º da base instrutória.
47. Por força da actuação da pessoa que elaborou o requerimento e procedeu ao registo, veio a resultar um averbamento como “serventia pública”, tal como melhor resulta do referenciado 13. - resposta ao art.º 38º da base instrutória.
48. Essa rectificação tinha como propósito criar condição para que o “projecto de construção” que previa a afectação do r/chão do imóvel reconstruído a “comércio” fosse aprovado pela C.M. C. – resposta ao art.º 40º da base instrutória.
49. Após a rectificação que teve lugar, os intervenientes e depois os RR. continuaram a utilizar o logradouro nos assinalados limites e confinação materiais resultantes das respostas aos art-ºs 8º, 9º e 13º da base instrutória – resposta ao art.º 42º da base instrutória.
50. Tendo ainda naquele concreto espaço depositado os inertes e materiais resultantes, primeiro da limpeza e depois da demolição da parte coberta - resposta ao art.º 43º da base instrutória.
51. Tudo transportando para outros locais de depósito através daquele concreto espaço, com recurso a viaturas a motor - resposta ao art.º 44º da base instrutória.
52. Actos exclusivos e sem interferência de terceiros, os AA. ou outrem – resposta ao art.º 45º da base instrutória
53. Sempre os RR., intervenientes e antepossuidores se dizendo donos e proprietários do prédio urbano em questão com a área aproximada de cerca de 200m2 – resposta ao art.º 47º da base instrutória.
54. Assim também sendo generalizadamente reconhecidos por terceiros, incluindo os AA. – resposta ao art.º 48º da base instrutória.
55. Aquando da escritura aludida em 10., os outorgantes vendedores delimitaram e indicaram as respectivas confinações do art.º 1112º aos ora intervenientes, nomeadamente a poente, nos termos vindos a expor, designadamente no art.º 26º - resposta ao art.º 49º da base instrutória.
56. E tendo estes últimos logo procedido à limpeza de todo o imóvel, designadamente do logradouro, oposição ou objecção alguma lhe foi feita – resposta ao art.º 50º da base instrutória.
57. Também não foi qualquer questão séria colocada aos RR. quanto aos limites do prédio, até à altura em que foram deduzidos os autos de providência cautelar apensos – resposta ao art.º 51º da base instrutória.
58. Antes de serem iniciadas as obras aludidas em 14., o logradouro desse prédio (artº 1112º) esteve durante anos completamente revestido com ervas selvagens, algumas das quais com mais de um metro de altura – resposta ao art.º 52º da base instrutóia.
59. Este prédio tinha também acesso à via pública pelo seu lado sul, para além do nascente – resposta ao art.º 53º da base instrutória.
60. Tendo o acesso pelo lado sul sido vedado há poucos anos pelo vizinho confinante – resposta ao art.º 54º da base instrutória.
61. Sendo que a casa antes de der demolida tinha precisamente uma ponta virada para esse lado – resposta ao art.º 55º da base instrutória.
62. A qual era utilizada pelos últimos habitantes da casa para acederem, inclusivamente ao seu sótão e aí armazenarem produtos agrícolas – resposta ao art.º 56º da base instrutória.
63. Os quais eram muitas vezes descarregados directamente do carro de bois para o sótão – resposta ao art.º 57º da base instrutória.
64. Também pelo seu lado sul acediam os últimos habitantes desse prédio tanto à parte coberta como à parte descoberta do mesmo - resposta ao art.º 58º da base instrutória.
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III – Fundamentação de direito
A apreciação e decisão dos dois recursos de agravo retidos e da apelação, delimitados pelas conclusões das alegações dos recorrentes (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), passam pela análise e resolução das seguintes questões jurídicas por eles colocadas a este tribunal:
1.º Agravo
- admissibilidade da rectificação da petição inicial já corrigida.
2.º Agravo
- Nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia e falta ou insuficiência de fundamentação.
Apelação
- Nulidade da sentença
- modificação da decisão referente ao julgamento da matéria de facto.
Apreciemos, então, separadamente tais questões, começando, de acordo com o art.º 710º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, a apreciação dos recursos pela ordem da sua interposição.
A) 1.º Agravo
No âmbito deste questiona-se a admissibilidade da rectificação da petição inicial corrigida. Sabe-se que à rectificação de erros de escrita em peças processuais oferecidas pelas partes é aplicável o regime previsto no art.º 249º do Cód. Civil para o negócio jurídico, atento o disposto no art.º 295º do Cód. Civil. O erro é uma falsa representação da realidade: é a ignorância que se ignora. Pratica-se determinado acto, concebendo as coisas por modo diverso daquele que, na realidade, são, mas não fora esse imperfeito conhecimento e o acto não teria sido praticado. De entre as diversas modalidades de erro apenas interessa para o caso, o chamado erro de escrita em que há, na verdade, uma divergência entre o que se quer e o que se diz.
Esse erro é corrigível em face do contexto ou das circunstâncias da declaração: ao ler o texto logo se vê que há erro e logo se entende o que o interessado queria dizer. Essa modalidade de erro respeita à interpretação e daí que o acto devidamente interpretado em função do seu contexto (elemento sistemático) e circunstâncias (elementos extraliterais) deva permanecer válido com o sentido de que, afinal, é portador. Em tais casos, o acto vale, com o seu verdadeiro sentido, sendo irrelevante o erro material Cfr. J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 1977, págs. 82 e 83..
De qualquer modo tal erro só pode ser rectificado se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Cód. Civil, anotado, 1ª edição, I Volume, pág. 161, Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1973, pág. 563, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, pág. 35, e Heiriich Ewald Horster, A Parte Geral do Cód. Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, pág. 566..
No caso, os autores demandaram os réus visando obter o reconhecimento da propriedade sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 4.555, para o qual se encontravam impedidos de aceder em resultado das obras efectuadas pelos réus não só no seu prédio como numa parcela de terreno adjacente de utilização comum pelos proprietários de prédios contíguos. É óbvio que só tem sentido pedir o reconhecimento da propriedade sobre o prédio inscrito na matriz sob o art.º 4.555 e não sobre o art.º 4.556, uma vez que o primeiro é que pertence aos autores e é o acesso ao mesmo impedido em consequência das obras realizadas pelos réus.
Seria, por isso, de todo irrazoável pensar que os autores accionaram os réus para que estes viessem a ser condenados a reconhecer a propriedade do prédio inscrito sob o art.º 4.556 e que as obras impediam o acesso ao mesmo, como erradamente fizeram constar da petição corrigida, tanto mais que na petição inicial sempre aludiram ao art.º 4.555 (cfr. art.ºs 1º e 2º). Trata-se, como bem se concluiu no despacho recorrido, de lapso manifesto e ostensivo susceptível de rectificação, na medida em que o prédio a que os autores se queriam referir era claramente o inscrito na matriz sob o art.º 4.555.
Não colhe, por isso, a argumentação aduzida pelos recorrentes a propósito desta questão, que não envolve qualquer violação da estabilidade da instância. Esta manteve-se idêntica: apenas se corrigiu o que fora dito imperfeitamente. Aliás, os réus sempre souberam que o que estava em causa era esse e não outro prédio bem como a parcela de terreno adjacente onde pretensamente estavam a construir um muro.
Não se vê, por isso, que ocorra também qualquer violação dos princípios de imparcialidade, igualdade entre as partes e contraditório, só pela circunstância do Mm.º Juiz a quo ter proferido o despacho recorrido, sem a prévia audição das partes. É certo que estas não foram expressamente convidadas a pronunciar-se sobre a matéria objecto de rectificação, mas não é menos verdade que, ao longo da complexa tramitação do processo, apresentaram as partes diversos articulados, onde debateram profunda e exaustivamente todo o problema da confinância dos prédios e da existência da parcela de terreno de uso comum, para acesso aos diversos prédios contíguos. Não pode, assim, falar-se de violação do contraditório.
Nem tem sentido algum invocar a violação do caso julgado, com o argumento de que a partir do momento em que o Mm.º Juiz a quo considerou a instância regular e válida a petição corrigida, esta teria de permanecer inalterável. É óbvio que tratando-se de lapso tão ostensivo e evidente o Mm.º Juiz a quo podia e devia rectificá-lo (art.ºs 249º do Cód. Civil e 667º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil). Havia que afastar todos os obstáculos a que fosse proferida decisão que conhecesse do verdadeiro litígio entre as partes.
Foi isso o que o Mm.º Juiz a quo fez, aproveitando todo o extenso labor processual desenvolvido não só por ele como pelas partes, com vista a dilucidar o verdadeiro conflito de confinância dos prédios de autores e réus. Fazer reportar esse conflito ao prédio inscrito sob o art.º 4.556 era deixar tudo por resolver, o que seria incompreensível e inaceitável. Cremos, por isso, que, diferentemente do que sustentam os recorrentes, não merece censura o despacho de folhas 501 que ordenou a rectificação da petição, o qual não é nulo nem ofende qualquer dos princípios ou disposições legais por aqueles indicadas.
Improcedem, pois, as conclusões dos recorrentes, o que implica o naufrágio do 1.º agravo e manutenção do despacho recorrido.
B) 2.º Agravo
Este recurso versa em parte sobre o mesmo problema do anterior, tanto mais que parte das conclusões reproduzem as tiradas pelos recorrentes acerca daquele. Por isso, dispensamo-nos de aqui repetir o que antes já dissemos sobre a admissibilidade da rectificação ordenada pelo Mm.º Juiz a quo, remetendo para tudo o que, a esse propósito, escrevemos na apreciação do anterior agravo.
Suscitam, no entanto, os recorrentes a nulidade do despacho recorrido, proferido a folhas a 537 e 538, por omissão de pronúncia e falta ou insuficiência de fundamentação.
A primeira das aludidas causa de nulidade, a prevista no art.º 668º, n.º 1 alínea d) – primeira parte – do Cód. Proc. Civil e aplicável aos despachos, nos termos do art.º 666º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, é a omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar. Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art.º 666º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 690, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III Volume, 1972, pág. 247 e ac. do STJ de 22/1/98, BMJ 473, pág. 427., segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Trata-se da nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece, com frequência, entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 41.. São, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.
Com efeito, quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão Cfr. Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, V Volume, pág. 143., pois a expressão questões referida nos art.ºs 660º, nº 2 e 668º, nº 1 d) do Cód. Proc. Civil não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes Cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 122, pág. 112, Jacinto Rodrigues Bastos, obra citada, pág. 228, ac. do STJ de 16/1/96, CJ/STJ, 1996, Tomo I, pág. 44, ac. do STJ de 01/07/04, proferido na revista n.º 2307 /04 – 7ª Secção (Relator: Cons.º Salvador da Costa), Boletim Interno de Julho de 2004, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt, e ac. do STJ de 6/5/04, proferido na revista n.º 1419/04 (Relator: Cons.º Araújo Barros), Boletim Interno, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt..
No caso, os recorrentes arguíram a nulidade de anterior despacho, tendo aduzido diversa argumentação no sentido de concluírem pela verificação da invocada nulidade, e o Mm.º Juiz a quo refutou tal arguição de nulidade. Não ocorre, por isso, omissão de pronúncia. Certo que não terá rebatido e escalpelizado, um por um, todos os argumentos por eles invocados como fundamento da nulidade, mas isso não envolve, ao invés do que entendem os recorrentes, omissão de pronúncia. A questão a debater e solucionar era a problemática da nulidade do despacho e isso o Mm.º Juiz a quo debateu e, sem margem para dúvidas, decidiu, como se vê de folhas 537 e 538, pelo que não se vê onde se possa lobrigar a pretensa omissão de pronúncia.
Defendem ainda os recorrentes que tal despacho é nulo, por falta ou insuficiência de fundamentação. Sabe-se que as decisões sobre pedido controvertido são sempre fundamentadas (art.ºs 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 158º, nº 1 do Cód. Proc. Civil) e a falta de fundamentação de facto ou de direito de sentenças ou despachos constitui nulidade, conforme decorre do disposto nos art.ºs 668º, n.º 1 alínea b) e 666º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil.
Tem sido unanimemente entendido que só ocorre a referida nulidade no caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação, não constituindo tal vício a fundamentação lacónica, deficiente ou errada, que apenas afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão e sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em sede de recurso Cfr., neste sentido, ac. do STJ de 22/01/04, proferido na revista n.º 4278/03 – 7ª Secção (Relator: Cons.º Salvador da Costa), Boletim Interno de Janeiro de 2004, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt, ac. do STJ de 26/02/04, proferido na revista n.º 3798/03 – 7ª Secção (Relator: Cons.º Araújo Barros), Boletim Interno de Fevereiro de 2004, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt, e ac. do STJ de 27/04/04, proferido na revista n.º 4116/03 – 6ª Secção (Relator: Cons.º Ponce de Leão), Boletim Interno de Abril de 2004, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt..
No caso, o despacho recorrido contém, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, suficiente fundamentação no que toca ao não atendimento da arguida nulidade, pois nele se explicitam as razões que levaram o Mm.º Juiz a quo a afastar a invocada nulidade. Não enferma, por isso, da nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1 alínea b) do Cód. Proc. Civil.
Pode-se discordar da argumentação nele utilizada quanto ao afastamento e inverificação da nulidade do despacho posto em crise, mas isso tem a ver claramente com o mérito e bondade intrínsecos da decisão a acarretar eventual erro de julgamento, questão bem diferente e de que não cabe curar em sede de nulidades de sentença.
Soçobram, assim, todas as conclusões dos recorrentes no que respeita a pretensas causas de nulidade do despacho recorrido, que frise-se, mais uma vez, não ocorrem, o que implica o não provimento do 2.º agravo.
C) Apelação
1 – Começam os recorrentes por suscitar a nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão. Esta causa de nulidade da sentença, prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 668º do Cód. Proc. Civil, ocorre, como se sabe, quando “há um vício real no raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 690, Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil anotado, V Volume, pág. 141 e acs. do STJ de 9/12/93, BMJ 432, pág. 342, de 26/4/95, CJ/STJ, ano III, Tomo II, pág. 58, de 13/2/97, BMJ 464, pág. 525, e de 16/3/99, Sumários, Boletim interno do STJ n.° 29, pág. 45.. A decisão proferida padecerá desse erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, se a argumentação desenvolvida ao longo da sentença apontar claramente num determinado sentido e, não obstante, a decisão for no sentido oposto Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 1ª edição, pág. 40, acs. do STJ de 2/3/99, Sumários, Boletim Interno do STJ n.° 29, pág. 11, de 2/6/99, Sumários, Boletim Interno do STJ n.° 32, pág. 37, de 5/2/04, proferido na revista n.º 4068/03 (Relator: Cons.º Ferreira de Almeida), Boletim Interno, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt, e ac. do STJ de 6/5/04, proferido na revista n.º 1419/04 (Relator: Cons.º Araújo Barros), Boletim Interno, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt. .
Contudo, não se verifica essa nulidade quando o resultado a que o juiz chega na sentença deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados Cfr. acs. do STJ de 3/2/99, Sumários, nº 28, pág. 19 e de 2/6/99, Sumários, n° 32, pág. 37, e de 22/01/04, proferido na revista n.º 4278/03 – 7ª Secção (Relator: Cons.º Salvador da Costa), Boletim Interno de Janeiro de 2004, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt.. Significa isto que saber se a conclusão a que o Mm.º Juiz a quo chegou relativamente ao direito de propriedade dos autores sobre o prédio inscrito na matriz sob o art.º 4.555 e a existência de servidão de inquilinos sobre a faixa de terreno contígua é ou não acertada, decidir se o enquadramento jurídico por ele feito é o mais correcto ou se a decisão proferida é injusta e não conforme ao direito aplicável constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença. Trata-se de questão de mérito, a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade de sentença, que se prende tão só com a estrutura formal da mesma.
No caso, o Mm.º Juiz a quo entendeu (não interessa, nesta sede, se bem ou mal) que se demonstrou o direito de propriedade dos autores sobre o referido prédio e a existência de servidão de inquilinos. Corolário lógico desse seu raciocínio (e não o dos recorrentes) era a condenação dos réus no reconhecimento desses direitos, como se decidiu na sentença recorrida, a qual não se encontra, por isso, inquinada da nulidade decorrente da contradição entre a decisão e os seus fundamentos.
Sustentam também os recorrentes a nulidade da sentença, por falta ou insuficiência de fundamentação. Já atrás dissemos em que consistia este tipo de vício inquinador das decisões judiciais a que alude o art.º 668º, n.º 1 alínea b) do Cód. Proc. Civil e fizemos referência ao entendimento unânime de que o mesmo só ocorre no caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação, não constituindo tal vício a fundamentação lacónica, deficiente ou errada, que apenas afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão e sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em sede de recurso Cfr., neste sentido, ac. do STJ de 22/01/04, proferido na revista n.º 4278/03 – 7ª Secção (Relator: Cons.º Salvador da Costa), Boletim Interno de Janeiro de 2004, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt, ac. do STJ de 26/02/04, proferido na revista n.º 3798/03 – 7ª Secção (Relator: Cons.º Araújo Barros), Boletim Interno de Fevereiro de 2004, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt, e ac. do STJ de 27/04/04, proferido na revista n.º 4116/03 – 6ª Secção (Relator: Cons.º Ponce de Leão), Boletim Interno de Abril de 2004, Sumários, acessível através de http://www.stj.pt..
Ora, no caso, a sentença recorrida descrimina os factos dados como provados, faz o seu enquadramento jurídico (não interessando nesta sede se bem ou mal) e indica os preceitos legais em que se funda, pelo que contém, contrariamente ao defendido pelos recorrentes, suficiente fundamentação. Não enferma, por isso, da nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1 alínea b) do Cód. Proc. Civil. Pode-se discordar da argumentação nela utilizada para concluir pela propriedade dos autores sobre o prédio inscrito sob o art.º 4.555 e pela existência da servidão de inquilinos sobre a faixa de terreno adjacente, mas isso tem a ver claramente com o mérito e bondade intrínsecos da decisão a acarretar eventual erro de julgamento, questão bem diferente e de que não cabe curar em sede de nulidades de sentença.
Ainda nesta sede, invocam os recorrentes a nulidade da sentença, por se basear em fundamentos não alegados e condenar em pedido diferente do formulado pelos autores. Não têm também razão, neste ponto.
Esta causa de nulidade, prevista na segunda parte da alínea e) do n.º 1 do art.º 668º do CPC, resulta da violação da regra constante do n.º 1 do art.º 661º do CPC sobre os limites da condenação e corresponde a uma condenação ilegal Cfr., neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira, obra citada, pág. 42.. Sabe-se que o meio de tutela jurisdicional concretizado no pedido corresponde a um projecto de composição do litígio, que o tribunal acolherá ou repudiará, não lhe cabendo investigar, para além dele, outras possíveis formas de composição da lide. Desde que determinada medida de tutela jurídica não tenha sido oportunamente pedida, o princípio dispositivo obsta a que o tribunal dela conheça e a decrete, sob pena de nulidade – art.ºs 660º, n.º 2, 661º, n.º 1 e 668º, n.º 1 e) do CPC. Deste modo, na sentença, o juiz deve pronunciar-se sobre tudo o que se pedir e só sobre o que lhe é pedido (ne eat iudex ultra vel extra petita partium) Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, CPC anotado, V Volume, pág. 52 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 675..
No caso, como já antes se disse, todo o litígio versa sobre a propriedade do prédio inscrito na matriz sob o art.º 4.555 (o dos autores), uma parcela de terreno adjacente, que aqueles inicialmente consideraram de uso comum no acesso aos prédios contíguos, para posteriormente a considerarem sua pertença, e o prédio urbano dos réus, que nele levam a cabo obras implantadas em parte dessa faixa de terreno. Quer dizer o pomo da discórdia incide, no fundo, e desde o princípio da lide, sobre a titularidade e natureza dessa faixa de terreno, tendo sido precisamente essa a temática sobre que se debruçou a sentença recorrida, que não exorbitou, assim, do pedido ou da causa de pedir. Daí que, ao invés do que defendem os recorrentes, não houve condenação em objecto diverso do pedido nem se verifica a apontada causa de nulidade de sentença.
Igualmente, carecem de razão os recorrentes quando argumentam que a 1ª instância não deu cabal cumprimento ao prescrito no art.º 653º, n.º 2 do CPC. Basta ler atentamente o despacho de folhas 496 a 500 para tal constatar. Nele, o Mm.º Juiz a quo, depois de descriminar os factos considerados provados e não provados, procedeu à análise crítica das provas produzidas, indicando as razões que o levaram a concluir no sentido de acolher que a faixa de terreno questionada estava destinada ao uso comum e não fazia parte integrante de qualquer dos prédios. Mais que isso não parece ser exigível ao julgador.
Cremos, por isso, que tal despacho não é nulo, sendo certo que mesmo a existir insuficiente fundamentação quanto a algum ponto da base instrutória a consequência nunca seria a nulidade daquele despacho, como pretendem os recorrentes, mas a baixa do processo, medida que, aliás, nem sequer foi requerida (art.º 712º, n.º 5 do CPC).
Por outro lado, dir-se-á ainda, no que concerne a esse despacho, que não se descortina motivo para considerar as respostas dadas aos art.ºs 6º, 23º e 24º da base instrutória excessivas. Tais respostas, que correspondem aos pontos 23., 33. e 34. do elenco dos factos provados, são tão só explicativas quanto às vicissitudes da questionada faixa de terreno, sem de modo algum extravasarem dos factos alegados pelas partes. As respostas não têm necessariamente que merecer sempre o seco provado ou não provado. Situações há em que se torna necessário explicar a envolvência do facto, para melhor ser compreendido e entendido, em conjugação com os demais. Foi precisamente isso que sucedeu quanto às referidas respostas, pelo que não há, contrariamente ao que sustentam os recorrentes, que considerá-las como não escritas.
2 - Modificação da decisão referente ao julgamento da matéria de facto
Como se sabe, até à reforma operada pelos DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, o julgamento da matéria de facto efectuado pela 1ª instância era praticamente imodificável e os poderes do tribunal da Relação encontravam-se quase circunscritos ao julgamento das questões de direito. Essa realidade alterou-se, entretanto, em virtude da gravação das audiências finais, a requerimento das partes ou por determinação do tribunal (art.º 522º-B do CPC) e da ampliação dos poderes da Relação, nesse campo, introduzida por aqueles diplomas legais ao darem nova redacção ao art.º 712º do Cód. Proc. Civil. Segundo este, em três hipóteses pode este tribunal alterar a decisão relativa à matéria de facto proferida pela 1ª instância:
a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.º 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para dirimir a matéria de facto, foram gravados. Constam, assim, do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando dirimiu a matéria de facto e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 154 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 254..
Todavia, advirta-se que no uso dessa faculdade, convém ser extremamente cauteloso e prudente, tanto mais que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. "Certas reacções e comportamentos dos depoentes apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia" Cfr. António Abrantes dos Santos Geraldes, obra citada, pág. 257..
Cientes dos riscos e dificuldades que envolve a reapreciação da matéria de facto por este tribunal, vejamos, então, qual a matéria de facto que, em concreto, os recorrentes consideram incorrectamente julgada.
Defendem estes que os factos vertidos nos art.ºs 6º, 8º, 9º, 10º, 13º, 14º e 15º da base instrutória, que obtiveram respostas positivas, deviam ser considerados não provados, enquanto os constantes dos art.ºs 19º, 20º, 23º, 24º, 27º, 28º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º e 49º da mesma peça processual, que mereceram respostas negativas, deveriam ser considerados provados.
Debruçando-nos sobre tais pontos, vê-se que, no fundo, o que os recorrentes pretendem é que se dê como assente a versão factual por eles apresentada, no tocante aos limites do seu prédio e inexistência da faixa de terreno de uso comum dos proprietários contíguos, de modo a contemplar que as obras que levam a cabo se situam apenas no seu prédio, e como não assente a versão factual alegada pelos autores, ou seja, a existência dessa faixa de terreno e a sua ocupação parcial pelas aludidas obras. Sabe-se que cada uma das partes procura naturalmente convencer o tribunal da realidade dos factos por ela alegados, que lhe sejam favoráveis. Os autores tentarão persuadir o julgador da existência dos factos que servem de base legal à pretensão formulada contra os réus, isto é, a realização das obras na faixa de terreno em causa destinada ao uso comum e a impossiblidade de por ela aceder ao seu prédio em consequência das obras. Os réus esforçar-se-ão, em contrapartida, por demonstrar a inexistência desses factos Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 446..
Depois de ouvidos os depoimentos gravados e confrontando-os com os documentos juntos, a nossa convicção coincide inteiramente com a da 1.ª instância.
Na verdade, no que concerne às estremas dos prédios e à existência da faixa de uso comum, a prova foi contraditória: enquanto as testemunhas arroladas pelos recorrentes (Carlos Francisco Antunes, Maria da Conceição Nunes Soares Carvalho e Maria Isilda Murta Antunes Pereira) corroboram, em termos gerais, a sua versão factual, as arroladas pelos autores, pelo contrário, vão em sentido inverso. Ponderando isso, o teor dos levantamentos topográficos de folhas 349 a 352, os depoimentos das testemunhas Belmiro Francisco, um dos herdeiros dos prédios hoje dos autores e dos réus, que negociou o prédio inscrito sob o art.º 1.112 para o interveniente/recorrente e é dono de um prédio sito nas proximidades, e José Vasco Barbosa Nunes, anterior proprietário do prédio inscrito na matriz sob o art.º 4.555, que, de forma bem clara, conseguem relatar a configuração dessa faixa de terreno e a intenção dos vários interessados na partilha dos vários prédios (entre os quais o dos autores e o dos réus), em não a integrar em qualquer dos prédios, mas sim reservá-la ao uso comum de acesso a cada um dos prédios, afigura-se-nos acertada a decisão da 1ª instância que dirimiu a matéria de facto. A motivação dessa decisão apresenta-se até bem exaustiva, escalpelizando os diversos meios probatórios produzidos e valorando-os de forma coincidente com a nossa.
Aliás, convém lembrar que o julgamento da matéria de facto é caracterizado, como se sabe, por padrões de probabilidade e nunca de absoluta certeza, pelo que a circunstância dos depoimentos de algumas testemunhas propenderem no sentido da versão alegada pelos recorrentes não impedia o tribunal de não a dar como assente, com base nas regras da experiência comum e noutros meios probatórios considerados mais consistentes e credíveis.
Em suma e para concluir, inexiste motivo para modificar a decisão referente ao julgamento da matéria de facto nos moldes propugnados pelos recorrentes.
Em face disso, cremos ser bem evidente que não assiste àqueles razão em negar a existência da serventia em causa, como bem ajuizou e sentenciou a 1ª instância, para a qual remetemos neste ponto. Aliás, o fulcro essencial do recurso incidia sobre a modificação da decisão relativa à matéria de facto e, como os recorrentes não lograram fazer reverter a seu favor essa decisão, comprometida ficou a hipótese de afastar a existência da faixa de uso comum e obterem ganho de causa.
Improcede, assim, tudo o que em contrário os recorrentes invocaram e concluíram na sua alegação recursiva, o que determina o naufrágio da apelação e a confirmação do sentenciado na 1ª instância, que não merece os reparos que lhe apontam, nem viola qualquer uma das disposições por eles indicadas.
IV - Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento aos agravos e julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmar os despachos e sentença recorridos.
Custas pelos recorrentes.
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Coimbra, 24 de Maio de 2005