Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
67/03.0TBOFR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: COMPENSAÇÃO DE DÍVIDA
ACÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 03/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 847º SS DO CÓDIGO CIVIL E ALÍNEA G) DO ARTIGO 814º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1) A compensação constitui uma das formas de extinção das obrigações prevista nos artigos 847º ss do Código Civil, tornando-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, por via judicial ou extra-judicial.

2) Todavia sendo arvorada como fundamento de oposição à execução baseada em sentença a compensação de créditos, a mesma só poderá encontrar acolhimento na alínea g) do artigo 814º do Código de Processo Civil, i.e. " Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

3) Pretende-se evitar por um lado que o processo executivo sirva para invalidar o caso julgado e por outro lado também que a oposição à execução se preste a um renovar de litígios a que pôs termo a sentença.

4) Para efeitos compensatórios na acção executiva, o que conta é a anterioridade do crédito que se pretende compensar e não o momento em que a declaração de compensação é feita ao credor; caso assim não fosse, descoberto estava o expediente para iludir as exigências legais, deixando o funcionamento do mecanismo compensatório inteiramente à mercê do devedor.

Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

Por apenso aos autos de execução comum, para pagamento de quantia certa, instaurado por A... contra a executada B... . e em que é pretendido o pagamento de € l.569,82, veio esta última deduzir oposição à execução alegando, em síntese, que a exequente lhe deve o montante de € 2.967,86, que não lhe pagou apesar de instada a fazê-lo, pelo que pretende compensar o seu crédito com o débito que tem para com ela, nada lhe devendo.

Conclui pela procedência da oposição e que seja desobrigado de pagar a quantia exequenda.

Recebida a oposição, depois de apensada ao processo executivo, foi a Exequente notificada para contestar, o que fez, pugnando pela sua total improcedência, aduzindo que nada deve ao opoente. Acresce que a oposição é inadmissível porquanto a compensação é anterior a propositura da acção condenatória e além do mais prescreveu.

No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância; e entendendo o Sr. Juiz que podia conhecer de imediato do pedido, julgou improcedente por não provada a oposição à execução e assim ordenou o prosseguimento da mesma.

Daí o presente recurso de apelação interposto pela oponente, a qual no termo da sua alegação pediu que a decisão recorrida seja substituída por outra que julgue a oposição procedente com fundamento na extinção da obrigação por via de compensação.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) A decisão recorrida fez errada interpretação do artigo 814º do Código de Processo Civil, mais concretamente a alínea g). O fundamento que serviu de base à oposição foi a compensação como causa de extinção da obrigação além do cumprimento, sendo facto extintivo da obrigação, operou em momento posterior ao encerramento da acção declarativa e encontra-se demonstrado por documentos.

2) A decisão recorrida não atendeu por via disso ao facto extintivo, compensação como fundamento da oposição, desconsiderando desta forma o preceituado na alínea g) do artº 814º do C.P.C.

3) A compensação é fundamento válido de oposição à execução baseada em sentença, desde que tenha ocorrido em momento posterior ao encerramento da discussão e se comprove por documentos, como é o caso, já que é facto extintivo da obrigação;

4) A decisão recorrida fez errada interpretação do artº 814º do C.P.C., ao considerar a data do alegado crédito, que de facto assim não é, e não a data em que operou a compensação e consequente extinção da obrigação, efectivada e validamente formalizada em data posterior ao encerramento da acção declarativa,

5) Sendo por via disso, válida, eficaz e servindo de fundamento à oposição, como facto extintivo da obrigação, deduzida pelo ora recorrente. (sic).

6) A decisão recorrida devia, ao contrário do decidido, ter julgado procedente a oposição com fundamento na extinção da obrigação em consequência da compensação, nos termos e para os efeitos previstos na alínea g) do artº 814.º do C.P.C. e artº 847º e segs. do Código Civil.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTOS.

O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. Nos autos principais, por sentença transitada em julgado datada de 14 de Julho de 2004 foi decidido “Condeno a Ré a pagar ao Autor, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, o montante de € 1 431,68 (mil quatrocentos e trinta e um euros e sessenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora, calculados às sucessivas taxas legais, desde 3 de Fevereiro de 2003 até efectivo e integral pagamento”.

2.1.2. A factura junta a fls. 7 deste apenso, no valor de € 2.296,86, datada de 31.08.2004, consta “Serviços prestados na execução e acompanhamento em contabilidade fiscalidade e afins, referente aos meses de Janeiro a Setembro inclusive de 2002”.

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2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- A compensação judicial em processo de oposição à execução. Requisitos substantivos e processuais.

- O caso vertente à luz das considerações expendidas.

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2.2.1. A compensação judicial em processo de oposição à execução. Requisitos substantivos e processuais.

A compensação constitui uma das formas de extinção das obrigações prevista nos artigos 847º ss do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem. Estatui o nº 1 do citado artigo que " 1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra - artigo 848º - e tanto pode ser feita por via extra-judicial, sem dependência de forma – artigos 217º e 219º do Código Civil – como recorrendo à via judicial, desde logo através de notificação judicial avulsa1. Mais melindroso é contudo o exercício da compensação quando a mesma é feita judicialmente e a título de defesa deduzida em juízo. Prescindindo, porque desnecessário, de historiar as vias traçadas desde o Código de Processo Civil de 18762, interessa considerar que com a reforma de 1967 veio o Código Civil, no artigo 274º nº 2 do Código de Processo Civil admitir expressamente a reconvenção "quando o Réu se propõe obter a compensação". Todavia ainda assim não se congrega unanimidade quanto ao exercício da compensação; é que se há quem entenda que esta deva revestir sempre a forma de reconvenção, outros reservam-na para a hipótese de a compensação não ter operado extrajudicialmente. Para outra posição – que nos parece ser aliás a mais razoável e seguida pela maioria da Doutrina "a compensação deverá ser deduzida como excepção; todavia se o compensante detiver um crédito superior ao do Autor e pretender que este seja condenado na diferença, haverá que lançar mão da reconvenção.

Todavia sendo arvorada como fundamento de oposição à execução baseada em sentença a compensação de créditos, a mesma só poderá encontrar acolhimento na alínea g) do artigo 814º do Código de Processo Civil, i.e. "Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. Compreende-se que o facto tenha que ser posterior ao encerramento da discussão; pretende-se evitar por um lado que o processo executivo sirva para invalidar o caso julgado e por outro também que a oposição à execução se preste a um renovar de litígios a que pôs termo a sentença3. Como refere Manuel de Andrade "Se a sentença reconheceu no todo ou em parte o direito do Autor ficam preenchidos todos os meios de defesa do Réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir e até os que poderia ter deduzido com base num direito seu (…).

Neste sentido, pelo menos, vale a máxima segundo a qual o caso julgado cobre o deduzido e o dedutível ou tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat"4.

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2.2.2. O caso vertente à luz das considerações expendidas.

Pretende a oponente B..., compensar o crédito do exequente A... no montante de € 1. 432,68, acrescida de juros que por via da execução apensa lhe é exigido com aquele que por seu turno tem sobre o exequente no montante de € 2.967,86 e assim que se declare extinta a execução. Todavia e na sequência do que deixámos acima dito, a oponente só poderia compensar o seu crédito com a quantia exequenda se provasse que o mesmo estava nas condições a que alude o artigo 814º nº 2 alínea g) do Código de Processo Civil, i.e. que o mesmo era posterior ao encerramento da audiência de discussão e julgamento da acção de onde emergiu a sentença que reconheceu o crédito e que ora se executa. Contudo in casu o crédito que ora se executa é posterior àquele que se pretende compensar; com efeito a acção declarativa na qual o oponente foi condenado a pagar ao exequente a quantia de € 1.431,68 acrescida de juros foi instaurada muito antes de 3 de Fevereiro de 2003 (data da sentença que se executa), o que afastaria a possibilidade de qualquer compensação.

Quanto ao sentido da alínea g) do artigo 814º do Código Civil não nos parece que o mesmo comporte dificuldade de interpretação e aplicação; pelos fundamentos supracitados e que estão na base dos requisitos da compensação em processo executivo o que conta é a anterioridade do crédito que se pretende compensar e não o momento em que a declaração de compensação é feita ao credor; caso assim não fosse descoberto estava o expediente para iludir as exigências legais, deixando o funcionamento do mecanismo compensatório inteiramente à mercê do devedor.

Nesta conformidade a apelação terá que improceder.

Poderá assim concluir-se o seguinte:

1) A compensação constitui uma das formas de extinção das obrigações prevista nos artigos 847º ss do Código Civil, tornando-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, por via judicial ou extra-judicial.

2) Todavia sendo arvorada como fundamento de oposição à execução baseada em sentença a compensação de créditos, a mesma só poderá encontrar acolhimento na alínea g) do artigo 814º do Código de Processo Civil, i.e. " Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da

discussão no processo de declaração e se prove por documento.

3) Pretende-se evitar por um lado que o processo executivo sirva para invalidar o caso julgado e por outro lado também que a oposição à execução se preste a um renovar de litígios a que pôs termo a sentença.

4) Para efeitos compensatórios na acção executiva, o que conta é a anterioridade do crédito que se pretende compensar e não o momento em que a declaração de compensação é feita ao credor; caso assim não fosse, descoberto estava o expediente para iludir as exigências legais, deixando o funcionamento do mecanismo compensatório inteiramente à mercê do devedor.

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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando assim a sentença apelada.

Custas pelo apelante.